A Ilusão da Realidade escrita por Kisara


Capítulo 20
Porque Somos Irmãs


Notas iniciais do capítulo

AVISO DE GATILHO: Nesse capítulo, há várias descrições de alguém que teme que uma pessoa próxima cometa suicídio.

Esse capítulo é pesado e talvez seja um dos mais carregados até aqui. Prometo que os próximos serão mais leves, mas é importantíssimo mostrar o quanto tudo que aconteceu marcou a Mel.

Boa leitura!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/789071/chapter/20

Saí correndo e desci as escadas com tanta pressa que mal olhei para os degraus, foi um milagre eu não ter caído de jeito. Se Roy comentou alguma coisa, eu também não tive tempo de ouvir. Eu sabia que Larissa não estava nada feliz comigo e ainda não queria me ver, mas só me lembrei disso quando já estava na sala e seus olhos furiosos, vermelhos e cheios de lágrimas encontraram os meus. Ela nem me deu tempo de dizer nada e voltou a gritar no mesmo instante em que se deu conta da minha presença.

— O que você está fazendo aqui? Você já não me atrapalhou o suficiente, não? Aliás, não é hora das crianças estarem na escola?

Suas mãos trêmulas seguravam algumas folhas de papel que ela dobrou e guardou na bolsa antes de me encarar mais uma vez. Eu sabia que a recepção da minha irmã não seria nada calorosa, mas desci com tanta pressa que nem pensei no que dizer.

— Férias… férias de inverno… — murmurei entre a minha respiração ofegante. — Larissa, aconteceu alguma coisa? Você está bem…?

— Não! É óbvio que não! Você não está vendo?! Não é o que você queria? Então pode comemorar, porque a minha vida acabou! Você venceu, você é a perfeitinha de novo, você é a menina modelo, o exemplo perfeito, o sonho de todo mundo! Você está feliz agora, ou quer continuar me humilhando mais ainda?!

Eu sabia que ela não esperava por nenhuma resposta, porém Larissa subiu as escadas e bateu a porta do seu quarto antes que eu pudesse pensar em qualquer palavra. E, mesmo que ela tivesse esperado, o que eu poderia dizer que fosse ajudar com o que ela estava sentindo? Eu estava tão sem ar que nenhum som sairia da minha boca. Há quanto tempo ela sentia toda aquela raiva que tinha de mim? O que eu tinha feito? Eu sabia que ter aparecido naquela festa não tinha ajudado em nada, mas a nossa relação sempre tinha sido assim e eu nunca entendi o porquê. Eu a magoei tanto assim? O que eu tinha feito agora?

A vida dela estava acabada?

Aquelas palavras ficaram comigo. Eram fortes, pesadas e me assustavam mais que qualquer outra coisa, principalmente porque eu nunca tinha visto a minha irmã tão alterada. O que ela queria dizer? Por quê? O que tinha acontecido dessa vez?

— Respira fundo, loirinha. Vamos com calma, me acompanhe e tente não pensar demais. Respira, pra fora. Respira, pra fora…

Por mais que Roy fosse inconveniente e amasse me perturbar, naquele momento, a voz dele estava conseguindo me acalmar. Eu segui a deixa, respirando com calma e puxando o ar até não ter mais aquela sensação de estar me afogando em terra firme e, assim que consegui ver o mundo à frente do meu nariz outra vez, subi as escadas com as pernas trêmulas, me segurando firme no corrimão. O ar me abandonou mais uma vez assim que eu me vi diante da porta do quarto de Larissa, mas eu não ia deixar isso me intimidar. Não dessa vez.

Eu não podia ignorar aquelas palavras. E o meu braço foi mais rápido que os meus pensamentos, porque eu já estava batendo na porta antes até de perceber e então gritei para que ela me ouvisse bem do outro lado:

— Larissa! O que você está pensando em fazer? Por que você disse aquilo?

Sai daqui! Me deixa em paz! Não deu para entender ainda que eu não quero olhar na sua cara?!

Talvez eu já devesse ter me acostumado há mais tempo, porém as palavras de Larissa me machucavam como lâminas afiadas. E ainda assim, apesar de tudo, eu não queria desistir. Eu não podia deixar ela fazer nenhuma loucura…

Respira, bota o ar para fora…

— Larissa! — insisti assim que recuperei o fôlego. — Por favor, vamos conversar! Eu não sei o que aconteceu, mas você não precisa fica sozinha!

Vai embora!

Dessa vez, a resposta foi ríspida e curta. Muito mais curta do que eu estava acostumada e isso me fez ficar ainda mais nervosa.

— Larissa!

Tentei desesperadamente pensar em qualquer coisa para responder e não encontrei nem uma palavra sequer que pudesse ser dita. De repente, uma música eletrônica altíssima e estridente estourou nos meus ouvidos e eu quase esqueci do que estava pensando. Larissa tinha ligado seu aparelho de som no volume máximo visivelmente com a intenção de afastar mais ainda e as batidas altas e eletronizadas que ela escolheu estavam fazendo meu coração disparar. Eu só conseguia pensar na minha maior preocupação. E se ela estivesse planejando fazer alguma coisa e eu não conseguisse alcançá-la? Mesmo estando ali do outro lado da porta, provavelmente nunca estivemos tão distantes nem em todas as nossas brigas do passado.

O que aconteceu? Por que ela chegou em casa tão cedo e tão nervosa? Será que ela ia continuar me bloqueando desse jeito e não tinha nada que eu pudesse fazer?

— Calma, Mel — Roy me consolou mais uma vez. — Não se esqueça de respirar e pensar com calma. Você acha que pode fazer alguma coisa?

Respira, para fora. Respira, para fora…

Eu estava há apenas alguns centímetros de distância ainda que a porta me impedisse de chegar mais perto. Se ela fizesse alguma coisa e eu ficasse ali onde estava, sem poder impedir, eu nunca conseguiria me perdoar.

— Eu posso tentar ligar para o celular dela, mas duvido que ela me atenda e acho que isso só vai piorar as coisas.

O tempo estava correndo.

E se ela já estivesse fazendo algo?

E se o pior acontecesse de novo?

Como eu poderia impedir isso?

— Respira com calma, Melissa, não se esqueça de respirar. — Roy colocou a mão sobre o meu ombro e jogou os cabelos para trás. Eu detestava quando ele me chamava pelo meu nome inteiro, era sério demais para o jeito de Roy. — Você está quase chegando na resposta. Ela pode não te atender, certo. E se você tentasse outra pessoa?

Respira, para fora. Respira, para fora…

Para quem eu ligaria? Eu não tinha contato com nenhum de seus amigos e também não tinha nenhum amigo que pudesse me dizer o que fazer. Minha mãe surtaria se eu a interrompesse no meio de uma aula. Meu pai sempre estava ocupado quando estava no escritório…

Respira, para fora…

Não, pensando bem, ele provavelmente entenderia que eu não ficaria ligando por qualquer bobagem e daria um jeito de me atender, ou de ligar de volta assim que conseguisse. Ou pelo menos, eu achava que ele faria isso.

Respira, para fora…

Ou talvez eu quisesse torcer pelo melhor e apostar no meu pai parecia ser a alternativa mais segura.

Respira, para fora…

Corri para o meu quarto e procurei pelo meu celular. Minhas mãos tremiam tanto que eu quase deixei o aparelho cair e demorei para encontrar o nome certo na lista. O barulho interminável da chamada nunca me pareceu ser tão irritante antes.

Depois do que pareceu ser uma eternidade, meu pai finalmente atendeu:

— Alô? — ele perguntou e eu senti a confusão em sua voz. — Melissa? Você está bem? Aconteceu alguma coisa?

Ele sabia que eu não ligaria por qualquer bobagem, bem como eu tinha imaginado.

Respira, para fora…

Ainda bem que focar meus pensamentos em Roy me ajudou a perceber isso.

— Sim… eu não sei… a minha irmã… — tentei responder, mas só percebi o quanto era difícil falar quando tentei dizer algo em voz alta. Eu estava tropeçando nas minhas palavras. — Eu ouvi a porta bater, ela chorou… eu não sei o que aconteceu…

— Melissa, respire com calma e tente se concentrar. Explique o que aconteceu, passo a passo.

Ouvir aquilo na voz séria do meu pai só me deixou mais tensa, então me esforcei para imaginar Roy respirando no mesmo ritmo que eu mais uma vez. Isso me ajudou bem mais do que qualquer outra coisa.

— Eu estava estudando no quarto… — Droga, eu já estava mentindo. Ainda assim, isso parecia ser uma explicação melhor do que “eu estava falando com meus amigos imaginários.” — Ouvi um barulho alto e um choro, um grito. Era a Larissa. Ela estava muito nervosa e com lágrimas nos olhos, mas não quis me dizer o que aconteceu. Ela gritou que a vida dela tinha acabado…

Fiquei sem ar de novo e não consegui continuar. Roy continuava me olhando e respirando com gestos exagerados para que eu o seguisse, só que eu mal conseguia me concentrar na voz do meu pai do outro lado da linha naquele instante.

— Ela disse mais alguma coisa? — meu pai perguntou calmamente. Ele não ouviu o que eu acabei de dizer?!

— Como assim? Você não está preocupado com o que ela falou?

— Melissa, sua irmã sempre foi sensível e dramática. Pense com calma. Ela falou mais alguma coisa? Ela fez alguma coisa?

— Hmm… — Me concentrei com a ajuda de Roy novamente. Respira, para fora… — Não sei. Ela estava segurando uns papéis e guardou tudo na bolsa quando me viu.

— Já sei o que houve. — Ele continuou tão calmo que eu estava começando a invejar aquela tranquilidade. — Ela deve ter recebido os resultados do simulado do semestre no cursinho. Eu sei que você se assusta fácil depois do que aconteceu com a sua amiga, Melissa, mas você não pode ser assim. Uma hora você tem que aprender a se controlar.

Depois de ouvir aquelas palavras, eu tinha vontade de fazer exatamente o contrário e gritar de tanta raiva. Eu já tinha entendido que não podia contar com o apoio e muito menos a compreensão dos meus pais, mas não esperava que eles fossem usar isso contra mim.

Respira, para fora…

Gritar não mudaria nada e só faria com que eles duvidassem ainda mais de mim, se isso fosse possível. Eu já tinha aprendido isso muito bem com o exemplo da minha irmã. No entanto, o que eu mais queria era responder aos meus instintos e deixar as lágrimas caírem ali mesmo.

Gritar só me faria parecer mais perdida ainda. Mas por que ninguém nem ao menos tentava entender? Isso era o que mais me sufocava todos os dias.

Gritar e não ser ouvida era a pior sensação do mundo e eu não aguentava mais aquilo.

— Ok. Tudo bem, então. Eu vou desligar para não tomar mais o seu tempo.

Apertei o botão vermelho antes que meu pai respondesse. Talvez ele reclamasse depois, mas eu não me importava. Eu não conseguiria continuar com aquilo.

Respira, para fora…

Droga, droga, droga, o que foi que eu fiz? Por que eu falei daquele jeito com o meu pai? Eu sabia que tinha sido um dos maiores erros que eu já cometi e, ao mesmo tempo, isso não me importava nem um pouco. De um jeito estranho, acho que eu me sentia culpada por não me importar.

Respira, para fora…

A música eletrônica continuava a ecoar pelos meus ouvidos junto com as palavras de Larissa e eu estava ficando com dor de cabeça. Eu nunca tinha me sentindo tão incapaz, tão de mãos atadas antes e eu sabia que a minha mãe não seria mais compreensiva ou receptiva.

Respira, para fora…

Eu estava de pé no meu quarto, respirando junto com Roy e sentindo meu coração disparar com a batida da música que vinha do quarto de Larissa. E era como se eu estivesse gritando para pessoas com os ouvidos tapados, virando a cara de propósito para não me ouvir.

Como eu poderia ajudar Larissa? E se ela tomasse a mesma decisão que Maya tomou?

***

A música parou. Eu achava que estava ouvindo vozes lá longe, ao fundo, porém não tinha certeza. Quanto tempo tinha se passado? Eu só consegui me concentrar em respirar e esperar que qualquer coisa acontecesse enquanto o tempo passava e, agora que algo realmente aconteceu, eu me sentia paralisada de tanto medo do que poderia me aguardar.

Melissa! O que você fez agora?!

Aquela era a voz de Larissa! As reclamações da minha irmã me deixaram feliz pela primeira vez na vida. Ela estava bem! O mundo ao meu redor estava completamente borrado, eu estava ajoelhada ao lado da cama e os meus óculos estavam largados sobre o colchão, mas Larissa estava bem! O tecido do lençol próximo dos meus dedos estava úmido. Eu não me lembrava de ter chorado, mas não tinha dúvidas de que não tinha conseguido me segurar de novo.

A porta do meu quarto abriu com um estouro e bateu contra a parede. Minha irmã se apoiou no encosto e me encarou com olhos vermelhos, inchados e carregados de uma raiva tão intensa que eu nunca tinha visto antes.

— Você não está me ouvindo, sua pirralha metida? Acorda! Você foi fazer fofoca que eu fui mal no simulado? Por que você gosta tanto de me colocar para baixo?

Larissa! — A voz do meu pai ecoou pelo corredor. — Não fale assim com a sua irmã!

— Ela faz o que bem entende e vocês continuam achando lindo! Por que ninguém me ouve?

Levantei o mais rápido que pude e acendi a lamparina sobre a minha escrivaninha. Meu cérebro finalmente estava começado a captar o que estava acontecendo.

— Larissa, eu estava preocupada… — me interrompi antes de concluir o pensamento. — não, eu estou preocupada com você! Eu nunca te vi desse jeito! Eu sou sua irmã, eu me preocupo com você!

— É porque você não para de se meter na minha vida e piorar tudo! Me deixa em paz! Esquece que eu existo! Eu não sou obrigada a te aguentar porque somos irmãs! Você não tem o direito de ficar se metendo porque somos irmãs!

— Larissa, chega! — Minha mãe se aproximou da minha porta e o semblante de Larissa mudou no mesmo instante. Ela abaixou os ombros e deu um passo para trás. — Sua irmã ficou preocupada quando te viu nervosa. Você precisa parar de fazer drama por tudo, é impossível tentar conversar com você.

— Mas, mãe! Por que ela não para de me perseguir?

— Sem “mas”. Eu sei que você está chateada por causa da festa e já passou da hora desse assunto morrer. Pare de gritar com a sua irmã por tudo. E você, Melissa — ela chamou meu nome e olhou na minha direção. — Você sabe como a sua irmã é, não dá pra ficar se desesperando por tudo. Você precisa parar de ser tão assustada, já passou da hora de aprender que ficar assim não adianta nada.

“Ficar assim não adianta nada.” As palavras me acertaram como um soco. Ouvir aquela afirmação só reforçou a sensação de que eu nunca ia conseguir fazer nada direito, mas eu queria saber como. Era por isso que eu ficava tão assustada. Se eu conseguisse parar de me sentir assim, eu já teria parado desde o primeiro momento. Eu nunca conseguiria agir como se não tivesse sido nada, ou como se o fim da vida Maya tivesse sido mais uma conclusão qualquer, a última página de um livro ou o último episódio de uma série. A vida de Maya era muito maior e mais importante que isso e eu nunca vou esquecer que não percebi toda a dor que ela sentia. Eu não podia deixar que isso acontecesse outra vez. Eu não conseguiria carregar aquela culpa. Por que ninguém enxergava isso? Por que ninguém ouvia o que eu tentava dizer?

— Vamos, Larissa. Ainda temos que conversar.

A voz do meu pai me fez voltar ao que estava acontecendo. Larissa saiu andando ao lado dos dois, ainda que a contragosto, e eu fechei a porta e deixei meu corpo descansar no chão no mesmo instante. Eu não tinha forças para ficar de pé ou sequer voltar para perto da cama.

Continuei respirando do jeito que Roy me mostrou e consegui suspirar aliviada. Larissa estava nervosa, tensa e com mais raiva ainda de mim, porém também estava viva para gritar comigo e descontar toda a sua raiva. Talvez ela estivesse certa e sermos irmãs não me dava o direito de interferir em nada, mas eu nunca me deixaria de me preocupar exatamente porque somos irmãs. Pelo menos por hoje, isso já bastava. Amanhã seria outro dia e eu não queria pensar nisso naquele momento.

— Liesel, você fica aqui comigo?

— É claro, Mel — ela respondeu no mesmo instante com a sua voz tranquila e se sentou ao meu lado. — Eu vou te proteger de todos os perseguidores, até mesmo os da sua família.

Soltei um riso sem graça e imaginei minha melhor amiga ao meu lado, segurando a minha mão enquanto eu descansava a cabeça em seu ombro. Seus cabelos rosa como chiclete caíam ao meu redor. O que eu mais queria era que Maya pudesse estar aqui para me confortar assim, como ela fez tantas vezes antes.

O egoísmo do meu pensamento fez com que eu sentisse raiva de mim mesma assim que eu me dei conta do que estava desejando. Eu também devia tê-la consolado da mesma forma e não percebi a tempo…


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Eu preciso ser sincera... esse capítulo é delicado e eu estou com um pouco de medo de não ter conseguido acertar a mão no realismo e na seriedade que esses temas precisam. Conto muito com o feedback e a opinião de vocês, ok? Estou aqui para ouvir sempre, sempre, sempre.

Sei que foi um capítulo bem pesado, mas os próximos serão mais leves. A partir de agora, o máximo de treta que vai ter nos próximos capítulos é treta nível festa de adolescente e logo logo o Alex entra na história de verdade (não vejo a hora, sério!!! Os capítulos vão ficando maiores do que eu esperava e a hora desse boy aparecer não chega nunca, tô frustrada ahahahahahaha)

Ainda não terminei o próximo capítulo, mas vou tentar manter um ritmo de postagens como o das últimas semanas. E já tem um especial de diário sobre a Liesel chegando nos próximos dias! Espero que vocês gostem de saber mais sobre essa doidinha! ♥

Por hoje é isso! Espero que tenham gostado da leitura! ♥ Até a próxima! ♥ ♥ ♥



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "A Ilusão da Realidade" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.