Entre o Céu e o Inferno. escrita por Sami


Capítulo 20
Capítulo XIX


Notas iniciais do capítulo

Olá vocês! Mais um capítulo com a trajetória da Alana no inferno e vamos finalmente ter algumas respostas aqui, algumas perguntinhas também porque faz parte da vida, mas teremos bem mais respostas hoje!

Esse capítulo acabou ficando longo também, mas não foi de propósito, pensei em dividir em duas partes, mas ficaria sem nexo fazer isso, fora que acabaria bagunçando os outros capítulos que já estão prontos.

Boa Leitura.



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CAPÍTULO XIX 

A curiosidade de Eligus era algo que seu estranho e peculiar rosto demonstrava com clareza, ele não conseguia escondê-la e mesmo que tenha percebido isso, parecia faze questão de deixar tal expressão em evidência. A pergunta de Alana muito o atraiu, o interesse que foi mostrado através de um estranho brilho em seus olhos vermelhos e o sorriso nada discreto, mostrando os dentes brancos e levemente pontudos, era um sinal claro que, ele gostara do que ouviu e o rumo da conversa parecia bem mais atrativo para ele. Para Alana, era exatamente o contrário, perguntar sobre seu pai a um completo estranho e sendo esse estranho um demônio, lhe causava um tipo incomum de desconforto; como se estivesse prestes a denegrir a imagem que tinha de seu pai.  

Temia descobrir o que ele pediu, temia saber sobre o que conversaram, pois não sabia o que esperar. Estava no inferno e, o pouco do que viu fora o suficiente para relembrar e também questionar algumas das tantas atitudes de seu pai quando ele ainda estava vivo. Ela também queria saber o que o levou a ir até lá e conversar com um demônio. 

— Jacob West? — O demônio perguntou, parecendo internamente incomodado com a pronúncia de seu nome, seu corpo se inquietou na cadeira e a West mais jovem conseguiu perceber isso; talvez por saber que ele fosse um pastor? — Faz algumas semanas desde que ouvi esse nome.  

— Então ele realmente esteve aqui? — Alana atropela suas próprias palavras, conseguindo uma confirmação que pareceu temer de receber, seu pai realmente estivera no inferno e também conheceu o demônio. Mesmo que fosse algo óbvio para ela, existia uma pequena parte de si que parecia torcer para que aquilo fosse mentira, pois não conseguia imaginar o homem que a criou e tanto lhe ensinou em seu lugar. De frente para o demônio e pedindo por um favor.  

Houve um momento longo de silêncio, sua mente tentava reorganizar todas as perguntas que gostaria e sabia que iria fazer a ele enquanto Eligus mantinha seus olhos vermelhos fixos na expressão vazia e quase distraída da humana sentada à frente. Seus dedos batiam com leveza sobre a superfície firme da mesa, as unhas longas e brancas do demônio faziam um som baixo e incomum, ele também parecia pensativo, mas conseguia esconder isso bem melhor.  

— É a filha dele, não é? — Sua pergunta veio em um tom mais baixo, ao mesmo tempo em que seu corpo se inclinou para frente e ele conseguiu olhá-la mais de perto. Sendo possível sentir toda a dúvida que parecia pairar sobre sua cabeça. Alana o olhou novamente e assentiu, hesitante. — Ele me falou sobre você, eu sempre achei que fosse um grande tagarela, mas ele... Uau! Nunca encontrei um humano capaz de ser tão falante como ele.  

Mentalmente West concordou com aquela colocação. Seu pai por ser pastor, tinha o dom da fala, as palavras simplesmente fluíam de sua boca, não apenas em seus sermões na igreja, mas em seu dia a dia também. Diferente de Alana que, puxara pouco daquela característica em especial, o homem era um ser incrivelmente falante. Obviamente falou sobre ela, possivelmente falou sobre sua igreja e dentre muitas outras coisas, mas existia um assunto; o que a levou até aquele momento.  

— Esse seu pedido, é algum favor? Ou irei apenas responder suas perguntas? — Pergunta interessado, mantendo o olhar curioso sobre a jovem. 

— Eu só quero respostas. — Ela diz com honestidade. — Eu sei que conversaram uma semana depois de ele presenciar um desses ataques, ele escreveu sobre esse encontro, mas não sobre sua conversa e nem muitos detalhes sobre — Alana retomou a fala, lembrando-se de quem realmente deveria guiar aquela conversa. — Eu queria que me falasse sobre o que conversaram, qual foi o favor que ele pediu... 

Eligus levantou a mão e a fez parar. Cortando sua fala pela metade.  

Sua face nesse momento exibia uma expressão mais firme e séria, completamente diferente de quem ele estava se mostrando momentos atrás. Devagar o demônio se colocou de pé e se afastou de sua cadeira e mesa, caminhando lentamente até a segunda porta existente naquela sala; esta ficava atrás de uma cortina fina escura, sua mão fechou-se sobre a maçaneta e antes que ele a abrisse, virou-se parcialmente em sua direção, mostrando a mão livre num tipo de convite.  

— Não quero falar sobre esse assunto aqui nessa sala, que tal caminhar um pouco? Sei que vagou pelo lugar, mas gostaria de mostrar realmente como esse lugar é. — Pediu com estranha gentileza em sua voz, a mão pálida direcionada a ela mostrando o convite simples feito. Em sua mente Alana fez uma contagem do tempo, se ainda estava no inferno então ainda tinha tempo, poderia ter as respostas que buscava.  

Ela assentiu e imitou a ação do demônio, caminhando até aproximar-se dele. Instintivamente ela fez menção de segurar sua mão, mas parou bruscamente quando se recordou da ordem de Eva: Não deixe que eles a toque. A voz da mulher pareceu gritar em sua mente como um alerta de aproximação e, rapidamente ela afastou a mão da dele.  

Eligus abriu a porta e começou a andar por um corredor todo de vidro, era possível ter uma visão assustadora do que existia além dali e Alana conseguia ver uma parte da estranha cidade, mais destruição e claro, mais pessoas em seus tormentos pessoais. Dessa vez, a humana conseguia sentir-se mais confiante em observar tudo, seus olhos se fixaram nas tantas vidas que vagavam do lado de fora, observando cada uma com curiosidade.  

— Eles a assustam? — Questiona o demônio, seguindo na sua frente. Ignorando por completo tudo ao seu redor, até porque já estava acostumado com aquela visão. 

— Um pouco. — Ela confessa, engolindo seco quando avistou um grupo daquelas pessoas começarem a brigar entre si. A violência tão explicita e gráfica a assustou, era como observar um bando de selvagens sem um pingo de senso ou moral. Lutavam entre si como se aquilo fosse um caso de vida ou morte.

— Não há o que temer, são apenas almas condenadas, nada podem fazer contra você — Assegura, caminhando de maneira mais apressada pelo corredor. Até parar, uma nova porta surgiu e ele passou por ela, sendo seguido por Alana que, ao passar foi invadida por uma confusão de sentimentos e sensações; nada do que sentiu era algo bom.  

Internamente seu corpo pareceu entrar em agonia, dessa vez ela conseguia ouvir as almas condenadas e se arrependeu, eram gritos, gemidos de dor em uma agonia constante e perturbadora. Seu corpo ficou tenso, eles prosseguiram a caminhada e, a cada passo que era dado West sentia que iria afundar a qualquer instante. Alana West foi invadida por um calor sufocante ao sair do enorme prédio. Estavam do lado de fora, a cidade destruída e sem vida era uma nova imagem agora, dessa vez a luz do fogo que praticamente era um fator da destruição do lugar se misturava com a incomum escuridão; a mesma que ela conseguia tocar.  

Seus olhos corriam pelo cenário com temor e hesitação, as almas que estavam ao redor sofriam tanto que sequer pareciam perceber a presença deles entre eles. O som que saía de suas bocas era... Alana prendeu a respiração, sentiu o coração disparar, pois tudo aquilo a fez lembrar de seus pesadelos. Era como estar revivendo aquele terror particular de todas as noites.  

Seu cenho se franziu, conforme andavam ela via mais grupos de almas almas que não faziam parte de nenhum grupo, o que seus olhos evitavam eram cenas horrendas e perturbadoras, mas que, de certa forma pareciam fazer algum sentido. Todos que estavam sofrendo, gritando e se debatendo em agonia, estavam cometendo todos os tipos de crimes possíveis. Cada um pior do que o outro.  

— É exatamente isso o que está pensando, Alana. — Eligus começou a falar, interrompendo seus pensamentos com a visão. — Essas almas condenadas sofrem exatamente aquilo que as condenou, assassinos, ladrões, abusadores... Não se preocupe, essa é a zona mais leve, não passaremos pela zona dos pecados.

A humana estremeceu com sua fala, se todo aquele horror que estava vendo era o que Eligus considerava leve, ela não queria nem passar por perto do que seria a zona dos pecados; pois bem sabia que sua mente não aguentaria o que iria ver.  

— Então todos que cometem crimes ou pecam, quando morrem descem direto pra cá? — Ela pergunta, olhando agora apenas para a figura do demônio que a guiava pelo inferno. O cabelo ruivo se movendo com leveza enquanto ele caminhava devagar, seu corpo parecia dançar, não era uma visão feia como a visão que tinha do ser que a levou até ele, mas também, não chegava a ser algo agradável de se acompanhar.  

— De uma forma mais resumida, sim. Acolhemos aqui todos aqueles que no seu mundo são chamados de criminosos, aqueles que vivem dos pecados, os que criam guerras em prol de interesses próprios, os egoístas... Todos acabam vindo parar aqui, conosco. — Diz, olhando para o lado esquerdo e apontando para o que seria um carro, ou ao menos o que sobrou de um. — Vê aquela alma?  

Alana olhou para a direção em que ele apontava, ela avistou um homem em meio aos escombros do que um dia foi um carro, ele parecia enlouquecido, arranhava o próprio rosto enquanto gritava em agonia, se debatia tentando livrar-se dos escombros. Ela assentiu.  

— Quando vivo, ele planejou atropelar a ex mulher e o fez, mas não parou apenas nisso — Começou a contar, a naturalidade em seu tom de voz era algo assustador. — Ele gostou do que sentiu quando atropelou a mulher e continuou fazendo isso, planejando e apenas esperando o momento certo... Matou um total de quinze pessoas... Dezesseis na verdade, o otário caiu na própria armadilha e cá está. Sofrendo por seu crime quando estava no plano terreno.   

A moça nada perguntou sobre o assunto, apenas balançou a cabeça assentindo com a informação que recebera entendendo o motivo de ele ter contado isso a ela; Eligus estava explicando como as regras do inferno eram aplicadas.  

— Por que está me contando sobre isso? — O questiona, Alana só estava mantendo aquela conversa porque buscava respostas sobre seu pai, mas saber sobre alguém que atropelava mulheres e que estava sofrendo as consequências de seus atos não era algo que despertasse nela algum tipo de interesse.  

Eligus nada respondeu, continuou seguindo e ela manteve o ritmo de seus passos para conseguir acompanhá-lo, Alana não fazia ideia do tempo em que ficaram caminhando e tão pouco do tamanho do lugar, sempre que imaginava que chegaria ao limite da cidade destruída, era surpreendida e percebia que, era como estar em um lugar sem fim. Os prédios destruídos, as ruínas, as almas que estavam sofrendo... Tudo parecia não ter um ponto onde terminaria e, de certa forma, sua mente começava a sentir-se um pouco angustiada. Não com o que via, mas com a sensação que se fazia presente em seu corpo.  

Ela só percebeu uma mudança drástica de cenário quando finalmente parou de andar, o demônio estava mais adiante e de costas para ela, encarando o que parecia ser um tipo de abismo onde era impossível de se ver a que ponto ele terminava. A visão ao seu se assemelhava como um mar, porém não era água ali e sim fogo. Seus olhos avistaram pessoas naquele mar e ela rapidamente desviou seus olhos quando percebeu que não conseguia ter aquela visão por muito tempo. Estavam sofrendo, agonizando, gritando de dor, atormentados... Um arrepio longo correu por sua espinha.  

— Por que estamos aqui? — Ela o questionou novamente, olhando ao seu redor para ver melhor o tipo de lugar que a cercava no momento. Tentando entender o que ele pretendia fazer ao trazê-la até aquele lugar.  

A cidade por onde passou não era mais vista, era como se não existisse mais nada ali além do grande abismo à frente e o mar de fogo onde havia pessoas sofrendo.  

A claridade daquela parte do inferno era algo assustador, não era uma luz que permitia sua visão e sim a luminosidade do mar de fogo logo atrás dela que fazia com que fosse possível que ela conseguisse enxergar com mais facilidade o novo lugar aonde estava.  

— Quero que veja como o inferno é, considere isso um passeio, cortesia da casa. Muitos sempre tem uma visão distorcida de como o lugar é, então gosto de dar uma pequena amostra do lugar para meus visitantes. — Responde com um tipo de humor sombrio em sua voz, ele percebera a hesitação na voz da moça e isso parecia diverti-lo. — Mas também para conversarmos melhor, eles — Eligus mostrou todos ali presentes, as vidas no mar e os demônios que vagavam pelas redondezas, como se estivessem os vigiando. — As almas não podem nos ver, eles sabem que estamos aqui, mas não nos enxergam e nem nos ouvem... Já eles — Agora ele apontou para os demônios. — Bem, só queria mostrar a visitante da vez. Sempre gostam de receber humanos aqui.

Explicou o demônio. Enfiando as duas mãos nos bolsos de sua roupa enquanto parecia rir do tremor que transpareceu no rosto dela. Seu rosto se direcionou para frente, aonde ela sabia que a imagem do abismo estava, Alana o imitou, mas fixou seus olhos em uma ruína próxima. Onde pôde avistar um demônio escondido, sabia que a visão que tinha no momento não era muito melhor do que a outra, mas, era algo mais leve com o que se lembrar.  

— Seu pai, eu sei que ele é um pastor, senti isso quando ele desceu. — Disse, fechando os olhos como se a lembrança que tinha da visita de Jacob West fosse algo agradável.  

— Ele não é mais pastor, morreu tem algumas semanas. — Alana conta, sem olhá-lo e logo sentiu quando o peso do olhar de Eligus recaiu sobre si; era o mesmo peso que sentia quando Eva lhe encarava.  

— Bem, meus pêsames então. Tenho certeza de que ele está em um lugar melhor e em seu descanso eterno. — Revirou os olhos com deboche, os lábios retorcidos mostrando nojo em sua própria fala e ela sabia o motivo. — Bem, confesso que ele foi muito ousado em vir até aqui sendo quem era, os demônios se agitaram como nunca quando sentiram a sua presença, o seu... Fedor pareceu impregnar por todo o lugar e acredite, o inferno nunca esteve tão agitado como daquela vez.  

Conta, voltando a falar sobre a visita de seu pai. O homem aspirou fundo e o cheiro forte e predominante de enxofre invadiu suas narinas com facilidade, um ato que fez apenas para esquecer-se do odor do homem que o visitou antes e também para camuflar o cheiro que vinha da humana ao seu lado. 

A West mais nova se perguntou como o cheiro de seu pai se sobressaiu sobre todo o odor predominante de enxofre daquele lugar.  

— Seu pai não usou o mesmo método que você, quer dizer, obviamente ele não tinha um demônio caído para ensiná-lo como vir ao inferno, mas conseguiu fazê-lo. — Dessa vez ela o olhou, Eligus tinha voltado a fixar seus olhos no abismo a frente e parecia não mais dar atenção a ela. Como se estivesse concentrado demais no que contava a ela. — Diferente de você, ele não desceu até apenas com sua alma, — Uma pausa, ele percebeu que Alana não compreendeu sua fala. — Veja bem, o que vejo de você aqui é apenas sua alma, o que é mais seguro e ao mesmo tempo perigoso também. Mas ele, nossa, o homem ousou demais em realmente descer aqui!

Alana franziu o cenho, pensativa.  

— Ele?... — Foi necessário que ela escolhesse as palavras certas e fez isso com calma, porque, pensar nisso, na possibilidade de que seu pai estivera no inferno de corpo e alma era algo que ela não imaginava ser possível. Sequer algo que conseguia imaginar com clareza. — Ele realmente esteve aqui? E como ele fez isso? Não é necessário que a pessoa morra ou seja condenada?  

Eligus esticou o canto dos lábios num riso divertido, sim, estava se divertindo com a curiosidade da humana.  

— Há coisas sobre o inferno que é melhor que não tenha conhecimento minha jovem humana, e não me pergunte como ele conseguiu descer até aqui dessa maneira, Jacob West claramente sabia exatamente o que estava fazendo e como fazer. — Respondeu, finalmente virando o rosto para olhá-la. — Por isso o cheiro dele agitou tanto o inferno. Você está carregando o fedor do Kambriel, mas o seu verdadeiro odor, o de humana, se sobressai sobre o dele, mas o cheiro do seu pai... Um pastor, chamou muita a atenção. Mas não se preocupe, ninguém tocou nele enquanto ele esteve aqui. 

A última frase não a deixou aliviada, pois seu pai fora uma das tantas vítimas dos ataques, os mesmos ataques que estavam sendo causados por demônios; sua fala pareceu até irônica.   

— Sim, ele veio até aqui porque sabia que sou um demônio de favores, mas não foi a única razão para sua visita. — Uma pausa, Alana se viu ansiosa, estava prestes a saber o que levou seu pai até aquele lugar e ter uma conversa com Eligus. — Ele me contou o que houve, que viu um desses ataques acontecer bem de perto e deixou claro que sabia que eram demônios causando esses ataques, questionou o que estava acontecendo, mas no que eu poderia ajudar? Como contei a você, não sei quem está por trás disso e foi exatamente o que respondi a ele.  

Alana assentiu, permanecendo em silêncio para deixar que ele prosseguisse com sua fala.  

— Ficamos um bom tempo conversando, uma troca muito espetacular de conhecimento e informações também sobre nossos mundos. — Sorriu outra vez com a lembrança, apesar do leve tom de nojo presente em sua voz por mencionar o humano. — Mas então, ele finalmente tocou no assunto, o motivo que o trouxe até aqui. Os favores que ele queria pedir.  

O silêncio que se formou entre eles foi o tempo necessário para que ela conseguisse ajuntar cada peça de sua fala com mais cuidado. Favores, pensou espantada.  

— Kambriel ou Eva em algum momento te falaram sobre os tipos de favores que posso fazer? — Pergunta ele, diminuindo seu tom de voz, tornando-a um pouco sombria; parecia querer assustá-la de alguma maneira.  

— Não explicitamente.  

— As pessoas que me procuram e vem até aqui sempre me pedem todo o tipo de coisa que você possa imaginar, riquezas, amores impossíveis, coisas que sempre almejaram, conquistas... Querem que eu traga pessoas de volta a vida — algo quase impossível de se fazer e que, requer muito mais do que apenas uma conversa longa e amigável —, muitos me tem como um tipo de gênio da lâmpada. É só esfregar a maldita lâmpada aonde estou aprisionado e terá seus desejos concedidos... Ninguém realmente sabe como funciona e sequer se importam com isso, só querem que eu faça e pronto.  

Ele fez uma nova pausa e o canto de seu lábio se esticou em um sorriso pouco perverso, algo que para ela foi assustador.  

— Seu pai, porém tinha esse conhecimento e sabia muito bem aonde estava se metendo quando me procurou e nem hesitou em pedir, mesmo que houvessem consequências. Algo extremamente raro em vocês humanos, sempre gostam de pensar a respeito de suas próprias decisões e muitas vezes até cogitam desistir do que realmente querem porque ficaram com medo do que poderia acontecer, mas isso não aconteceu com seu pai porque ele sabia muito bem o que queria e o que iria acontecer com ele. — Contou, o sorriso perverso que seus lábios estavam exibindo continuava ali, marcando um tipo de presença estranha. — Ele sabia muito mais do que um simples pastor de uma cidadezinha deveria saber e isso o prejudicou, talvez tenha ajudado em algum momento, mas o prejudicou bem mais.  

— O que ele pediu? — Ela perguntou ansiosa, o coração em seu peito já batia em um ritmo descontrolado. Eligus continuou em silêncio, seus olhos fixos na imagem da qual ela tentava tanto não olhar; isso a deixou nervosa. Agitada de uma forma descontrolada, ansiosa pela resposta que iria receber. — Eligus! 

Em uma atitude impensada e tomada pelo calor do momento, Alana sequer deu-se conta do que fizera até sentir seus dedos se fecharem ao redor do braço do demônio. Durou apenas dois segundos até que ela o soltasse com a mesma rapidez em que o agarrou, o tempo foi curto, mas o suficiente para causar nela algo que seu corpo humano jamais imaginou sentir antes. Sua mente se agitou de uma forma inédita, seu coração bateu tão acelerado ao ponto de dar-lhe uma sensação de estar sofrendo um ataque cardíaco e, por um segundo, ela imaginou que estivesse sofrendo um. Então entendeu o que Eva quis dizer ao pedir para que não deixasse que eles a tocassem, realmente ela não deixou, mas fez o contrário, tocou o demônio e a consequência veio tão rápido quanto sua ação de afastar-se dele.  

— Por favor. — Ela optou por um tom mais gentil e sentiu que sua voz estava levemente alterada, apesar de em seu rosto mostrar uma expressão mais calma sobre o pedido que acabara de fazer. 

— Sei que está curiosa para saber, mas precisa entender todo o contexto antes. — Explicou, o sorriso nesse momento já havia desaparecido. — Um humano, mesmo que seja um pastor, não pode ter tanto conhecimento assim sobre o mundo sobrenatural e esse foi o problema do seu pai, ele sabia demais e estava ciente disso. Sabia sobre mim e meus favores, sabia sobre como vir ao inferno de corpo e alma, sabia sobre as consequências e continuou — Deu com os ombros. — E acredite, ele foi avisado sobre isso. O tempo em que passou aqui comigo não deixei de alertá-lo, sempre sou um incentivador, mas nesse caso fiz o oposto do que costumo fazer e, ele não me ouviu.  

O cenho de Alana se franziu, ela estava tensa.  

— O que seu pai me pediu não era algo comum, já ouvi os mais diversos tipos de favores, mas aquele foi bem diferente e ele estava disposto a me oferecer qualquer coisa em troca, só para conseguir o que pediu. — Eligus se virou em sua direção e avançou meio passo, ao mesmo tempo em que ela recuou. Sua aproximação inesperada a espantou, mas West rapidamente percebeu que não tinha sinal de ameaça ou perigo em sua ação. Apenas fora pega de surpresa por vê-lo tão perto.  

A expressão do demônio então mudou, ele agora estava sério, mas não de um jeito ameaçador ou que parecesse que ele estivesse tentando assustá-la.  

— Um dos favores que seu pai me pediu foi que eu desse a você proteção, mas demônios como eu ou qualquer outro não possuímos esse tipo de poder ou capacidade, não somos protetores das pessoas como aqueles de cima. E era importante conseguir isso, seu pai só não ofereceu a alma porque não deve ter nem pensado nisso, mas ele chegou bem perto — Ele interrompeu a própria fala e ergue os olhos para cima como se percebesse algo se aproximar e se aproxima mais um pouco da humana, de modo que seus lábios ficaram próximos de sua orelha para que apenas ela escutasse o que iria dizer a seguir. — O segundo favor que ele pediu foi que eu tirasse sua mãe daqui do inferno, algo que eu também não sou capaz de fazer. 

Ao relevar o segundo pedido que seu pai fizera, Alana teve todo seu corpo petrificado, seu queixo caiu, seus olhos se arregalaram e sua respiração tornou-se ofegante diante das palavras ditas pelo demônio; ela estava em choque e seu corpo não estava reagindo da melhor maneira. West abriu a boca para falar, mas sentiu como se as palavras estivessem presas, ela conseguiu gaguejar alguns sons sem sentido algum, mas nada além disso. Sua mente estava agitada, confusa e tão perdida nos milhares de pensamentos que vieram que, levou um tempo até que ela compreendesse as últimas palavras ditas pelo demônio.  

— Sei que tem mais dúvidas do que respostas, mas é tudo o que posso contar, no momento. — Há um tom discreto de lamento em sua voz e mesmo que estivesse chocada demais para prestar atenção, Alana percebera isso. — Mas saiba que terá suas respostas em breve, mas tenha em mente, não cometa os mesmos erros que seu pai, não faça nada sozinha. Aproveite que tem a companhia de Kambriel e Eva e isso isso ao seu favor, seja esperta. 

O alerta foi claro e ela conseguiu apenas assentir. Eligus se afastou dela, o suficiente para que estivessem em uma distância segura um do outro, a humana inda impossibilitada de falar ou fazer qualquer tipo de comentário a respeito da revelação e o demônio apenas parado, esperando.  

— Tchau, Alana. — Ele acenou em sua direção, a jovem sequer teve tempo de reagir ou dizer algo. A imagem de Eligus e de todo o cenário que o cercava parecia lentamente escurecer, como se ela estivesse desmaiando, apesar de ainda estar totalmente consciente. Sua voz ecoava em sua mente repetindo várias e várias vezes os dois favores que seu pai havia pedido. Tudo então, escureceu por completo e ela sentiu como seu corpo estivesse sendo arrastado. 

Ao piscar e abrir os olhos, conseguiu novamente notar a mudança de cenário, sentiu quando suas roupas pesadas e encharcadas pareceram afundar mais seu corpo dentro da banheira, a água parecia entrar em seu nariz e ela soube que estava se afogando, sentia seu nariz arder e água ainda quente da banheira entrar em sua boca, dificultando sua respiração e a deixando tomada por um desespero quase exagerado. Com esse pensamento, seu corpo se agitou e ela começou a se debater, tentando se livrar e sair dali o mais rápido possível.

Foi rápido, ela conseguiu sentir duas mãos em suas costas e então veio a sensação de estar sendo levantada, existia delicadeza no ato e ao mesmo tempo uma força fora do normal. Alana sentiu seu corpo ser jogado para frente quando saiu de debaixo da água, ela conseguiu puxar o ar de volta para seus pulmões quando seu rosto veio à tona, respirando finalmente.

Quando seu corpo foi lançado para frente, a água de dentro da banheira veio junto, como um tipo de onda baixa e curta, parte da banheira se quebrou, o acrílico se partiu em centenas de pedaços irregulares e ela caiu no chão no segundo seguinte. Usando suas mãos como apoio para que seu rosto não batesse no chão, West começou a tossir, cuspindo a água que engoliu enquanto tentava retomar sua respiração para algo mais normal e tentava tirar de si a sensação de ter se afogado em uma banheira. O coração batia forte, acelerado e parecia doer em seu peito. Era uma sensação sufocante e completamente desconfortável para ela.   

Do outro lado Eva também escorregou, ao puxar a humana de volta seu corpo foi lançado juntamente a água que veio junto e ela bateu as costas contra a parede. Suas roupas se molharam também, mas isso sequer parecia um problema para ela no momento, sua atenção voltou-se para a jovem a tossir do outro lado, cuspindo água enquanto recuperava o fôlego. Estava bem, apesar de seu retorno ser diferente do que fora planejado realmente. 

Kambriel pareceu perdido, olhou na direção da mulher fazendo menção de ajudá-la, mas ela negou imediatamente, acenando com o rosto na direção de Alana; mostrando que era ela quem precisava de seu auxílio no momento.

— Alana! — Ela ouviu a voz de Kambriel lhe chamar, a jovem ainda tentava tirar de seu corpo toda a água que engoliu, cada vez mais forte enquanto buscava em suas pernas alguma força para conseguir se colocar de pé.

Escorregou algumas vezes durante as poucas tentativas, o piso liso e molhado não era uma boa combinação e seu corpo pouco enfraquecido também não estava ajudando. Em sua quarta tentativa de colocar-se de pé, voltou ao chão, ainda tossindo devido a água que engoliu. 

— Calma. — Ele lhe disse e não demorou para que ela logo sentisse as mãos do arcanjo sobre si e ela finalmente percebeu sua aproximação, ele a segurou pela cintura enquanto a outra mão lhe servia como apoio para que seu corpo tivesse um sustento e assim conseguir ficar de pé. 

Apesar do corpo estar molhado e de suas roupas pingarem gostas grossas de água, dela era possível ver o vapor sair. Como se ela tivesse passado os últimos cinco minutos dentro de uma panela cozinhando, seu corpo ainda estava tomado pelo mesmo calor de antes, mas ela sentia frio. Os lábios tremelicavam e logo todo seu corpo passou a tremer, Kambriel percebeu isso e não tardou em tirar a blusa mais grossa que usava de seu corpo e a passar por seus ombros, para aquecê-la.  

Aos poucos a humana se situou melhor no ambiente. Estava de volta ao banheiro de Eva, a mulher estava do outro lado do banheiro e também estava  molhada, mas já estava de pé e usava o pé para afastar os pedaços de acrílico da banheira do caminho. Ela lançou um olhar rápido em sua direção, garantindo que a humana estava bem e quando a viu ser ajudada por Kambriel, voltou sua atenção para a banheira quebrada e toda a água espalhada pelo chão.

A jovem olhou ao seu redor, estranhando de início aquele cenário, porque sua mente parecia demorar para distinguir as quatro paredes e todo o cenário que completava o cômodo. Internamente ela sentia como se fizesse muito tempo desde que estivera ali e rapidamente recordou-se de uma das falas de Kambriel quando ele lhe explicou em poucas palavras sobre a diferença de tempos entre o plano terreno e o inferno. O tempo. Lembrou-se novamente, levando a mão para sua cabeça e logo, tudo pareceu fazer mais sentido; toda aquela estranheza e aquela estranha sensação de ter ficado longe por tanto tempo.

Ali, apenas cinco minutos tinham se passado, já no inferno, ao pensar sobre o tempo em que ficou naquele lugar horrendo conversando com Eligus, percebeu que tinha a sensação de ter passado uma eternidade no lugar. Isso a assustou, fez seu coração acelerar. 

— Eu preciso... — Ela começou a falar, ou pelo menos tentava dizer alguma frase completa enquanto tentava andar para sair daquele banheiro e escorregou mais uma vez quando deu o primeiro passo, tivera sorte em ainda estar sendo segurada por Kambriel, pois a queda teria sido feia.  

West nem mesmo conseguiu completar a frase, sequer sabia o que queria dizer, sua mente e suas palavras ainda se encontravam em uma grande confusão; existia muita coisa para associar, muito para contar e principalmente, muito para se pensar. Contudo, seu primeiro intuito ali era sair daquele cômodo o quanto antes, sentia que de alguma forma estivesse ligada ao inferno e só queria afastar-se dali para sentir que estava de volta para seu verdadeiro plano. Longe de todo o tormento e caos que presenciou de perto. 

Na verdade, ela queria sair dali para que as imagens das almas condenadas saíssem de sua mente, não queria se recordar delas e tão pouco torná-las lembranças fixas em seus pensamentos. 

— Você precisa se secar, trocar de roupas e descansar por um tempo. — O arcanjo avisou de prontidão, ela viu quando Eva pegou duas toalhas e lhe entregou uma para que ela se sacasse. 

— Kambriel está certo, — Eva concordou, aproximando-se dos dois. — Seu corpo não está acostumado com esse  tipo de viagem, por isso ele está fraco e por isso não consegue andar direito sem que tropece. Apenas vá descansar. 

A contragosto a humana assentiu, o único movimento que conseguiu fazer com o corpo sem que se sentisse fraca. Logo, sentiu as mãos do arcanjo se firmarem ao redor de seu corpo como se ele a segurasse, de início ela pensou que ele apenas se usaria como apoio, mas então foi tirada do chão e quando se deu conta, estava sendo carregada por ele. 

Descansar. Pensou confusa, como ela conseguiria fazer isso depois de tudo o que viu em seu tempo no inferno e depois de tudo o que ouviu Eligus dizer? Como acalmaria a mente que, se encontrava tomada por um euforia incomum?  

 


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Notas finais do capítulo

NOTA DA AUTORA: Minha visão do inferno que narrei aqui é de um lugar para criminosos e aqueles que fazem coisas erradas conscientes de que é errado, como os sete pecados capitais. Aqui eles revivem seus crimes e seus erros como um tipo de castigo eterno.



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