Graveyard of Flowers — Roses escrita por crowhime


Capítulo 1
Capítulo 1




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Abril, 1976

 

 

— Regulus, você deixou cair. É bom tomar cuidado ou vai amassar seu dever.

Ergui os olhos para fitar Remus de soslaio, dando um leve aceno com a cabeça em concordância, estendendo a mão para pegar o pedaço de pergaminho levemente amassado que havia ido ao chão.

— Obrigado. Vou tomar cuidado.

Ele sorria de modo gentil e senti o coração palpitar uma vez. Eu tomaria cuidado, se não fosse de propósito. Um movimento calculado feito com o braço e o pergaminho com o dever recém escrito de Defesa Contra Artes das Trevas foi ao chão bem embaixo da cadeira de Lupin, que se abaixou para pegá-lo. No momento que tomei a folha de suas mãos, o fiz de modo que pudesse sentir brevemente o calor de deus dedos sob os meus. Só queria tocá-lo. Podia até mesmo sentir a pele formigando onde havia tido contato… por pouco não suspirei, temendo atrair um olhar suspeito.

Remus, um ano mais velho, me ajudava com Defesa Contra Artes das Trevas. Sabia um pouco mais, mas não é como se eu fosse ruim na matéria ou precisasse de ajuda de verdade. Apenas fingi que sim, afinal ele precisava de ajuda em Poções e queria retribuir me ajudando com algo… como ele parecia bom naquela disciplina, foi o que sugeri. Desde então, era uma troca e lá estava um aluno do quarto ano ajudando um do quinto para os N.O.M.s. Nunca imaginei que um comentário corrigindo alguém, sem qualquer pretensão, por cima do ombro em um dia que passava procurando lugar, fosse levar àquele tipo de situação, mas não é como se eu reclamasse. Era fácil a melhor hora da minha semana.

— Não deveria estar com… seus amigos? — perguntei baixinho, afinal estávamos na biblioteca. Hesitei um pouco, sem pensar. Ele era amigo do meu irmão mais velho. E geralmente andavam em bando. Ele, Potter, Lupin e Pettigrew.

— Ao contrário deles, não pretendo repetir de ano, certo? — piscou um dos olhos para mim, como se fosse seu cúmplice.

De imediato, senti o coração acelerar e desviei o olhar para meu dever, como se o gesto não tivesse me abalado, seguindo a postura de indiferença que eu geralmente tinha. Temia que ficasse vermelho. Contudo, mesmo sentindo o nervosismo típico por estar perto de Remus, o que vinha acontecendo cada vez mais frequentemente nos últimos encontros, o desconforto na garganta a arranhava, me tirando da minha bolha de constrangimento, e acabei tossindo algumas vezes, com a boca devidamente coberta.

— Está tudo bem, Reggie? — ele perguntou com preocupação. — Você anda tossindo muito nos últimos dias. Se estiver se sentindo mal, não deixe de ir até a enfermaria.

Ele instruiu e eu só pude balançar a cabeça negativamente e mentir, enfiando a mão no bolso da calça discretamente.

— Estou bem. Deve ser o ar seco.

Não soube dizer se, pela expressão gozada que me direcionou, ele havia engolido minha desculpa esfarrapada, mas Lupin não insistiu, dizendo para beber muita água e me cuidar. Sorri discreto, feliz por ele perceber… por ele se importar. Quase me arrependi de mentir, mas era melhor daquele jeito. Não entendia direito o que estava acontecendo e não iria criar alarde por conta de uma besteira.

Já fazia umas semanas que sentia um desconforto na garganta e no estômago. Confesso que não estava contando... Nunca passava, me fazia desconfiar que era a tal sensação de borboletas no estômago que se tinha perto de alguém que gostava, afinal sempre vinha quando estava junto de Remus. Cada vez mais forte. Cada vez mais frequente. Desde que começamos a interagir mais, ficar mais próximos... Contudo, um dia, acabei tossindo uma pétala de flor. Vermelha como sangue, pairando no meio da página do livro que lia.

Tentei não dar atenção. Flores não faziam parte do cardápio de Hogwarts, mas poderia ter caído de alguma decoração da mesa, certo?

Não foi decoração. Não foi coincidência.

Logo identifiquei um padrão que começou a se repetir.

De início, não era nada. Logo, os acessos de tosse vinham mais fortes depois que me despedia dele, vendo-o se aproximar dos amigos e de Sirius, por consequência. Meu peito era tomado por uma dor lancinante e eu precisava me afastar rápido, antes que meu pigarrear ou tosses chamassem a atenção. Sirius sempre dizia que eu estava bem, que era só meu corpo fraco, e dizia para Remus e os amigos não se preocuparem.

Não estava, de todo, errado. Eu parecia mais suscetível a doenças desde pequeno, porque havia nascido antes da hora. Embora fosse frustrante ser pintado daquele jeito na frente de Lupin, agradecia pois era mais fácil disfarçar o que havia de errado comigo.

— Acho que podemos encerrar por hoje. — O tom de Remus era apaziguador ao perceber que eu continha mais uma tosse. — Desculpe fazer me ajudar mesmo sendo mais novo. Deve me achar péssimo.

— Claro que não. — retruquei rápido demais. Sem querer soar desesperado, completei. — Eu posso revisar a matéria e aprendi coisas novas também. Não é um incômodo… Até porque ano que vem eu quem terei esses exames.

— Tenho certeza que vai bem! Você é inteligente, Reg.

Senti o peito esquentar como se pegasse fogo enquanto o via sorrindo como se estivesse plenamente confiante no que dizia. É difícil não se apaixonar desse jeito, Remus…

— Já acabaram de estudar, seus nerds? Está demorando demais, Remus.

Meu agradecimento foi cortado pela voz de meu irmão, que agora montava sobre nós dois ao mesmo tempo, enlaçando cada um pelo pescoço com um braço. Soltei um muxoxo irritado, observando a forma como Remus ria discretamente, os olhos voltados para Sirius.

— Por hoje, sim. Ao contrário de vocês, não pretendo ficar de recuperação. — respondeu displicente.

Apertei os lábios, contendo a vontade de franzir o cenho.

Eu via como ele o fitava. Era diferente e isso me irritava. Sirius não gostava dele - não desse jeito. Sirius não o via como nada além de um amigo, enquanto os olhos de Remus brilhavam para ele. Doía ver aquilo. Meu peito era tomado por uma sensação de ardência, e era difícil respirar, como se algo obstruísse meus pulmões.

— Vou indo, então.

Anunciei, me livrando do enlace de Sirius sem ligar se soaria brusco, me levantando e rapidamente recolhendo os materiais sobre a mesa.

— Nos vemos depois então, Reg.

— Até, irmãozinho.

Olhei longamente para Lupin, que logo voltava a se ocupar demais com os outros patetas que se aproximavam para me notar, e sumi por entre as estantes com a irritação me queimando o estômago. Não percebi como apertava os dentes, notando que os rangia apenas quando parei em um corredor distante, apoiando uma das mãos na parede para me sustentar enquanto buscava desesperado pelo oxigênio. 

O acesso de tosse veio antes que pudesse inspirar fundo e tentar me acalmar. Larguei a bolsa com os materiais, cobrindo a boca com a mão, mas o som vinha alto, rouco e violento. Meus ombros se curvaram para frente, as costas se movendo a cada tosse, eu sentia os músculos se retesando, tensos pelo esforço. As pétalas inundaram minhas mãos que se tornavam incapazes de contê-las.

Perdi as forças, mas sequer senti o baque forte dos joelhos contra o chão que se cobria de pequenos botões de rosas que se misturavam às pétalas, formando um tapete a minha frente, o qual não conseguia ver, impedido pelas lágrimas que brotavam nos olhos pelo esforço. Estava ficando sem ar, o mundo perdia seu enfoque e não duvidava que a qualquer momento eu cairia, mas fui impedido por uma mão que segurou com força meu ombro, me mantendo no lugar, e o afago que recebia nas costas servia de âncora para que me concentrasse em algo que não fosse a dor dilacerante no peito.

— Reg! Regulus… Por Merlin, você está bem?

Quando a tosse finalmente se acalmou, notei a voz preocupada de Bartemius, que parecia deveras distante para a proximidade em que estava, sendo ele o autor dos toques. Há quanto tempo ele estaria me chamando? Sua presença se fez notar antes que eu me desse conta de sua voz ressoando.

— Estou bem, Barty. Não se preocupe.

Minha voz soava rouca e fraca, as bochechas queimando não ajudavam a convencer meu amigo de minhas palavras, facilmente perceptível por seu olhar desconfiado.

— Eu posso te acompanhar até a enfermaria. Não precisa mentir pra mim, Reg.

— Não! — neguei rapidamente, me encolhendo e fugindo da tentativa dele de tentar me ajudar a levantar, pegando a varinha de dentro das vestes. — Não é nada… vou dar um jeito nisso…

Ajoelhado sobre as pétalas, Bartemius segurou meu punho que tremia, e me olhou com desaprovação, me impedindo de me livrar da prova do crime.

— Regulus. Estou falando sério. Conversa comigo ou vou te levar à força pra enfermaria.

Estalei os lábios, incomodado com a ameaça, porém os olhos de Barty tinham aquele brilho característico de teimosia, e eu o conhecia bem suficiente para saber que ele era capaz de me carregar até madame Pomfrey mesmo que eu não quisesse. Ele podia ser mais novo (não que fosse tanto assim), mas claramente não ligava para estes detalhes. Estreitei os olhos, reflexivo. Ele podia ser teimoso; mas eu também.

— Só se me prometer guardar segredo.

Ele lambeu os próprios lábios, a careta demonstrando que não gostou da condição, afinal não fazia ideia do que viria pela frente, porém quando suspirou exasperado já sabia que havia vencido aquela.

— Tá bem! Mas é bom ter uma explicação convincente do porquê de estar tossindo pétalas.

Encolhi os ombros. Eu não tinha uma explicação convincente.

— Eu… não sei. Começou tem um tempo. Achei que poderia ser uma azaração, mas não achei nada no livro de feitiços.

Os olhos dele me fitavam de modo intenso, as feições se retorcendo em caretas que deixavam claro o que pensava. Até mesmo escondi a parte de e nem em lugar nenhum, pois achei que ele seria capaz de surtar se soubesse. Primeiro me olhava de modo curioso e preocupado, então atencioso, depois se estreitaram em indignação e balançou a cabeça como se reprovasse meu comportamento após explicar o que andava acontecendo comigo. Eu cuspia pétalas. E agora, aparentemente, botões de rosas também, como reparava agora que ele pegava uma das flores caídas em meio às pétalas vermelhas, girando-a em mãos de modo analítico. Quase podia ouvir as engrenagens de sua cabeça se movimentando.

— Então você está cuspindo pétalas e não procurou a enfermaria? Ou disse pra alguém?!

Ele perguntou exasperado e eu uni as sobrancelhas, sem saber o que pensar de estar recebendo bronca de Bartemius Crouch Jr. Ele era meu amigo, claro. Um aluno promissor e inteligente. Mas eu não costumava levar broncas, muito menos de alguém que não fosse minha mãe!

—… É. Eu achei que ia passar… — murmurei, quase constrangido.

Parecia idiota se preocupar com aquilo a princípio, se fosse uma azaração, passaria em algum momento e não é como se estivesse me incomodando na maior parte do tempo. Conseguia conviver com aquilo. Só estava cuspindo flores, não seria nada além, não deveria ser nada importante. E não queria preocupar ninguém à toa, então não havia dividido com ninguém. Odiava incomodar os outros. Contudo, fixando os olhos na pequena flor que ele segurava, imaginei que estava piorando ao invés de melhorar. As dores eram reais, afinal. Tive a vaga impressão que Barty me olhou feio, mas se havia algum comentário a fazer, ele mordeu a língua e o guardou. Ele também me conhecia bem suficiente para entender meu raciocínio.

— Deveríamos mesmo ir a madame Pomfrey.

Ele sugeriu com cautela, mas apenas balancei a cabeça e, aproveitando que havia parado o tremor na mão que ele havia liberado, acenei com a varinha para limpar as pétalas do chão.

— Não.

— Por Salazar, Regulus! Pare de ser tão teimoso!

— Você prometeu.

Era golpe baixo lembrá-lo da promessa? Sim. Vi a expressão dele se fechando por um instante e Crouch bufou, irritado, mas aquilo era suficiente para derrotá-lo. Ao menos por um tempo, afinal sabia como ele valorizava promessas.

— Você pode estar doente, Regulus. — alertou, e havia medo em seu tom de voz. Só por me chamar pelo nome ao invés de um apelido eu já entendia que ele tomava a situação como algo grave e severo. Ele nunca me chamava só de Regulus.

— Eu… vou resolver isso, ok?

Hesitei ao falar, mordendo o próprio lábio inferior enquanto encolhia os ombros, o silêncio que ele recaiu me incomodando profundamente enquanto via ele analisando o botão de rosa. Depois de um tempo que pareceu uma eternidade, mas não devia passar de alguns minutos, ele suspirou pesadamente e se levantou, guardando a flor no bolso e estendendo a mão para me ajudar.

— Eu vou te ajudar, Reggie. Nem tente discutir. — acrescentou ao me ver abrindo a boca, me fazendo fechá-la em seguida. — Primeiro vamos investigar o que é isso.

Não gostava muito da ideia de incomodar Barty com aquilo, porém ele estava irredutível. Aceitei a mão dele e me ergui, pendurando a bolsa com os livros no ombro mais uma vez. Ao menos ele ficaria em silêncio sobre aquilo por enquanto… confesso que parte de mim tinha medo. E se eu estivesse mesmo doente? Temia descobrir. Se fosse grave e falassem com meus pais? Não podia permitir isso. Orion e Walburga Black não podiam ser incomodados por algo tão bobo e supérfluo.

Barty me mandou voltar para o salão comunal, o que já ia fazer de todo jeito, mas foi só mais tarde que ele voltou. Carregava vários livros, os quais jogou na minha cama enquanto erguia os olhos para ele por cima do que eu tinha aberto à minha frente.

— O que é isso?

— Livros! — Barty sorriu amplamente, me fazendo revirar os olhos com a resposta óbvia. — Trouxe alguns que pareceram úteis.

— Não acho que Herbologia Avançada vai me ajudar, Barty.

Suspirei baixo, pegando um dos livros que ele havia trazido apenas para abaixar novamente. Não é como se eu não tivesse feito algumas pesquisas também. Barty apenas deu de ombros, subindo no meu colchão e se sentando de frente a mim, pegando outro livro da pilha.

— Trouxe qualquer coisa que parecia útil. Me ajude a olhar.

Deixei meu livro de lado. Ele estava realmente tentando me ajudar, então o mínimo que poderia fazer era contribuir, apesar de já ter visto em alguns, logo me dispus a olhar os livros da pilha, folheando-os embora sem muita esperança de achar algo útil, tossindo algumas poucas vezes, o que sempre atraía o olhar alheio. Parecia motivá-lo. Barty o fazia avidamente por sua vez. Mesmo quando nossos dois colegas retornaram para dormir e nos mandaram apagar a luz (basicamente, "vão dormir, seus cdf!"), ele os olhou feio, fazendo com que ficassem quietos, mas ergueu uma das cobertas sobre nossas cabeças para formar uma tenda para que continuássemos olhando sem incomodar os meninos.

Eu mesmo estava quase dormindo sobre o livro quando Barty soltou uma exclamação empolgada, me assustando, e ele veio para meu lado, imitando minha posição e deitando de barriga para baixo, abrindo o livro para que visse também.

— Olha o que achei, Reg. — ele falava em um sussurro, mas sua voz era empolgada ao apontar uma das páginas no livro. — Parece útil.

Segui o dedo dele e fiquei confuso de imediato ao ver os ideogramas na página. Não entendia nada.

— Barty, não dá pra ler. Parece… japonês?

Apertei os lábios, erguendo o livro para ver a capa, mas estava vazia e ele riu discretamente, mostrando que estava do outro lado. Inútil. Também não conseguia ler o título.

— Sim, mas olha o desenho. Não parece familiar?

Olhei mais uma vez para o papel impresso. De fato, havia alguns desenhos; um ilustrando uma pessoa cuspindo pétalas e outro mostrando flores tomando conta do que seria os órgãos internos de uma mulher. Me senti desconfortável ao ser obrigado a concordar. Não sabia se ficava feliz por possivelmente termos encontrado algo, frustrado por não conseguirmos ler as informações ou com medo do que estaria escrito. Me sentia ansioso com as possibilidades.

— Mas não conseguimos ler assim.

— Será que a madame Pomfrey sabe algo? Poderíamos perguntar e dizer que é um trabalho…

— Não acho que ela cairia nessa. — suspirei, mantendo sempre o tom baixo. A enfermeira iria desconfiar. — Amanhã vou procurar algum feitiço de tradução. Deve ter algo.

— Bem pensado.

Barty estalou os lábios, satisfeito pela ideia, mas me lançou um olhar desconfiado e me fez prometer que não iria ficar enrolando para fazê-lo. Assim, no primeiro horário livre que tivemos, nos enfiamos na biblioteca após a resposta afirmativa da professora McGonagall quando Barty perguntou se existia aquele tipo de feitiço. Poderia ir sozinho, mas Bartemius insistiu e basicamente ficou me seguindo como se quisesse garantir que eu cumpriria o que havia dito, o que me fazia revirar os olhos, porém não é como se pudesse julgar sua preocupação. Não era todo dia que se via alguém quase sufocando em pétalas de rosas, afinal.

Enquanto ele já olhava alguns livros, eu buscava outros por entre as sessões, a tosse rouca me acompanhando esporadicamente.

— Hey, Reggie.

Apertei os lábios, foi por pouco que não gritei de forma patética quando a voz de Remus soou atrás de mim.

— Remus!… Oi.

Sorri constrangido, me virando de frente para ele e escondendo sem saber o motivo o livro que carregava atrás do corpo, erguendo os olhos para fitá-lo. Ele era um tanto mais alto e me dava certeza de que precisaria levantar os pés para beijá-lo, com o que eu fantasiava várias vezes na semana… às vezes, num mesmo dia. Desconfiado, ele se inclinou e tentou espiar o espaço entre meu corpo e a estante.

— O que está escondendo aí? — O olhar dele era interessado, e o sorriso curioso fez meu coração falhar uma vez.

— É só… um livro. — Encolhi os ombros, percebendo que era uma resposta óbvia. — Estou procurando um feitiço de tradução.

O olhar de Remus foi admirado e isso fez com que meu peito se inflasse.

— Isso não é um feitiço super difícil? Impressionante, Reg. Você deve ser mesmo um prodígio.

— Não é nada demais. — Dei de ombros, fingindo indiferença; embora quisesse sorrir com o elogio, me apressei para mudar de assunto antes que tivesse de inventar uma desculpa para aquela pesquisa aparentemente sem motivo. — E você, o que está fazendo aqui?

— Vim devolver um livro. Mas então eu te ouvi… — Por um momento, fiquei confuso, sem entender o motivo dele parecer constrangido, só depois percebendo que era por causa de minha tosse. — Aqui. Queria te entregar isso. São pastilhas, são boas para garganta.

A surpresa foi sincera e senti as bochechas esquentando quando ele me estendeu o pacote de balas. Aceitei sem relutância, agradecendo baixo.

— Espero que te ajude em algo. Fique bem, Reg.

Minhas pernas tremiam enquanto retribuía o aceno, sem abrir a mão que segurava a caixa de pastilhas. Me sentia um idiota. Remus sorriu para mim enquanto se afastava e foi só quando ele sumiu de minha vista que apoiei as costas na estante em busca de apoio para minha própria sustentação. Sentia a garganta coçando e acabei colocando uma das pastilhas na boca, sabendo que não ajudaria de fato em meu pequeno problema, porém meu coração se aquecia enquanto a boca se resfriava com sensação de frescor devido à pastilha de menta sem qualquer vestígio de açúcar.

Agradável e frio.

Parecia com Remus. Uma comparação idiota, porém não podia deixar de pensar e ansiar, mesmo sem qualquer base, pelo dia que não haveria aquela distância entre nós dois. Ele sempre me tratava bem… mas era diferente. Eu queria os olhares calorosos. Ao menos um pouco, sentir que ele olhava para mim de verdade.

Mesmo que fosse por um dia - não, por uma hora - seria o suficiente para uma vida toda.

Quando me dei conta, estava sentado no chão, encolhido contra a estante. Minha respiração estava alterada e me agarrava ao livro e às pastilhas, fechando os olhos enquanto me concentrava em inspirar para recuperar o controle.

Voltei com uma pilha de livros então Barty não questionou minha demora. Precisamos de dois dias enfurnados na biblioteca para achar o feitiço e mais três treinando exaustivamente para dominá-lo, não era à toa que era um feitiço avançado. Me sentia mal, pois estava tomando tempo de estudo de Barty, de quem eu sabia bem a ambição em relação aos exames, e estávamos com várias tarefas regulares do colégio, mas em momento algum ele reclamou.

Tarde da noite, quando tínhamos certeza de que ambos conseguiam executar o feitiço (por precaução, caso um de nós falhasse), nos juntamos na tenda improvisada em minha cama, com um abaffiato bem colocado e uma luz suave, apenas o suficiente para que lêssemos o livro sem incomodar os outros, abrimos na página indicada. Senti meu coração martelando no peito, me ensurdecendo enquanto encarava as figuras da página, as letras desenhadas se embaralhando frente a minha visão. Minhas mãos estavam suando frio e engoli a seco.

— Quer fazer as honras…?

Barty me perguntou baixinho e eu sentia seu olhar pesando em mim. Suspirei pesado e apenas assenti com a cabeça, erguendo a varinha e proferindo o feitiço. Da primeira vez, falhei; me sentia nervoso e a ansiedade me revirava o estômago, percebi que errei como gesticular com a varinha, porém da segunda tive sucesso. Vi a escrita japonesa se rearranjando sobre as páginas e sinceramente sentia que era capaz de vomitar meu jantar naquele momento.

Com as palavras agora inteligíveis, ávido, me dispus a ler o conteúdo. Nenhum de nós falou o que quer que fosse, concentrados em absorver as palavras.

A doença de cuspir flores. Tradução literal.

Uma doença muito rara, que acomete pessoas que possuem um profundo amor não correspondido, na qual flores crescem em seus pulmões, coração e traqueia, fazendo com que a pessoa morra sufocado pelo próprio amor não correspondido.

No primeiro estágio, cospem-se pétalas de flores, a favorita da pessoa amada. Não se sente dor. Desenvolvendo-se, se começa a cuspir flores inteiras, causando dor no coração e pulmões, por vezes até mesmo machucados decorrentes das flores que atravessam a traqueia.

No último estágio, a doença é mortal. Cospem-se buquês e as flores crescem nos órgãos internos, tornando seu corpo um jardim e sufocando o infectado até a morte.

Senti meus olhos ardendo e a visão ficou nublada. Percebi que devido às lágrimas que se acumulavam quando uma caiu sobre o dorso de minha mão. Virei o rosto, tentando me esconder do olhar de Barty enquanto empurrava o livro em sua direção, sem conseguir continuar lendo. Ele nada disse, puxando o livro para si e o silêncio pesava em minhas costas. Tornando-me consciente de minha condição, meu peito pareceu doer em resposta. Latejava. O ar começou a faltar quando Barty respirou pesadamente, seus dedos estavam brancos de tanto que apertavam a lateral do livro.

—…

Ele não sorria. Estava quieto, o ar denso dificultando a respirar. Pela reação dele, era tão grave quanto parecia.

Não queria perguntar.

Estava com medo.

Se ele falasse em voz alta, o problema se tornava real.

Assim, arfei, criando coragem para voltar-me ao livro, os olhos em uma leitura dinâmica procurando mais informações além de descrições sobre o que acontecia com os corpos até que virassem cemitérios de flores e a raridade da doença.

Cura. Ter seu amor correspondido. 

Também há uma cirurgia na qual se remove as flores do coração e pulmão, porém há diversos efeitos colaterais possíveis: perder os sentimentos pela pessoa amada. Perder as lembranças. Algumas vezes, a própria capacidade de sentir, tendo seus sentimentos pulverizados junto com as flores.

Por fim, a pessoa pode morrer de amor.


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Notas finais do capítulo

Cá estou eu com outro projetinho! Começou com uma ideia de oneshot, mas terminou virando uma fanfic em capítulos, espero que gostem!
Não se esqueçam dos reviews para me deixar feliz ♥



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