Aonde quer que os cavalos nos levem escrita por Izabell Hiddlesworth


Capítulo 5
Dos felizes acidentes




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— Por que você não me contou nada disso?! — Anna pulou para cima da cama, completamente indignada quando ela terminou o relatório.

— Estou contando agora — Elsa se defendeu.

— Agora! — A irmã jogou os braços para cima. — Deveria ter me contado quando aconteceu. Eu disse que você precisava fazer relatórios!

 Elsa aguardou enquanto ela discutia sozinha, dando voltas e voltas em seu quarto. Até que, por fim, largou-se no monte de almofadas sobre a cama.

— Então… Isso conta como progresso?

— Você está brincando, não é? É mais do que progresso! — Anna sentou-se depressa, pondo as mãos sobre as suas. — A Merida está caidinha por você, e eu não sei como não percebi antes!

— Sei. — Ela riu, tentando disfarçar a esperança latente de que fosse verdade.

— É sério! — Anna arregalou-lhe os olhos verdes. — Tantos e tantos sinais! Argh!

 Devagar, Elsa afundou no edredom, pensativa. Sentia que a irmã havia mostrado os termos que faltavam em sua equação complicada. Porém, desconfiava que talvez não fossem os certos. E afinal, o que ela esperava como resultado?

— Você acha que tenho progresso o suficiente para a confissão? — Custou muito que essas palavras saíssem de sua boca.

— Por que eu sinto que você transformou isso num trabalho de faculdade? — Anna virou-se para encará-la.

 Entreolharam-se por um instante, então a irmã a puxou para que deitasse em seu colo.

— Elsa, eu só te disse para fazer isso porque acho que você está perdendo chances atrás de chances, entende? Você gosta da Merida desde o ensino médio, isso é uma vida — Anna calculou, afagando seu cabelo. — Não quero que tome coragem apenas quando for tarde demais. E você está transformando isso num suplício.

— Eu sei — Elsa grunhiu.

— É só a Merida, nossa amiga de infância. O tempo de amizade de vocês já cortou todas as partes emocionantes do desenvolvimento do romance. Vocês duas sabem que a outra é bi, conhecem os lados bons e ruins, já se viram em um milhão de situação diferentes. Não tem mais terreno para preparar — Anna disse baixinho, terna. As provocações tinham sido deixadas de lado. — Por que você tem tanto medo de ser feliz?

 Elsa fechou os olhos. Não sabia a resposta para a pergunta.

 As variáveis do resultado então abriram-se atrás de suas pálpebras, e ela não as impediu. Lá estavam os cenários desastrosos: a amizade rompida, a existência ignorada. Entretanto, se fosse sincera consigo mesma, admitiria que tudo aquilo era fantasioso demais. Mesmo que Anna estivesse errada sobre os sinais, Merida jamais terminaria o laço que tinham. Como pudera sequer considerar aquelas circunstâncias?

— Não acha que contar para a Merida como você se sente é ser sincera com ela?

— Quando minha irmãzinha amadureceu tanto? — Elsa sorriu.

— Ai, meu pergunto a mesma coisa. — Anna abaixou-se para fazer-lhe cócegas. — Você precisa se confessar logo e recuperar seu papel de irmã mais velha.

 Elsa se sacudiu, levantando-se para se desviar dos ataques.

— Vou fazer isso — declarou, agarrando uma almofada para fazer de escudo.

— Daqui a seis dias.

— Daqui a seis dias — ela concordou, derrubando a irmã na cama em meio a uma gargalhada.

 

 Kristoff subiu a escada de madeira pela terceira vez, e esticou-se no último degrau para alcançar o prego com a faixa.

— Assim? — perguntou com a voz distorcida pelo esforço.

 No chão, Rapunzel fechou o olho direito e apontou o polegar para ele.

— Acho que continua meio torto — observou, encolhendo-se com um ar de desculpas.

— Não é mais fácil subir pelo mezanino? — Elsa cruzou os braços, começando a ficar impaciente com aquilo.

 Os três estavam há pelo menos meia hora com a tarefa de pregar as faixas pintadas por Rapunzel no estábulo antigo. Aquela ainda era a segunda de oito – só naquele setor da festa –, e a primeira não estava exatamente bem colocada.

— Você acha que vamos terminar isso ainda hoje? — Rapunzel cochichou, apertando as mãos em frente ao corpo. — Ainda precisamos pendurar os painéis na parte da fogueira.

— Precisamos terminar. Ainda temos um monte de tarefas na lista.

 Faltava menos de um dia para a Festa da Fogueira, e o Centro de Treinamento de DunBroch havia entrado em clima de preparação. As aulas estavam suspensas para que os alunos voluntários ajudassem na decoração, e somente aqueles que se apresentariam na festa se revezavam nas pistas e arenas. Havia uma profusão de serpentinas, faixas, fitas, cavaletes e tábuas de madeiras para as mesas, cadeiras perdidas e caixas de flores espalhadas por todo o centro. E mesmo com todos os funcionários e voluntários empenhados, as tarefas estavam se acumulando.

— Muito bem, a cavalaria chegou! — Anna pulou para dentro do estábulo, levantando poeira. — Eu trouxe mais fita adesiva e canetinhas.

— Ah, ótimo. Você pode, por favor, dizer para o seu namorado que a vida vai ser mais fácil se ele usar o mezanino em vez da escada?

— Eu vou conseguir, se vocês tiverem paciência — Kristoff reclamou. A escada bambeou quando ele tentou alcançar o prego mais uma vez.

— Acho melhor você descer daí — disse Anna, apressando-se para acudi-lo.

— Desisto — Kristoff declarou com um estalo de língua. — Vou ver o Sven e descobrir se precisam de ajuda com as mesas.

— Você fez um bom trabalho até agora — Rapunzel tentou consolá-lo, mas já estava se adiantando para mover a escada.

— Então, meninas, somos nós e os pregos agora — Anna vibrou depois de despedir-se do namorado. — Ao ataque!

— Vamos arrumar aquela primeiro. — Elsa apontou para a faixa torta entre duas pilastras.

— Acho que o forte do Kristoff não deve ser pendurar faixas.

 Tiveram tempo de pregar mais cinco faixas pintadas com sóis e cavalos correndo em meio a um mar de nuvens. Então, Merida surgiu com uma braçada de gravetos e mais um balde cheio.

— Uau, você fez um trabalho incrível, Rapunzel! — elogiou, andando até elas. Seus cabelos estavam salpicados de serragem, e o avental de pano que usava trazia a frente suja de terra. — Sério! Eu vi os painéis lá no saguão. Minha mãe está apaixonada por eles.

— Ah, que bom! Espero que os convidados da festa também gostem, pelo menos o bastante para comprar algumas telas.

— Então você escolheu expor? — perguntou Elsa, desdobrando a próxima faixa a ser pendurada.

— Sim, mas eu e Maximus ainda vamos mostrar alguns truques. — Rapunzel girou uma pirueta dupla, claramente animada com a ideia de sua própria apresentação.

— Ok, uma de vocês pode me ajudar a buscar lenha? — Merida levantou os gravetos. — Eu e meus irmãos começamos a separar o que vai ser usado na base da fogueira principal.

— A Elsa vai! — Anna e Rapunzel disseram em uníssono.

— Vou?

— Vai. — Anna a empurrou na direção de Merida. — Nós damos conta das faixas aqui.

 Elsa duvidava daquilo. Mesmo com as três juntas, a tarefa não tinha sido a coisa mais fácil do mundo. O que aconteceria, então, com Anna e Rapunzel sozinhas com pregos e martelos?

— Tomem cuidado. — Ela abaixou-se para tomar o balde da mão de Merida. — Vamos lá.

 Caminharam o mais rápido que os pesos permitiam, até que chegassem aos fundos do galpão. As três folhas de portas estavam abertas, e funcionários atarefados entravam e saíam com tábuas de madeira, latas de tinta, pás e vassouras. Elsa teve de se desviar de uma dupla que rapazes carregando um grande vaso de flores.

— Você não adora esse clima de pré-festa? — Merida perguntou com um sorriso.

— Acho que uma parte de mim é viciada no estresse da preparação. — Elsa meneou a cabeça positivamente.

 Merida apanhou um par de luvas de proteção para ela e uma carriola para carregarem a lenha. Lá fora, já na trilha de terra para a arena que onde o sarau aconteceria, os trigêmeos DunBroch levavam outro carrinho.

— Vamos buscar mais gravetos na orla do bosque. — Merida informou, guiando-a para a pista mais externa do rancho.

— De quantos gravetos precisamos?

— Hm, só mais um pouco. Meu pai e alguns funcionários já separam pedaços de tronco para a parte mais grossa do fogo. — Merida grunhiu, fazendo esforço para empurrar as rodinhas da carriola para fora de uma depressão na terra. — A estrutura da fogueira já está pronta. Nós só precisamos fazer o recheio.

— Certo.

 Elas pararam num ponto ligeiramente afastado da periferia da pista, onde a orla do bosque que contornava DunBroch era irregular, com árvores mais espaçadas. A carriola ficou de lado, enquanto as duas entrava no bosque. Nunca iam mais do que cem passos além da linha próxima à pista -- era uma das regras de segurança dos pais de Merida --, e isso teria de ser o suficiente para encontrar bons galhos.

— Eu ajudo na preparação da festa todo ano, mas acho que nunca ajudei na parte da fogueira — Elsa observou, agachando-se para remexer um trecho de terra.

— Isso significa que nós estamos crescendo, porque estão nos dando as tarefas mais importantes — disse Merida, com um ar de pompa fingida. — Acho que esse ano é especial.

— Por quê?

 Elsa passou o dorso da mão pela testa, onde os fios de sua franja se grudavam, atrapalhando-a. Podia ouvir cavalos relinchando ao longe, e pessoas discutindo instruções para levantar alguma coisa. Mas Merida estava em silêncio. Ela aguardou pelo o que pareceu um minuto inteiro, concentrando-se em apreciar a frescura do bosque. Até que ficou incomodada.

— Merida?

 Ela estava parada, mordendo o lábio inferior e a encarando. Madeixas ruivas ladeavam seu rosto, soltas do resto do cabelo. Se parecia muito com a Merida de dez anos quando era pega fazendo algo que não devia.

— Nada, nada. — Merida ajoelhou-se para apanhar o montinho de gravetos que reunira. — Acho que já temos o suficiente. Vamos voltar para o galpão, preciso pegar alguns que deixei lá.

 Uma brisa assobiou na copa das árvores. Elsa a observou se virar na direção da pista, ainda esperando que mudasse de ideia e se explicasse. E de novo estavam numa situação simples e corriqueira que parecia esconder uma charada, uma mensagem que precisava ser descoberta.

 Elsa suspirou. Pensou brevemente na conversa com Anna sobre sinais que ela não sabia interpretar. Não tem mais terreno para preparar.

 Sim, ela definitivamente iria fazer aquilo. Tinha de fazer. Ou então passaria o resto da vida se martirizando pelos sinais invisíveis.

— Você está ansiosa para amanhã? — ela sondou, encarregando-se de guiar a carriola.

— Ansiosa? Eu? — Merida riu, nervosa. — Não! — Então, depois de alguns segundos: — Aterrorizada, talvez.

— Aterrorizada? Por quê? — Elsa franziu o cenho. — A Festa da Fogueira não é uma festa de Halloween. Está assim por causa da sua apresentação?

— Não exatamente. — Merida suspirou.

 Estavam dando a volta num círculo de vasos de flores recém ajeitado para entrar na trilha do galpão.

— Vamos dizer que eu planejei uma coisa para amanhã, e não estou muito confiante de que vai dar certo.

— Eu também.

— Você acha que não vai dar certo?! — Merida estancou.

— Não. — Elsa riu, dando mais alguns passos sem ela. — Eu também planejei algo que não sei se vai dar certo.

— Vai dar. — Ela correu para alcançá-la, o rabo de seus cabelos fazendo uma nuvem de cachos às suas costas. — Você e o Nokk são incríveis. Vocês dois também são uma ótima dupla.

— Obrigada. Seu incentivo é importante. — Ela sorriu, fitando os gravetos na carriola.

— Ao seu dispor.

 O galpão estava vazio, e já haviam baixado uma das folhas da porta. Elsa achou-o um tanto mais frio e escuro, com o som das rodinhas da carriola reverberando pelas paredes. Era quase como se adentrassem um lugar estranho.

 Merida as levou pelo corredor atrás da mesa de marcenaria e sumiu atrás de um palete cheio de anéis de fita adesiva. Elsa abandonou a carriola e deu a volta para encontrá-la. Ela ajeitava um balde, maior do que o primeiro, com galhos e lascas de madeira escura.

— Tem certeza que temos o suficiente?

— Certeza é uma palavra muito forte — Merida riu, o som ficando abafado naquela parte do galpão.

 Elsa deu de ombros, puxando as lapelas da corta-vento para agachar-se ao lado dela. Foi um movimento perigoso, porém, ela só soube depois.

 Nem bem havia se ajeitado no apoio dos calcanhares, Merida virou-se para olhá-la, e o estrago foi feito. Um beijo acidental, fulgaz. Uma colisão de partículas imperceptíveis que provocou assombro. Durou apenas um átimo, mas desencadeou um milhão de faíscas em algum lugar no íntimo de Elsa.

 Ela se levantou depressa, arfando. As maçãs do rosto de Merida se coloriram de um tom róseo gradualmente. Parecia procurar por instruções, por uma validação.

— Eu… — Elsa começou, dando um passo para trás. Sua perna esbarrou numa lata com varetas para as tochas. — Eu vou ver se Anna e a Rapunzel precisam de mim, já volto.

  Merida ergueu o queixo para encará-la diretamente, com uma expressão ainda mais perdida. Mas Elsa já estava girando para sair do galpão a passos apertados, assustada demais para cumprir sua palavra.


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