Flamboyant Vermelho escrita por kicaBh


Capítulo 3
Cap 3




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/789949/chapter/3

Incrível como o tempo passa rápido quando se trabalha com criança. Eu estava me sentindo muito desafiado com o projeto do autismo e estimulado como nunca.

Charlie também sentiu minha mudança, o que eu considerei positivo. Acho que ele vencer a idade de Charlote me fez bem, eu conseguia deixá-lo livre na escola, com seus amigos. Nos dias em que eu não tinha aulas com meu pequeno grupo o Charlie voltava de carona com o pai do David, cuja casa era no nosso caminho e eles tinham a mesma idade. Outro dia o Charlie até passou a noite lá. Eu progredia a olhos vistos, segundo minha esposa.

Daqui a quase dois meses ele faria seis anos e pela primeira vez comemoraríamos o aniversario de nosso filho repleto de crianças  da mesma idade. Ele ainda estava decidindo qual tema queria para sua festinha, para então prepararmos tudo e ele chamar os coleguinhas da escola, nossos amigos e os parentes da Teresa.

Realmente minha esposa tinha razão, colocá-lo na escola foi a melhor decisão que tomamos. Eu via o Charlie feliz pulando com os colegas na hora do recreio, caindo e levantando, até mesmo brigando e sentia que a vida se encaminhava como tinha que ser.

Eu estava em paz como a muito tempo não vivia, algo tão extraordinário que quando Cho me chamou para ajudar num caso nem me aborreci. Não era algo muito elaborado e eu acho que ele só queria me ver, ele fazia algo assim de vez em quando, meu fechado e amoroso amigo oriental.

Eu posso admitir que é gratificante ser bem recebido pela aquela equipe, mas bom mesmo era ver a mudança de Wylie de tímido nerd a respeitado no FBI e misteriosamente um grande atirador. Muitas e muitas vezes Lisbon me dizia que formaríamos uma dupla infalível se usássemos nossos poderes para o mal. Wylie era um exímio analista de computação e eu um analista de pessoas, se nos uníssemos poderíamos tirar dinheiro de quem quer que cruzasse nosso caminho. Mas por sorte entendemos a responsabilidade de nossas escolhas. Bom, eu demorei, mas Wylie não, ele sempre foi um bom moço.

É um prazer rever você, Jane. O loirinho me disse sorrindo, ralhando pelo fato de eu estar bem mais moreno agora.

Eu tenho ficado muito no sol, meus alunos gostam da claridade e eu preciso captar a atenção total deles. E então eu desatei a falar com empolgação do meu novo trabalho e pedindo ajuda em programas de computador voltados ao meu novo publico. Não era fácil captar a atenção de crianças especiais e essa era a graça da coisa, não eram só crimes que precisavam ser difíceis. Wylie ficou bastante empolgado comigo, ele disse que chegou a duvidar que eu conseguiria me manter longe do FBI ou distante da tentativa de controlar a segurança da Agente Lisbon. Mas eu estava me saindo muito bem. A segurança de Teresa sempre me preocuparia, mas era o trabalho dela, não havia muito o que eu pudesse fazer já que ela amava a profissão.

A Lisbon não mentiu quando disse que você anda muito empolgado, por isso não vou tomar muito seu tempo. Esse foi Cho, direto e reto. Ele continuava chefe no FBI, inclusive da Lisbon, e somente por eles é que eu ainda ajudava a solucionar alguns casos. Eu havia feito um treinamento, ensinei a ele, a Lisbon e a Wylie alguns truques e leituras pessoais. Eles estavam ficando cada vez melhores, mas quando a dúvida recaia sobre algum colega eu geralmente era chamado.

Ah, Jane, quando terminar com o Cho eu gostaria de conversar com você sobre um assunto. Eu gelei, havia me esquecido completamente da história de minha mãe, mas o tom solene só me indicava que eram as respostas. Lisbon não havia dito nada, mas eu joguei as dúvidas para lá e segui Cho para avaliarmos os perfis de um possível traidor na equipe de Pike em Washington.

Lisbon havia me dito que Pike estava com problemas e procurou por eles, varias obras de arte estavam sendo roubadas de dentro do FBI na sede em Washington e por mais que tentassem descobrir quem poderia ser, não obtinham sucesso. Quando eu esbocei o começo de um ciúme por Teresa rever Marcus ela riu da minha ideia estapafúrdia, dizendo que ele também havia se casado e estava muito feliz com Amanda, agente da área de segurança em Washington. E que estavam tentando ter um filho.

E eu quis acreditar na minha mulher, mas mudei de ideia na hora que observei Pike na sala do Cho. Ele parecia bem mais velho, cansado, os cabelos grisalhos e mal cortados lhe dando um ar de desleixo que ele nunca teve anteriormente. Parecia alguém que realmente precisava de ajuda, exibia a aliança no dedo, mas nada indicava um casamento feliz, companheirismo, cuidado e parceria. Numa primeira leitura eu intuí que ele cometeu o mesmo erro que tentou com Teresa, Marcus Pike era apressado no afeto, o que é um prato cheio para equívocos. Pike geralmente vai muito rápido e muito intenso sem perceber claramente como a relação se desenvolve. No caso com Teresa, que também me envolvia, ele a pediu em casamento em tempo recorde e queria levá-la para bem distante de mim. Sem perceber ele me forçou a tomar uma decisão sobre a Lisbon, o que me fez um tremendo bem. Tentando nos separar, acabou nos unindo.

Pike falou comigo em tom ameno, mas até sua voz parecia estar cansada. Ele parecia derrotado, no entanto me parabenizou pelo Charles e disse que eu parecia bem, descansado. Eu expliquei a ele que não trabalhar com a morte diariamente me fez muito bem.

Então quando terminamos a reunião, antes dele ir embora, nós observávamos a Lisbon dar ordens aos estagiários e olhar com Cho como fariam a operação que eu havia sugerido. Marcus Pike me falou algo que eu realmente não esperava.

Eu nunca tive a menor chance, não é?. Ele me olhou de lado. Com ela. E apontou para Teresa.  

Não. Eu me virei de frente para ele e o encarei nos olhos. Eu renasci para estar ao lado da Teresa.

Nós nos despedimos ali, um tempo depois teria notícias que meu plano funcionara e o traidor havia sido pego. O agente Junior não só havia repassado informações aos ladrões de arte internacionais como ainda mantinha um caso com a nova esposa do Marcus, o que não me surpreendeu. Mas foi um assunto que eu comentei com Teresa brevemente, não querendo me aprofundar neste passado.

Lisbon havia gostado de Pike. Quando ela me contou do telefonema onde o avisou que não iria mais se casar, tampouco se mudar para Washington, ela estava visivelmente chateada por tê-lo magoado. Eu também não gostei muito de fazer isso. Mas Pike não era o cara certo.

O cara certo era eu.

E então eu fui até Wylie para que ele me falasse sobre minha mãe.

Com tanto trabalho havia me esquecido deste assunto, de verdade. No entanto, o meu filho pareceu não ter se convencido pois, em algumas noites antes dele dormir, me perguntava sobre minha mãe. Talvez fosse a fase em que ele estava com a Teresa. Ele queria independência e colo ao mesmo tempo e eu deveria ser um espelho. Mas eu era pai, nossa relação era de camaradagem e uma certa concordância em seguir as ordens da chefona da nossa casa.

Teresa era mãe, ele precisava decidir entre amor e obediência e amparo. Ele queria a comparação comigo. E como eu não tinha, ele ficava um pouco confuso.

Wylie começou a falar rapidamente, nervoso, pupilas dilatadas. O que, claro, me fez concluir que nada bom sairia daquela conversa, então eu fui me preparando, ali naqueles segundos já que no tempo que tive para pensar nisso eu simplesmente ignorei.

Minha mãe era um buraco grande aqui dentro, o que curiosamente me fez ter várias lembranças positivas com meu pai. Apesar de severo, meu pai cuidou de mim e me fez ser o que sou. Me fazia ter orgulho de ser um Jane, da nossa linhagem circense, do treinamento que ele me deu e do quanto eu o superei. Entre erros e defeitos, ele fez um bom trabalho. Mesmo com meus defeitos, eu não sou uma pessoa ruim.

Bom, eu comecei do início, Jane. Não encontrei muita coisa, nosso sistema de certidões demorou um pouco a ser unificado e seu pessoal de origem sempre viveu as margens das estatísticas oficiais. Eu não encontrei qualquer registro que sugerisse casamento entre seus pais, a certidão de nascimento de Samantha Anne Fox jamais foi atualizada. Procurei por este nome em vários sistemas do governo e não encontrei nada satisfatório, mas a agente Lisbon havia me dito que sua mãe detestava o primeiro nome, foi quando eu procurei por Anne Fox ou Anne Jane. Não encontrei nada com o sobrenome Jane, mas Anne Fox viveu próxima a Sacramento a vida toda. Ela arranjou emprego como babá, depois trabalhou num cassino em Las Vegas. Senti Lisbon parar ao meu lado e segurar minha mão, que suava frio.

Jane, se você não estiver confortável,continuamos outra hora. Teresa me disse, com carinho.

Não, Wylie, você fez um trabalho muito bom. por favor, continue. Sinto que tem mais coisa.

Bem, sim. Eu acho um nome muito pouco para fazer uma busca, então pensei em cruzar algumas variáveis, para que a gente determine a existência de uma pessoa. Você me ensinou isso, todos somos um conjunto de coisas.

Eu estava admirado, Wylie, de todos, foi o que mais aprendeu comigo. Não fosse a timidez, ele seria um grande leitor de pessoas. Eu acho que futuramente vou pedir ao Cho para trabalhar mais a desenvoltura deste garoto, ele tem muito futuro.

Wylie, eu estou realmente impressionado com você. Precisamos passar mais tempo juntos. Eu o elogiei.

Obrigada, Jane, mas eu preciso manter minha linha de honestidade intacta. Eu sorri a brincadeira e ele continuou falando. Bem, eu cruzei o nome de sua mãe primeiro com o nome de seu pai, Aldo Jane e foi então que descobri que eles faziam pequenos números de mágica e ela era assistente em circos independentes nos anos 60 e 70. Há pouca coisa sobre isso e só encontrei reportagens porque  houve um incêndio num circo que eles trabalhavam, que não era o que você e seu pai viveram posteriormente. Houve um grande fogo no final de um espetáculo em 1979, o publico já havia saído quase todo, mas uma garota foi ao hospitalcom queimaduras da lona .E ela havia se perdido na confusão e seu avo estava procurando por ela quando teve uma síncope cardíaca. A garota contou que foi salva por uma mulher loira de cabelos encaracolados, que a retirou da fumaça. Pelas contas você teria quase 4 anos, nos registros do incêndio há o nome do seu pai com queimaduras leves nas mãos e a recusa oficial para ir ao hospital.

— Oh sim, eu tenho uma vaga lembrança de uma fumaça, meu pai comigo no colo. E depois as pequenas cicatrizes nos punhos que o fazia andar sempre de camisas de manga cumprida.

Bom, os arquivos dos anos 70 são bem ruins, mas a memória dos policiais da época são um estouro, o fato de não poder haver fotos na hora fazia com que eles fossem descritivos ao extremo ao narrar o acontecido. Li o relatório do policial que cuidou do caso e ele foi categórico ao afirmar que havia sido um ato criminoso, feito por alguém com bastante raiva e desejo de incriminar outra pessoa. Poucas pessoas do circo quiseram falar com a policia, apenas um homem, Aldo, dizia que sua mulher era a culpada por aquilo tudo, ela o estava traindo, por sorte ele havia conseguido salvar o filho. Mesmo assim ele  teve que se explicar porque o numero dele naquele dia envolvia gasolina e enquanto Aldo ficou detido você ficou uns dias...

— Em Carson Springs, abrigo para menores. Lembro disso, eu e mais alguns garotos naquela casa. Não sei quanto tempo fiquei, mas meu pai foi me buscar, consigo me recordar dele chegando com uma camisa xadrez muito brilhante para me levar embora. Foi quando retornamos ao circo que o Pete está ate hoje.  

— Sim, o laudo do incêndio foi inconclusivo e o único morto já possuía problemas cardíacos. Mas nada disso me levava a Anne Fox. Cruzei o nome de sua mãe com o seu, não encontrando nada, cruzei o nome dela com algumas outras pessoas do relatório da polícia, nada também. Então procurei algo nos seus registros da CBI e vi que quando você entrou para a policia forneceu uma lista de seus ex clientes, pessoas que você atendia regularmente para fazer as previsões.

E .... Dessa vez foi Teresa quem o apressou.

—  Anne Fox foi diarista ou babá em várias casas onde você atendia, Jane. Geralmente nas que você mais ficava, é possível que você tenha se encontrado com ela algumas vezes, sem nem ao menos notá-la.

Eu fiquei tonto. Seria possível ?

— Eu teria notado, eu teria percebido. Um dos segredos do meu sucesso era a conversa com serviçais, saber os hábitos da casa e das pessoas. Eu teria notado a mesma pessoa.

Por isso que eu liguei para algumas pessoas que você atendeu. Estranho não ter dificuldade para encontrar pessoas que guardam boas lembranças do trabalho que você fazia. Wylie parecia surpreso. Se ele soubesse das minhas histórias.

Ora Wylie, eu era uma fraude, mas uma fraude muito boa. Eu sorri para ele.

Não sei quem era mais estranho, você ou as pessoas. Mas eu perguntei a algumas sobre uma empregada, Anne Fox, e algumas se lembraram dela. Disseram que ela apareceu procurando emprego, ficou um tempo e depois foi embora sem maiores explicações . As pessoas se lembravam dela porque ela sempre tinha cheiro de Flamboyant e gostava de brincar com as crianças de hipnose.

Ela queria se aproximar. Lisbon quem falou.

Não, ela teria feito isso no primeiro cliente, eu nunca mudei de endereço. Mesmo depois que me casei, eu continuei na mesma casa.

Exato. As pessoas não confirmaram que ela tenha pedido seu endereço, algumas se lembravam que ela falou sobre você, nada demais.

Bem, Jane, eu acho que ela... ela... Wylie estava sério demais.

— Tinha medo do meu pai, ainda mais depois do incêndio.

Sim.

Não sabia o que dizer. Meu pai era um homem severo, gostava de uma bebida, mas não tenho memória de que ele fosse violento. Será que minha mãe apagou isso de minha cabeça ?

Jane, eu também pedi ao Wylie que falasse com o Pete, sobre sua mãe. Lisbon falou comigo serena. Ele disse que seu pai foi trabalhar com eles quando você era criança, chegaram apenas vocês dois e ele nunca disse nada específico, apenas que precisava de segurança. Como ele conhecia Barlow, eles o aceitaram de volta.   

Então eu segui procurando mas não encontrei nada relevante, subempregos, sempre rápidos, até o Cassino, que foi o ultimo lugar de trabalho dela cerca de 1 anos antes do ... bem, antes do fato que mudou toda a sua vida. Ela deixou o emprego porque foi internada no Hospital Geral de Sacramento para um tratamento oncológico.  Eu consegui um pedaço do ficha trabalhista, não há muita coisa digitalizada daquele inicio dos anos 2000. Mas consegui a foto do prontuário do hospital. Wylie terminou dizendo que minha mãe fez um tratamento contra câncer de pulmão, lá dizia que ela fumava bastante.

Eu peguei o papel sem olhar direito para ele, meio aéreo com tudo que ouvia. Uma foto de minha mãe. Então desci meus olhos e vi um rosto de uma mulher aparentemente uns 50 anos, no máximo uns 50 quilos, os cabelos loiros cacheados como os de Charlote e os meus, e algo que me impressionou. Seus olhos. Os meus olhos. Tínhamos o mesmo puxado nos olhos que nos dava um ar de tristeza e também um certo charme. Minha mãe.

Onde é ?

O que ? Lisbon perguntou, não entendendo a conclusão disso tudo.

O tumulo dela, onde é?

Como sabe? Wylie perguntou.

É obvio pela sua cara de tristeza e pela surpresa da Lisbon que você não sabia o que fazer com a informação e não contou para ela. Aparentemente minha mãe me observou por muito tempo sem querer se aproximar por medo ou culpa, eu não faço ideia. Mas antes dela se decidir, a vida a levou embora.

Ela ficou internada 22 dias, os médicos descreveram como um mal súbito pulmonar sem resposta a qualquer terapia.

— Onde, Wylie?

Cemitério de Sacramento . Eu fiquei esperando, porque não parecia tudo. E Jane?

Sim.

A sepultura dela está duas fileiras atrás das .........Ele não concluiu, nem era preciso. É embaixo de um flamboyant vermelho. O único de todo o cemitério. Todas as outras árvores são hibiscos.

Tive uma tonteira estranha naquele momento, fui me lembrar do dia mais triste da minha vida.

O enterro da minha família.

Eu era um homem acabado, mas fiz questão de tratar de tudo. Nem sei bem como consegui avisar as pessoas, escolher flores, a cor das roupas, o local do sepultamento.

Eu estive no cemitério de Sacramento pela manhã, queria o melhor local para deixá-las e escolhi a localização dos jazigos embaixo da única arvore com folhas avermelhadas, dava uma beleza contraditória ao local. A árvore que me dava uma boa sensação, lembro que quando tudo acabou eu permaneci sentado no cemitério, abaixo da árvore, seu cheiro me dando uma espécie de bem estar, algo próximo a conforto. Meu Deus, era uma lembrança de minha mãe. Aquele cheiro da árvore amadeirada de folhas grandes e aveludas. Várias vezes me vi olhando para estas árvores sem nunca dar o devido valor, só admirando sua beleza, mas jamais pensei que houvesse algum sentimento especial.

Quem pagou pelo sepultamento dela ?  Eu saí da memória e voltei a realidade.

— Jane, uma pena o FBI perder você, poucas pessoas fazem conexões tão rápidas. Quem pagou o sepultamento de sua mãe foi Melissa Sky, a garotinha salva por ela no incêndio nos anos 70. Wylie respondeu orgulhoso me dando um papel, um endereço de Melissa Sky Carter em Austin. E Jane, ele concluiu, eu não falei com ela.

Eu agradeci Wylie e saí com Lisbon da sede do FBI. Milhões de coisas na cabeça e sem saber como lidar com qualquer uma delas. Teresa não falou nada, deixou o silencio reinar no nosso carro enquanto seguíamos para pegar o Charlie na escola. Eu olhava para a janela e via os carros passando, pensando em minha mãe, que eu mal conheci e que jamais saberei que era, exceto que aparentemente ela ateou fogo num circo para fugir do meu pai e ajudou uma garotinha nessa empreitada. Com certeza culpada pela morte do avo da garota.

Eu vi Charlie se despedir da inspetora e vir correndo em direção a mãe, a abraçando forte enquanto contava as novidades. Ele gostava de falar sobre tudo que aprendia na escola e no quanto diziam que ele era esperto para a idade. Ele entrou no carro e me deu um beijo no rosto me cobrando a parada no sorvete do Joy que eu havia prometido a semana passada.

O papai não está muito disposto hoje, meu amor. Teresa começou a dizer a ele e embora eu detestasse realmente desapontar o Charlie, hoje eu precisava de silencio e sossego.

Eu já escolhi o tema da minha festa. Charlie falou aguardando minha reação, talvez tentando me animar.

Bom, podemos comprar sorvete no drive thru então. Eu pisquei para meu filho. Essa era a graça das crianças, o nosso mundo podia estar desmoronando que para as crianças a vida sempre continuava leve.

E quando chegarmos em casa nos sentamos na varanda para você fazer sua revelação. Teresa respondeu mudando a direção do carro. O sorvete do Joy era nosso favorito desde antes do Charlie, havia uma franquia próxima a sede da antiga CBI e várias vezes eu e Lisbon tomávamos um Sunday diante da solução de um caso.

Agora mantínhamos a tradição do sorvete na nossa casa, minha e de Teresa, da família Jane.

Ainda era a cabana que eu dei um baita duro para reformar. A gravidez de Teresa me fez apressar alguns cômodos, na minha planta não constava um quarto de bebe, mas foi com o maior prazer que eu divido a suíte em dois confortáveis cômodos, sendo um para abrigar nosso filho.

Depois que o Charlie nasceu eu consegui terminar tudo com mais calma, a Lisbon voltou a trabalhar meio expediente durante um tempo e então eu pude construir uma relação de pai e filho gigante com o Charlie. Ficávamos juntos o dia todo e eu fiz a reforma mais silenciosa que se tem notícia.

O resultado da reforma me agradava profundamente, principalmente quando via aprovação nos olhos de Teresa. Minha esposa sempre foi mais urbana, ela precisou aprender a se conectar com a natureza. Mas quando Charlie passou a se divertir com o cachorro, o pato e os gatos ela cedeu e pediu para que na varanda eu colocasse uma daquelas cadeiras de balanço que acomodavam 2 ou 3 pessoas. A noite, quando Charlie dormia, a varanda era o lugar que tínhamos para conversar sobre minhas inseguranças sobre o futuro, sobre os medos dela em relação a maternidade. Era também o lugar para namorarmos. Ali na varanda olhávamos o lago e falávamos da nossa vida.

Hoje Teresa estendeu uma toalha colorida e espalhou almofadas no chão para comermos o sorvete. Eu ainda estava calado, mas Charlie falava por todos nós. Ele contava dos colegas, das brincadeiras, do dever de casa e do que queria para a festa de aniversario . Seis anos.

Eu quero circo. Ele falou solene. Eu pensei ter ouvido errado. Eu nunca falei do circo para o Charlie, embora fizesse truques com moedas para diverti-lo, mas eu sequer me lembrava de te-lo levado ao circo. Quer dizer, uma vez o circo do Pete esteve na cidade e eu fui ver meu amigo para mostrar o Charles. Mas não ficamos para o espetáculo.

Porque? Foi Teresa quem perguntou.

Porque é colorido. E tem luzes. Ele falou e tudo estava esclarecido. Nenhum mistério oculto, apenas uma criança querendo ter bons momentos com os amigos.

Então teremos a melhor festa de circo que se tem notícias. Convide quem quiser. Eu falei surpreso, mas ao mesmo tempo, feliz.

Charlie ainda brincou comigo de quebra cabeça antes de pedirmos para que ele tomasse banho. Então o levei para o quarto e logo ele dormiu.

Essa era uma das noites que eu pensei em ficar na varanda vendo o tempo passar, pensando na minha mãe e no que encontraria ao falar com Melissa Carter, mas não senti vontade. Como nos últimos tempos, a cada acontecimento em minha vida eu sentia vontade de correr para Teresa, deitar ao lado dela e conversarmos um pouco sobre nossos pontos de vista diferentes e complementares. Então me vi voltando ao meu quarto e me deitando na cama, abraçando minha esposa.

Como você está? Ela disse suave.

Com o que exatamente ? Hoje foi um dia cheio. Eu sorri enquanto ela se virava para mim e colocava a cabeça no meu peito, numa posição que eu sei que ela adorava ficar.

Circo, Jane, quem poderia apostar nisso? Ela falou cuidadosa, embora eu soubesse que ela não queria falar sobre isso. As luzes e as cores explicaram tudo, ela sabia que o fato de vir do circo nunca foi motivo de vergonha para mim. Eu fui feliz lá. Mesmo assim me vi explicando.

O circo não é um lugar ruim para a primeira infância, Teresa. Quando eu tinha a idade do Charlie eu adorava ficar vendo as pessoas na roda gigante, a movimentação toda me agradava. As cores e as luzes. Viver na estrada, não ter regras, aprender truques. Era maravilhoso, na verdade.

— E quando mudou ?

Quando eu passei a ser parte do show. No inicio, eu só tinha 7 anos quando meu pai me exibiu a primeira vez, eu mal sabia falar o nome dos objetos direito. Ainda era divertido. Depois virou obrigação e depois dinheiro. Aí passou a ser uma obrigação e depois um meio de vida. Eu fiz parte do show por tanto tempo, pensei comigo mesmo. Até encontrar em Ângela a mesma vontade que eu possuía e não conseguia externar, que era fugir dali e viver outra vida. Sem mudanças de cidade, sem correria.

Te incomoda o tema que o Charles escolheu ?

Nah, fico feliz de viver esse lado lúdico do circo pelos olhos dele. Além do mais, quero pedir Pete para programar os melhores entretenimentos infantis que se tem notícias.

Jane, não vão ensinar as crianças nada ilegal,não é?

Claro que não. Eu menti. Parte da diversão era aprender enganar o outro, mas seriam somente brincadeiras inocentes.

E sobre sua mãe ? O que quer fazer ?

Falar com Melissa, mas quero que esteja lá comigo. Túmulos próximos, Lisbon. A vida é mesmo inTeresante.

Ou apenas tudo tenha um sentido, Jane. Embora você não acredite em vida após a morte, as vezes elas estão juntas também no plano espiritual. Eu pensei em fazer uma piadinha sobre a localização de nosso jazigo indicar com quem estaremos no além, mas não era o momento.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Flamboyant Vermelho" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.