Reviver escrita por LaviniaCrist


Capítulo 36
Brinquedo




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— Alfred, por que o meu filho ainda não está na cama? — Bruce perguntou em alto e bom som, deixando claro que estava desapontado – e mal-humorado. Ele descia as escadas com pressa, ajeitando os últimos botões do sobretudo que tampava a parte já vestida do uniforme.

— Ele ainda está se recusando a comer, Patrão Bruce — o mordomo respondeu com certo pesar.

Damian, por mais obediente que estivesse sendo, se negou a comer qualquer coisa que fosse desde a manhã daquele dia. Notadamente, este tipo de “mal comportamento” se iniciou quando Selina se despediu do pequeno com uma desculpa qualquer sobre um trabalho de modelo fora da cidade. Por mais que a “mãe” tivesse os motivos para ir até Metrópole, a criança entendia aquilo como mais uma pessoa se afastando dele – já faziam dois dias desde que Jason saiu.

— ... Dick disse que faria ele comer — O Wayne parou no penúltimo degrau, apertou as têmporas e esperou até a visão focar novamente.

— O Mestre Dick não conseguiu.

— Não consegui ainda, Alfred — O rapaz deu um sorriso encorajador enquanto se aproximava deles — Mas aposto que se o B vai conseguir convencer ele!

— ... Quem você acha que tentou primeiro? — O mordomo suspirou — Ele deveria estar com fome, se não comeu nada o dia todo...

— Ele comeu morangos enquanto estava comigo... — o pai respondeu desinteressado, passando as mãos no tecido para tirar os amassados e caminhando lentamente em direção ao salão de jantares.

— Não estamos na época de morangos, Patrão Bruce — Alfred ergueu uma das sobrancelhas, acusador, esperando uma justificativa válida para aquilo não ser apenas um tipo de desculpa para a falta de apetite da criança.

— Balas de morango.

— Ah...! — o idoso fingiu surpresa, caminhando logo atrás do Wayne — Realmente, morangos em formato de bala é algo muito nutritivo. Talvez eu devesse ter dado a ele uma pizza requentada como jantar ao invés de legumes no vapor.

— Talvez ele não goste mais de legumes — Dick disse como se desvendasse um mistério, otimista, indo atrás deles.

Em poucos segundos os três já estavam na porta; conseguiam ver Damian sentado à mesa, cabisbaixo, revirando a comida no prato sem o menor interesse. Bruce apertou a têmpora uma vez mais, incomodado com a visão turva; Richard continuava otimista, com um olhar dócil direcionado ao irmão caçula; Alfred, o mais experiente com crianças, deixava a preocupação transparecer:

— Acredito que o distanciamento da mãe o deixou sem fome e agora que o pai vai sair de casa... — o mordomo murmurou como quem não quer nada — Aposto que esse garoto vai se recusar até mesmo de ir para a cama... — Suspirou.

— Eu não posso ficar em casa, não hoje! — Bruce encarou o chão, repensando se realmente deveria sair de casa vestido de Batman. Por mais que quisesse ficar mais tempo com o filho, precisava criar um ambiente seguro antes.

Só de pensar no turbilhão de acontecimentos recentes, o vigilante noturno sentia um incomodo no peito. Primeiro Selina sai às pressas depois de um telefonema de Lois – ela se recusou a dar mais informações, recusou até mesmo a dizer o grau de seriedade daquilo. Depois, ele fica sabendo que o Coringa fugiu mais uma vez... só de pensar naquele louco nocivo podendo fazer algo contra Damian, a pressão de Bruce começou a ter picos.

— Por que não pode ficar comigo? — Damian perguntou já de pé, encarando os adultos com uma mistura de tristeza e sono. Diferente do pai, ele não tinha ideia do que acontecia fora dos muros daquela mansão. Essa falta de informações do exterior o deixava angustiado sem nem mesmo entender o porquê, já que a única coisa que ele sabia é que todos saiam e demoravam muito tempo para voltar.

— ... Filho... — Ele tentou buscar a resposta mais adequada, mas a maldita dor de cabeça com a visão turva o impedia de ser tão focado quanto de costume.

— Porque ele vai encontrar com a Selina e os dois vão voltar juntos! — Grayson respondeu pelo pai, tentando parecer o mais confiante possível. Ele só notou a besteira que fez quando o caçula da casa olhou para um ponto qualquer com os olhos já marejados, murmurando baixinho:

— ... Não disse que ia pra longe também.

— Não, Dami... — Dick deu um sorriso nervoso e continuou: — Eles vão voltar juntos do aeroporto, né, B?

— ... É.

Bruce finalmente encarou o filho, só para se sentir ainda pior: os olhos de Damian, aqueles olhos verdes que ficavam tão bonitos brilhando, denunciava a falta de confiança que a criança tinha no pai. Não era para menos, já que os dois mal se viam desde que voltaram do hospital. Bruce andava sempre “ocupado demais” para dar atenção ao filho, salve nas raras vezes em que esperava até ele dormir para sair de casa ou quando o pequeno ficava sentado ao lado dele, no escritório, desenhando – ambos em silêncio.

— ... Não precisam mentir... — o pequeno murmurou desanimado e foi até Alfred, abraçando o mordomo e escondendo o rosto — Ainda estou sem fome. Posso ir pro meu quarto, Sr. Pennyworth?

— Coma ao menos os brócolis, Mestre Damian — O mordomo pediu, retribuindo ao abraço. Por mais que estivesse sendo atencioso com o mais novo, mantinha um olhar pesado sobre Bruce e Richard.

— Leve ele para o quarto, Alfred. Se ele não quer comer, é melhor não forçar... — Bruce murmurou derrotado. A verdade é que qualquer tipo de repreensão poderia piorar a situação entre os dois.

— Os remédios são fortes demais pra tomar de estomago vazio — Dick explicou em um sussurro, como se tentasse esconder do irmão mais novo a completa falta de conhecimentos técnicos do pai.

O vigilante noturno soltou um suspiro pesado, apertando as têmporas e tentando pensar no que poderia fazer. A vontade que tinha era ligar para a namorada e implorar para ela voltar, ou até mesmo ir procurar Jason e trazê-lo de volta – nem que fosse à força.

Para piorar ainda mais aquele clima, Tim se juntou a eles. Damian, das poucas vezes em que ficava no mesmo ambiente que ele, fazia de tudo para se manter afastado ou ignorar o irmão mais novo – efeito ainda do ocorrido quando Timmy tomou conta dele sozinho.

— É melhor irmos antes que...! — Antes que Tim terminasse o que ia falar, ele notou o pequeno ainda abraçado em Alfred e mudou completamente o rumo daquela conversa, mudou até mesmo o tom: — ... Oi gremlin.

Silêncio.

Todos ficaram em silêncio.

Tim cruzou os braços, esperando qualquer resposta que fosse. Dick e Bruce se entreolharam, sabendo que aquilo pioraria ainda mais a situação – principalmente porque Timothy deixou claro que acompanharia o pai. Alfred, que estava servindo como um escudo para Damian, simplesmente tentou apaziguar as coisas:

— Não vai dar boa noite ao seu irmão, Mestre Damian?

— ... Noite — o pequeno sussurrou, escondendo ainda mais o rosto.

Para a surpresa de todos, Timothy sorriu e se aproximou do mais novo – efeito positivo pelas horas de sono que teve e a redução da quantidade de cafeína consumida. Com um tom amigável e até mesmo brincalhão, ele disse para que o caçula escutasse:

— Pena que o gremlin não quer falar comigo, eu ia dar um brinquedo pra ele...

— Que tipo de brinquedo? — Bruce perguntou estoico, desconfiando daquele momento de “trégua”.

— Um protótipo que não deu certo... — Ergueu os ombros, como se aquilo não fosse nada demais — Era pra ser um drone espião, mas é apenas um passarinho de controle remoto — Ele sorria, esperando pacientemente até que Damian o encarasse. Já os mais velhos, eles apenas deixaram nítida a desaprovação:

— Eu não acho que seja uma boa ideia.

— Devo concordar com o Patrão Bruce.

— Eu acho uma ótima ideia! — Dick colocou as mãos nos ombros do irmão mais novo, o separando do mordomo e encaminhando de volta à mesa — Se você comer tudo, o Tim te dá o brinquedo, né, Timmy?

— Se o Bruce concordar... — o nerd tirou a responsabilidade de cima dos próprios ombros.

— Eu não estou com fome e eu não quero brinquedo nenhum — Damian disse sério, surpreendendo a todos por parecer ter “voltado a si” de um momento para outro — Eu já tenho treze anos, não quero brinquedos.

— Você quem sabe, gremlin... — Timothy, longe de parecer ofendido, apenas sorriu de canto e continuou: — Mas não é um brinquedo qualquer... Na verdade, é até bom que você não queira: um pirralho feito você não saberia usar!

— Saberia sim! — o pequeno estava com as bochechas avermelhadas.

— Du-vi-do... — silabou lentamente, implicando com o irmão.

— Já chega vocês dois! — Bruce interferiu, esgotado e com o humor ainda mais prejudicado — Tim, pegue o tal brinquedo! E Damian, é melhor comer tudo o que está no prato antes que o seu irmão volte! — Disse sério, sem brechas para oposições.

Drake, que encarava o pai em choque, levou alguns segundos até virar de costas para todos e ir buscar o protótipo na Batcaverna. Ele queria correr e voltar o mais rápido que podia para se livrar daquele olhar severo, mas as pernas só aceitaram caminhar.

Damian encarou o prato com os legumes. Ele sentia os olhos ardendo, mas não queria chorar... não agora. Estava decepcionando o pai mais uma vez— porque ele sabia que isso já tinha acontecido antes, por mais que não conseguisse se lembrar. Ele começou a enfiar os legumes na boca o mais rápido que conseguia, mal mastigando antes de engolir. Quando terminou, sentindo-se sufocado tanto pela comida quanto pela vontade de chorar, o pequeno encarou o irmão mais velho em um pedido silencioso para sair dali.

— ... Vamos, guri... já passou da hora de você dormir — Richard sorriu, tentando fingir que nada tinha acontecido e que tudo ficaria bem. Ele pegou o irmão no colo, já que só servir de apoio para ele andar demoraria demais.

Alfred acompanhou suas crianças com o olhar, sentindo-se completamente impotente ali. Bruce, o grande errado, se jogou em uma das cadeiras e apoiou a testa na mesa – ele sentia a cabeça latejar conforme o coração batia, acelerado e descompassado.

Timothy Drake, quando finalmente voltou levando o protótipo nos braços, encarou o pai ainda assustado e logo depois saiu. Não quis perguntar onde o irmão mais novo poderia estar porque a resposta era óbvia demais: no quarto, chorando, provavelmente com Dick.

E assim realmente estavam: Dick sentado na cama com Damian no colo, chorando, murmurando palavras sem o menor sentido e que mal podiam ser ouvidas. Timmy deixou o brinquedo no chão ao lado deles, sussurrando uma promessa vazia antes de sair:

— Amanhã brincamos no jardim com ele.

O caçula nem mesmo o olhou. Continuava se sentindo péssimo, principalmente porque não culpava o pai por aquela explosão de irritação, culpava a si mesmo por ainda não ter alcançado um comportamento desejável, um comportamento que atraísse as pessoas para ele ao invés de só afastar.

— Você é muito corajoso, Dami... — Dick sussurrou algum tempo depois, quando o pequeno tinha apenas algumas lágrimas teimando em escorrer pelo rosto — Se fosse eu, teria me escondido embaixo da mesa!

— ... Ele já brigou com você? — sussurrou, ainda sem olhar diretamente para o irmão.

— Um montão de vezes! — o mais velho respondeu chegando a rir — Sabe, é aquele tipo de coisa que você fica triste na hora, mas depois vê que os dois foram idiotas.

— Mestre Bruce tem um verdadeiro talento para agir como um idiota — Alfred murmurou entrando no quarto, levando um copo com água e alguns comprimidos na mão.

— ... Já?

— Já é tarde, guri, você é que ficou enrolando para jantar — o irmão respondeu pelo mordomo, finalmente soltando o pequeno e o deixando sozinho na cama — É melhor você dormir agora.

— Mestre Dick tem razão — Alfred sorriu, se aproximando do pequeno e esperando até que ele tomasse os medicamentos.

— ... E... Alguém pode ficar comigo até eu dormir? — ele perguntou e passou as mãos no rosto, limpando as marcas de lagrima — ... Por favor?

— Não precisava nem perguntar uma coisa dessas, Dami — Dick disse pegando um livro qualquer na estante e logo depois se jogando na cama — Com direito à historinha e tudo! — Sorriu, estendendo o livro para o mais novo ler – era Damian quem lia aqueles “assuntos chatos” até pegar no sono.

— A Arte da Guerra? É sobre um pintor que foi guerrear ou algo assim? — o mais novo perguntou logo depois de olhar a capa, foleando cuidadosamente até chegar ao primeiro capítulo.

— Algo assim... — Alfred murmurou um tanto descontente com a escolha do livro, saindo logo depois e pedindo: — Não durmam muito tarde!


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Notas finais do capítulo

Sabem aquela imagem do Batman dando um tapa na cara do Robin Dick? Então, aquilo não aconteceu de verdade, aconteceu em uma história alternativa da DC (Worlds Finest Comics n.153).
Eu não li essa história ou simplesmente não lembro dela. De qualquer jeito, vou deixar um resumo curtinho aqui que peguei no site ScreenRant:
Thomas Wayne, pai do Bruce, ainda está vivo nessa história. Ele estava trabalhando em uma cura para a kriptonita verde (já vemos aqui a ligação com os kriptonianos), cura esta que interessava ao Superboy no caso de algum ataque de Lex Luthor. Thomas avisa que ainda não fez testes o suficiente com aquele soro de cura, logo, não poderia entregar.
Na mesma noite, Bruce encontra o pai morto no laboratório, nota que o soro foi roubado e consegue ver parte da roupa azul e vermelha quando o culpado voa janela afora. Provas mais do que suficientes de que o Superboy foi o culpado, motivando assim a criação do Batman que conhecemos e amamos: o órfão vingador.
Os anos se passam, Bruce treinou para assumir o manto de morcego e já tinha adotado Dick – admitindo-o como Robin também. Porém, quando Batman finalmente planeja a viagem para Metrópole para finalmente derrotar seu inimigo, Robin tenta conencê-lo que o Superman (o Superboy adulto) jamais faria algo assim.
Os dois riram bastante e Dick levou um tapa.
Ok, eles não riram, Batman apenas se descontrolou e deu um tapa na cara do Robin. Depois se arrependeu e usou até uma máquina de hipnose para limpar a memória do garoto, guardando o segredo da sua vida dupla e rompendo a parceria contra o crime.
O final dessa história é tão estranho que eu nem vou colocar aqui.



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