A Ilusão da Realidade escrita por Kisara


Capítulo 3
Olhar Frio e Intimidante


Notas iniciais do capítulo

O segundo capítulo já está aqui! E eu conto com vocês para me avisarem se alguma coisa estiver estranha, por favor haha

Espero que gostem! Ah, eu esqueci de falar no outro capítulo, mas venham me seguir no Twitter e no Instagram também~

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Até a próxima! ♥



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— Ei, Mel, quer fazer a atividade de inglês comigo?

Eu mal tinha entrado na sala e Olívia disparou aquela pergunta assim que me viu com um sorriso forçado no rosto. Acho que eu já devia esperar por isso… ela sempre se lembrava de mim em dias de prova ou quando tínhamos alguma atividade para resolver. Nossa última conversa foi exatamente igual e todas as nossas interações costumavam acontecer dessa forma.

E, mesmo assim, aquela pergunta me pegou totalmente de surpresa. Eu simplesmente olhei para ela sem dizer nada enquanto pensava em tudo isso e ainda levei algum tempo até conseguir murmurar uma resposta.

Ela me encarou com a sobrancelha arqueada sem desviar os olhos por nem um segundo, sem nem tentar esconder a impaciência. Não restava nenhum traço da simpatia de antes — era exatamente por isso que eu nunca conseguia acreditar nos seus sorrisos.

— Não posso — respondi, finalmente. — Já vou fazer com a Emily.

Ela pareceu não se importar com a minha resposta idiota, nem com as minhas péssimas habilidades sociais. O meu “não” era sempre o que a incomodava.

— Ah! — Pude sentir a irritação naquele suspiro. — É mesmo, você é uma furona. Eu já sabia.

Ela se virou para o outro lado e começou a falar com uma de suas amigas como se nada tivesse acontecido, sem nem me dar tempo para responder mais nada. Suspirei aliviada quando percebi que aquela cena constrangedora tinha acabado e continuei meu caminho até alcançar a minha carteira favorita escondida no canto da sala, com aquela conversa ainda entalada na minha garganta. Olívia me chamava de “furona” desde que eu lhe disse não pela primeira vez e eu tinha me acostumado há um bom tempo, mas aquelas situações ainda me deixavam sem jeito.

Eu era a única estranha entre pessoas que se conheciam desde sempre quando nos mudamos para a capital no ano passado e eu comecei a estudar aqui. Nunca soube me aproximar dos outros muito bem e eles já serem tão próximos tornava a situação ainda mais assustadora; além de ser a caipira estranha que veio de uma cidadezinha mais estranha ainda, eu também era uma intrusa e isso me preocupava o tempo todo.

No fundo, a verdade era que eu nunca me senti bem-vinda. Os risinhos e os comentários sobre a “caipira baixinha de bochechas redondas” me seguiram desde o meu primeiro dia aqui, como se eu fosse algum tipo de notícia estranha para se acompanhar. Acabei passando as primeiras semanas sem dizer uma nem uma palavra, eu só conseguia olhar para eles sem reação nenhuma. Depois de algum tempo, comecei a enfiar a cara nos livros para esquecer o resto do mundo e, por mim, as coisas podiam ter continuado daquele jeito sem problema algum.

Infelizmente, Olívia não pensava como eu.

Eu vinha de um colégio pequeno em uma cidade menor ainda, então não queria ficar para trás ou ter dificuldades e o meu esforço extra estava fez toda a diferença. O meu primeiro boletim mostrou bem isso. Eu preferia manter isso para mim mesma, porém Olívia também não concordou com essa decisão. Ela roubou o papel da minha bolsa e leu as notas alto para todos porque “queria saber do que a caipira sabia” mas como eu “não queria ser amiga de ninguém”, ela “simplesmente teve que fazer isso”.

Até hoje não sei exatamente que tipo de lógica era aquela e lembro muito bem de como eu senti a minha cara queimar de vergonha quando todos apontaram para mim e me chamaram de nerd e CDF. Depois daquele dia, convites e pedidos como os de Olívia não eram raros apesar de eu sempre rejeitar qualquer coisa que me pediam. Lá no fundo, eu ainda me sentia um pouco culpada porque talvez isso não tivesse acontecido se eu não fosse tão tímida, idiota, esquisita e travada e soubesse ser mais sociável, mas a verdade é que eu também nunca tive interesse nenhum em ter contato com pessoas que falavam e faziam coisas assim. Aliás, eles eram capazes de coisas muito piores, às vezes, e eu sempre vi isso com clareza. Era melhor assim, ainda mais agora com a companhia de Emily… Emily, Roy e Liesel. Apesar de tudo, no fundo, isso também teve um lado bom. Foi depois daquele dia que Roy “nasceu”. E eu até tive algum contato com outras pessoas, mas…

Isso era algo que eu também queria esquecer.

— E aí, Mel, como foi o final de semana?

Emily tinha se sentado ao meu lado, mas eu estava tão concentrada nos meus próprios pensamentos que não percebi. Ela me encarou com seus olhos gigantes, esperando uma resposta que eu não conseguia pensar. Será que ela tinha dito algo e eu não ouvi?

— Prestem muita atenção!

Dessa vez, foi o professor de física que nos pegou de surpresa. Emily se virou para a frente e eu me senti aliviada pela segunda vez em apenas alguns minutos. O professor Damien, apesar de não parecer ser muito mais velho do que nós, também era um tanto excêntrico e incrivelmente exigente. Ninguém queria ser pego conversando — ou no meio de qualquer outra coisa que não devesse estar fazendo — durante a aula dele. Por um instante, imaginei Roy andando pela sala e apontando para a cara de desânimo de praticamente todos ao meu redor.

Mais cabeças de viraram na direção do quadro. O professor colocou as mãos nos bolsos do jaleco branco e continuou a falar.

— Já estamos chegando na metade do semestre e eu ainda não passei nenhuma atividade para vocês. Está ficando tarde… eu decidi que, para animar o nosso começo de semana, vou sortear duplas e um tema para cada equipe! Podemos definir a data das apresentações mais tarde…

Ele falava cheio de entusiasmo como se estivesse dando uma boa notícia, mas isso só pareceu enfurecer todo mundo ainda mais.

— Ah não, cara, tinha que ser na segunda-feira?

— E ainda na primeira aula do dia! Que saco!

— Ahhh, a aula mal começou!

— Precisa mesmo disso?

— Por que sortear as duplas?

— Por que não fazer mais uma prova?

As reclamações tomaram conta do ambiente à minha volta e eu só queria pensar em Roy para me manter ocupada. Se tínhamos que fazer alguma coisa, era melhor acabar com aquilo de uma vez. E, enquanto eu imaginava Roy rindo da revolta dos meus colegas, também percebi que havia algo no jeito como o professor caminhava calmamente de um lado para o outro, arrumando os óculos quadrados que usava. Não sei por que, mas tive a impressão de que eu não era a única a achar aquela indignação engraçada e Roy parecia concordar comigo.

— Muito bem! — o professor falou alto e o burburinho pela sala se encerrou. — Se todos já fizeram seus comentários, vamos sortear as equipes! Vocês sempre trabalham nos mesmos grupos… misturar um pouco as coisas vai ser interessante!

Aquele comentário só reforçou a minha impressão de que ele achava aquilo muito divertido. Ainda assim, dessa vez, o tumulto não foi longe. Ele tirou um pequeno saco de papel de dentro do bolso e tossiu alto para chamar atenção.

— Eu vou passar pela sala e cada um de vocês deve puxar um papel daqui. Procurem pela pessoa que tirou o mesmo número que você.

O que eu tinha acabado de ouvir? Eu ia ter que procurar pela minha dupla e sair perguntando por aí?

Engoli a seco, tentando manter a calma. O professor estava cada vez mais perto da minha carteira e o meu estômago parecia que ia explodir. Ele já estava do meu lado, sorrindo e olhando para mim depois do que me pareceu ser uma fração de segundo.

— Sua vez!

Apesar da voz animada e do sorriso em seu rosto, minha mão estava trêmula quando puxei o primeiro papelzinho que meus dedos encontraram. Ele passou para o próximo aluno e eu abri a bolinha amassada. Número cinco.

Já tinha gente andando pela sala e perguntando por números mesmo antes do sorteio terminar. Aos poucos, vi as duplas se formando e outros alunos se agrupando e ainda não sabia o que fazer. Emily estava conversando com uma garota chamada Ana que eu não conhecia muito bem e, no mesmo instante, a pequena esperança que eu não sabia que tinha de fazer dupla com ela desapareceu tão rápido quanto surgiu. Ninguém ao meu redor parecia procurar pelo número cinco, o que estava começando a me deixar ainda mais nervosa. A ansiedade era tão forte que eu jurava ser capaz de ouvir a voz de Roy me tranquilizando, como se ele estivesse bem ao meu lado de verdade.

É uma bela oportunidade, não? Por que você não começa a procurar?

Roy era uma pessoa simples e prática, falar com ele fazia qualquer coisa parecer fácil. E isso era muito irritante.

Cala a boca, Roy!

Eu respondi em pensamento olhando para a porta e imaginei Roy encostado contra a parede do outro lado do corredor, brincando com o anel pendurado no cordão em seu pescoço. Talvez não fosse tão fácil quanto eu queria, mas ninguém tinha procurado pelo meu número ainda. Eu queria evitar, mas sabia que não podia esperar para sempre, então me levantei da cadeira e virei, olhando para os meus colegas de turma. Ouvi o riso alto de Roy, porém balancei a cabeça para ignorá-lo.

Talvez esse seja o começo de uma nova e bela amizade!

Apesar da voz de deboche, eu sabia que Roy estava mesmo tentando desejar que algo bom acontecesse. Eu também estava, apesar de não conseguir ignorar os meus medos. Ter que me comunicar com um mar de estranhos era uma das coisas mais aterrorizantes que eu podia imaginar.

 

***

 

Andei entre as carteiras e continuei analisando os outros alunos, ainda sem saber por onde começar. Ao mesmo tempo em que eles não me pareciam ser muito diferentes uns dos outros quando estavam em grupos, eu sabia que havia muito além da superfície que eu não conhecia — e eu não sabia se queria ver. Entre as garotas rindo e conversando baixo, os garotos gritando alto e fazendo piadas ofensivas e aqueles que pareciam nem se dar conta do que estava acontecendo no mundo ao nosso redor, eu não havia encontrado o meu lugar entre eles e me sentia uma peça sem encaixe enquanto estava ali. Acho que eu nunca soube me sentir de outro jeito.

Foi só quando me aproximei do outro canto da sala, no lado oposto de onde eu costumava ficar, que encontrei alguém que me chamou atenção.

Havia uma única pessoa que não estava conversando, andando pela sala como se não tivesse o que fazer ou fazendo piadas inúteis — um garoto alto de cabelos castanhos que caíam sobre seus olhos. Na verdade, ele estava rabiscando em um caderno velho e amassado e nem chegou a perceber que eu estava me aproximando. A bolinha de papel do sorteio estava logo ao lado da espiral do caderno, intocada.

Conveniente, não? Por que você não tenta?

Ignorei o deboche de Roy e respirei fundo.

— Com licença?

O garoto não ouviu meu sussurro, como eu já esperava.

Você vai precisar de um pouquinho mais de vontade do que isso, Mel. Anda logo.

Cala a boca, Roy!

Balancei a cabeça para ignorar os comentários de Roy outra vez. Eu odiava quando ele tinha razão. Aquelas palavras, mesmo ditas do jeito descontraído de Roy, lembravam demais o sonho estranho daquela manhã para que eu me sentisse à vontade. Limpei a garganta e tentei falar um pouco mais alto.

— Ei, garoto, posso falar com você?

Ele levantou o pescoço e olhou para cima, e o olhar frio e intimidante daqueles olhos azuis fez com que eu me arrependesse imediatamente. O garoto continuou a me encarar e eu conseguia entender que ele provavelmente estava esperando por mim, mas nada saiu. Ele me pareceu ser tão sério que eu tive medo de dizer a coisa errada.

E, antes que eu conseguisse me reorganizar, ele finalmente me questionou com uma voz grossa e ríspida.

— O que você quer?

Ah, de novo não! Eu mal tinha começado e a situação já estava indo de mal a pior. Roy não fez questão alguma de abafar o riso, mas eu não estava vendo graça nenhuma.

— Seu número — resmunguei sem jeito. — Qual é o seu número?

— Ah…

Ele pegou a bolinha de papel e estendeu para mim. Quando a abri, já estava esperando encontrar outro número cinco escrito na caligrafia torta do nosso professor.

— Acho que sou sua dupla — informei, mas ele já estava rabiscando outra vez.

Pensei que ele fosse voltar a me ignorar e foi por pouco que eu consegui ouvir um murmúrio de resposta.

— Não me entenda mal, mas eu prefiro trabalhar sozinho.

Talvez aquilo fosse o único ponto com o qual concordávamos. No entanto, algo me dizia que não seria tão simples.

— Eu adorei essa ideia, só que o professor não vai concordar. Ainda mais logo o professor Damien. Ei!

De repente, ele simplesmente se levantou e passou pelo meu lado sem dizer nada. Será que não tinha percebido que eu estava falando com ele? A minha voz era tão baixa assim? Ah, Roy, para de rir!

Quando me virei, o garoto estranho já estava falando com o professor. Tentei me aproximar como pude para ouvir a conversa, mas as gargalhadas de Roy se tornaram quase histéricas. O meu estresse devia ser muito engraçado para ele.

— Ah, Alexander… é uma pena, não é mesmo? — Ouvi o professor responder e, mais uma vez, sua voz deixou evidente que ele não sentia pena alguma. — Infelizmente, a vida real não vai ser tão gentil sempre que você quiser evitar alguma coisa. Por que vocês não apresentam uma explicação básica sobre a Interpretação de Muitos Mundos? É o que eu tenho anotado aqui para a dupla número cinco.

— Isso parece ser complicado — o garoto apontou, embora isso não parecesse fazer o professor mudar de opinião.

— Eu sei… é exatamente por isso que creio ser a melhor escolha. Boa sorte.

Ele provavelmente percebeu que seria inútil, porque deu as costas para o professor logo em seguida. E, ao fazer isso, os olhos dele se encontraram com os meus outra vez, meio escondidos entre alguns fio de cabelo. Agora, a sensação parecia ser ainda pior do que antes e aquilo tudo se tornou ainda mais desagradável.

O que você esperava que ia acontecer bisbilhotando a conversa dos outros?

Roy não se importava que a minha paciência já tinha acabado há tempo mesmo àquela hora da manhã. Aparentemente, ele estava mais afiado que nunca.

Ah, não venha querer botar a culpa em mim. Eu também não queria estar aqui!

— Desculpe! — Respondi para Alexander e acenei timidamente, quase só com a ponta dos dedos. — Eu só…

— Não me entenda mal — ele me interrompeu para dizer aquelas palavras outra vez. — Não é nada com você, eu só… prefiro assim.

— Alex…?

Ele ignorou completamente o meu chamado e eu achei melhor admitir minha derrota logo. Voltei para o meu lugar sem tentar mais nada. Eu não sabia muito sobre aquele garoto e, parando para tentar pensar bem, não conseguia me lembrar de nada sobre ele. Algo me dizia que aquilo não seria nada fácil. Eu só queria voltar a mergulhar no meu próprio mundo da mesma forma como ele já tinha se escondido entre os rabiscos do caderno outra vez.


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