Entre o Céu e o Inferno. escrita por Sami


Capítulo 14
Capítulo XIII


Notas iniciais do capítulo

Oie amores! Mais um capítulo novinho para vocês e apresentando uma nova personagem de grande importância para a história também! Boa leitura!



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CAPÍTULO XIII  

Cada rua e cada novo prédio que seus olhos viam passar era como receber uma nova informação daquela cidade que, semanas atrás a olhava apenas de longe. Kambriel tinha a sensação inusitada de estar sendo um turista em Grória, pois os tantos prédios, lojas, casas e as demais construções para ele eram sim uma novidade e tanto. Algo completamente diferente do que viu desde a última vez que estivera na terra. 

Novamente aquele novo dia começara nublado, um pouco mais frio que o anterior, forçando a população a investir em roupas mais grossas e quentes, o clima não chegava a ser um problema para o arcanjo, apesar de estar em um corpo humano, com necessidades humanas e sensações humanas, a temperatura não era um fator que parecia lhe incomodar como acontecia com Alana.  

Ao contrário da moça que, vestiu uma blusa mais grossa para aquele dia, o rapaz manteve o casaco fino e simples que usava no corpo.  

Kambriel estava tenso desde o dia anterior, na verdade desde que deixou a casa de Alana. O sentimento forte de que estava tomando a pior de suas decisões ao concordar em envolvê-la em sua missão passou a martelar em sua cabeça no segundo em que pisou para fora da casa da jovem, o céu logo acima de sua cabeça parecia ser um lembrete diário que estava sendo observado por seus irmãos. Sabia disso e conseguia sentir o olhar julgador de cada um quando pensava sobre tal assunto, especialmente de Miguel; até mesmo conseguia ouvir sua voz a lhe condenar pelas escolhas erradas que tomou ao longo dos poucos dias na terra.  

Imediatamente se recordou das palavras de seu irmão Joshuah, o serafim que tanto o alertou sobre seu tempo na terra e de que não era para se deixar envolver com humanos. Estava fazendo exatamente o contrário. Colocando em risco a si e também Alana que, sabia do perigo, mas não do que poderia lhe acontecer por saber demais. A simples probabilidade do que aconteceria depois, a incerteza do que viria quando terminasse sua missão na terra passou a agitá-lo.  

— Você tem certeza de que não está com frio? Eu estou quase congelando mesmo com essa blusa e você sequer parece estar sentindo frio! — A voz da morena invadiu sua mente de maneira a cortar todo e qualquer pensamento, foi algo que aconteceu muito rápido, o corpo de Kambriel reagiu e quando ele se deu conta, estava com o rosto direcionado para o lado, olhando-a no volante.  

Seus olhos correram pela blusa que ela estava usando, era de uma cor escura feita de algum tipo de material grosso, haviam alguns detalhes como pequenos detalhes de renda em suas duas mangas e na gola. Em sua mente, dissera a si mesmo que Alana ficava bem com aquela blusa. Havia um certo humor em sua voz e ele pôde perceber isso com muita facilidade, perguntou a si mesmo como ela estaria levando a questão de estar com um arcanjo dentro de seu carro, de estar envolvida de alguma forma em algo tão sério e perigoso e também de ter demônios interessados nela. Não houve perguntas, não houve comentários sobre aquele assunto, a moça simplesmente não tocou naquele assunto desde que se encontraram.  

— Estou com um pouco de frio, mas não é como o que sente. — Ele responde depois de um tempo, olhando e apalpando o próprio casaco sentindo a textura de sua roupa com a ponta de seus dedos.  

Alana ficou em silêncio durante um tempo, fez uma curva tomando uma rua mais movimentada e olhou brevemente na direção de Kambriel. Existia um brilho curioso em seus olhos castanhos e ele soube imediatamente que aquilo significava que uma pergunta seria feita. O que pareceu deixá-lo mais calmo, gostava da curiosidade que vinha dela, mesmo que esta a estivesse levando para um caminho ainda desconhecido pela humana.  

— Está em um corpo humano, certo? — Ela o olhou, aguardando por sua resposta. O arcanjo balançou a cabeça. — Então, é como se fosse um humano também? Quero dizer, você sente tudo o que sentimos, em relação às nossas necessidades, sensações?... 

O rapaz torceu os lábios levemente antes de responder, pois percebeu que a resposta que daria a ela, entregaria muito mais sobre seu mundo. Estaria outra vez quebrando mais uma regra.  

— Basicamente sim, quando somos transfigurados para que possamos nos misturar na terra, precisamos ser semelhantes a vocês em tudo, — Diz, olhando-a com o canto dos olhos para verificar qual seria sua reação. Por enquanto, Alana parecia tentar entender suas palavras. — Todas as necessidades que vocês possuem também fazem parte de mim enquanto estiver transfigurado, se alimentar, dormir, me hidratar...  

O carro parou num farol, a luz vermelha piscando alertando que a parada fora algo necessário a ser feito.  

— De um modo geral, eu sou como você, mas ainda tenho meu eu celestial também. — Explicou, virando o rosto na direção da morena e ela fez o mesmo. Eles se entreolharam, ela ainda deixando sua curiosidade transparecer em seu olhar enquanto ele, apenas aguardava por mais alguma pergunta que ela faria.  

Os olhos de Alana demonstraram uma leve confusão com as palavras que foram ditas, estava óbvio que ela tentava entender o que foi explicado, mas ainda assim era um tipo de informação que a mente humana demorava para associar e Kambriel entendia o motivo. Humanos possuíam uma forte imaginação e, saber que anjos existiam e saber sobre suas transfigurações fazia com que seus pensamentos os levassem para um caminho quase fantasioso. Soube disso quando soube da existência de pessoas que estavam criando estudos para saber mais sobre o mundo dos anjos e demônios.  

Ela nada mais disse, voltou sua atenção para o volante e novamente deu partida no carro quando a luz do farol mudou para a cor verde. O silêncio formado entre eles como o de momentos antes àquela curta conversa retornou, possivelmente a mente da moça se encontrava a mil por hora numa tentativa de conseguir associar melhor a nova informação que recebeu dele.  

— Para onde estamos indo mesmo? — A pergunta feita o surpreendeu, mas não de uma forma que ele gostaria, West estava mudando de assunto. Trazendo de volta a conversa que tiveram mais cedo sobre ele precisar encontrar com uma velha amiga, de certa forma, ele ainda precisava de ajuda sobre a questão dos ataques e mesmo tendo uma parte importante do que Alana tinha visto e sabia, Kambriel precisava de informações que somente ela daria e, para isso precisava encontrá-la.  

— Aqui em Grória vocês conhecem como um daqueles brechós onde se vem de tudo um pouco. — Responde, olhando pela janela o novo cenário fora do carro. Era uma parte diferente da cidade, o movimento das pessoas havia diminuído consideravelmente, assim como a quantidade de prédios; era uma parte mais isolada.  

— Só temos um assim por aqui e a dona é uma mulher chamada Eva... — Comenta a jovem e logo interrompe sua própria fala como se acabasse de descobrir algo importante. — Ela... Ela é como você? Por isso está querendo encontrar com ela? 

— Não tecnicamente, mas ela vai poder ajudar também. — Foi tudo o que diz. Kambriel poderia dizer mais sobre Eva para Alana, mas imaginou que dar a ela mais informações sobre sua amiga, poderia causar nela uma reação negativa. Por isso decidiu omitir uma parte importante sobre quem era a mulher. — Não se preocupe, nos conhecemos faz muito tempo, ela pode ajudar.  

Sua palavra final veio como uma garantia que ele mesmo precisava ouvir. Estava dizendo a verdade ao dizer que a conhecia fazia tempo, até mais do que a filha do pastor West poderia imaginar, mas não sabia quanto a parte de ela ajudá-lo; não sabia e nem mesmo tinha como saber se a mulher iria mesmo aceitar ajudá-lo.  

Alana dirigiu por mais cinco minutos até parar de frente para uma loja numa rua pouco deserta. Existia alguns civis caminhando pelas calçadas e outros carros passando pela rua, mas o número era baixo, algo que ele conseguiria contar nos dedos. O carro parou bem de frente para o estabelecimento, logo ao lado de uma placa que indicava ser específica para clientes. As outras lojas pareciam mais movimentadas, ele pôde ver um número maior de pessoas saindo dos outros lugares.  

— Preciso que espere aqui no carro, Alana. — Kambriel pediu assim que retirou o cinto de segurança, olhando para a moça ao seu lado que estava fazendo o mesmo e logo parou ao escutá-lo.  

— O quê, por quê?  

— Apesar de sermos amigos e confiar que não acontecerá nada se vier comigo, Eva tem um certo tipo de intolerância por... Humanos. — Explica e ele nota quando a expressão de dúvida no rosto na jovem muda para um tipo leve de espanto. Alana West parece entender o que ele queria dizer, sua boca se abre várias vezes e mesmo que nenhuma palavra tivesse saído em todas essas vezes, estava claro o que ela queria e parecia ansiosa em perguntar. — Prometo que vou explicar melhor quando eu voltar, mas por favor, fique no carro.  

A humana concorda e então Kambriel saiu do carro, fazendo seus movimentos com lentidão desnecessária, uma vez que, não existia razão para que ele estivesse temeroso como estava naquele momento. Avançou na direção da entrada, sentindo-se estranhamente mais tenso no momento em que pisou no interior do estabelecimento.  

A loja era como se fosse um tipo único de brechó, era notável que ali se vendia de tudo um pouco e conforme Kambriel caminhava pelos pequenos espaços que ainda estavam livres ele percebia que existia muito de Eva ali dentro. Roupas, sapatos, todos os mais variáveis tipos de objetos, livros e alguns móveis pequenos usados para decoração preenchiam qualquer tipo de espaço existente ali, ocultado qualquer sinal de espaço vazio.  

O arcanjo se surpreendeu com o que via na loja, pois o que havia imaginado para sua vida na terra não tinha absolutamente nada a ver com tudo o que seus olhos viam no momento.  

— Você não deveria estar aqui, arcanjo. — A voz calma e quase melodiosa da mulher ecoou por seus ouvidos e para logo em seguida percorrer por toda a loja. Preenchendo o lugar com um tipo de vida que parecia não existir ali dentro.  

Isso o surpreendeu, pois não a viu em canto algum, ou pelo menos em nenhum espaço vazio dali de dentro.  

— Como?... — Questionou enquanto a procurava, caminhou mais um pouco, praticamente se perdendo em meio a tantos objetos e roupas, até finalmente encontrar uma área livre, era um balcão, muito provável que era ali onde ela recebia o dinheiro das compras. Eva apareceu logo em seguida, surgindo por entre uma porta e passando por entre a cortina de miçangas coloridas.  

— O seu cheiro, mesmo depois de tanto tempo ele ainda é o mesmo, — Disse de maneira orgulhosa, como se o detalhe de seu cheiro fosse óbvio demais e talvez fosse mesmo; assim como o cheiro deles era algo óbvio para si também. — Continua sendo aquele odor doce que me embrulha o estômago. 

Sua expressão demonstrou nojo, apesar de existir uma forte ironia em seu tom de voz. Seus olhos correram pelo rapaz de cima abaixo, o analisando sem sequer disfarçar.  

— Eva... — Ele diz avançando um único passo para frente e parando imediatamente quando a viu erguer a mão, forçando-o a parar.  

— O que veio fazer por aqui, Kam? —  A mulher pergunta de forma impaciente, usando o apelido pelo qual costumava chamá-lo antes. — Sabe muito bem que vocês e eles não podem vir aqui, são as regras.

Sua voz demonstra certa fúria enquanto o olhar se mantém analisador sobre ele. Kambriel concordou recordando-se disso, estava quebrando muitas regras nos últimos dias e aquela estava sendo adicionada a sua lista. Percebeu que a mesma estava aumentando conforme os dias se passavam.  

— Preciso de ajuda. Da sua ajuda. — Responde, diferente dela, seu olhar era algo mais gentil e até mesmo amigável. Mesmo que compreendesse a razão por estar sendo hostilizado por Eva, queria fazer diferente dela; deixar claro que o passado ficara para trás. Como tinha de ser. Como ele decidira fazer.

A mulher arqueou uma sobrancelha com sua fala, havia agora descrença em seus olhos e isso pareceu deixá-lo incomodado, de maneira que ele acabou demonstrando e percebeu tarde demais que ela notou isso. Eva era sempre muito astuta em ler expressões e não foi diferente naquele momento, mentalmente a imaginou se orgulhando por tal feito.   

— Ajuda? — Soltou uma gargalhada rápida e alta, a mesma preencheu também todo o interior da loja, deixando o ambiente mais sufocante e menor do que era. — Eu não posso mais me envolver em nenhum assunto seja ele qual for, se é de cima ou debaixo, você melhor do que ninguém sabe muito bem disso! 

Eva estava diferente de como ele se lembrava. Ainda que a aparência humana fosse algo marcante em sua fisionomia, as características celestiais continuavam fazendo-se presentes em seu rosto. A face da mulher estava alguns anos mais envelhecida, — ele poderia chutar que Eva estava na casa dos trinta e tantos anos — um tanto mais fino e pequeno, levemente enrugado em pontos importantes. O cabelo estava maior, era o que mais chamava a atenção nela, agora estava completamente grisalho com uma única mecha escura lateral. O mesmo estava preso num tipo de trança apertada e era preso por uma presilha que tinha um formato estranho, remetendo a uma aparência de espinhos; ele se perguntou o motivo da escolha do prendedor de seu cabelo, mas deixou o questionamento se perder em sua mente quando se deu conta de que isso não era tão relevante assim. 

Os olhos continuavam com o mesmo ar astuto de sempre e no momento encontravam-se fixos no rapaz enquanto os lábios finos e curtos se remexiam num sinal claro de desconforto e Kambriel entendia isso; internamente a presença da mulher também o deixava desconfortável, mas ele estava se esforçando para esconder. Diferente dela.  

— É importante. — Ele tentou novamente, cogitando avançar um pouco mais na direção da mulher e mudando de ideia quando a viu afastar-se dele. — Têm visto o que anda acontecendo aqui?  

— As mortes? Claro que sim. — Assente, desviando a atenção de seus olhos para um amontoado de roupas em três caixas diferentes. — É uma pena, são muitas vidas perdidas assim sem uma explicação que faça sentido. 

O arcanjo soltou um muxoxo desdenhoso ao ouvi-la, não conseguindo entender como ela conseguira agir de maneira tão neutra sobre um assunto tão sério como aquele. Algo que também tinha relação com quem ela era. 

— São demônios fazendo isso, Eva e sei que tem ciência disso. — Alega, seu tom saindo mais firme de antes quando percebeu como aquela conversa aconteceria.  

— E? 

— Eu preciso da sua ajuda. — Repete o pedido, dessa vez tomando mais coragem para avançar até ela. Parando próximo demais da mulher, percebendo que a diferença mínima entre suas alturas continuava a mesma; ao menos algo não mudara tanto desde que a viu pela última vez.

— Você já disse isso. — Murmura novamente impaciente, dando a costas para ele e catando um punhado de roupas. Passou por uma portinhola e ficou atrás do balcão, jogou todas as peças sobre o mesmo e de forma despreocupada, começou a dobrá-las muito calmamente. Não mais dando atenção a ele. — Você não precisa da minha ajuda, apenas quer que eu facilite as coisas para você e assim fazer o que tem que fazer mais rápido... Já vi essa história antes e ela não vai se repetir. — Fez uma pausa, batendo as duas mãos sobre o punhado de roupas sobre o balão, voltando seu olhar para ele durante breves segundos. — Por que não chama seus amiguinhos do alto e façam o que sempre fizeram? Acabaria com todo esse caos num piscar de olhos.  

A possibilidade já havia passado na mente de Kambriel, mas tratava-se de algo que no momento era incapaz de acontecer, não apenas por não ter qualquer outro tipo de resposta sobre o que vinha acontecendo, mas também por querer evitar que mais vidas fossem perdidas daquela maneira. 

— Eu não posso fazer isso, sabe como tudo funciona. — Rebate, pousando suas mãos sobre o balcão, evitando tocar a mulher. — Não posso fazer isso porque não tenho a mínima ideia de quem está por trás disso, encontrei Zarael dias atrás e imaginei que fosse ele espalhando esse caos, mas não é. E honestamente, acredito que não seja uma obra dele.  

A simples menção a enfureceu e isso ficou perceptível no rosto da mulher, o rapaz sabia que mencioná-lo assim, mesmo que seu nome não estivesse sendo dito era algo que a deixava irritada, mas fizera mesmo assim.  

— Ainda não entendi aonde eu me encaixaria nisso. — Diz de maneira irônica, seus lábios pareceram se esticar levemente, mas ele não sabia se aquilo seria um sorriso ou apenas um movimento involuntário de seus lábios. —  Se acha que o bastardo está por trás disso, porque não o confronta de uma vez? De qualquer maneira, eu não tenho nenhum tipo de ligação com isso...

— Você era um demônio antes de cair, Eva. — A interrompe, trazendo à tona uma recordação que ambos queriam esquecer, seu tom firme se manteve, não havia mais a mesma gentileza de antes e isso atraiu a atenção da mulher novamente, ela agora o encarava com a mesma dureza de antes. — Sabe como eles pensam, como agem, do que são capazes de fazer... 

— Vai direto ao ponto. — Pediu da mesma maneira impaciente de antes e quase irritada. — Sabe que eu odeio essa enrolação toda.  

O arcanjo suspirou antes de respondê-la.  

— Dias atrás um demônio atacou o novo pastor da cidade dentro da igreja, não foi como esses ataques que já estão acontecendo, este foi... Algo mais físico. — Contou, relembrar desse ataque fez com que algo em seu interior se incomodasse, Kambriel conseguia sentir a mesma tensão que sentiu nesse dia e ela continuava tão vívida quanto. — E nós dois sabemos que os únicos capazes de fazer isso são os mestiços, ou seja, aqueles que caíram. 

A última informação pareceu deixá-la incomodada, novamente ela arqueou uma sobrancelha e fixou seus olhos sobre a figura do rosto do arcanjo, seu olhar naquele momento mudou de forma drástica e ele pôde perceber que, sua fala tocou em um ponto crucial.  

— Eu deveria saber que você não veio até aqui apenas para pedir a minha ajuda... — Murmura, colocando mais uma peça que acabara de dobrar ao lado para que começasse tudo de novo com outra peça. — Entendo que seja um guerreiro de cima, mas fazer acusações? 

A mulher fez uma nova pausa e esperou por algum tipo de reação de Kambriel, ele hesitou ainda que estivesse se mantendo firme com sua fala e postura. Sabia que estava em um campo hostil e que, ao acusá-la subliminarmente dos ataques estava apenas a provocando para conseguir uma resposta da qual já tinha.

— Acha mesmo que eu perderia meu tempo com essa raça? Francamente Kambriel, sempre achei que você dentre todos os outros seria diferente, mas percebei que estava muito errada em pensar assim. Pense melhor, acha mesmo que eu, faria algo desse tipo depois de tudo o que houve? — Diz ao perceber que o arcanjo demorava para dizer qualquer palavra. — Quer respostas? Procure-as sozinho, melhor ainda, peça ajuda para a humana que trouxe e que a deixou esperar do lado de fora feito um cachorrinho que não pode entrar em uma loja porque fará bagunça! 

O nojo presente em seu tom de voz foi algo que a mulher fizera questão de não esconder, ela continuava com sua estranha e conhecida intolerância para com os humanos mesmo que estivesse vivendo entre eles agora e ficou claro na forma como citou Alana de forma subliminar que, esse sentimento jamais passaria.  

— Não a envolva nisso... — Tentou falar, mas fora interrompido no mesmo instante.  

— Aparentemente, ela já está bem envolvida nessa história toda para trazê-la com você, afinal, o pai dela também foi morto pelos demônios, não é mesmo? — A fala de Eva causa um tipo de resposta em Kambriel que, por mais que tenha lutado em não a demonstrar, foi inevitável, algo impulsivo. Como acontecera quando viu que o demônio que usava o corpo da senhora Glesser tentou atacar a moça.

— O que sabe sobre isso? — Questiona rapidamente, sentindo-se mais agitado que segundos atrás. 

— Eu leio as notícias, Kambriel. " Pastor local é uma das vitimas dos misteriosos ataques da cidade." — Ela repete a manchete para melhor situá-lo, o arcanjo não tinha aquela informação até dias atrás; quando conheceu por acidente a filha do pastor West. — É por isso que a trouxe? Porque ela está envolvida nessa história?... Ou apenas...

— Não é nada disso! — Grunhiu ríspido, cortando sua fala antes que a mesma fosse completada. Sequer queria pensar em ouvir a frase terminada. 

Eva pareceu sorrir, mas ele não teve tanta certeza assim. 

— Eu percebo algo de diferente em você e entendo que esteja assim, o tempo na terra pode mesmo mudar até o arcanjo mais certinho que o Céu tem, — Ela continua a esboçar um riso divertido, mas não era para demonstrar descaso ou ironia. Diferente de segundos atrás, a mulher parecia mais tranquila e a mesma mulher que Kambriel conhecera. — Está quebrando muitas regras vindo até aqui e pedindo que eu o ajude mesmo sabendo que não posso me envolver nesses assuntos, mas eu acho que podemos chegar a algo que seja favorável para ambos os lados.  

— Não posso fazer acordos, Eva. — A recorda e logo em seguida ela dá com os ombros, como se não desse tanta importância assim para sua fala. 

— Você já está quebrando as regras Kam, o que será quebrar mais uma? — Quis saber, Eva cruza os braços, olha para o arcanjo de cima abaixo e então dá com os ombros outra vez.  — Eu quero ganhar algo com a minha ajuda. — Responde ela, como se isso fosse óbvio demais. — Entenda que, eu aceitar te ajudar é um risco grande que estarei correndo e por isso quero que minha ajuda valha a pena. Quero que seja favorável para mim também, como sei que será para você.  

— Eva... 

— Não venha com essa, eu sei como as coisas funcionam e isso acontece lá embaixo também, não são apenas os anjos que recebem prêmios por suas missões bem sucedidas, os demônios também recebem quando são mandados para a terra. — Rebate, mostrando-se firme em sua decisão. — E eu sei muito bem o que quero ganhar com isso.  

Kambriel não era quem atendia a pedidos, essa não era sua função e mesmo que ela soubesse disso, esse fator não pareciam ser um tipo de impedimento para que ela recuasse ou voltasse atrás na direção que estava prestes a tomar. Internamente, ele temia qual seria o pedido feito. 

— Quando tudo isso acabar, quando você terminar e resolver o que veio fazer aqui eu quero voltar também!

O cenho do rapaz se franziu em dúvida ao ouvir o pedido que fora feito.  

— Hã? Espera... Você quer... — Lentamente ele começa a compreender melhor a fala da mulher, associando cada palavra com mais cuidado e calma, finalmente tendo a compreensão necessária para saber o que ela queria. 

— Eu quero ter o meu verdadeiro eu de volta. Quero voltar a ser um demônio. — Eva fez o pedido com mais objetividade, sua respiração parecia um tanto mais acelerada, mas Kambriel imaginava que isso era apenas uma impressão sua.  

Quem realmente estava agitado era ele, Eva pedir para voltar implicava em regras específicas, algumas das quais ele mesmo não tinha muito conhecimento por não ser de sua alçada. O pedido não era bem o que ele esperava, a conhecia o suficiente para saber que a mulher poderia pedir de tudo; desde sair daquela cidade a coisas mais absurdas das quais evitava pensar a respeito. Mas pedir para voltar... Isso o chocou de todas as maneiras possíveis.  

— Não sou eu quem... Eu sou um guerreiro, caso tenha se esquecido, Eva.  

— É eu sei disso, — Responde, novamente impaciente como antes. — Mas você pode me ajudar a conseguir a minha volta, nem que eu tenha que escolher de novo, eu faço qualquer coisa, mas eu não fico mais no mundo dos homens! 

Ele imaginava que o motivo era a saudade que ele poderia ter de seu poder — ainda que o possuísse em proporções mais limitadas — Eva sempre foi apegada ao que tinha antes de cair e se eu era o que mais importava para ela. Lembrava-se perfeitamente de como foi torturante vê-la perder a coisa que mais amava em sua vida. Parte de si compreendia o motivo de seu desejo em voltar, ela não suportava viver entre os homens e sempre deixou isso muito claro para todos, tanto para o céu quanto para o inferno. Seu ódio nutrido por eles nunca fora explicado exatamente, mas Kambriel conhecia o motivo.  

Contudo a outra parte achava que ela estava errando em querer voltar. Obviamente ele não fazia nem ideia de como ela se sentia em viver como um deles, na verdade, ele não conseguia imaginar como seria cair e viver sem toda a sua glória, longe de todos seus irmãos e Dele. Por isso não a julgava pelo pedido, ainda que estivesse o considerando... Impulsivo; baseado apenas em um sentimento que ela permitia lhe dominar.

— Eu não posso te dar essa garantia, existem regras e sabe que vou precisar falar com quem realmente poderá resolver essa questão, tem conhecimento disso, não é? — Após questioná-la ela rapidamente balança a cabeça mostrando que concordava com o que fora dito.

Toda a burocracia que envolvia aquele tipo de questão não era assunto seu e as pessoas responsáveis não eram assim tão maleáveis para serem conquistadas. 

— Entendo, mas eu só vou precisar de uma nova audição com eles. Eu cuido do que vier depois. — Responde, sua voz saindo mais calma. Era como estar conversando com outra pessoa naquele momento.

Mentalmente ele estava riscando mais uma regra que estava quebrando. Se aliar com os caídos só não era tão ruim quanto se aliar com humanos e se expor para eles. Tornara-se um rebelde, quebrando regras para um bem maior. Indo completamente contra tudo o que jurou não fazer antes de descer.  

Estava chegando a um tipo de acordo estranho com Eva, receberia sua ajuda e tentaria ajudá-la também, ainda que não soubesse se iria conseguir fazê-lo quando terminasse sua missão. Também tinha a questão da Alana, estava recebendo sua ajuda e a protegeria enquanto tivesse demônios atrás dela... Muitas regras, pensou consigo mesmo, sentindo-se tenso quando percebeu que nem mesmo os rebeldes eram assim tão imprudentes como estava sendo em seu tempo terreno.   


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Notas finais do capítulo

~Como se não bastasse Kambriel estar se aliando com Alana agora ele também está fazendo acordos com demônios... Ai ai esse arcanjo viu.

~Agora as coisas vão finalmente caminhas e vamos começar a ter respostas.

Nos vemos em breve!



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