Já haviam se passado dois dias.

Mais especificamente, dois dias e nove horas.

Com exatidão: dois dias, nove horas e quatorze minutos desde que Jason ficou longe do irmão mais novo por uma distância maior do que alguns passos.

Em questão de proteção demasiada, todos os integrantes daquela família estavam indo aos limites para cuidar de Damian – excerto por Tim. Porém, Jason já havia ultrapassado qualquer expectativa.

O “filho rebelde” se tornou o irmão mais velho que qualquer um desejaria ter: ele brincava com Damian, o fazia comer todas as refeições, fazia-o tomar os remédios na hora certa... até mesmo arriscou fazer alguns desenhos junto ao pequeno, uma espécie de competição amigável. Bruce estava mais do que satisfeito com aquela mudança, principalmente porque tinha mais tempo livre para se dedicar à suas investigações; já Dick, portador anterior daquele cargo de prestígio como irmão favorito, tentava disfarçar os ciúmes com rondas cada vez mais frequentes...

Por falar no primogênito, quando não estava fora trajando o uniforme – apertado ao corpo, novo em folha -, se trancava no quarto e se dedicava à um passatempo que chegava a ser mórbito: passar horas em longas conversas com Barbara, Estelar, com quem quer que estivesse disposto a “relembrar” de Damian e sofrer junto com ele. Sofrer, porque ele já tinha aceitado a morte do antigo irmão. Agora, esse novo Damian não via Dick com os mesmos olhos – e nem poderia, já que falar sobre o passado verdadeiro estava proibido até segunda ordem.

— Sinto tanta falta dele correndo pra me dar um abraço... — Dick disse tentando parecer contente, mas a voz já estava embargada — Quando eu voltei, sabe? Ele veio correndo e me abraçou... — Suspirou, sentindo os olhos pinicarem — O guri não vai mais fazer isso...

— Ele é forte, tenho certeza de que vai acordar logo... — Estelar tentou soar esperançosa, mas aquele estado depressivo do ex-namorado era contagiante.

— Teve aquela vez em que ficamos esperando o Bruce e a Selina, antes do casamento. Ficamos tanto tempo sentados, só esperando... sabe, acho que eu via um “final” para o Robin nele, mas não desse jeito.

— Ainda não conseguiram descobrir o que aconteceu? — Ela tentou fingir o interesse quando na verdade queria apenas fugir do assunto mais pesado, da “morte” do Robin.

— Estão mais preocupados com outras coisas... — Ele encarou o teto. Estavam mais preocupados com o presente do que com o passado.

— Eu ainda sou a favor de métodos alternativos.

— Não, B não deixaria a Ravena chegar perto dele...

— E por que não? Se nada tem dado certo...!

— Só iria piorar tudo ainda mais, você não entenderia! — Dick a interrompeu, tampando o rosto com os braços — Qualquer coisa só piora, sabe? Como coisas ruins das quais rimos quando passa, mas isso nunca passa... só tem piorado, piorado... piorado...!

Estelar, que aproveitava aquele momento para desembaraçar as longas mexas de cabelo, deixou a escova de lado e ficou encarando o antigo namorado. Uma das vantagens da tecnologia é proporcionar chamadas de vídeo em tempo real, onde as duas pessoas conseguem ficar cara a cara apesar da distância... uma das desvantagens é que abraços reconfortantes não são possíveis. A alienígena tamaraneana chegou a abrir a boca, murmurar algo baixo o suficiente para não ser ouvida e depois se calar - não tinha o que falar.

Quando outro de seus antigos interesses românticos apareceu no quarto, Jason Todd, quase colocando as portas abaixo, ela teve a certeza de que o melhor ignorá-los e voltar a desembaraçar o cabelo.

— Cabeçudo, pensa rápido! — Foi tudo o que Jason falou antes que o mais velho fosse acertado por algo relativamente pesado, bem no estomago, o fazendo perder completamente o fôlego — Vou ter que ir resolver umas coisas, cuida do pirralho aí pra mim.

Richard destampou o rosto aos poucos, só para se sentir ainda pior ao ver Damian se afastando dele e tentando alcançar Todd, conseguindo agarrá-lo pela ponta da Jaqueta bem a tempo. O caçula tinha ignorado Dick completamente, porque a única pessoa com quem ele queria ficar era Jason:

— ... Posso ir também? — Damian pediu com a voz transparecendo a ansiedade para ir junto.

— Já conversamos, Dami... você fica com o Dick hoje, tá? Eu volto amanhã... — o rebelde sorriu, bagunçou o cabelo dele e o fez soltar a jaqueta.

— Mas Jason...! — Tentou segura-lo novamente, com ainda mais dengo na voz dessa vez.

— Já disse que não — Jason respondeu em um tom mais sério, sem nem mesmo olhar para trás enquanto saia – não tinha coragem de encarar os olhos verdes cheios de lágrimas.

E então, quando só estavam os dois D’s no quarto, o mais velho teve finalmente coragem de encará-lo de perto. Teve coragem de ver aquela criança que preferia claramente o outro irmão. Para a surpresa dele, Damian se mantinha em silêncio olhando para a porta, com uma esperança tola de que fosse apenas uma brincadeirinha de Jason.

— ... Ele não vai voltar, guri... — Dick murmurou.

— Ele foi embora? — Damian o encarou claramente preocupado — Pra sempre?

— Não, ele só não vai voltar hoje. Talvez amanhã também não, mas é porque ele vive se metendo em encrencas... — Sorriu.

— Meu pai não mandou ele embora, mandou?

— Não que eu saiba — O mais velho ergueu os ombros, nem mesmo ele poderia ter certeza sobre aquilo — Mas se mandou, o Jason faria questão de continuar vindo para irritar ele...

— ... Tem certeza? — O garoto continuava com um tom excessivamente preocupado.

— Ei, pequeno D... — Dick o puxou para perto, começando a mexer no cabelo dele como se aquele carinho pudesse acalma-lo mais — Por que dessa preocupação toda? Aconteceu alguma coisa? Alguém disse alguma coisa?

Damian apenas se aconchegou nos braços dele e escondeu o rosto. A falta de respostas já estava começando a ser angustiante, principalmente porque o pequeno Wayne tendia a acreditar em qualquer coisa que falavam com ele - e Todd tinha um senso de humor doentio.

— Jason disse alguma coisa? — Richard perguntou um pouco mais baixo, como se perguntasse de um segredo. Quando recebeu um aceno negativo, ele continuou: — Tim? Ele implicou com você de novo? — Novamente recebeu um aceno negativo — ... Bruce disse alguma coisa que te deixou triste?

— Não... — Damian finalmente o encarou — Dick, eu estou te atrapalhando?

— Claro que não, guri — Sorriu, fazendo com que o pequeno D sorrisse também — Por que pensou isso?

— Você sempre está ocupado... — Ele encarou um outro ponto, dando um sorriso bobo antes de completar: — Ou em um encontro... você tem uma namorada?

— Claro que não, Dami, não é nada disso! — Richard chegou a deixar uma risada escapar. Ele bagunçou o cabelo do irmão e fez mais uma pergunta: — Jason anda inventando coisas sobre mim, é?

O pequeno moveu a cabeça de um lado para o outro, negando. Logo depois, escondeu o rosto no abraço mais uma vez e ficou em silêncio... Dick tinha dito algo de errado.

— Ei, guri... o que foi?

— ... Nada não.

— Damian, me responde: o que foi? — Segurou o rosto do mais novo, o obrigando a olhá-lo — Se não fosse nada, você não estaria com essa cara de choro...

— Você gosta de mim ainda?

Grayson encarou o mais novo por alguns segundos, analisando tudo o que poderia ter desencadeado aquele tipo de pergunta. A preferência por Jason era algo claro, logo, Dick resolveu se afastar um pouco mais e deixar os dois aproveitarem aquele momento de irmãos... talvez tenha se afastado demais, já que na cabeça de Damian ele “nunca tinha tempo” para brincarem no jardim ou para colocá-lo para dormir.

— ... Ainda? Eu nunca deixaria de gostar de você, pequeno D — Sorriu — Eu só ando resolvendo algumas coisas e...

— Meu pai diz isso também — o interrompeu, encarando um outro ponto qualquer — Todo mundo diz isso.

— Só estamos ocupados...

— Todos dizem que estão ocupados — Ele voltou a esconder o rosto, já estava cansado daquele assunto.

— É porque estamos, Dami... — Dick suspirou, começando a se sentir culpado por ter se afastado daquela “versão” do irmão, por mais que doesse vê-lo daquele jeito. Os dois ficaram em silêncio, até que Damian finalmente falou mais alguma coisa:

— ... Minha mãe está ocupada também?

— Normalmente ela e o Bruce estão juntos e...

— Não essa mãe... — o mais novo o interrompeu mais uma vez — A minha mãe de verdade. Ela também está ocupada?

— Damian...

— Meus amigos, eles estão ocupados?

— Dami...

— Eu tenho amigos?

— Guri, eu sei que você deve estar estranhando ninguém vir ver você, mas precisa entender que você ainda não pode ficar recebendo visitas e...

— ... Ninguém gostava de mim antes, estão parando de gostar de novo... — A voz do pequeno já estava chorosa — ... Meu pai só vive ocupado, a minha mãe Selina... Você... Agora o Jason... — Ele olhou para Dick, estava se esforçando para não começar a chorar — ... E eu nem sei o que fiz de errado!

— Não fez nada de errado, Damian, se acalma... por favor, por favor fica calmo — o mais velho pediu, praticamente implorou, enquanto o abraçava mais. Não queria nem imaginar como aquela conversa terminaria se Damian continuasse se estressando com aquele assunto.

— Então... — sussurrou, levando alguns segundos até continuar — ... Então eu estou me comportando?

— Claro que sim — Respondeu, o que fez o pequeno o encarar com os olhos verdes brilhando – estava calmo num passe de mágica. Agora, querendo fugir de assuntos depressivos, Dick sorriu de canto e segurou o irmão com um pouco mais de força — Mas você precisa de um castigo por ter pulado em cima de mim...

— Mas, mas... Mas foi o Jason quem me jogou — Damian tentou se soltar.

— Lamento, pequeno D, mas eu quero a minha vingança... — O mais velho tentava se controlar para não começar a rir da expressão de pânico do mais novo — ... cócegas!

Essa palavra seguida dos risos dos dois D’s foi tudo o que Estelar ouviu antes de finalmente ter coragem para encerrar aquela chamada de vídeo. Ela precisava de algum tempo para processar tudo – e também precisava acabar de desembaraçar o cabelo.