Eren.

Vocês gostam de desenhos e filmes? Eu particularmente não sinto nada ao vê-los. Não consigo sentir emoções ao ver uma cena de ação, romance ou terror em uma tela que exibi tudo que foi meticulosamente gravado. Todo mundo sabe que os desenhos e os filmes ou séries são pessoas normais que atuam papéis programados para contar uma história. Não há medo, adrenalina amor reais. São falsos. Ficção criadas para nos iludir para despertarmos essa emoções em nós mesmos.

A vida é tediosa. A vida é sofrimento. A vida é uma estranha luta sobre o que você quer fazer, quem deve se tornar e quando não se sabe disso só há sofrimento pois no fundo todos sabemos que a morte é inevitável.

Sabemos disso. E é onde entra as emoções falsas derivadas de histórias ilusórias. As emoções são a fagulha que nos dá um significado nesta vida, que de fato, nos faz sentir vivos. Somos escravos dos sentimentos, ansiamos por eles e sem eles a vida se torna um poço de sofrimento “nada” eterno que a morte se torna algo desejável em vez de temido.

Egoinis levou milhares de anos em isolamento para entender a falácia de uma ambição. Ele entendeu que a vida humana é limitada e regrada às aos sentimentos por um bom motivo. Egoinis, quando jovem, sabia que toda espécie tende a um instinto natural de sobrevivência... não como individuo, mas como raça. Eles se reproduzem no momento certo, são programados para cuidar das crias para garantir a perpetuação de sua espécie e, lógico, o ser humano não poderia ser diferente. Observando como a cultura de sua raça extinguia vários mundos humanos o tolo homem decidiu mudar isso com o ego.

Então o que é o ego? O ego é uma energia ou um conceito abstrato que quantifica ou qualifica as emoções. Ele gera a individualização, para sermos mais precisos ele intensifica esse conceito para ficar evidente. Uma pessoa egoística é alguém centrada em si mesma, onde fará de tudo para acreditar que sua vida é especial, que ele é mais inteligente, bela, saudável. Sua perfeição em tudo ou mesmo em apenas uma parte deve ser uma certeza, uma regra incontestável que o mundo deve concordar.

Uma pessoa egoística é um ser humano metido, com o nariz empinado, petulante, arrogante porque algo dentro dele o faz acreditar que suas qualidades são superiores e as pessoas inferiores a sua volta devem reverenciá-lo de alguma forma por seu dom. Todo mundo já se deparou com um metido.

O que é o ego? O ego é aquele comportamento programado que temos em nossos cérebros que produz prazer químico quando nos “sentimos” superiores. Incontáveis atrocidades acometeram a humanidade por causa desse sistema de falsa superioridade. Olha o pecado estúpido da escravidão. Um ser humano ser tão melhor que o outro que este se torna um objeto? Como isso pode ser certo?

Assistimos pela história um homem levantar um país inteiro baseado na “supremacia” da raça ariana.

Egoinis fez tudo isso... e por quê? Pela sobrevivência da raça humana. Quanto mais caos causamos a nós mesmo mais somos forçados a evoluir. A evolução é a única forma de garantirmos um sobressalto na tecnologia que nos permite viver mais e com saúde e quem sabe, daqui a algumas décadas sair desse planeta ou desse sistema solar.

Egoinis acreditou até o fim que suas ações foram corretas, a questão é que ele não estava preparado para lidar com o preço por elas. Ficar sozinho por tanto tempo o fez ansiar por uma vida curta e agradável. Ele era incapaz de se tornar o mártir que observaria a destruição e evolução da raça humana até seu derradeiro fim ou longínquo começo.

— E... e... – Alector cospe sangue – e você é esse mártir?

Nossa luta foi tão longa quanto achei que seria. Muitos lugares foram destruídos assim como muitas vidas inocentes perdidas no ato egoísticos de dois seres humanos que não deveriam ter esses poderes. Alector era de longe o mais forte que despertou com os poderes de Incipere. Eu apanhei na maior parte da luta, tive minha cabeça decepada, meu coração perfurado, vários membros já haviam sido arrancados. A beleza da imortalidade que ganhei de Egoinis é que ela restaura a carne imediatamente garantindo que minha vida permaneça intacta.

Não há como matar um imortal, mas...

— Não importa o quão poderoso seja... você ainda é mortal.

Disse eu segurando uma das lanças de Alector firme enquanto o prensava na parada perfurando seu peito. O truque de uma vida de sucesso assim como em um embate desta natureza é saber apanhar. Você apanha, apanha, apanha só que continua. Continua esperando uma única oportunidade para fazer dar certo e então vencer.

Nossa luta de horas terminou num armazém de grãos dezenas de km de onde começamos.

— Eu também não sou esse mártir. A humanidade está condenada ao ego, é algo inerente. Por mim que todos se matem... não ligo. Eu só quero Amerília.

Alector não me escutava mais, seus olhos perderam o brilho da vida.

Estique o corpo olhando para minhas roupas em frangalhos e depois para uma das janelas do armazém.

— Hora de resolver o último assunto pendente.

***

  Liana despertou confusa. Sua visão estava embaçada e a forte claridade não ajudava muito. Lentamente ela foi redescobrindo os movimentos do corpo para perceber que estava presa. Quando sua visão finalmente se ajustou Liana viu que estava com marcas de correntes espalhadas pela pele do corpo todo.

— Finalmente acordou.

A general olhou para o lado e viu Eren de pé sobre a borda do local onde estavam. O forte sol e os ventos sugeriam um lugar alto e Liana aos poucos foi erguendo o tronco para se sentar sobre o chão de cimento.

— Ainda estou muito confusa, mas onde estamos... e... – ela tentou mexer os braços – porque estou com um selamento de correntes de carne?

Eren a encarou.

— Você está com esse selamento graças a pedrinha que eu te dei antes que fosse lutar com Alector. Também está salva graças a isso porque o selamento forma uma camada de metal debaixo da sua pele restringindo os movimentos e é claro, não deixando que a lança dele penetrasse em nenhum órgão vital. Tipo um colete a prova de balas por debaixo da hipoderme.

Liana tenta se livrar enquanto sua mente começa a entender as lacunas do atual cenário em que se encontrava. Não conseguia ver nenhum dos inimigos, só havia ela e Eren no topo do que parecia ser uma torre... um torre um tanto familiar para a general. As abóbodas de madeira e o telhado azul a fizeram se levantar num solavanco para olhar a borda e ver que o horizonte abaixo era um lugar muito conhecido.

— Estamos em Salenia. – sua expressão era de completo choque.

— Sim. Linda capital por sinal. Sempre que venho aqui tenho que tomar aquele café espumante da lojinha da sétima avenida.

Liana o encara.

— Como viemos parar em meu reino?

— Eu nos trouxe. Depois de te conhecer um pouco e graças a união que formamos sei que o que mais valoriza são as pessoas sob sua guarda. Nobre. É um ponto positivo para sua personalidade distorcida.

Liana estava atônita.

— O que significa tudo isso?

Eren se espreguiça e senta no limite do topo balançando as pernas a uns vinte metros de altura.

— Senta do meu lado. Vamos conversar um pouquinho.

— Sentar é o caralho. Que porra está havendo?!

Eren foca nela com um olhar gélido.

— Entendo. – ele se põe de pé estica o braço esquerdo com a palma da mão aberta na direção da cidade e ao fechá-la uma grande explosão levanta uma cortina de fogo e fumaça alguns km de onde estavam – você vai querer me ouvir, porque quando nossa conversa terminar eu vou incinerar essa maldita cidade com todas as almas nela. Durante dois anos aloquei um tipo muito especial de explosivo abaixo desta capital. Ela vai virar uma massa disforme de escombros muito rápido.  

A primeira reação de Liana foi de choque seguido pelo ímpeto de atacá-lo, mas dado a expressão do rapaz e o fato da general ainda estar presa com correntes debaixo de sua pele, ela cedeu.

Os dois sentaram-se lado a lado observando o horizonte levemente manchado pela fumaça negra que crescia e pelos sons preocupados da população vinte metros abaixo tentando entender o que estava havendo.

— Sei que não matou meus pais por que quis. Sei que o acidente de avião foi sua culpa, mas nada além de um efeito colateral de sua briga contra um fugitivo.

Liana arregalou os olhos. Havia muitos pensamentos passando por sua cabeça, mas agora ela apenas o escutava.

— Sabe... eu te amo. A mulher pela qual sempre estive apaixonado é você e antes que diga algo, saiba que meu amor é puro. Muito mais puro do que qualquer romancista fajuto proclame ou uma poesia ressalte. Para mim o amor entre duas pessoas só pode vir quando elas realmente conhecem um ao outro a tal ponto que não há dúvidas. Imagino que seja esse o significado do selo de união que fizemos, não é? Não somos mais dois indivíduos e sim um só ser.

Eren olha no fundo dos olhos de Liana.

— Ou em breve seremos. – ele ergue o braço enfaixado – o motivo de eu sempre manter esse membro com uma faixa é simbólico... é para que eu jamais me esqueça do que houve no acidente. É para me lembrar constantemente as cenas do fogo e da morte. O cheiro de fumaça e carne queimada... e a culpada por trás de tudo. Sem qualquer intenção você simplesmente tirou tudo o que eu mais amava... e não perdeu uma única noite de sono por isso.

Liana cerrou as mãos em punho.

— Eu te amo Liana por que você deu-me um propósito na vida. No começo era vingança, mas depois de observar Egoinis eu entendi que esse não é o ponto. Não quero me vingar de você, não quero fazê-la sofrer a esmo para inflar meu ego em nome de uma justiça ilusória. Eu só gostaria que você entendesse...

— O quê?

Eren olha para o céu.

— Que apesar de sermos maculados pela energia egoística, não somos seres desprezíveis... pelo menos não em nossa totalidade. Eu só sobrevivi a queda de avião porque meus pais saíram de seus assentos ficando sobre mim num gesto automático de proteção. – ele a encara – você matou centenas de pessoas naquele campus de faculdade porque queria atrair o inimigo. O avião foi destruído pois você almejava um inimigo... seus atos vis são em nome de um propósito. Você não faz por que quer.

— E onde irá nos levar? Você quer que eu o entenda? Você mentiu e aliou-se a Egoinis, muitos dos meus companheiros morreram por sua culpa também. É isso. Quer infligir a mim o mesmo dano para que na dor sejamos capazes de entrar em comunhão?

Ela ri em escárnio.

 — Você é louco. Não importa o que diga, não importa o que eu faça... você já tomou sua decisão, não é? Não sei como provocou aquela explosão, nem mesmo como nos trouxe até aqui. Mas chega de piadas, pirralho. Sabemos como isso vai terminar.

Eren suspira em desânimo.

— E como vai terminar?

Liana se põe de pé ficando rente a ele.

— Você vai tentar matar quantos do meu povo conseguir, eu vou te impedir por que para machuca-los terá de me matar primeiro.

Ele mantém o olhar sereno na general.

— Não irei matá-la. Nós estamos destinados a ficar juntos.

Liana balança a cabeça na negativa.

— Qual a porra do problema com você? Agora que sei o que fez acha que vou perdoá-lo e magicamente abrir minhas pernas para você de novo?

— Não... eu poderia ter encarrado essa história sem você saber a verdade. Nós viríamos para cá e viveríamos uma vida apaixonada graças ao selo de união. Eu sabia, eu planejei isso... exceto que seria uma relação baseada na mentira e também não estaria certo porque nós seríamos iguais a todos os casais no meu mundo. Eles só veem o que querem do outro e não quem são realmente. Nunca desejei isso, não foi o que pedi a Incipere.

A expressão de espanto de Liana foi evidente.

— Nosso amor será puro, nós ficaremos juntos... só não será agora e não da maneira convencional.

O selo de correntes de carne se alastra pelas pernas de Liana a congelando em pé na posição que estava. Eren se aproxima pondo as mãos em seu rosto olhando bem no fundo daqueles globos oculares de água cristalina.

— Eu te amo, e você me odiará. Sua vida depois de hoje só terá significado por causa de um único objetivo: me matar.

Liana tentava se mover, mas parecia que o corpo havia sido petrificado.

— Então viveremos um longa vida numa eterna brincadeira de vingança quando você finalmente entenderá o que eu passei por anos após o acidente.

Eren a beija e ao afastar o rosto sorri.

— E finalmente ficaremos juntos.

As explosões sucessivas mergulhou a capital num antro de fogo, fumaça e gritos. Liana assistiu de camarote o pedestal de sua proteção ser quebrado sem que ela pudesse fazer nada além de observar. Sim, a general apenas viu o caos e a morte por horas até que o selamento das correntes fosse desfeito. Eren deve ter planejado cuidadosamente os pontos de destruição pois as torres da catedral onde estavam ficaram intocadas em meio ao cenário mórbido.

Sozinha lá em cima Liana caiu de joelhos atônita. O choque crescia em igual proporção ao ódio que sentia por Eren.

***

Eren pula o muro da casa de Egoinis e caminha lentamente até a porta da cozinha. Ao ver o professor da faculdade sentado na mesa bebendo café ele diz:

— Achei que Yekken fosse te matar no fim das contas.

— Depois que as notícias chegaram sobre o que houve no reino de Liana, ela se retirou imediatamente. – o homem olha na direção de Eren – meus parabéns, é oficialmente o inimigo número um deles agora.

Eren não diz nada. Egoinis suspira.

— O que vai fazer de agora em diante?

— Fugir, lutar, me esconder. Liana virá atrás de mim e será por muito tempo.

— Acredita mesmo que um dia ela irá te perdoar e te aceitar?

— Incipere disse que sim, mas que eu teria de ser paciente e que... bom... digamos que a vida que me espera no futuro não será fácil. Ainda assim vale a pena.

— Por quê?

— Por que agora ela sabe quem eu realmente sou, eu sei quem ela realmente é. Quando pudermos ficar juntos será o amor perfeito.

— Amor?

— Se eu fosse dizer de outra forma seria... nós dois nunca mais estaremos sozinhos.

FIM.