Abusivo: A história que ninguém conta escrita por Pauliny Nunes


Capítulo 15
Capítulo 14




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sabe quando a cena de um filme fica em câmera lenta logo após uma reviravolta? Era exatamente assim aquele momento… Vejo os lábios da minha mãe se movendo lentamente acompanhado de seus gestos, mas ainda me sinto presa as suas últimas palavras.

Essa vida acadêmica acabou..

— Falarei com sua tia para me ajudar a pagar sua passagem… Tenho certeza que ela me emprestará o dinheiro - continua minha mãe o seu monólogo . 

Ela passa a mão pelo seu rosto cansado , deslizando seus cabelos curtos e grisalhos . Já houve um tempo que minha mãe os usava na cintura… encaracolados. Lembro de amar tocá-los antes de dormir. Engraçado é que não me lembro quando foi que passou a usá-los assim, apenas que ela decidiu por ser mais prático. Porém, não acho que seja esse o real motivo, talvez seja um sinal de abdicação…

Então seus olhos castanhos encontraram com os meus, não há mais raiva, apenas decepção: 

— De qualquer forma, lhe darei até depois de amanhã para agilizar as suas  coisas. Depois iremos embora dessa cidade… de vez.

— Eu não…

— Você não o quê? - interrompe minha mãe se levantando da cama — Não quer ir embora? Saiba que não tem mais essa opção. Não depois de tudo o que eu vi aqui…

— Deixe-me apenas terminar o semestre. Pelo menos para ter uma chance de transferência - argumento. 

—Não, você não tem mais o direito de me pedir nada. Está decidido e ponto. - afirma minha mãe cruzando os braços — Agora vou ver com a Dona Ester o colchão que ela disse que iria me emprestar, enquanto isso … arrume seu quarto,está uma bagunça.

 

 Nem bem ela sai pela porta e as meninas se espalham pelo meu quarto com seus olhos curiosos esperando que tudo o que acabaram de escutar seja repetido pela minha boca, mas não tenho forças para fazer isso agora:

 

— Sim, estou indo embora. Por favor, não me perguntem nada porque sinto que vou desabar…

—Eu sinto muito - fala Alissa me abraçando.

 

As outras meninas fazem o mesmo, exceto Betina que continua parada próxima a porta do banheiro. 

 

— Quando você vai ? - pergunta Beti.

—Terça, segundo minha mãe. - respondo , triste enquanto as meninas se afastam.

— Tem que haver um jeito -comenta Tiemi pensativa— Uma forma da sua mãe desistir dessa ideia absurda.

—Pois é, ainda mais tão perto das provas - comenta Jennifer sentando em minha cama. 

— Muito egoísmo da sua mãe fazer isso com você. - afirma Cláudia. 

— Não acho - fala Betina para surpresa de todas nós —Qual é meninas, imagina se fossem vocês que chegassem aqui e vissem o que ela viu? Eu teria a mesma atitude, ou pior.

—Pois eu discordo ! Ela tinha que confiar na filha que tem - rebate Tiemi — De qualquer forma, não tem a menor chance dela deixar você ficar? - questiona Tiemi para mim.

—Não, ela deixou bem claro que não tem essa opção.

— E se você falar com a Dona Ester? - sugere Cláudia — Pedir pra ela para ficar aqui com a gente?

— Será? Será que ela aceitaria? - pergunto. 

—Não custa tentar - comenta Alissa.

—Eu não sei se terei como pagar.

—Não se preocupe, daremos um jeito- garante Jennifer.

Então um fio de esperança surge entre nós.

****

No dia seguinte achei que as coisas estariam mais calmas entre eu e minha mãe, ou ela estaria mais tranquila. Porém, sua voz alta no portão atrai minha atenção . E não somente a dela. Paro de escovar meus dentes e caminho até o quintal onde encontro minha mãe com as mãos na cintura encarando Jean.

— Pela última vez, ela não vai com você!

—Isso quem decide é ela - fala Jean que então me encara — Catarina, vamos?

— Você não vai com ele , Catarina - impede minha mãe colocando o braço entre nós.

— Olha Dona Vera, eu entendo que  a senhora sinta o direito de dominar sua filha, mas ela tem aula e está atrasada. Ou melhor , a senhora está nos atrasando.

—Não estou impedindo de você ir pra sua aula rapaz. Estou dizendo que a minha filha não vai com você - repete minha mãe— Nem hoje, nem amanhã… nunca mais.

—A senhora está exagerando. - comenta Jean me encarando.

—Não, eu não estou. Ela não vai mais ,pois ela não vai mais estudar aqui. - revela minha mãe.

A mandíbula cerrada do Jean demonstra o quão perto de seu limite ele está. Ele me encara irritado e com razão: não contei à ele. Eu não o preparei e nem deixei a par das últimas novidades que envolvia minha vida. Eu o excluí de algo tão crucial por simplesmente não ligar pra ele.Algo que considerei melhor não fazer, justamente por ser um assunto muito sério para ser falado ao telefone. Erro meu. 

—Mãe, me deixe conversar com o Jean - peço tocando em seu braço —Por favor.

Por algum motivo ela cedeu ao meu pedido e tirou o braço da frente:

— Você tem cinco minutos. Acho que é tempo mais do que suficiente para terminar o que quer que tenham. - fala minha mãe antes de entrar.

Jean continua impassível observando minha mãe se afastar e então volta a se concentrar em mim:

— Então é isso? Passou o domingo me evitando pra agora terminar comigo, depois de tudo? E ainda tenho que escutar que você vai embora?

—Jean, nada disso foi escolha minha. - explico. — Ela decidiu que não ficarei mais aqui.

—Ela não pode fazer isso com você. Ela não tem o direito de jogar o seu futuro no lixo! É o seu futuro! Nem ela e nem ninguém pode fazer isso com você, Catarina.

—  Eu não tenho como me bancar aqui sem ela. Pelo menos não por enquanto.

— Então você decidiu jogar a toalha sem me consultar?

—Eu ia te contar. 

—Porém, não contou. Se ao menos tivesse me contado eu ja teria dado um jeito nessa situação.

—Que jeito? - pergunto.

—Simples, levaria você para morar comigo- responde Jean me deixando surpresa.

— Morar? Com você? Está maluco? - questiono, surpresa.

— O que é que tem? - rebate Jean sério — Eu não vou permitir que a sua mãe faça isso com você. E você também não deveria.

— Jean, morar junto é algo sério.

— Eu sei, é por isso que estou lhe dizendo: More comigo. - pede Jean .

— Não Jean. - recuso , mas logo me arrependo ao ver sua expressão de desgosto — Pelo menos não agora. Ainda tem uma ideia que as meninas me deram que talvez me faça ficar.- respondo.

— E qual é esse plano brilhante? - debocha Jean.

— Falarei com a Dona Ester e pedirei pra ficar morando aqui. As meninas vão me ajudar a arrumar um emprego , ou estágio, sei lá. 

— Essa é a grande ideia? Essa ideia é melhor do que morar comigo? - pergunta Jean, ofendido. — Catarina, pense bem: você não vai mais precisar aturar sua mãe, ou a chata da Ester que não lhe ajuda em nada e nem a ficar nesse lugar horroroso, dividindo com essas garotas que duvido que vão lhe ajudar.

— Eu preciso tentar -respondo — Deixe-me tentar.

—Tudo bem - responde Jean, contrariado. Ele me puxa contra seu corpo — Porém, quando essa ideia não vingar,  você vai me ligar dizendo que precisa de mim e quero que saiba que estarei aqui de braços abertos esperando por você. Eu te amo.

 

Ele me beija intensamente deixando sua marca e então vai embora. Mal seu carro saiu e minha mãe surgiu atrás de mim:

 

—Espero que tenham terminado.

— Mãe, por favor. Deixe-me terminar o semestre. Se eu não conseguir terminar, como irei conseguir ingressar em outra faculdade sem ter que esperar pelo Vestibular que só abre no final do ano? Eu perderei um ano - insisto.

— Não deveria se preocupar com isso - comenta minha mãe, enigmática —Acho melhor você deixar essa ideia um pouco de lado por enquanto.

—Como? Você está dizendo pra eu deixar o meu curso de lado? Por quanto tempo?

—Indeterminado - responde minha mãe - Falei com a sua tia e pode ter certeza que a última coisa que você fará em BH é estudar. Agora vá ajeitando suas coisas enquanto vou  a rodoviária comprar nossas passagens para hoje, se possível.

Ela sai sem nem ao menos me deixar falar. Meus olhos se enchem de lágrimas até que noto que a Dona Ester estava observando toda a cena. Aquela era minha oportunidade: 

— Dona Ester, nós precisamos conversar.

***

 

— Um calção de três meses de aluguel antecipado, mais a pintura do quarto. - informa Dona Ester me entregando a folha de papel com todos os cálculos feitos para a minha permanência. 

— Bom , eu estava pensando em continuar com o contrato da minha mãe - explico , assustada com os números. — Só que ao invés dela pagar , eu faria isso.

— Claro. Neste caso preciso considerar os valores em atraso da sua mãe. - informa Dona Ester anotando outros valores um pouco mais exorbitantes que o primeiro—  Preciso que pague isso antes de morar.

— Dona Ester… Não teria como eu ir pagando no decorrer dos meses? Eu não teria esse valor de pronto.

—Não, não posso. Já tomei o calote da sua mãe e não repetirei o erro com a filha. Se quiser morar aqui, tem que pagar isso e aí sim poderia alugar o quarto.

— Obrigada - agradeço indo em direção ao quarto da Betina, a única que está em casa. bato na porta algumas vezes— Beti?

— Sim - responde Betina abrindo a porta  —Oi, entra ai.

— Eu falei com a Dona Ester e ela me passou os valores - digo mostrando os papéis para Betina que arregala os olhos — Eu não  sei o que fazer…

— Uau, isso é muito alto - comenta Betina, surpresa — De onde vai tirar esse dinheiro? 

—Não sei, as meninas disseram que iam me ajudar - comento com a Betina que faz uma careta — O que foi?

— Mesmo assim… E depois? Como você vai se manter aqui? Afinal, você não viverá de ar. E ai?

— Bom, eu posso arrumar um emprego - respondo recebendo um olhar de reprovação — O que foi, Betina?

— Sinceramente, acho que você deveria ir - revela Betina — Ei, você não está perdendo nada se for. Na verdade, acho que você está ganhando uma nova chance de recomeçar.

—Essa oportunidade é aqui - rebato— Aqui fazendo o meu curso.

—Catarina, seja sincera consigo mesma. Você não está nem ai para seu curso e não é de hoje. Você está mais preocupada em ficar com o Jean e foi ssi o que a sua mãe percebeu. Você está enfeitiçada por ele… Olhe pra você , para o que fez consigo mesma por ele. Se continuar aqui, será muito pior.

—Pior? Betina, eu nunca me senti tão bem em toda minha vida - rebato ofendida— Eu nunca me senti tão amada, tão cuidada por alguém. Você não sabe como é ser invisível e é isso que vou me tornar se voltar com a minha mãe. Aliás, se eu for com ela eu não poderei estudar. Aqui eu posso ser alguém…

— Eu não acho…

—Sabe , Betina. Bem que o Jean me avisou que isso iria acontecer. Ele foi o único que nem pestanejou em proteger o meu futuro. - falo pegando as folhas das mãos dela —Muito obrigada por nada.

***

O taxista guarda as malas da minha mãe e minha mochila com o pouco de roupa que ela me deixou trazer. Todas as outras dadas pelo Jean foram colocadas em caixas e deixadas no quarto da Tiemi que entregaria a ele. Minha mãe havia conseguido duas passagens para hoje e não queria perder tempo.

Tempo ,era tudo o que tinha até chegarmos a rodoviária. Eu mal conseguia olhar pra minha mãe, sem sentir vontade de chorar. Concordava com o Jean, não era justo o que ela estava fazendo comigo e quanto mais eu pensava, mais eu chorava. Mas a minha mãe não se importava, ou ignorava muito bem. 

Chegamos a rodoviária próximo ao horário de embarque para a felicidade da minha mãe.Naquele momento tudo voltou a ficar em câmera lenta, ela falava mas não prestava atenção no que dizia. Puxava suas malas caminhando em direção ao ônibus enquanto eu andava logo atrás cabisbaixa.  Uma fila já estava formada para entrar no ônibus. Minha mãe sorri para o ajudante que coloca suas malas no bagageiro.  Ela fala algo pra mim , mas não presto atenção, então entramos na fila para entrar no ônibus. Passo a passo, as pessoas foram entrando até chegar nossa vez. Minha mãe entrega as nossas passagens e então ela sobe os primeiros degraus. Eu não consigo. Algo prende meus pés onde estão.  É a mesma coisa que fala em minha mente que aquilo era um erro. 

—Eu não posso ir, eu não quero ir…- balbucio me afastando da porta.

— Catarina? - chama minha mãe — Entre agora.

—Não, eu não vou - digo encarando minha mãe — Eu não vou com você.

—Você não tem opção - rebate minha mãe — Agora entre nesse ônibus e vamos.

—Eu tenho opção e não vou. - recuso caminhando apressada para a saída.

— Ah é mesmo? Você tem opção? - questiona minha mãe andando atrás de mim —  E qual é essa opção maravilhosa?

— Morar com o Jean - revelo caminhando mais rápido.

—Ah claro, tinha que ser ele. Você não tem noção do que está fazendo. Está enfeitiçada por ele e o deixando levá-la por um caminho sem volta! Ele está usando você! Ele está usando você e quando se cansar, vai jogá-la no lixo , como deve fazer com todas! E você vai se arrepender!  - argumenta minha mãe— Catarina, pare!

Paro já na saída da rodoviária a poucos passos de um táxi. Encaro minha mãe e noto que seu rosto está vermelho, talvez por tentar me acompanhar, ou por estar chorando. 

 

—  Filha, não decida as coisas assim Por favor..

— Assim como você fez? - reajo , irritada. — Pois bem, eu irei.

—Catarina, essa decisão é muito séria para você tomar assim. Pense bem, você está dizendo que vai morar com um rapaz que mal conhece!

—Sim , mãe eu estou. Eu vou morar com ele para proteger o futuro que você está tentando roubar de mim!

—Não Catarina. Eu estou tentando salvar você desse futuro. Acredite Em mim.

—Que bela forma de demonstrar isso - rebato abrindo a porta do táxi.  —Não há nada que você diga que me fará mudar de ideia.

— Se você entrar nesse táxi, pode esquecer que tem uma mãe. - ameaça minha mãe em um claro ato de desespero.

Entro no táxi e não olho para trás. Reviro minha mochila atrás do meu telefone, então disco o número que tenho de cabeça. Após três toques, minha chamada é atendida e tudo que consigo dizer é:

— Jean, preciso de você...


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