Used to the Darkness escrita por lamericana


Capítulo 2
Capítulo 2


Notas iniciais do capítulo

E aí, galera? Desculpa a demora, mas aqui está mais um capítulo. Espero que a quarentena seja boa com a minha criatividade e eu consiga atualizar com uma frequência melhor para vocês.
A minha sugestão é ouvir Used to the Darkness, de Des Rocs com esse capítulo.



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O nervosismo normal de estar prestes no palco estava maior. Kai sabia que aquela era a primeira vez que entrava para dançar como a estrela principal do espetáculo. Não era mais a substituta. Tinha esperado tanto tempo por aquilo que nem parecia ser real. Assim que viu as cortinas baixarem, assumiu a posição no palco.

Estranhamente, sentia que, tanto como o ringue, aquele era seu lugar. Os primeiros acordes da música começaram a tocar e seu corpo tomou conta. Dançar não era muito diferente de lutar. Você só precisa seguir a sua marcação para saber qual o próximo movimento. Enquanto dançava, sentiu a presença de mais alguém com ela no palco, mesmo que aquele número fosse um solo. Olhou para o lado e percebeu que era um de seus irmãos, como tinha comentado o tal Raphael alguns poucos dias antes. Sorriu na direção de Amadeus, que estava vestido apenas com um roupão.

— O que eu estou fazendo aqui? – ele soou desesperado – Isso só pode ser um pesadelo.

— Não se desespere. – Kai disse, esperando que não parecesse louca por estar falando no palco. Já percebia que ninguém da plateia podia ver Amadeus, então sabia que iria soar como louca por estar falando “só”. – É só o espetáculo. Mas ninguém te vê além de mim.

Ele continuou desconcertado, apesar de começar a demonstrar estar nervoso com outra coisa antes de sumir do lado de Kai. Amadeus deu voltas no quartinho dos fundos do estúdio. Aquilo não podia ser normal. Tinha saído do banho e foi parar num espetáculo na Austrália.

Enquanto se vestia, matutava sobre o que tinha acabado de acontecer. Não importava quantas vezes revisasse o que o tal Raphael Martens tinha lhe dito, nada parecia fazer muito sentido. A dor de cabeça já tinha passado depois daquela fatídica visão, mas as visitas aleatórias que recebia e dava não ajudavam. Ninguém mais parecia perceber que, a sua volta, haviam mais pessoas que não podiam ver, só ele.

— Amadeus! – ouviu o primeiro grito do dia de Frank vindo do outro lado da porta – Chegou o primeiro cliente vindo atrás de você. Vamos lá?

— Já vou. – respondeu, começando a trocar o roupão pela calça e camiseta que tinham virado seu uniforme

Saiu do quartinho e trancou a porta. Não queria que ninguém ficasse fuçando ali dentro. Principalmente depois de ter começado a analisar os tais blockers que tinha recebido do Martens. Amadeus sabia que Frank seria o primeiro a notar a presença dos materiais químicos espalhados e iria fazer um estardalhaço do inferno para que fossem todos tirados de lá antes que alguém viesse fazer uma vistoria e desse de cara com tudo aquilo.

Colocou a chave do quartinho no bolso e foi até a recepção. Dois homens esperavam por ele. Um era Mikko, o rapaz que tinha atendido alguns dias antes e tinha tido a mesma visão do tal Raphael Martens. Dessa vez, ele estava com uma câmera da mão e um crachá pendurado no pescoço. E o outro homem que estava com ele tinha um bloco de anotação e uma caneta. Esse homem não parecia ser tão novo como Mikko, talvez tivesse por volta dos 40 anos.

— Bem vindos. – cumprimentou – No que posso ajudá-los?

— Oi. Você é o dono do estúdio? – perguntou o homem com a caderneta

— Sim. Sou Amadeus Taylor. Prazer.

— Andrew Johnson. Tô aqui pelo Times. Mikko veio aqui uns dias atrás e se encantou com o estúdio e me convenceu a vir fazer uma matéria.

— Podem entrar, por favor.

Andrew e Mikko seguiram Amadeus para dentro do estúdio. O repórter se sentou em uma das cadeiras indicadas pelo tatuador e começou a fazer perguntas relacionadas à trajetória de Amadeus no mundo da tatuagem e de onde surgem inspirações para os desenhos.

— Só estou com uma dúvida. – Andrew começou – Quando você começou a tatuar, você disse que estava fazendo faculdade. Qual o curso que você fez? Chegou a terminar?

— Fiz engenharia química. E terminei o curso e, por mais ou menos um ano, trabalhei com produtos farmacêuticos. Mas chegou a um ponto que eu tive que escolher entre a química e a tatuagem.

— Desculpa se for muita intromissão, mas a tatuagem mudou alguma coisa na sua vida pessoal ou afetou relacionamentos?

— Não. Já tinha me afastado da minha família quando me assumi gay e isso foi logo que entrei na faculdade, então trabalhar com tatuagem não mudou muita coisa. No máximo, a tatuagem me apresentou a novas pessoas.

Andrew anotou as respostas de Amadeus. Para Andrew, aquela reportagem era claramente para preencher espaço, já que seu editor vivia no pé de todos para que fossem feitas matérias para a eventualidade de um dia que fosse mais parado. O que ele não entendia era a necessidade que Mikko tinha de estar ali.

— Alguma ideia para as imagens? – o jornalista perguntou a Mikko

— Várias, na verdade. Mas prefiro que você termine de fazer as perguntas. Vou precisar dele pra fazer as fotos.

— Então vou fazer só mais uma pergunta pra adiantar o seu processo. – Andrew se virou para Amadeus – Então, como você trabalha nos desenhos que vão ser tatuados? Você vai no sistema mão livre ou tem sempre um trabalho adiantado?

— Depende da arte que eu vou fazer. – Amadeus respondeu – Alguns projetos são mais fáceis de fazer e acaba sendo melhor ir na mão livre. Outros preciso fazer o esboço. Mas também depende muito do cliente e de coisas como o tipo de pele e que tipo de desenho que querem. No fim, a decisão final é de quem vai ser tatuado.

Andrew acenou para Mikko. O finlandês assumiu o controle e dirigiu como queria que fossem as fotos. Quando teve um momento a sós com o tatuador, começou a puxar conversa.

— Recebeu alguma visita de alguma das meninas nesse meio tempo? – perguntou

— Não propriamente. Mas antes de vocês chegarem eu estava no espetáculo de Kai. Foi estranho. – resumiu o tatuador – Além do fato de ninguém mais poder me ver além dela.

Maria andava de um lado para o outro. Aquele caso era decisivo e nada do seu cliente aparecer. Não que aquilo fosse propriamente uma surpresa. Já tinham escondido uma prova que seria muito importante para o caso. Ela deu mais um passo e se viu no escritório de Danielle.

— Precisa de ajuda, irmãzinha? – perguntou Danielle

— Se você conseguir fazer meu cliente aparecer e deixar de ser um completo imbecil, sim, por favor. Eu seria eternamente grata.

— Infelizmente não posso fazer isso. Mas o atraso não é meio que uma característica cultural aí no Brasil?

— Não esse tipo de atraso. Eu to esperando no tribunal.

— Essa dói. Espero que dê certo aí pra você. Porque eu tenho uma aula pra dar. Qualquer coisa, aparece por aqui.

— Pode deixar.

Quando retornou ao corredor do tribunal, Maria seguiu para o banheiro. Sabia que seu cliente ainda iria demorar. No caminho, foi parada por um desconhecido.

— Maria Apolônia? – o homem perguntou

— Desculpa, mas quem é o senhor? – Maria tentou desviar da conversa. Detestava que lembrassem do segundo nome que seus pais lhe deram.

— Acho melhor conversarmos aqui. – ele a guiou para dentro do banheiro dos funcionários do fórum e trancou a porta. – Meu nome é... – o homem hesitou. De repente, ele parecia incerto. – Carlos. Eu vi você no corredor e percebi que você estava conversando com alguém do seu cluster.

Maria se assustou. Até onde sabia, ninguém podia ver os irmãos dela.

— Como...? – ela começou

— Não tenho muito tempo. Preciso que você olhe nos meus olhos. – Carlos pediu – Tenho como ajudar seu cluster e você olhando no meu olho, é uma forma de criar uma conexão.

Maria acatou. Desde a visita de Raphael dias antes, tudo em sua vida tinha sido intenso, e aquele encontro com aquele desconhecido não fugia à regra.

— Quando você entrar no tribunal, faça o seu trabalho. Eu vou tentar lhe ajudar. Vai ser complicado ganhar esse caso, mas duas cabeças pensam melhor do que uma. – Carlos continuou a explicar

— E o que você quer em troca? – Maria questionou

— Ajuda contra o BPO.

Mikko e Andrew já tinham saído do estúdio. Pelas previsões do jornalista, a matéria deveria ser publicada dentro de alguns dias. Frank andava atrás de Amadeus insistindo para que fosse feito alguma coisa para o feriado que estava chegando. Depois iniciou um monólogo sobre a presença de Mikko após a tatuagem para a entrevista.

— Se você está com ciúmes, avisa, porque aí eu cancelo o processo do divórcio e você para de sair com seus machos. – tentou debater Amadeus – Que tal?

— Eu não vou assinar divórcio nenhum.

— Então para de sair com esses homens que você usa de chaveiro para tentar me fazer ficar com ciúmes.

— Eu não faço isso.

— Não. Claro que não. – Amadeus ironizou – Frank, entenda uma única coisa e uma coisa somente: eu estou querendo me divorciar de você. Não é um casamento aberto, não é uma separação. É um divórcio. Com um divórcio, você fica livre pra casar de novo com quem você quiser. Inclusive com o primeiro que te aparecer na frente. Mas, para isso, eu preciso que você assine o bendito dos papéis. Ficou claro?

— Só ficou claro que você é um egoísta. Porque eu sei bem o que acontece no momento que eu assinar os papéis. Você fica com o estúdio, eu com o apartamento, mas fico desempregado. Muito esperto.

— De onde você tirou isso? Em momento nenhum eu disse que ia te demitir se isso acontecesse. Acorda, Frank. É você quem cuida do financeiro daqui. E, mesmo que eu te demitisse, você não teria problema em encontrar emprego. Você pode ser praticamente um gigolô, mas tenho que reconhecer que você é competente.

— Sabe do que mais? Pra mim chega! – Frank gritou – Nunca fui tão insultado na minha vida.

Enquanto esbravejava impropérios, Frank abriu o caixa e tirou algumas notas.

— Isso aqui é o meu salário. Estou me demitindo! Que você se foda bem muito.

— Filho da puta! – Amadeus gritou de volta – Pode sair do estúdio. Bora. Sai. Se você quer sair fodendo com o primeiro que te aparece, vai em frente, mas primeiro assine os papéis do divórcio.

Kai observou todo o desenrolar assustada. Não imaginava que Amadeus fosse reagir assim. Quando Frank saiu, ela se sentiu segura para conversar.

— O que diabos ele fez? – perguntou, um pouco receosa da resposta

— Ele se recusa a assinar os papéis do divórcio. Mas adora ficar esfregando na minha cara todos os caras com quem ele transa.

— Posso conversar com um amigo meu que mora por aí. – Maria palpitou, assustando um pouco a dupla – Ele pode convencer seu ex a assinar o divórcio num instante. Não é o caminho mais correto de acordo com as leis, mas é o mais rápido e direto.

— Não é você que devia estar do lado das leis? – criticou Amadeus

— Digamos que, nas últimas horas, eu estou propensa a burlar as linhas. E pressionar esse cuzão não é quebrar as leis. É só fazer a lei ser cumprida. E eu preciso saber de vocês uma coisa. Vocês conhecem alguém que faça documentos falsos?

— Bem, não propriamente documentos falsos, mas sei quem consegue mexer com sistemas de formas não muito corretas. – contou Danielle – Por quê?

Maria explicou para seu cluster todo seu encontro com Carlos no fórum, como ele a ajudou a defender o caso de uma forma que mudou o rumo do julgamento, e da história que Carlos contou sobre o cluster de 8 de agosto.

Quando finalmente deu 18h, Maria foi com alguns amigos para um novo bar. Depois do que tinha acontecido no fórum e com o que estava acontecendo com Amadeus, preferiria ficar em casa quieta no seu canto. Mas sabia que isso não iria ajudar em nada. Além do que, não era como se conseguisse resolver tudo de uma vez sozinha.

Durante a reunião que teve com seu cluster durante a tarde, ficou combinado que Amadeus passaria a noite no apartamento de Mikko. A sensação que o grupo teve foi que Frank poderia tentar fazer alguma coisa contra Amadeus durante a noite dentro do estúdio. E quanto a Carlos, Danielle já tinha encaminhado as informações necessárias para o contato dela.

O espaço do bar estava escuro, perfeito para aquele karaokê. A sensação que Maria tinha era que todos aqueles seus novos irmãos estavam perto dela. Os primeiros acordes da música começaram a tocar e ela olhou a tela com as fotos de banco de imagens que não tinham nada a ver com a música. A sensação que Maria tinha era que aquela tela seria desnecessária. O sorriso que Danielle deu a ela confirmou o sentimento. Amadeus começou a cantarolar a primeira estrofe, sendo acompanhado por Mikko.

I've made mistakes, the Lord struck me down

Caught in a landslide, lost underground

I hear them gates, swing open loud

Come close to midnight, hell fade me down

Mesmo estando distantes, aquelas cinco pessoas que semanas antes não faziam ideia da existência do outro estavam cantando a mesma música ao redor do mundo. Entre eles, o sentimento era catártico.

Now would you pray before you twist the knife?

Yeah, would you take my hand and take a life?

I'm too damn young to give up on the light

I'm used to the darkness, I'm used to the darkness

(Hey)

I'm just a man, I'm only flesh and bone

I can't bring it back on everything I've done

And now there's no one else left to love

I'm used to the darkness, I'm used to the darkness

(Hey)

No pequeno apartamento em Londres, Amadeus e Mikko se embebedavam de vinho enquanto cantavam. Sentiam as presenças de Kai, Maria e Danielle, e, mesmo que sentissem as mesmas coisas, os dois pareciam vibrar um pouco diferente.

I got used to the darkness, too

I got used to the darkness for you

I got used to the darkness, too

Yes, I did

Quando os últimos acordes tocaram no karaokê no Rio de Janeiro, Maria recebeu aplausos vindo da mesa com seus amigos. Ela sabia que nenhum deles tinha visto seus irmãos. Mas o que importava, para ela, era que, pela primeira vez, sentiu que a conexão que tinha com eles era forte e seria muito difícil de quebrar.


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