Coco escrita por Jupiter vas Normandy


Capítulo 3
Novo Funcionário




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— Nã-não, Pam, e-eu não estava lhe e-e-espionando… – Quando Coco retornou para a frente da loja, pôde ver Kevin tentando desesperadamente se explicar. A moça, Pam, não parecia exigente quanto à explicação. Na verdade, ela parecia estar se divertindo com sua tentativa de se justificar. Tinha um sorriso gentil e parecia conhecer bem a falta de jeito de seu admirador.

— Você! Vem aqui um instante. – Coco o chamou. Ele apenas lançou um olhar irritado em sua direção e ignorou o chamado, continuando a tropeçar nas sílabas enquanto falava com a Pam. Mesmo quem não a conhece há muito tempo sabe que Coco não é do tipo que chama duas vezes.

— E-eu vi você quando estava na rua e eu teria falado com você, mas precisei entrar aqui antes porque… porque…

— Porque ele trabalha aqui. – Ela concluiu, atraindo um olhar bastante confuso dos dois. A bruxa estendeu a mão para Pam com um sorriso amigável. – Olá, meu nome é Coco!

— Eu sou Pamela – respondeu, no mesmo tom amável.

— Ah, e você conhece o…? – percebeu tarde demais que ainda não sabia o nome dele.

— Kevin. – Ele se apresentou. Coco assentiu, estalando os dedos como se apenas tivesse esquecido o nome, não como se acabasse de conhecê-lo.

— Claro, crescemos juntos. Por isso fico surpresa em saber que ele está em um emprego novo e não me avisou! – Ela fingiu estar ofendida. Depois mudou sua curiosidade para Coco. – Mas se o conhecia, por que gritou me avisando que ele estava me “espionando” – falou a última palavra como se fosse uma assombração, com uma sombra de riso oculta na frase. Tanto Coco quanto Kevin ficaram em silêncio por breves segundos, percebendo que Pamela era o tipo de pessoa que permitia uma mentira descarada, somente para ver aonde as mentiras vão levar.

— Pois é, ele passou aqui semana passada para entregar o currículo e voltou hoje para saber se tinha sido contratado. Eu o vi de costas na vitrine e não o reconheci, eu sou péssima com rostos… e cabelo, e roupas. E voz. Bom, eu nunca me lembro das pessoas, na verdade.

Não, não era uma desculpa fajuta. Coco é realmente terrível em se lembrar das pessoas. Muitos problemas já surgiram disso.

— Pam, pode nos dar licença um minuto? – Kevin interrompeu. Pam aproveitou para se despedir, tinha deixado sua irmã se distrair na papelaria do duende na esquina, mas já fazia alguns minutos. Puxando Coco pelos ombros para o canto do salão, Kevin finalmente extravasou suas dúvidas, ou melhor, dúvida: – Desculpa, mas o que está acontecendo?

— O emprego é o seu primogênito.

— … – Por alguns segundos, Kevin procurou mentalmente todas as possibilidades e significados alternativos para aquelas palavras, mas, ao final, ainda estava tão perdido quanto antes. – Como?

Coco revirou os olhos, bufando com impaciência. Era um completo absurdo as pessoas não entenderem suas analogias.

— Conhece a Rapunzel?

— Aquela história bizarra de uma bruxa que cobrou um bebê recém-nascido por um rabanete como se valessem a mesma coisa? Você não é essa bruxa não, né?

— Não, essa é minha tia, e você contou a história toda errada. Mas enfim, a questão é que os doces que você destruiu são meus “rabanetes”. – Kevin compreendeu o que ela queria dizer. Fechou os olhos e levou as mãos ao rosto, se concentrando para não surtar com as piadas que o destino lhe pregava.

— Certo…

— Você é o vândalo que destruiu a plantação.

— Ok, eu já entendi.

— O emprego é o seu bebê.

— Não precisa explicar o resto!

— Você entrega o bebê para a bruxa como compensação.

— Você tá de brincadeira…

— Mas nesse caso, a bruxa continua sendo eu.

— Coco! – Ela o encarou com a sobrancelha erguida, parecia não ter ouvido suas objeções. – Eu já entendi!

— Ótimo! Então pode começar hoje! – respondeu, animada.

Kevin estava perplexo. Há alguns minutos ela estava a ponto de arremessá-lo através da vitrine, depois parecia não querer nem mesmo aturar sua presença na loja. Agora estava sorridente e empolgada como uma criança quando os pais deixam que vá para a casa de sua amiga. O que se passava naquela cabeça?

— Escuta, eu não posso só, sei lá, pagar pelo prejuízo?

— Disse que não estava com dinheiro.

— Não quis dizer pagar agora, agora, mas só pagar mesmo. Aí a gente finge que nada aconteceu.

Coco pôs uma mão na cintura, e com a outra bateu de leve um dedo nos lábios, pensativa. Tirou o chapéu pontudo e puxou uma caderneta de dentro. Em vez de caneta, escrevia com a varinha, cujo cristal da ponta deixava marcas enegrecidas no papel como se o queimasse. Vez ou outra olhava para os produtos danificados e voltava a escrever. Matemática é igual em todos os mundos, mas Economia é sua gêmea maligna. O custo de produção é algo complicadíssimo de calcular quando os ingredientes são mágicos. A névoa adocicada, por exemplo, ingrediente necessário para os suspiros levitantes, poderia estar com o preço lá embaixo em um dia e estar caríssimo no outro. Tudo dependia do humor das náiades que o produziam. Assim, todas as variáveis possíveis entravam no cálculo. A lua cheia fazia o preço cair um pouco; em contrapartida, as segundas-feiras quadruplicavam o valor dos ingredientes. Por fim, Coco virou a caderneta para Kevin, revelando os cálculos do prejuízo, que era um número muito maior do que Kevin gostaria.

— Não pode só restaurar os doces com magia? – perguntou, sem muita esperança.

— Claro! Então qualquer um pode entrar aqui e destruir tudo, sem o mínimo de respeito pelo meu trabalho, e tudo bem! Você não se importa com o sofrimento que causou naquele cisne de glacê? Posso restaurar mesmo, né? Que legal! Por que eu não deixo aquela porta aberta logo dia e noite? Não faz diferença se roubarem, destruírem ou vandalizarem a minha loja! – Ela reclamou, impaciente, mas ergueu a mão pontuando uma última questão que acabara de lembrar. – Mas não, não dá pra restaurar, mesmo que eu quisesse, e eu queria muito, porque você viu o preço… Dá para restaurar coisas quebradas, mas não coisas destruídas, entende? A diferença…

Coco iniciou uma palestra sobre as nuances de magias restauradoras, fazendo Kevin se arrepender de ter perguntado. Ok, então. Aquilo era um pouco justo. Havia sido descuidado e tinha prejudicado aquela estranha confeiteira. Apesar disso, não estava empolgado para começar a reparação do dano. Revirou profundamente os olhos, durante o mais longo suspiro de desalento que conseguiu soltar. Nem isso conseguiu dissuadir a bruxa.

— Tudo bem, o que quer que eu faça? – Ela sorriu, genuinamente empolgada. Abriu os braços, hesitante, pois não tinha pensado no que aconteceria depois, não achava que Kevin concordaria.

— Ai, eu não sei! – confessou. – Você pode, sei lá, começar servindo os clientes?

Em oposição à animação de Coco, Kevin mantinha uma expressão neutra e cética. Em geral, seus sentimentos variavam apenas de tédio à incredulidade, e sempre foram suficientes para todas as situações de sua vida. Sim, Kevin vivia no mesmo mundo fantástico que Coco, mas a vida dele era tão empolgante quanto cortar batatas para fazer um purê no almoço.

— Hum, tá. – Obedecendo sua nova chefe, Kevin olhou ao redor dentro da loja. Deu uma volta completa sem sair do lugar, e começou a se perguntar se Coco percebia que só havia eles dois dentro da doceria. Talvez ela fosse mesmo meio pirada, e estivesse vendo clientes que só existiam na sua cabeça. Só para garantir, Kevin se curvou e verificou embaixo da mesa mais próxima deles. Não, realmente não tinha ninguém! Ele se levantou, encarando Coco novamente, com a indiferença imperturbável de quase sempre. – Mas… onde estão os clientes?

Coco se empertigou para responder, mas desistiu, novamente com aquele tique de bater nos lábios pensativamente. Por um instante, Coco se esquecera da ausência de clientes.

— Eles ainda não conhecem a loja! A placa não é chamativa o bastante.

— A placa é bastante chamativa, foi por isso que eu entrei aqui… – Kevin começou, sendo completamente ignorado por Coco, que se inclinava sobre o balcão para pegar alguma coisa, em vez de simplesmente dar a volta no balcão.

— Achei! – Ela trouxe uma bandeja grande com uma faixa que se prendia nos ombros para sustentação. Entregou a bandeja para Kevin e correu para trás do balcão, selecionar amostras de doces. – Você pode oferecer amostras para as pessoas na rua! Assim elas vão saber da loja. Isso com certeza vai dar certo.

Kevin não tinha tanta certeza, mas aceitou. Levou a bandeja e os doces para fora e sentou-se na calçada. O dia era de pouco movimento, e não se via ninguém na rua. Desde que se mudou para aquela terra, Kevin enfrentara uma situação inusitada após a outra. Mas pela primeira vez em muito tempo, ele se permitiu usar da racionalidade, que abandonara por não ser de muita ajuda por aqui. Analisando o que tinha acontecido apenas nas últimas 24 horas, uma pergunta repetia em sua mente:

“Como eu entrei nessa situação?”


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Notas finais do capítulo

Atrasei um pouco, mas ok ^^
Espero que tenham gostado ♥ Comentários são sempre bem-vindos, e vocês podem me avisar de qualquer erro que tenha passado pela revisão.
Até o próximo!