Immortality escrita por lisa gautier


Capítulo 3
Capítulo Dois


Notas iniciais do capítulo

Oi, oi, pessoal!
Pensando que esta fic não será das longas, estou apurando a postagem -- pois fico doida para compartilhar mais dessa história com vocês! Boa leitura!



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CAPÍTULO DOIS:

Fome e Morte

1919

 

Isabella sentou-se soprando uma xícara borbulhante de café.

Encolheu as pernas, fixou o olhar no calendário na parede e sentiu um peso esmagador puxar-lhe todo o ânimo. Era a primeira vez que sentia-se desolada em um vinte de junho. Seria aniversário dele, lembrou-se com pesar. Bella apertou a xícara entre as mãos, como se toda sua vida dependesse daquele objeto. Gostaria que tudo tivesse sido diferente. Gostaria que tivessem tido mais tempo, que tivessem criado sua filha. Desejava estar em sua varanda, bebendo chá enquanto comentavam do seu dia a dia. Gostaria de estar em casa, sentindo o aroma doce de pão quente; se entregando de bom grado a uma vida suburbana se fosse com ele, com a família deles. Queria que ele tivesse terminado a universidade, que estivesse tocando piano. Um amargo estragou-lhe o paladar, obrigando-a abaixar o café.

Se ao menos tivesse visto-o em seu último momento, se ao menos tivesse enterrado-o com a dignidade que merecia. Nenhuma daquelas pessoas tinha padecido com honra, ela sabia. Tantos corpos, tantas famílias vítimas da epidemia — não havia terra para todos, não havia preparação para o que tinha acontecido. O governo de Chicago tinha se encarregado de dar um fim àqueles que pereceram da gripe da espanhola; com os velórios proibidos, os caixões sempre fechados, Bella duvidava que o fim havia sido respeitável. No cemitério municipal, uma placa de mármore elevava-se da grama, exibindo o nome de Edward Sr., Elizabeth e Edward Masen.

O quão azarada ela era? O quão infeliz era sua existência? Sentia-se condenada aos anos que viriam pela frente, com pouca esperança e totalmente focada no Hospital. Ela estivera entre tantos doentes, segurara tantas crianças ao peito enquanto davam suas últimas arfadas. Ninguém tinha mais contato com a gripe espanhola que ela. E, apesar disto, não tivera nenhum sintoma, nenhum incômodo. Edward provavelmente pegara o vírus dela, pensava Bella; das madrugadas que ela chorava compulsivamente em seus braços, exausta demais por empilhar corpos. Dos almoços que ele fugia da faculdade e gentilmente lhe levava uma nova muda de roupas, uma refeição morna. Bella mordeu os lábios, furiosa por todas as vezes que o deixara respirar dentro daquele Hospital imundo.

Agora não havia abraços, almoços ou Edward.

Havia fome e morte.

O final do que foi chamada de Primeira Guerra Mundial pouco lhes impactou; ainda durante a mesma a gripe começara a ceifar vidas. O choro não havia diminuído, pois as famílias continuavam a se despedaçar. Isabella pousou a xícara na mesinha ao seu lado, virando-se para encarar o formulário contendo as informações dos pacientes daquela madrugada.

— Srta. Swan? — a voz doce do médico fez com que Bella erguesse os olhos.

Carlisle Cullen encontrava-se em pé, o rosto gentil e trajando suas costumeiras roupas brancas. Normalmente, a beleza estonteante do médico — cabelos dourados como ouro líquido, olhos topázio e pele pálida — causariam um suspiro de surpresa em Bella, mas nada parecia lhe encantar naquele dia.

— Não está na sua hora de ir para casa? — indagou ele.

Bella mexeu a cabeça, negando.

— O marido de Ângela adoeceu — explicou ela. — Vou cobrir o turno dela por hoje.

— Não acha que está fazendo demais, Srta. Swan? — insistiu.

Bella desviou os olhos do médico, sentindo as bochechas esquentarem de irritação. Admirava Carlisle Cullen por sua postura profissional, sua excelência em salvar vidas, mas detestava a maneira que ele a velava, como se tentasse cuidar dela. Ela não precisava de cuidados. As crianças moribundas, doentes demais para engolirem uma porção de líquido, ah sim, aquelas sim precisavam de cuidados.

— O que mais eu faria, doutor Cullen? — sua voz não disfarçava o desgosto. — Ainda tenho uma filha para alimentar, uma casa para manter. Preciso de dinheiro para isso. Afinal, do que me adiantaria ficar parada em casa?

Isabella pensou em sua filha, passando parte dos dias com René e Charlie. Aquela criaturinha, de olhos esverdeados e cabelos acobreados, aquela perfeita cópia feminina de Edward, era a única coisa que a mantinha viva. Sentia o coração esquentar-se toda vez que era alvo de seus beijos babados e braços gorduchos, a melhor sensação do mundo. Desejava passar mais tempo com ela, lamentava em silêncio — mas com a morte da família Masen e um testamento mal preparado, a justiça ainda tramitava lentamente as questões financeiras. Não tinha interesse em nenhuma fortuna, pois nunca fora gananciosa; contudo, uma parcela daquele dinheiro, que era seu por direito, lhe permitiria ser uma mãe mais presente.

Carlisle pensou em silêncio antes de proferir palavras novamente:

— Talvez uma pausa para comer? — sugeriu.

Há um longo tempo Isabella havia perdido o apetite, beliscando alguns pedaços de pão, distraindo-se bebendo muita cafeína. O pouco que lhe parava no estômago era por causa de Nessie, mas ainda sim era difícil. O rádio na enfermaria estava silencioso, denunciando que estava mais amuada que o normal. Talvez tivesse emagrecido uns dez quilos desde a morte de Edward; suas costelas marcavam-se fortemente contra o vestido comprido, pouco disfarçadas pelo avental que usava e a cintura era quase metade do que um dia fora. Sua fraqueza física demonstrava mais ainda sua infelicidade, ou sorte, de não ser acometida por nenhuma doença.

— Estou bem. — ela disse secamente.

Carlisle resmungou algo consigo.

Bella levantou-se, caminhando até a cristaleira alta, retirando alguns frascos marrons de remédio. Segundo seus cálculos mentais, estava próximo o momento de aplicar uma nova dose de remédio em Sue, uma garotinha de cabelos escuros. Retirou algumas faixas de pano, memorando-se que precisava trocar o curativo de Andrew, o rapaz que em uma crise melancolia ferira a si mesmo. Quando virou-se, Carlisle continuava a lhe olhar.

— Isabella — disse ele, tomando a liberdade de chamá-la pelo primeiro nome. — Eu entendo se não quiser comer por você mesma — Carlisle sabia de Edward, sabia do luto que ela enfrentava sem muitas esperanças; ele que tratara a família Masen. — Mas coma pelos pacientes, coma pelo bem deles. Você precisa estar forte, estar nutrida... Em breve, você não aguentará nem o peso do próprio corpo. Pense na sua filha.

Bella travou o maxilar.

O seu corpo, internamente, se encolhia, dolorido e nauseado. Sentiu vontade de chorar, sentiu-se tola e pequena, submetida àquele homem cujos olhos não lhe escapavam nada. Sentiu saudades de Edward, de quando tinham refeições juntos. Sentiu a dor ao lembrar-se que jamais teria outra daquelas refeições. Com os olhos ardendo de lágrimas, Bella empinou os ombros com o pouco de rebeldia que ainda tinha. Passou reto por Carlisle Cullen, ouvindo-o dizer com a voz abafada:

— Edward não gostaria de ver você assim.

Os pés de Isabella travaram no piso de linóleo, fazendo paralisar no umbral da porta. Virou metade do rosto, desgostosa demais para encarar Carlisle.

— Mas ele não está mais aqui. Ou está, doutor Cullen? — e rumou em direção aos pacientes.

 

[...]

 

— O segredo, veja bem, Srta. Swan — Edward lambeu a ponta do dedo com um estalo. Bella riu divertida, enrubescendo com força. — É a quantidade de geleia. — habilidosamente, Edward fatiou o pequeno sanduíche doce em dois. Bella, ainda com um sorriso bailando nos lábios, aceitou a fatia que o rapaz lhe oferecia. Mordeu com gosto, saboreando a maciez e doçura das ameixas. Um gemido escapuliu e ele sorriu grande.

— Inferno, Edward! — resmungou ela. — Eu não entendo o que você faz.

— Eu acabei de contar, Srta. Swan — disse ele.

— Não faz sentido! — retrucou ela. — É a mesma geleia que usamos em casa... Mas eu juro, por tudo que há de mais sagrado, que não tem esse gosto quando eu preparo.

O rosto de Edward doía, mal conseguindo aguentar o sorriso imenso.

— Talvez eu seja especial. — provocou ele.

Os olhos de Isabella brilharam na direção dele, expressando tanto sua falsa irritação quanto sua vontade doida de beijá-lo. Edward esticou o pescoço, visualizando sua mãe, Elizabeth, lendo atentamente um livro. Em algum canto daquela casa, Edward Sr. estava enfornado, tratando de mais algum contrato ou caso importante. O rapaz Masen aproveitou-se, puxando o queixo de Bella com a ponta dos dedos. Ela fechou os olhos, deleitando-se com a proximidade; a respiração quente rente a pele, os lábios que lhe moldavam o queixo. Afundou-se em um suspiro quando Edward finalmente lhe alcançou a boca, beijando-a com devoção.

O farfalhar de folhas ativou a audição de Edward, destruindo seu devaneio e fazendo-o automaticamente virar-se, sendo o predador que era. A floresta estava quieta, vazia. Há alguns metros dele, pode avistar um coelho entre as árvores. Pequeno demais, estúpido demais. Decidiu sentar-se num tronco caído, compreendendo naquele momento que passaria a noite de barriga vazia. Não que a sede de sangue cedesse por algum minuto — pois nunca era o suficiente, jamais estava saciado. Mas soava pior naquela noite. Uma preza para lhe desfocar a atenção, algum animal bom de briga para fazê-lo deixar de divagar por mais de cinco minutos. Nada aparecia, nada além das memórias de Bella.

Edward encolheu-se um pouco, memorando-se que o musgo era mais confortável que sua nova casa, onde seria obrigado a ouvir os pensamentos de Carlisle. Não compreendia como ainda não tinha enlouquecido, como não se tornara um maníaco. Privacidade não existia mais, fosse para ele ou para quem estivesse perto; tudo era compartilhado. Ouvira uma vez, na mente de seu criador, Bella sussurrando com outra enfermeira sobre não permitir que Nessie chegasse sequer na calçada do Hospital. Quase sentia-se feliz quando avistava Bella na mente de Carlisle, mas logo sentia-se consternado e culpado, observando-a tão obscura e exausta. Queria estar ao seu lado. Não enchia a cabeça de “e se”, pois sabia que se satisfaria com qualquer migalha, desde que estivesse ao seu lado. Queria se aproximar outra vez, mas temia feri-la — suas naturezas, uma vez complementares, agora eram opostas. Jamais se perdoaria por machucá-la, por machucá-la mais ainda. E, pensando em Nessie, sua bela filha, não parecia um cenário agradável uma criança e um vampiro recém-criado no mesmo cômodo.

Talvez Carlisle deveria tê-lo deixado morrer, considerou de forma mal-humorada.

Não havia muito sentido nos dias que passavam. Controlar a sede, tentar arranjar uma distração, inserir-se novamente na sociedade. Para quê? Para quem? Seus pais estavam mortos, deixando como última súplica que Carlisle salvasse sua vida. Talvez, apenas talvez, tentar viver pelos seus pais fosse uma boa motivação. O último desejo deles. Logo, a ideia evaporou de sua mente — aquilo não era vida. Ele sobrevivia, matando mais que podia contar, e passava os dias em sua janela, vendo o sol subir e baixar. As duas pessoas que amava e permaneciam vivas agora eram imagens distantes. Não, não podia colocá-las em risco — não sendo o monstro que era, o monstro que se tornara.

 

 


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Notas finais do capítulo

Então.. O que acharam desse capítulo? Me contem!
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