A canção da Saudade escrita por Kori Hime


Capítulo 1
Canção da Saudade I




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A cidade estava em alvoroço com a chegada do novo ciclo que iniciava. As ruas estavam enfeitadas com lanternas brancas e vermelhas, pintadas a mão e belos arranjos florais. Havia flor de ameixa, narcisos e girassóis. O cheiro da comida também era sentido de longe, jiaozi com massas frescas e fininhas bem cozidas no vapor, tangerinas e laranjas, balinhas e bolos açucarados. E toda as variedades de vegetais e legumes temperados.

As crianças corriam animadas carregando varetas de cata-vento girando, e mulheres ordenando que elas voltassem para casa. Os comerciantes aproveitavam para vender suas iguarias e objetos, para quem passava por ali.

Todos pareciam animados, sorrindo e comemorando a safra rica dos meses que se seguiram. Aquele ano foi próspero para os agricultores. Assim como para os fazendeiros que tratavam de animais de todas as espécies. Embora o trabalho dos cultivadores ainda fosse árduo, era possível ver nos rostos deles que o ano foi também benéfico e isso trazia orgulho para as seitas, até mesmo as menores, até mesmo aqueles que cultivavam sozinhos.

Em todos os lugares, era possível ouvir a conversa das pessoas agradecendo o ano próspero, desejando que aquele novo calendário fosse igualmente rico e que as pessoas conquistassem seus desejos.

Lan WangJi entrou na estalagem, com sua pose ereta e uma expressão fria no rosto. Ele solicitou um quarto e, quando ficou pronto, pediu para que o estaleiro levasse para ele um pouco de licor, cozido de costela de porco com semente de lótus, amendoins e arroz.

A expressão do homem ficou paralisada com o pedido específico e Lan WangJi virou-se, caminhando em direção a escada para o segundo andar. Ele não precisou se virar novamente para ouvir as fofocas que as pessoas trocavam. Falavam dele como sendo um dos mais brilhantes cultivadores de sua época, entre outras coisas que ele achava exagero puro.

Em seu quarto alugado, WangJi sentou-se de forma rígida na frente da mesa, pousando Bichen ao seu lado, ele esperou que a comida fosse servida, junto com a bebida. O homem tremia com a bandeja na mão e agradecia a presença ilustre de Hanguang Jun.

Sem muitos movimento, WangJi agradeceu e o homem saiu, andando com as costas viradas para a porta, agradecendo mais uma vez, fechando a porta conforme era orientado sempre.

Assim que o quarto ficou em silêncio, WangJi suspirou. Ainda podia ouvir a algazarra do lado de fora. Em seguida, pode ouvir o som dos fogos de artifícios explodirem no céu noturno. Ele não se moveu para ver as cores brilhantes iluminando o céu, mas poderia imaginar.

Embora todos estivessem ansiosos para o ano novo, e felizes, WangJi não possuía um sinônimo específico para explicar o que estava sentido. Fazia dez anos desde o cerco na colina, que culminou a morte de Wei Wuxian.

A lembrança ainda estava viva em sua mente, assim como o nó que instaurou em sua garganta, quando ele viu o corpo de Wei Ying cair da colina. Ainda hoje, mesmo depois de tantos anos, aquela memória causava no cultivador uma dor tão grande que não conseguia amenizar nem mesmo quando tocava sua cítara. Às vezes, era ainda pior, porque automaticamente ele dedilhava os acordes da canção que tocava com Wei Wuxian, e aquilo só fazia seu coração se perder em uma tempestade de sofrimentos.

Naquele último ano, a saudade parecia doer ainda mais. Lan WangJi deixou o Recanto das Nuvens e viajou para longe. Seus pés o levaram para aquela cidade ao qual muitas vezes encontrou Wei Wuxian no passado. Foi ali que eles conversaram pela última vez, antes de eles se encontrarem novamente na Colina, naquela noite fatídica.

Sozinho, dentro do quarto, sua respiração era muito branda, e ele esticou o braço, segurando a manga da roupa com cuidado. Pegou a jarra de licor e serviu no copo de cerâmica. Depois, ele pegou a tigela de arroz e os palitinhos e colocou na sua frente, experimentou um pouco do arroz, mas não se atreveu a beber o licor. WangJi comeu também o amendoim e provou o caldo da sopa. Seu paladar era muito delicado em vista as comidas que Wei Wuxian gostava. Ele afastou a comida na mesa, encarando a jarra de licor.

Abriu um pouco do seu uniforme e tirou de lá um livro ilustrado de capa verde escuro. Deixou o livro fechado sobre a mesa, ao lado do copo de cerâmica com licor. Recordou-se do passado, quando Wei Wuxian foi castigado a copiar páginas do livro de regras da Seita GusuLan.

Wei Ying era um jovem promissor, mesmo sendo um irritante quebrador de regras.

WangJi crispou os lábios levemente, lembrando-se dos momentos que eles compartilharam naquela biblioteca, até mesmo a vergonhosa troca de livros ao qual Wei Ying rolou no chão de tanto rir, quando WangJi viu a arte pornográfica no lugar do livro que ele estava lendo.

Aquele era um livro de edição limitada, conforme lamentou Wuxian, quando WangJi picou o livro em pedacinhos na sua frente. Levou alguns anos para que ele encontrasse um exemplar igual do que ele havia picotado.

O livro idêntico pousava sobre a mesa na sua frente, ele havia conseguido aquele exemplar de um comerciante alguns anos atrás. Geralmente mantinha-o escondido num compartimento secreto em seu quarto, junto com algumas jarras de sorriso do imperador. Entretanto, especialmente naquela ocasião, ele levou o livro consigo, como era comum de se fazer pelo menos uma vez ao ano. Não era uma cerimônia como queimar dinheiro para os falecidos, mas era um ritual unicamente dedicado à Wuxian, especialmente de WangJi.

Ele abriu o livro e leu a primeira página, sua expressão não mudou nenhuma vez, já havia lido aquele livro algumas vezes desde que o adquiriu, poderia até citar alguns trechos que decorou simplesmente porque era bom de memória.

E, apesar do livro ser de um profundo mal gosto em questões de arte pornográfica, existia uma história por trás daquelas cenas de teor sexual explícito. A protagonista era solitária e vivia seus dias sonhando com o amor verdadeiro. Durante os anos, ela teve diversos parceiros, mas nenhum deles chegou ao seu coração. Quando finalmente encontrou o amor de sua vida, ele estava prestes a se casar com outra mulher e, após o casamento, a protagonista tira a própria vida.

WangJi terminou de ler o livro e o fechou. Olhou para o licor no copo e então decidiu beber. Um gole foi o suficiente para fazê-lo cair depois com a cara em cima da mesa. Ficou ali alguns minutos dormindo, antes de despertar. Ele não estava completamente desperto, apenas agia impulsivamente e com olhos abertos. Provavelmente não se recordaria daquilo no dia seguinte e era por isso que a porta estava bem fechada, assim como as janelas. Não poderia deixar aquele quarto e macular a imagem de seu clã, perambulando pelas ruas naquelas condições.

Ele pegou a jarra de licor e cheirou o conteúdo, delineando um sorrindo mínimo em seguida e falando como se Wei Wuxian estivesse sentado à sua frente. Aliás, ele até podia ver o rosto de Wuxian, seu sorriso carismático e sua beleza inconfundível. WangJi sentia ciúmes cada vez que ele usava seu charme para conseguir alguma coisa. Era inevitável ficar bravo com isso, ainda mais porque ele havia cedido algumas vezes aos caprichos de Wuxian, mesmo que um pouquinho, mesmo que para Wuxian não significasse muita coisa.

“Está ne encarando tanto por quê? Me achou bonito?” seria isso que ele diria, se estivesse ali.

Em resposta, WangJi não diria nada e Wuxian continuaria com suas provocações baratas. “O que seu tio diria se soubesse que está quebrando as regras de seu Clã? Ele te daria um belo castigo.”

— Sim. — WangJi respondeu, para a imagem de Wuxian que sua mente reproduzia.

“Ora, ora, então você é mesmo um hipócrita, tsc tsc.” Então ele imaginou Wuxian beber mais do licor. “Lendo pornografia, bebendo licor, comendo coisas apimentadas, falta arrumar uma namorada para aprender a beijar.”

Lan WangJi balançou a cabeça de forma negativa, seus cabelos moveram junto.

— Só você.

“Só eu? O que isso quer dizer?”

— Só há você.

“Sim, claro, é verdade, naquela vez na montanha Fênix. Você me beijou, mas somente você sabe disso, eu não poderia saber, já que não sou o verdadeiro Wei Wuxian.”

Com as pálpebras levemente caídas, ele disse que sentia saudades de Wuxian, depois que a imagem dele se dissipou na sua frente. Sua mão ia na direção a imagem de Wuxian, mas só pegava o vazio. Ele repetiu em voz alta que se arrependia de não ter estado ao lado dele e que se tivesse mais uma oportunidade, faria de tudo para ficar ao seu lado. Era uma promessa, que sonhava em cumprir, mas precisaria encontrá-lo novamente. Ele o procurava por todos os lugares do mundo. Se fosse preciso, ele iria até o final das terras ou mergulharia no mar para tê-lo de volta.

E a ideia pareceu muito boa naquele momento. Lan WangJi se levantou e decidiu ir atrás de Wuxian. Ele deu algumas voltas ao redor da mesa, procurando a saída e encontrou a porta fechada, mas não foi difícil deixar a estalagem. Ninguém se propôs a pará-lo, é claro.


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Notas finais do capítulo

Meu neném sofrendo
Sofro junto.



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