Depois da Ruína - O Fim escrita por Bzllan


Capítulo 5
Nascer, Morrer, Renascer




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Nascer, Morrer, Renascer - Ilustração Ivan

A luz do dia começa a surgir no horizonte. Alex nem pregara os olhos à noite, e suas carregadas olheiras deixam isso evidente. Nem Nicolas. A emoção que ambos sentem ao ver o outro - parcialmente - inteiro é de encher o peito.

Sentados junto ao grupo que dorme pesado, acomodam-se próximos o suficiente para conversar sem acordar ninguém.

Os olhos de Alex estão carregados de remorso. Aproveita ter o porto seguro novamente ao seu lado para chorar toda a dor do peito.

— O que foi? - Nicolas a acolhe nos braços, passando as mãos nas costas da garota como se consolasse uma criança.

— Não acredito que fizeram isso com você por minha causa. - Ela seca as lágrimas. Está melhorando em contê-las.

— Ah, pára com isso. Foi um prazer.

— Cala a boca.

— É sério! Eu não apanharia assim por mais ninguém. - Ele consegue arrancar um sorriso da amiga. - E eu meio que não estaria aqui também.

— Às vezes eu acho que talvez as pessoas do bunker estejam mais seguras. - Ela puxa seus cabelos para trás, amarrando em um nó acima da cabeça. Precisa cortá-los.

— Talvez, mas a que custo? Estão todas com os dias contados, não estão?

Atrás deles, Eduardo delicadamente acorda um por um, oferecendo um pouco de água e um ombro amigo.

— Estou feliz que esteja aqui. Apesar do custo. - Ela diz. Pela primeira vez em dias se sente ela mesma.

— Eu também, não importa o custo. - Ele dá um beijo na testa de Alex, como costumava fazer. - Estão levantando acampamento. Vamos ajudar?

Ela concorda. Mais um dia de jornada se inicia.

 

x

 

Em incansáveis turnos, os soldados do governo rondam todos os trilhos de trem possíveis à procura dos fugitivos. Escaparam por entre seus dedos como água.

A humilhação e raiva que sentem é justificável, ainda mais porque toda a culpa recairá sobre eles. Amélia não perdoaria, e o general sabe.

Prestes a perder a paciência, a noite quase findando, o general recebe um chamado no rádio. A voz do subordinado diz as palavras que fazem seu dia.

O trem fora encontrado durante a madrugada próximo à costa leste, em um trilho em obras inacabadas.

O general sorri de modo maldoso.

Sabem por onde começar.

 

x

 

— Sabe pra onde está indo? - Júlia pergunta a Rafael, que anda na frente do grupo, agora maior e unido.

— Bom, faz um ano já. Eu estou calculando com base onde eu acho que ficava o abrigo. Isso não é muito reconfortante, é?

Júlia ri.

— Confio em você.

— É, isso também não.

Eles continuam andando lado a lado, em silêncio.

A noite parecia ter sido de um sono leve para as pessoas. Todos parecem cansados ou estressados. Poucas vozes são ouvidas, e muitas por conta de reencontros do passado. Até mesmo as crianças estão quietas.

— Rafa, eu… - Júlia começa a falar, olhando para o chão onde pisa. As palavras saem mais fáceis. - Sinto muito por Murilo. Sei que não quer falar sobre isso, e nem precisamos, mas eu… ele era como um irmão pra mim também.

A loira não quer sustentar o olhar do amigo. As lembranças de Murilo são dolorosas. Ele era um dos elos inquebráveis daquele pequeno grande grupo, e a perda dele ainda não fora suficientemente processada. Júlia não entende porque não está com o peito doendo. Falar com Rafael talvez a traga um lado humano que insiste em esconder-se.

— Eu também. - Ele diz, mantendo o olhar reto, sempre em frente. - Obrigado.

Ele aperta a mão da amiga em um gesto carinhoso.

 

Acostumam-se a dizer as horas pela passagem do sol. Calculando as sombras projetadas na floresta, algo entre oito e nove da manhã.

Andam há exaustivas horas.

Rafael teme estar enganado em relação à direção que segue ou ao espaço em que se movem, mas mantém-se confiante. Quando está prestes a admitir à amiga que segue ao seu lado, no horizonte, ao longe, vê algo destoar no verde da mata. Se aproxima para ver uma cerca de arame prata brilhante e madeira.

Ele joga o pescoço para trás em alívio, um sorriso no rosto.

Júlia esfrega uma mão na outra, empolgada.

— Mandou muito!

 

x

 

Eles nunca exploraram o sítio. Afastar-se tanto do abrigo naquela época parecera arriscado demais. 

O mato cresce até a altura de seus tórax. O terreno irregular é como uma cratera bem escondida pelas árvores. As centenas de pessoas tomam a liberdade de espalharem-se pelo local, abrigando-se por pequenas casas engolidas pelo mato.

Seguindo em frente, encontram um grande lago cheio de lodo e água parada e uma casa grande onde o proprietário deveria morar.

Do lado do lago, pendurado em uma árvore, um balanço improvisado com pneu. As crianças são as primeiras a alcançá-lo, mal testando a durabilidade daquela corda velha, mas que misteriosamente os sustenta bem.

Com um empurrão contra a porta principal, Levi estilhaça a frágil fechadura. A porta se abre com um rangido. Uma arquitetura vitoriana dá ao casarão um ar de nobreza e antiguidade. O revestimento em madeira nobre está desgastado e escurecido.

Após uma rápida análise com os olhos, o que restara do grupo se espalha pela casa. Naomi toma a decisão.

— Andamos pra caralho. Vamos deixar a galera se recompor, descansar um pouco enquanto pensamos em um plano.

— Podemos ver o que tem nessa pasta agora? - Ivan pergunta, curioso.

Alex, cuidando da pasta até então como se levasse uma criança à tiracolo, a entrega nas mãos do irmão, sentindo uma responsabilidade grande afrouxar em seus ombros.

Ele lê o nome da mãe com carinho, lembranças boas vindo à tona.

 

Alex se cansara de participar da tomada de decisões importantes. Não que ela fizesse alguma coisa, mas sempre estava lá para ouvir os amigos. Dessa vez, o sono que não dormira durante a noite vem importuná-la.

No canto do salão principal, deitada sobre sua mochila dura, tira o mais pesado dos cochilos, acordando apenas quando o irmão decide sentar-se ao seu lado. Ivan a observa. Não tiveram tempo para conversar ainda.

Sentando-se com uma boa espreguiçada, sorri para o irmão. 

— Então eu vou ser tia, é?

Ivan ri.

— É, vai sim. - Ele afirma, mas parece apreensivo. Estão sozinhos no salão, ele não precisa esconder nada dela.

— Qual o problema?

— Só preocupado.

— Com…?

— Antes eu estava só ansiosa, feliz, mas não tenho conseguido pensar em um cenário bom pra cuidar desse… bebê. A ficha ainda não caiu.

A irmã concorda.

— O que vamos fazer não é exatamente pra isso?

— Como assim? - Ele ergue as sobrancelhas.

— Não vamos… tentar deixar isso aqui "vivível"?

Ele ri com a expressão.

— É, eu tenho sonhado bastante com isso.

Ivan olha para o teto, pensativo. Alex lembra de admirá-lo bastante por isso. Por ser sonhador. Ele sempre achara uma característica fraca e frágil, mas sempre voou longe com cada um dos pensamentos.

— Com o quê?

— Ah, você sabe. Quando tudo acabar, eu quero… levar ele ou ela na praia. A gente adorava a praia, lembra? Você nem tanto, era fresquinha, mas eu… nossa, eu até comia areia.

Alex dá uma gargalhada com a lembrança. Os dois na praia - ela correndo atrás dos pombos e Ivan jogando bola ou murchando igual um maracujá no mar.

— Ele ou ela com certeza vai adorar.

— É. Eu vou ensinar a surfar, e eu vou ter tempo pra construir uma casinha bem gostosa com pé na areia. A Júlia é inteligente, vai ensinar as coisas que as crianças aprendem na escola… 

— Você? Construir?

— É, ué. Eu posso ter outros hobbies. 

Alex não segura a risada.

— Se ficar rindo da minha cara eu não vou deixar você ser minha vizinha.

Alex finge estar ofendida.

Eles deixam o assunto morrer aos poucos ali.

— Alex, sabe, você não precisa entrar lá com a gente.

A garota o olha com interrogação no olhar.

— É claro que eu preciso.

— É só que… você já fez a sua parte, se arriscou pra caralho, e não precisa…

— Ivan, - Ela o corta - eu preciso. Não vou ficar pra trás.

— Bom, alguém tem que ficar pra trás. Eu vou tentar convencer a Jú também com essa história de bebê, ela tá super sensível, mas eu duvido um pouco.

Alex ri.

— Mas é sério, - o irmão continua - eu ia ficar mais seguro sabendo que você está bem.

— Ivan, nós estamos em pouquíssimos. Eu já estive lá dentro, inclusive por muito tempo, eu vou ser muito mais útil do que você imagina.

— Eu sei que vai...

Ele pausa, cerrando um lábio com o outro.

— O que foi?

— Eu não vou estar lá pra te proteger o tempo inteiro. - Ele diz, por fim.

— Talvez eu não precise ser protegida o tempo inteiro.

— É, eu sei que não. Só prometa que vai tomar cuidado.

— Claro que vou.

— Eu quero que o Chico Júlio cresça com uma tia.

Ele diz sério, mas Alex se engasga com a risada, lembrando do boneco de ação favorito de Ivan na infância, que ele batizara de Chico Júlio. Nem se lembra de onde o nome saiu.

— Não vai chamar seu filho de Chico Júlio.

— Eu e Júlia ainda estamos discutindo essa possibilidade.

Alex se permite rir de verdade pela primeira vez em muito tempo. A simples presença do irmão a diverte.

 

— Novata? - Levi a chama da ponta da escada. - Sobe aí. Os dois.

Alex levanta as sobrancelhas, intrigada. Troca olhares com Ivan antes de os dois levantarem e seguirem escada acima.

Levi parece melhor. Ela gostaria de tocar no assunto do tio, mas o garoto parece ser do tipo que sofre em silêncio no tempo dele.

Levi guia os dois pelo enorme casarão do andar de cima. Um corredor extenso os leva a uma sala de tamanho mediano onde todos - Diego, Maia, Lucas, Júlia, Rafa e Naomi os esperam com um sorriso travesso no rosto.

— O que é isso?

— Bom, - Naomi começa - Levi contou que ficou curiosa com as tatuagens.

Naomi tira o agasalho e mostra o círculo desenhado em suas costas. Alex observa - todos têm um. Júlia ao redor do tornozelo, Lucas, no bíceps. Rafael levanta a camisa para mostrar as costelas tatuadas. Ivan lhe estende o punho. Como ela nunca percebera?

— Estivemos pensando, e… Você já faz parte da família. - Naomi, que nunca demonstrara afeto pela garota, sorri calorosamente. - Se quiser oficializar…

Alex entende onde querem chegar. Maia, sentada no chão, segura um instrumento improvisado com a aparência de um martelo, mas uma agulha na ponta. Na outra mão, uma espécie de bastão. Ao seu lado, a tinta vegetal que passaram no rosto quando foram à cidade.

— Foi por isso que eu não contei como foram feitas. - Levi abre um sorriso amarelo. Alex já sente a dor antes mesmo de aceitar.

— Encontramos a agulha aqui, deu pra improvisar o material certinho e é claro, está limpo e desinfetado. - Júlia se pronuncia.

— Qual vai ser, novata? - Maia a olha com ansiedade nos olhos, segurando o instrumento de tortura entre os dedos.

Alex sorri. As pessoas daquela sala a tocaram de modos diferentes durante os dias. Criou ali um laço forte que a faz sentir bem-vinda e acolhida.

Se senta no chão ao lado de Maia. Os outros aplaudem animados. Ela tira a blusa, deixando os ombros amostra.

— Aí? - Maia pergunta, os olhos arregalados e um sorriso travesso. - No ombro?

— Manda ver, antes que eu desista.

Maia ri. Com habilidade, molha a ponta da unha na tinta e traça um círculo perfeito no ombro da garota. Os outros sentam ao seu lado, assistindo empolgados, como se Alex passasse por uma iniciação.

Assim que Maia aproxima o instrumento de seu ombro esquerdo, fecha os olhos, aflita. A garota sabe o que está fazendo, batendo delicadamente o bastão em cima da agulha, mas a dor é mais absurda do que ela espera.

Alex guarda todos os gritos para si, soltando-os quando o sangue começa a escorrer por seu braço. Aperta a primeira mão que aparece para ela - a de Ivan.

As palavras de Levi sobre o significado rondam em sua cabeça - Nascer, Morrer, Renascer. O ciclo da vida.

É a pior dor física que Alex já sentira na vida, mas ao mesmo tempo a mais prazerosa. O círculo desenha-se aos poucos ao redor de seu ombro latejando. 

Agora é oficial - faz parte da família.


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Notas finais do capítulo

oi queridos ♥
vou me apresentar oficialmente agora hehe eu sou a Ana
essa ideia da tatuagem me deixou empolgada demaaais porque no caso eu tenho uma igual a que a alex tá fazendo
e pelos mesmos motivos
olha lá meu insta caso surja a curiosidade (@anabozollan)
e aí? curtindo?



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