Immortality escrita por lisa gautier


Capítulo 6
Capítulo Cinco


Notas iniciais do capítulo

Olá, pessoal!
Sendo o capítulo anterior mais curto, achei adequado postar com mais rapidez a continuação... Boa leitura!



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CAPÍTULO CINCO:

Tecidos

 

 

1922

 

 

Elas se conheceram no final de 1921.

Bella estava fazendo compras a pedido de René, comprando-lhe alguns metros dos tecidos novos que haviam chegado de Nova York. Ela não era uma grande apaixonada por moda, apesar de sempre estar muito bem-apresentada; logo, estava entediada, apenas rabiscando na sua caderneta os preços e analisando se valia a pena desperdiçar tanto dinheiro. Era difícil compreender para que tanta seda e veludo, como se algodão fosse um tecido quase pecaminoso. A outra moça, que admirava as peças estampadas, esbarrou em Isabella enquanto planejava mover-se até a outra secção da loja. Isabella olhara-a com surpresa, sentindo seu coração pulsar com uma admiração inesperada: a pequena mulher a sua frente era linda, divina. Usava um vestido vermelho, de mangas anjo e de cós baixo, cobrindo-lhe até metade da panturrilha; um chapéu floppy, imenso e preto, pendia de sua cabeça. E, para deixar-lhe mais luxuosa ainda, tinha um lenço atravessando-lhe as costas e braços. Seu nome era Alice Brandon.

Alice apressou-se em pedir desculpas para Bella, olhando-a com sinceridade: era dona de um par de olhos topázio, brilhantes como o mais belo esmalte. Bella rira, falara que não havia problema. Alice soltara uma risada em alívio e esticou os pés, espiando a caderneta de Bella; no outro instante, dava-lhe conselhos sobre moda e os verdadeiros preços dos tecidos. Na outra semana, se esbarraram novamente — desta vez, no Hospital. E uma terceira vez em uma floricultura. Na quarta vez, Bella sentiu como se o destino estivesse empurrando aquela mulher baixinha para dentro de sua vida; deu-se por cansada e convidou-a para tomar um café. Elas se viam com muita frequência desde então.

— Veja — no sofá do canto do apartamento, Alice deslizava os dedos pela palma interna da mão de Nessie que, com seus quatro anos, admirava a mulher com verdadeira devoção. — Eu poderia ler todo o seu futuro pelas linhas da mão. Ou, quem sabe, com cartas. Você tem cartas, Nessie? — provocou.

Nessie estalou os olhos e saiu em disparada, indo choramingar na cozinha para Bella. Perguntava se elas tinham cartas, mesmo sem saber o que era. Bella respondera confusa que não; não era o tipo de mulher que gostava de jogo ou aposta, não permitiria aquilo dentro de sua casa. A morena marchou até a sala e foi acompanhada de uma Nessie esbaforida e animada.

— O que você está fazendo com ela? — inqueriu Bella à Alice.

— Lendo o futuro, é claro. — disse com calma.

O semblante de Bella pesou, demonstrando insatisfação.

De verdade? — sua voz era agoniada.

Bella compreendia que havia algo de diferente em Alice; começara a desconfiar quando a mesma lhe revelara detalhes de sua vida com Edward Masen, coisas que nunca foram citadas em conversas anteriores. A princípio sentiu-se incomodada e ofendida, tendo momentos de seu falecido tão expostos por uma mera intrometida. Contudo, antes mesmo que pudesse mostrar seu profundo desagrado, algo mais estranho ainda acontecera: Alice avisou-lhe, tagarelando de maneira acelerada, sobre a demissão em massa as antigas enfermeiras. Citou nomes, particularidades fantásticas, e avisou-lhe para dormir em paz, pois seria nomeada a chefe das enfermeiras e nada tinha a temer. E, apesar de todas as revelações, não parecia abalada: falava sem erguer os olhos, terminando um bordado que fazia. Por ser cordial e respeitosa, evitadora de conflitos, Bella não falara muito, apesar de sentir todos seus instintos berrando o contrário. E, na terça-feira prometida pela mulher, Lizzie, Bertha, Agatha, Susan e Clare marcharam chorando do escritório do Hospital, todas carregando seus últimos cheques e uma ordem de demissão. Poucos minutos depois, o médico-chefe, sr. Flaubert, procurava por Isabella, animado em anunciar-lhe que recém convencera o Sr. Roth, dono da instituição, que a nomeasse enfermeira-chefe e que ficasse encarregada de supervisionar o treinamento das novatas que vinham do Canadá. Isabella tentou sorrir, mas era abatida por um sentimento estranho, como se estivesse com a mente cheia de névoa.

Naquela noite, na mesma terça-feira, Alice Brandon bateu animadamente na porta de Isabella Masen, congratulando-a pelos dólares extras que ganharia. Isabella remoeu e remoeu as palavras antes de proferi-las, analisando a situação. No almoço, ouvira falar que o Sr. Roth decidira a demissão de cabeça quente, irritado com as reclamações constantes de parentes de pacientes, e que não havia decidido nada há mais dois dias (e Alice contara tudo há uma semana). Isabella confrontou-a, não permitindo que Alice passasse pelo umbral da porta.

— Oras — dissera ela. — Você é boa com doentes, eu sou boa com o futuro. Que mal há nisso?

— Não funciona assim. — retrucara Bella. — Como você sabe?

Alice piscara.

— Eu não sei — dissera. — Acredito que eu tenha nascido assim. — e mexera os ombros, como se prever o futuro e bordar fossem habilidades do mesmo nível.

Poderiam ser coincidências estranhas, poderia ser apenas uma mulher interesseira que sabia tudo sobre todos — mas as histórias continuaram a virar realidade, visão após visão. Acidentes pessoais de conhecidos de Bella, números da bolsa de valores, capas do jornal; a pequena vidente apurara tudo para Bella, tentando provar-lhe a veracidade de suas palavras. Alice tinha um pequeno estúdio no sul de Chicago, onde trabalhava em algumas tardes da semana; por trás de cortinas de contas, em uma mesa redonda e um cenário bastante dramático, lia o futuro dos mais ricos da cidade. E faturava muito, muito, com suas verdades apuradas. E, logo, Bella decidiu acreditar nas habilidades da amiga.

Mas, obviamente, nem sempre a crença e conforto andam de mãos dadas. Isabella ainda sentia-se nervosa, com ânsias, quando pensava em tais dons. Não compreendia e, como a enfermeira que era, caçava motivos científicos para tal fato; esgotava-se, sem nenhuma fonte confiável. Alice poderia ser classificada como insana, Bella sabia, mas pouca loucura via naquela mulherzinha — e se tal tivesse fora de seu equilíbrio, com os espíritos afligidos, logo elas estariam todas em um surto coletivo, pois as previsões continuavam a tomar corpo na vida real. A náusea aumentava, trazendo gosto de bile a boca de Isabella. Exagerava nos pensamentos. Tentava achar uma razão espiritual para as visões e ficava  mais descrente.

— Se eu tivesse as minhas cartas, talvez sim — o tom falsamente ofendido de Alice trouxe Bella, como um puxão, de volta a realidade. Ela não precisava de tarôs, ossos ou borras de café para ver além do tempo humano, mas amava distrair Nessie com aquelas lendas. E Bella sabia muito bem disto.

Bella revirou os olhos e tornou brevemente a cozinha, retornando com uma xícara de café e alguns biscoitos. Nessie pôs-se a roer os glaçados como se fosse um ratinho. E Alice, como sempre, não aceitou comer nada.

— Você nunca come? — Bella perguntou após saborear um gole de café.

— Nem todas são predispostas a magreza — disse ela, dando de ombros.

— Mas todos são predispostos a comer — respondeu Bella.

— Claro que são, tolinha — debochou Alice. — Mas não espere que eu me sacie com biscoitos, pois não faz meu gosto.

Bella semicerrou os olhos:

Lembrava-se de ter uma dieta muito pobre e restrita durante seu momento mais crucial de luto, tendo emagrecido muitos quilos. Voltara a comer normalmente conforme o tempo passava, degustando outra vez de diversos sabores. Alice não parecia melancólica, na verdade, sempre estava radiante. Imaginá-la como uma daquelas mulheres que para emagrecer passavam fome de propósito e bebiam vinagre de manhã também soava incongruente.

— Você é um mistério, Alice — suspirou Bella.

— E esse é meu charme, não? — ela sorriu longo, exibindo uma carreira de dentes brancos.— Você não acha que as coisas perdem a graça quando sabemos tudo sobre elas?

— Não sei — disse Bella. — Diga-me você.

Alice abaixou os ombros.

— É péssimo — admitiu em um murmúrio. — Nada tem gosto de novo… A ignorância sempre será uma benção. — lamentou-se.

Bella sentiu-se compadecida com a situação, apesar de pouco compreender daquela dor.

— Talvez exista uma maneira de controlar, impedir, essas visões. — sugeriu.

Alice olhou-a.

— Duvido muito. — disse ela. — Se bem que… Ah, dane-se… Pelo menos, eu consigo ficar rica com isso! — disse numa tentativa de animar-se.

Bella fitou-a com carinho e compaixão.

— Alice.

— Estou muito próxima dos seis dígitos — disse Alice.

Alice.

— E, bem, em breve chegará uma nova leva de vestidos na boutique da cidade. A dona não sabe ainda, mas enfim!

Bella desistiu de imediato, mesmo após poucas tentativas, de falar alguma coisa motivacional. Alice era uma criatura diferente, um boneco que sempre se dava corda sozinho — era uma sobrevivente por natureza, nunca permitindo-se abater por mais de alguns segundos.

— Parece que você vai comprar a cidade inteira. — disse Bella.

Alice gargalhou.

— E eu mal posso esperar!

E, de repente, as duas riam juntas.

 

[...]

 

Na saída do apartamento da amiga, Alice Brandon optou por caminhar calmamente pelas calçadas de Chicago. Estava tarde da noite, ela sabia, mas não havia perigos — não para uma vampira.

A palavra ainda soava nova, apesar de estar transformada há quase três anos, e soava esquisita. Alice não tivera muita experiência com os de sua espécie, conhecendo alguns poucos pela jornada: acordara sozinha, abandonada, na floresta e com uma queimação cruel em sua garganta. Não sabia nada além de seu nome e o que talvez, sem ter muita certeza, devia ser seu sobrenome. Sua audição estava expandida de forma inumana, fazendo-a ouvir o farfalhar das asas de um beija-flor a quilômetros de distância, e sua visão não estava muito diferente disto, permitindo-a que visse cada centímetro de poeira que cobriam os pinheiros. Quisera chorar, mas nenhuma lágrima caía de seus olhos apesar de toda a infelicidade que lhe preenchia. Logo, como um recém nascido que aprendia a procurar o seio da mãe de maneira instintiva, Alice estava grudada a um urso, tão maior que ela, sugando-lhe o sangue como se sua vida dependesse daquilo — e dependia.

— Oh meu deus! — Alice, três quadras depois, paralisou diante da vitrine da boutique, encarando com paixão uma coleção de lenços; não haviam dúvidas que aquele azul, com pontilhados brancos, combinaria com seu vestido novo. Ela tocou o vidro da loja, pensando como não teria previsto aquela remessa. Nem tudo vinha-lhe a mente, ela sabia. As visões, contudo, não eram estranhas; era como se sofresse sua vida inteira com aqueles deslumbres do futuro.

No fundo da loja mal iluminada, Alice enxergou um manequim pequeno e infantil que trajava um vestido rosado com fitinhas delicadas, como pétalas de rosas, e deleitou-se imaginando Nessie naquela roupinha. Anotou mentalmente que compraria aquela peça para a criança. E que a continuaria mimando, mesmo que fosse contra os desejos de sua amiga, Bella.

Ah, Bella!

Alice jamais se esqueceria do dia que primeiro a vira. Não, não, não quando a vira pessoalmente — mas sim quando sua mente exibira a cena do que seria. Fora guiada até aquela mulher alguns meses depois que começara a conviver entre humanos, escondendo sua verdadeira natureza vampírica e entregando-se a uma existência de faixadas. Sua clarividência não era um dom de conhecimento público, mas apenas um sussurro entre aqueles que eram interesseiros. Bella não era interesseira, mas sabia de seu talento; Bella sempre fora uma amiga, vira Alice, e no futuro, talvez, uma irmã também.

A vampira voltou sua caminhada, estalando a boca enquanto enfiava as mãos nos bolsos do casaco. Demorara um curto tempo até conectar Bella, sua cara amiga humana, com o vampiro maníaco de suas visões, um de olhos vermelhos e cabelos acobreados. O futuro ainda era uma incógnita, enquanto ele tomava decisões e Isabella seguia sua vida humana, acreditando que seu marido estava morto. Era uma espera agonizante e demorada, muitas vezes, chata. 

Paciência, Alice, tenha paciência, pensava ela, sabendo que não era nenhuma espécie de agente do destino.

Apesar de tudo, o futuro não pertencia a ela.


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Notas finais do capítulo

Então... O que acharam dessa reviravolta/ novidade? Gostaram?
Deixem suas opiniões!
Até!
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