Aonde quer que os cavalos nos levem escrita por Izabell Hiddlesworth


Capítulo 6
Aonde quer que os cavalos nos levem




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 Elsa respirou fundo uma, duas, dez vezes, e apoiou a testa contra a lateral da cabeça de Nokk. Havia uma coleção de pensamentos preocupantes golpeando sua mente, um mais urgente que o outro.

— Você precisa se acalmar — disse para si mesma, tão lentamente quanto pôde.

 A Festa da Fogueira já havia começado, fomentando um clima agitado no ar. Elsa tivera êxito em se esgueirar de uma pista para a outra e assistir aos números dos amigos sem esbarrar em Merida. Mas conseguiria fazer isso a festa inteira.

 Em poucos minutos, ela e Mulan entrariam na arena de obstáculos para o número de saltos. Entretanto, Elsa não se mostrava capaz de encontrar a concentração que o momento pedia. Continuava voltando à memória da expressão levemente decepcionada de Merida na tarde anterior, ao beijo – aquilo poderia ser considerado um beijo? – no galpão.

— Nokk, eu gostaria muito de desaparecer agora — suspirou, acariciando-o. — Eu poderia montar em você e sair daqui…. Imagina a cena: uma fuga gloriosa.

 O cavalo resfolegou, balançando a cauda.

— É... Não seria tão gloriosa assim. — Os lábios de Elsa se torceram num sorriso frouxo.

 Seus dedos deslizaram pelas presilhas de flocos de gelo na crina de Nokk. Como poderia pensar em fugir? Tinha um compromisso com Mulan, um castigo e uma promessa para si mesma para cumprir. Os pais a haviam ensinado a honrar as responsabilidades, a ser uma boa menina.

— Ei, tudo bem aí?

 Mulan estava do lado de fora da baia, com Khan seguro por uma elegante rédea vermelha. O cavalo também os encarava, como se estivesse fazendo a mesma pergunta a Nokk.

— Não tudo, tudo… — Elsa deu um muxoxo, endireitando a postura.

— Alguma coisa que eu possa ajudar? — Mulan se aproximou, o rosto tingindo-se de preocupação.

 Elsa fez menção de responder, sem realmente pensar no que diria. Porém, viu os funcionários mais atrás de Khan, esperando para auxiliar as duas até a arena. Seja uma boa menina. Assim, ela limitou-se a engolir em seco e apanhar as rédeas azul-gelo de Nokk.

— Acho que já tive ajuda o suficiente — ela refletiu, afagando o focinho do cavalo. — É algo que eu tenho que fazer sozinha agora. Mas talvez eu aceite uma noite das meninas depois.

 Mulan anuiu, solícita.

— Bem, então vamos nos divertir um pouco lá fora.

 Elsa saiu da baia de cabeça erguida, atentando-se a cada passo, à sensação da sola das botas de cano alto no chão.

 Os cavalos e cavaleiros da exibição de velocidade estavam voltando pelas portas dos fundos, então as duas guiaram seus garanhões por outra saída. O tempo lá fora estava agradável, com um sol fraco e nuvens alvas e gordas rolando pelo céu. Ainda assim, Elsa teve a sensação de que estava congelando, suando frio, e fez o possível para afastá-la antes que chegassem ao picadeiro.

 Funcionários haviam levantado a arquibancada móvel a um lado da arena, e o restante dos convidados se espalhara por trechos da cerca. Elsa teve tempo de achar os pais, Anna e Rapunzel numa das fileiras da arquibancada, logo antes de Nokk cutucá-la com o focinho. Mulan e Khan estavam a dez passos à sua frente, entrando no picadeiro.

— Vamos, Nokk. — Ela respirou fundo.

 Colocaram-se em movimento, em passos calculados, coreografados. Quando a porteira da arena foi fechada, e Elsa preparou-se para montar em sua cela favorita, ela pensou ter vislumbrado Merida próxima à cerca. Mas o sinal para que o número começasse foi dado, e o mundo se resumiu a Nokk, Mulan, Khan e os obstáculos coloridos.

 

 Mulan a abraçou com força, os broches nos blazers das duas espetando-as, os corações ainda agitados da adrenalina. Era um cumprimento pela apresentação, pelos saltos perfeitos que haviam conseguido. Porém, Elsa estava tirando mais daquilo. Precisava reenergizar-se antes de finalmente ter de lidar com as outras caraminholas em sua mente e coração.

— Se continuarem assim, os pódios da temporada já estão garantidos.

 Elas viraram-se para encontrar as amigas adentrando o estábulo.

— Vocês foram incríveis! — Rapunzel cantarolou, rodopiando

 Os outros alunos mais ao fundo a observaram com expressões confusas, o que fez Pocahontas segurá-la.

— Ah, Elsa! Você e o Nokk estavam lindos! — Anna avançou para abraçá-la. — Quer dizer, você estão sempre lindos, mas foi mágico! Nós com certeza também vamos ser mágicas no sarau.

— E vocês duas deveriam se trocar logo. Ainda faltam alguns números, mas daqui a pouco vai ser a hora de acender a fogueira. — Rapunzel empurrou ela e Mulan gentilmente.

 Elsa hesitou por um instante. Merida não estava entre as amigas, nem com Shang e José, que esperavam do lado de fora. Provavelmente deveria estar ocupada como Kristoff e os outros funcionários, ajudando em algum lugar da festa. Mas aquela ausência sopesou como se ela também não desejasse um encontro com Elsa.

— Vamos, vamos. — Mulan a puxou para as portas.

 Ela se trocou em movimentos automáticos, mal se dando conta do que e de como se vestia – Mulan teve de avisá-la que a cacharrel estava pelo avesso. Estava absorta demais, presa novamente naquele lugar flutuante. Se não havia mais um terreno para preparar, por que ela tinha fugido? Por que estava dando as costas quando queria galopar livre até Merida?

 Não sabia. Ou melhor, sabia, mas era difícil ser sincera consigo mesma.

 Por isso, Elsa se deu ao luxo de continuar ignorando o passo desenfreado das batidas do próprio coração. Só por mais alguns minutos. Se deu ao luxo de fingir que nada acontecia, enquanto acompanhava os amigos até o espaço preparado para o sarau. (...)

— Você e a Merida estão bem? — Pocahontas perguntou baixinho.

 Estavam todos numa meia-lua ao redor da área de tiro para acender a fogueira. Os irmãos DunBroch terminavam de se preparar com seus arcos a uma distância segura. E Elsa não tirava os olhos de Merida, já posicionada na linha de disparo.

— Sim? — Ela franziu o cenho.

— Então nesse ano os trigêmeos também vão acender a fogueira! — Rapunzel chamou a atenção delas por um segundo.

— Não parece — Pocahontas voltou ao assunto, inclinando-se para ela discretamente. — Não vi vocês conversando até agora, e já estamos há quase três horas aqui.

— Ainda não tivemos a chance — Elsa suspirou.

 Pocahontas a esquadrinhou, e ela temeu que mais perguntas viesse. Porém, o senhor Fergus estava anunciando o momento das flechas de fogo, e a conversa foi interrompida. Merida e os irmãos acenderam as flechas numa modesta pira, um por um. Então, DunBroch ficou em silêncio sob o céu que ameaçava o crepúsculo.

 Elsa prendeu a respiração. 

— Essa é a minha parte favorita. — Ouviu a voz de Mulan murmurar.

 Merida e os trigêmeos erguera os arcos armados. Então, com um silvo crepitante, as quatro flechas rasgaram o ar num vôo ardente em direção ao esqueleto da fogueira. Tão logo atingiram o alvo, o fogo brotou, sendo recebido com uma salva de palmas.

 A família de Merida reuniu-se num abraço apertado na área de tiro, e a música, ao redor da fogueira que crescia, começou. Elsa achou seguro respirar, enquanto fazia a palma das mãos arder na comemoração. A maioria dos convidados se pôs em movimento, ocupando cadeiras de armar ao redor das mesas de cavaletes no gramado, ou troncos forrados por mantas de lã. E a barreira humana entre ela e Merida se desfez o bastante para que seus olhares se encontrassem.

— Vamos pegar os lugares! — Shang anunciou, levando consigo a maior parte do grupo.

— Agora que as partes mais sérias já foram, é uma boa oportunidade para falar com ela. — Pocahontas cochichou num tom suspeito.

 Elsa pensou em levantar as perguntas de novo, em finalmente descobrir o quanto ela sabia. Mas Anna estava a abraçando mais uma vez, o colar enganchando-se no seu.

— Vou procurar o Kristoff. Você vai ficar bem?

 Ela tocou as mãos da irmã sobre suas bochechas, sorrindo.

— Não vai esperar até o final da festa para fazer isso, não é?

 Algo além dos ombros de Anna lhe chamou a atenção. Merida estava andando até lá, com o arco ainda em mãos.

— Não… Vou fazer isso antes do sarau. — Elsa desvencilhou-se delicadamente da irmã. E voltando-se para Pocahontas: — Pode guardar o nosso lugar?

— Vou ver o que posso fazer. — A amiga sorriu, como se soubesse de algum segredo, e virou-se para se juntar ao restante do grupo.

 Anna também se afastou, embora Elsa pudesse sentir seu olhar. Ela manteve-se parada, com as costas retas demais, quase como um soldado em posição de sentido. E esperou, no meio dos convidados que riam e comentavam sobre a festa. Esperou até que a proximidade de Merida a fizesse engolir em seco, desencadeando um suor frio em suas mãos.

— Você atirou muito bem — disse, a guisa de cumprimento.

— De nada. — Merida a reverenciou com a cabeça. — Não, espera! Obrigada! Ai…

 Elsa cobriu a boca com o dorso da mão, rindo-se.

— E você e o Nokk foram incríveis. — Merida a fitou encabulada.

— Você viu?

— E como eu poderia perder?

 Ficaram em silêncio por um instante, os olhos voltados para o chão.

— Sabe, eu…

— Preciso falar com você — Merida disse de uma vez, tomando-a pela mão.

 No segundo seguinte, estavam andando a passos apressados na direção do lago do centro. Elsa impediu-se de questioná-la, ou de observar que, na Festa da Fogueira, nenhum lugar em DunBroch era exatamente sossegado para uma conversa a sós. Deixou-se levar, atenta ao movimento ondulante dos cachos de Merida nadando no ar à sua frente.

 Pararam num círculo de bancos baixos de madeira a dez metros do lado, sob a proteção de um dos painéis de Rapunzel. Mesmo que não tivessem chegado a correr, quando Merida se virou, estava esbaforida, corada. E Elsa tentou adivinhar o que ela diria:

— Olha, sinto muito por ter fugido ontem. Eu só fiquei… hm, assustada, entende? — Ela correu a mão pelos cabelos, bagunçando os gomos da trança na parte de trás da cabeça. — Eu sei, é ridículo uma pessoa da minha idade de ficar assim por causa de um beijo acidental. Mas tem uma porção de coisas que me deixaram com receio, e…

— Elsa eu gosto de você! — Merida praticamente gritou, de olhos fechados, as mãos apertadas contra das pernas.

 De repente, os sons da festa desapareceram. Elsa aproximou-se com um passo curto, intencionando ouvir melhor.

— Eu gosto de você há um tempão! Um tempão mesmo! — Ela dobrou as sílabas da palavra, abrindo os braços para ilustrar. — E não, não é só como amiga. E eu não estou confusa! Só gosto muito de você, entende? E fiquei fugindo disso todos esses anos, porque tinha… Ok, eu tenho medo do que você vai pensar, do que você vai fazer.

 Elsa piscou, sem ter certeza se estava entendendo.

— Mas acontece que eu perdi uma corrida para a Pocahontas e o Shang, e eles me desafiaram a finalmente confessar meus sentimentos. — Merida dava impressão de estar falando sozinha, movendo-se de um lado para o outro. — Mas eu juro que iria te contar algum dia!

— Sei… — Elsa balançou a cabeça, aproximando-se.

— E eu gosto muito, muito mesmo de você. Estou apaixonada! — Merida bagunçou os cabelos com as mãos, nervosa. — O ponto que eu quero chegar é: eu te amo!

 Elsa extinguiu a distância entre elas, despida do medo, das preocupações que não levavam a lugar nenhum. Suavemente, segurou o rosto dela entre as mãos geladas do tempo, e a olhou no fundo dos olhos.

— Eu também te amo — disse, pausadamente, fazendo questão que não restassem mal-entendidos. — E você vai achar uma loucura, mas nós chegamos aqui pelo mesmo caminho.

 Merida manteve-se estática. As mãos de Elsa estavam trêmulas contra sua pele. Porém, mesmo que algo dentro de seu âmago urgisse para outra fuga, ela manteve-se firme. Sua cota de desculpas havia acabado, e era hora de enfrentar os resultados da equação.

— Merida?

— Você pode me beijar agora? — Ela segurou seus pulsos, trêmula também. — Tipo, de verdade?

 Elsa riu, soprando contra seus lábios. Mas disse sim, beijando-a de uma vez por todas.

 As centelhas surgiram de novo, ainda mais vivas, em maior quantidade. E Elsa esqueceu das regras, dos prazos, das maneiras certas e erradas. Esqueceu-se de que tinha medo de ser feliz, de calcular os danos. 

— Finalmente!

 Era a voz de Anna, vinda de algum lugar próximo. Elsa apartou-se de Merida num sobressalto, procurando a irmã. Apenas para encontrá-la com Kristoff, Mulan, Shang e Pocahontas, todos com um sorriso brilhante.

— Finalmente! — Anna repetiu, dando pulinhos. — Eu nem acredito que você cumpriu o castigo.

 Elsa e Merida se entreolharam, os lábios insistindo em abrir sorrisos.

— Tecnicamente, eu não cumpri. — Elsa sentiu as pernas cederem e sentou-se num dos banquinhos. — A Merida se declarou primeiro.

— O quê? Ela realmente se confessou? — Shang riu, eufórico.

— A gente pensou que ela fosse explodir de vergonha antes de conseguir dizer alguma coisa. — Pocahontas cruzou os braços, rindo.

— Eu disse que ela estava mandando sinais! — Anna vibrou.

 Eles se aproximaram, gargalhando como se estivessem de volta às brincadeiras de criança.

— Agora todos os casais são oficiais.

— Ainda não. Falta a Pocahontas assumir o Rolfe — Mulan provocou.

— Podemos apostar outra corrida para fazer isso acontecer — Merida a seguiu.

 Elsa e ela juntaram suas partes da história, divertindo-se sobre os males que vinham para o bem. E quando estavam todos com lágrimas nos olhos pela intensidade das risadas, Rapunzel e José os encontraram para dizer que o sarau começava.

— Acha que podemos passear com Angus e Nokk amanhã? — Merida perguntou, buscando sua mão enquanto se encaminhavam para o sarau.

 Elsa deitou um beijo sobre o dorso de sua mão, anuindo.

— Aonde quer que eles nos levem.


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Notas finais do capítulo

Yay! Chegamos ao fim :)

Querida AS, achei muito curioso ("interessudo", haha) que eu tenha te tirado depois de desejar que isso acontecesse, e também porque você mesma já me teve como AS. Foi uma delícia escrever para você, e eu realmente espero que tenha ficado do seu gosto. ♥

Obrigada a todos que chegaram até aqui! Como eu disse lá no começo, foi minha primeira vez escrevendo um crossover, e espero que não tenha ficado muito estranho. Torcendo para que vocês tenham se divertido por aqui! ♥

Obrigada pela leitura. ♥

Lollallyn



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