A Herdeira do Oceano escrita por carlotakuy


Capítulo 15
Oceano atlântico


Notas iniciais do capítulo

Oie! Esse capítulo explora o universo subaquático, espero que gostem!



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A dupla parou próxima à muralha de corais cautelosa. Tristan sussurrou para Lia que guardas costumavam patrulhar ali e eles tinham que ser silenciosos. Então contornaram, vagarosamente, alguns corais maiores. Antes de chegarem do outro lado o som de uma conversa animada se aproximou deles.

Se escondendo por detrás do coral mais alto eles se entreolharam tensos esperando os guardas passarem. O espaço era pequeno e Lia estava grudada à muralha, com Tristan logo a sua frente curvado e desconfortável.

Internamente ela pediu que os tritões passassem logo.

— Você ouviu as notícias? – riu um deles se aproximando – A Deusa está colocando um preço pela cabeça daquela garota da caverna.

— Sim! Eu ouvi. É estranho que ela tenha desaparecido no meio da nossa luta, mas acho melhor assim, porque quando eu a achar poderei ficar com todo o ouro para mim.

Tristan franziu o cenho. Eles não sabiam que havia sido ele que tinham escapado com ela?

Um terceiro riu com desdém.

— Você, Brut? Duvido que consiga. Aquela menina franzina também é uma Deusa, se você não esqueceu. Não vai ser fácil capturá-la.

— E ela deve estar longe a essa hora também.

— Não sei se é bem assim.

Silêncio entre eles fez Lia tomar um longo fôlego lembrando do monstro marinho de recados da sua mãe. Tristan a observou, mas chamando sua atenção com um balançar negativo da cabeça ele lhe disse, sem usar a voz, para se acalmar.

— O que está querendo dizer, Vince?

Lia respirou baixinho.

A risada do terceiro homem reverberou nos corais fazendo-a apertar as mãos uma na outra.

— Acha que vou dar minha vantagem a vocês? – ele fez um barulho de estalar de língua – Jamais. Procurem vocês mesmo por informação.

Com um resmungou do primeiro homem o grupo de guardas se afastou fazendo Lia suspirar aliviada. Tristan os espiou rapidamente e esperou alguns minutos junto com Lia para que estivessem novamente sozinhos e seguros para poderem falar.

— Ela já sabe que estou aqui.

— Provavelmente.

— O que vou fazer? Não​ posso entrar no palácio e exigir que ela solte meus amigos.

Tristan riu.

— Você não veio com nenhum plano mesmo.

Ela o encarou com raiva, mas sabendo que o garoto estava certo suspirou, teatralmente caindo com as costas em cima dos corais mais baixos da muralha.

— Não se preocupe, eu tenho um plano.

Lia olhou curiosa para ele, desfazendo toda a cena, e o tritão olhou para fora do coral de novo, esquadrilhando a área. Nada além de água, algas baixas e uma cidade logo a frente se movia por ali. Era a chance deles.

— Vamos.

— Mas para onde vamos?

Tristan se esgueirou para fora do esconderijo por um buraco que dava para o outro lado da muralha e lançou um sorriso de lado para Lia, que o tentava seguir com dificuldade pela falta de prática com a cauda em espaços apertados.

— Para minha casa.

Lia olhou surpresa para o garoto com a informação, ficando presa entre os corais. Rindo o tritão a puxou pelo braço, tirando ela e um pedaço da flora subaquática no processo.

— Vamos estar seguros lá e podemos organizar nosso plano – ele olhou novamente para os lados – pronta?

Depois de limpar os pedaços de coral que lhe encheram o cabelo Lia respirou fundo e concordou, voltando a pegar na mão do tritão. Eles nadaram para longe da muralha de corais e se enroscaram em meio a algas inofensivas nos arredores da cidade.

Quanto mais Lia se aproximava, mais ela conseguia ouvir os sons que vinham​ da cidade. As conversas, as risadas e o zumbido de caudas batendo de um lado para o outro. Ela notou também, quando já estava perto o suficiente para enxergar as construções, que todos os prédios subaquáticos eram feitos de pedra, corais e conchas, alguns adornados com plantas coloridas e cores vibrantes.

A disposição da cidade também era interessante, pois as maiores estruturas ficavam na ponta e pareciam ir decrescendo em direção ao centro. Pairando numa parte pouco movimentada   eles ficaram encoberto pelas construções próximas.

A folhagem das algas também os encobria para tritões e sereias que passasse apressados, mas curiosos rapidamente os detectariam. Eles tinham que ser rápidos.

— Você consegue mudar sua aparência?

A pergunta de Tristan fez a jovem olhá-lo confusa.

— Como assim?

— Seus cabelos – ele apontou para as mechas rebeldes e ruivas – são muito diferentes.

Lia continuou olhando em confusão para ele.

— A cor deles e o tamanho te denunciam fácil como sendo forasteira. Nenhuma sereia aqui tem cabelos tão grandes e vermelhos. Nem caudas dessa cor.

— Não existem sereias ruivas?

— Sim, existem. Mas o cabelo delas é cobre, não cor de sangue.

Ainda contrariada pelo pedido de deixar sua verdadeira forma de lado ela deu razão ao garoto. Seria péssimo chamar atenção quando estavam tão perto e eles precisavam permanecer com o máximo de discrição que pudessem.

Então suspirando derrotada Lia deu de ombros.

— Tudo bem, qual é o visual mais comum por aqui?

Tristan pareceu pensar por alguns segundos lançando olhares alertas para além das folhas.

— A maioria das sereias tem cabelos escuros, mas também tem uma grande quantidade com os cabelos platinados. Caudas aqui são ou verdes ou azuis.

Lia balançou a cabeça em afirmação e rapidamente sentiu os dedos formigarem. A camuflagem de Lia foi rápida e logo os longos cabelos diminuíram até a altura anterior e o tom aberto de vermelho escureceu, se tornando negro. Sua cauda seguiu o mesmo caminho e imitou a cor azul da de Tristan, ficando alguns tons mais clara.

Assim que ela abriu os olhos viu Tristan fazer uma careta.

— O que foi?

Meio contrariado ele murmurou que gostava da cor anterior da sua cauda e Lia riu, fazendo-o olhá-la. Aquela podia ser qualquer sereia da cidade, com semelhanças em cores com elas, mas ainda era Lia. Ela era inconfundível e o sorriso dela a denunciava com facilidade.

E ele adorava aquele sorriso.

Pigarreando o tritão indicou que iriam sair para fora do esconderijo e a jovem assentiu, ainda com a frase dele ecoando dentro de sua cabeça e a deixando mais animada do que deveria.

Furtivos eles saíram das algas para a cidade e quando se misturaram nos espaços principais, que seriam consideradas ruas no mundo humano, ninguém reparou neles. Mas Lia não conseguiu evitar olhar maravilhada para todo o brilho e cor daquele lugar.

As construções se dividiram em estabelecimentos diversos e quase se pareciam com o comércio da sua ilha, não fossem os produtos, desde conchas para cabelos à comidas estranhas. E também o movimento ser de caudas ao invés de pernas.

Lia viu também algumas casas, localizadas na base das estruturas, com sereias e tritões entrando e saindo, ou até mesmo conversando em frente a porta de suas residências de corais. Os espaços das casas pareciam grandes, com base na largura das construções, mas ela não conseguiu bisbilhotar dentro delas, pois Tristan apressou o nado forçando-a a segui-lo.

O percurso da dupla era iluminado por grandes bolotas luminosas que se apoiavam na ponta de plantas longas e finas dispostas ao lado da maioria dos estabelecimentos comerciais. Alguns lugares vendiam bugigangas humanas, ela notou, como pentes e luvas enquanto outros Lia jamais imaginara existir, sem conseguir nem mesmo dar nome a eles.

Todos os habitantes dali conversavam tranquilos escorados em colunas de pedras adornadas, numa praça exótica, que trazia uma grande planta marinha e neon em seu meio, enquanto algumas construções próximas abriram-se para algo parecido com um bar, com conchas para se sentar e mesas flutuantes, rodeadas de pessoas rindo sem parar.

Tudo era mágico para Lia e observando-a Tristan sorriu pensando o quão estranho era vê-la ali, no local que viveu por toda sua vida. Aquela rua no centro era mesma que ele passava sempre que ia ao centro da guarda, as sereias e tritões ali presentes eram os mesmo de sempre e o clima ainda era o comum.

Se Lia estivesse com seus cabelos avermelhados e cauda rubra chamaria a atenção de todos ali pelo contraste gritante com a genética do lugar, mas seria a mais linda das sereias na cidade.

Assim como era para ele.

— Não vejo ninguém com cauda vermelha Tristan – Lia lhe sussurrou baixinho e próximo a seu ouvido.

Eles estavam nadando separados, sem dar as mãos ou nada do gênero para evitar chamar atenção, mas aquele mísero contato era tudo o que o tritão mais queria.

Retomando a compostura e os pensamentos ele assentiu.

— Estamos no oceano Atlântico e as sereias e tritões daqui possuem o azul e o verde muito forte na genética – explicou seguindo para um caminho à direita com Lia atenta em seu encalço desviando vez ou outra de sereias apressadas – caudas vermelhas costumam ser comuns no oceano Pacífico, onde tem muita atividade vulcânica.

— Então é como uma camuflagem? Se misturar com o fogo?

— Talvez, mas alguns eruditos acreditam que as cores das caudas falam sobre adaptação.

Curiosa Lia o impeliu a continuar.

— Como assim?

— Dizem que as azuis e verdes funcionam muito bem em locais de profundidade grande e as vermelhas são mais resistentes ao calor de vulcões. Há também teorias de que existem caudas brancas nos oceanos Ártico e Antártico, que são resistentes ao frio, e de caudas roxas que intensificam o uso de poderes.

— Sereias normais também usam poderes como eu?

— Como você, não. Você é uma Deusa. Mas é difícil falar sobre poderes entre nosso povo. Alguns grupos de sereias e tritões que entraram em contato com humanos e tiveram maior contato com a superfície adquiriram encantos para controlar humanos e defender território.

Lia olhou espantada para ele. Haviam sim relatos na terra firme sobre sereias que encantavam marinheiros e os levavam a morte. Por isso esses seres marinhos eram temidos entre alguns homens de seu pai, como lendas macabras e perigosas.

— Mas aqui nós não temos esse tipo de poder – ele sorriu tranquilizando-a – e é como eu disse, são teorias dos eruditos. Caudas roxas são muito raras, tanto que nunca vi uma sequer até hoje.

A jovem ponderou as palavras do mesmo e dobrou junto com ele uma construção, nadando para cima logo após o movimento.

— Então como podem falar sobre isso?

— Há muito tempo, gerações antes de mim, parece que havia uma cidade no oceano Índico que era composta só por sereias e tritões com esses poderes. Eram comandados por um rei, mas o homem ficou completamente louco e dizimou toda a cidade.

Os olhos de Lia se abriram em espanto e ela desacelerou.

— Ninguém fez nada?

— Dizem que o próprio Netuno foi quem deu poder a ele. E junto com seu rei a cidade inteira ruiu. Então não se tem notícias de nenhuma cauda roxa ao longo de todos os outros oceanos. E o Índico se tornou um lugar vazio.

Lia tomou fôlego digerindo toda aquela informação. Conhecer melhor a dinâmica dos oceanos era interessante, mas ver a realidade mágica que envolvia aquele lugar a inquietava. Se o próprio Netuno, o Deus dos deuses marinhos havia dado aval para que um rei tirano dizimasse uma cidade inteira Nagisa não era nada perto disso.

E para Lia ela ainda era extremamente perigosa.

Arrepio passou pelo corpo da jovem e ela apressou o nado, ficando lado a lado com Tristan. A parte em que eles chegavam era menos movimentada, localizada no topo dos supostos prédios submarinos e era predominantemente de residências, todas claramente fechadas.

— Estamos chegando, é logo ali.

Assim que o tritão apontou para uma porta em concha em uma das construções de corais Lia olhou curiosa para o lugar que era a casa de Tristan. Era mais uma das várias entradas ali dispostas, se mesclando facilmente com as outras.

— Como sabe que é aquela?

— Tritões e sereias tem boa memória – ele sorriu de lado.

Quando juntos eles entraram para a residência de Tristan, Lia se surpreendeu com o tamanho da casa do tritão. Era espaçosa e alta, e tinha alguns móveis engraçados feitos de corais, algas e pedras, que em sua maioria ficavam suspensos na parede, deixando o chão alguns metros abaixo quase vazio. Como um sofá, um abajur neon e as maçanetas de um armário embutido que eram​ feitas da carapaça de um caramujo.

Tristan fechou a porta pela qual passaram, pondo na frente dela a sua lança de madeira, para retardar que fosse derrubada, e suspirou alivio.

— Ficaremos bem por enquanto.

Lia o imitou e girou em seu próprio eixo, fazendo evaporar o disfarce junto a bolhas. Quando os cabelos e a cauda voltaram ela sorriu animada.

Mais uma vez salvos.

Ele riu, concordando, e apoiou sua cauda na cama de conchas e algas suspensa e apoiada na parede, sentando.

— Estamos na metade do caminho agora.

Lia assentiu e se alongou.

— E então, o que você...

O estômago de Lia roncou, alto, e eles se entreolharam com Tristan rindo. Por incrível que parecesse havia se acostumado com aquilo durante os dias em que a garota apenas conseguia dormir e comer. Era algo natural, uma necessidade, mas a expressão constrangida que ela sempre fazia não o deixava segurar o riso.

A jovem resmungou alguma coisa em contrapartida e tocou na barriga. Jogando a bolsa que carregou desde a ilha até ali na cama Tristan piscou.

— Que tal comer primeiro e pensar depois?

Sorrindo Lia se acomodou ao lado do tritão.

— Não poderia ser uma ideia melhor. Mas como sua lança e minha bolsa passaram despercebidas​ no meio dos cidadãos?

Tristan sorriu abrindo-a.

— Todos sabem que sou da guarda real. Esse tipo de coisa eu recolho para trabalho. E a lança... – ele olhou para a mesma na porta lembrando da floresta de algas – eles sabem o quanto sair da cidade é perigoso.

Lia assentiu, lembrando do monstro marinho, e se juntou ao tritão na busca pela comida. Eles se serviram de frutas frescas, que para a surpresa da garota não sofreram mudanças por estarem debaixo da água. Em silêncio se alimentaram e depois da última fruta ser digerida ambos se encostaram na parede da casa, satisfeitos.

Lia observou, agora mais atentamente, o lar de Tristan. Era de apenas um vão com o básico para se viver, ao menos para um tritão viver. Uma​ cama, algumas bancadas, sofás feitos de algas, armários, luzes vindas do topo por uma planta luminosa e um baú na parte mais abaixo, com lanças e espadas bagunçadas no chão fundo da casa.

General. A palavra soou nos pensamentos de Lia, sendo reformulada em seguida: ex-general.

Ela pensou na diferença daquela casa para uma casa humana e notou a falta de objetos elétricos e de um banheiro. Como que tritões faziam xixi?

Olhando de soslaio para Tristan ela repetiu para si que preferia não saber sobre isso e com esse pensamento lembrou-se das palavras dele até ali e fixou a visão sobre a sua cauda. Vermelha.

— Se minha cauda é vermelha quer dizer que sou do oceano Pacífico?

A pergunta de Lia tirou Tristan do relaxamento pós refeição e ele também encarou as escamas da cauda dela. Subitamente lhe veio a vontade de passar a mão sobre elas, mas sabia como caudas eram sensíveis.

Por que enquanto tritão esses desejos sobre Lia pareciam​ muito mais explícitos do que antes?

Tocá-la. Beijá-la. Olhá-la.

Lentamente ele levou os olhos para a mesma.

— Talvez, ou pode falar de sua resistência ao fogo. É difícil dizer – se apressou a responder, afastando os pensamentos.

Ela o olhou em busca de respostas.

— Outras sereias comuns não possuem seus poderes, Lia. Então nenhuma​ consegue mudar a cor de sua cauda, já que é genético, como você. Então pode ser que você seja resistente a fogo agora, mas a qualquer momento pode mudar a cor e ganhar uma nova habilidade.

Tristan sorriu.

— Isso é só uma parte do seu poder, Lia.

Internalizando aquelas palavras a garota suspirou e assentiu. Fazia sentido. Mas aquela era sua verdadeira forma, então dizia muito sobre ela. Sobre suas raízes. Sobre seu passado. Nagisa seria do oceano Pacífico? Teria nascido e crescido lá?

Então porque a cauda dela era negra ao invés de vermelha? Ela também a modificou com poderes? O que aquilo queria dizer sobre seus poderes? Sobre Lia?

Soltando um suspiro para tantos questionamentos ela permitiu que a cabeça caísse sobre o ombro de Tristan, assim como fizera na caverna, e de prontidão ele a aceitou acomodando-a.

Ficaram assim por longos minutos, cada um preso em seus próprios pensamentos, adiando o inevitável. O confronto. O resgate. A separação. Lia iria embora junto com Pierre e Kevin, e Tristan...

As palavras dele na caverna sobre sua vida no mar e na guarda real voltaram aos pensamentos de Lia e ela estancou. Em milésimos de segundo algo que até então a mesma não havia pensado caiu sobre ela. Tristan estava de volta na cidade. Se ele fosse pego...

Traição.

— Eu sei o que você está pensando – murmurou o tritão fazendo Lia levantar a cabeça de seu ombro para olhá-lo – e eu não vou deixar você sozinha.

Lia mordeu a ponta da língua. Ele realmente sabia o que ela estava pensando.

— Por que veio? Não devia voltar para a cidade. Por que se arriscar tanto? Você estava livre lá em cima. Podia ter...

— Eu não a deixaria sozinha mesmo que você me mandasse embora.

A profundidade daquelas palavras misturadas ao timbre de voz de Tristan fez o coração de Lia acelerar e ela se calou.

— Eu não a deixaria morrer naquele casulo nem que ficasse três dias e três noites inteiras atacando aqueles parasitas. Não a deixaria entrar sozinha naquele palácio nem que a morte estivesse na frente dos meus olhos.

Ele olhou para ela e Lia sentiu a intensidade dos olhos azuis como nunca antes havia sentido.

— Por que?

O sussurro de Lia transmitiu um misto de emoções que ela não conseguia conter e lágrimas queimaram em seus olhos. Ela estava feliz, mas ao mesmo tempo medo e tristeza se misturavam em seu coração. E pela primeira ela teve certeza qual era a origem daquele calor em seu peito toda vez que olhava para o tritão ao seu lado.

— Pois é – ele riu – eu não sei te explicar.

Com um sorriso no rosto dele desviou os olhos da garota.

— Naquela caverna, quando fugi com você eu me senti livre. Me senti livre cuidando de você, me senti livre andando por aquela ilha sem ter que voltar para o palácio no primeiro chamado. Mas não era liberdade de verdade e agora eu entendo. Era você.

Lia prendeu a respiração.

— É como se você estivesse se tornando muito mais importante do que tudo. É um sentimento estranho, mas muito verdadeiro. Não me senti livre quando você me disse parar ir embora.

Ele abaixou a cabeça.

— Não quero abandonar você, não quero te deixar sozinha. Enquanto puder quero lutar ao seu lado.

Os dedos de Tristan procuraram os da jovem e ela prontamente os cedeu, permitindo que encaixasse suas mãos.

— Minha liberdade é estar aqui. Minha liberdade é você. E eu quero ajudá-la a salvar seus amigos, a fugir de Nagisa. Pra mim, tudo bem voltar a guarda real.

Ele abriu um sorriso triste.

— Em nenhum outro lugar eu seria livre como fui esses dias.

Tristan buscou cauteloso os olhos de Lia, para ver sua reação àquelas palavras, mas ao vê-la chorar se desesperou.

A consciência dela dizia que as palavras dele eram perigosas para ele mesmo, mas tudo dentro de Lia estava uma bagunça. Sua vida antes daquilo tudo, Pierre, Kevin, Ana, Cadu. A segurança da sua família.

A segurança daquele tritão a sua frente.

— Lia, você...

Antes que Tristan terminasse a frase ela o abraçou lentamente, com as lágrimas se fundindo com o mar ao seu redor. Ele rapidamente a envolveu com seus braços e apoiando a mão nos cabelos macios os afagou.

O cheiro dela o preencheu por inteiro.

— Desculpe fazê-la chorar.

Lia riu, abafada pelo peito dele, e negou com a cabeça.

— Obrigada, obrigada, obrigada.

Ela repetiu diversas vezes puxando-o contra si. Deslizando o nariz pelos cabelos avermelhados Tristan fechou os olhos afundando na sensação de estar tão perto.

— Eu me sinto tão egoísta – soluçou Lia – eu queria que você viesse comigo.

— Então quando me disse na cachoeira que não colocaria minha vida em risco por um capricho estava mentindo?

Tristan tentou soar brincalhão, mas Lia guinchou um sim chorando ainda mais. Ele riu abraçado a ela e a apertou um pouco mais.

— Está tudo bem, veja onde já estamos. Conseguimos chegar juntos até aqui, vai dar tudo certo. Você vai salvar seus amigos e vai poder ir embora.

Embora, a palavra ecoou na cabeça de Lia e ela chorou mais forte.

Naquela altura, assim como aconteceu antes de chegarem a mansão do amigo de Pierre, Lia já não tinha certeza do que queria. Salvar Pierre era prioridade naquele momento, mas ir embora?

Intimamente, lá no fundo, ela não queria ir embora. Entretanto não era do oceano ou da cidade, mas de Tristan.

— Eu não teria chegado aqui sem você – Tristan afagou novamente os cabelos​ dela.

— Mas foi você quem se salvou daquele casulo, não foi eu.

Lia engoliu o choro apertando o rosto com força contra o peito de Tristan.

— Foi você quem entrou na minha frente naquela caverna e salvou minha vida. Eu não estaria aqui hoje se não fosse por você.

— Eu sei – murmurou em tom abafado – eu sei, droga.

Tristan riu e Lia o apertou um pouco mais contra si, se perdendo no cheiro de sândalo e mar dele. Ela sabia que era forte, ela sempre foi a vida inteira. Agora ela tinha poderes e sentia que os controlava com muito mais habilidade do que na primeira vez. Mas não era por isso que Lia chorava.

Ela chorava por Tristan e sua vida aprisionado à Nagisa. Chorava por seu egoísmo em querer tê-lo ao seu lado ali, mesmo sabendo dos desafios que poderiam cair sobre ele se fosse pego depois de sua traição. Pela paixão avassaladora que sentia por ele e que não conseguia colocar em palavras.

Lia estava completamente apaixonada pelo tritão que conheceu há poucos dias e aquele sentimento a inundava intensamente. Ela não sabia o que fazer. Nunca havia se sentido daquele jeito.

Seu corpo e sua mente se mesclavam e não conseguiam entrar em consenso.

Tomando fôlego e organizando os pensamentos ela foi vagarosamente afrouxando o aperto ao redor do tritão que ficou parado deixando-a em seu próprio tempo. Quando conseguiu olhar para os olhos verdes, ele sorriu.

— Se precisava de um momento para ser fraca, era só ter me pedido.

— Eu controlo minha própria fraqueza, obrigada.

Tristan sorriu mais abertamente, fazendo-a também sorrir, e o clima se amenizou.

— Tristan, eu queria...

Ele a olhou em expectativa e Lia engoliu a própria saliva. Ela não queria machucá-lo, não queria​ perdê-lo. Mas havia Ana a esperando na ilha Halouei. E o lar de Tristan era o mar.

Era tão injusto.

Batidas apressadas soaram na porta improvisada e a dupla se entreolhou alarmada. Saltando da cama e nadando para se esconder atrás da porta Lia observou Tristan tomar fôlego, tirando a lança, e abrindo a mesma. A expressão no rosto dele a relaxou e a voz a fez minimamente suspirar.

— Oh! Me desculpe, coral errado.

Sorrindo Tristan acenou e assim que o visitante se afastou e ele fechou a porta suspirou audivelmente. Lia riu onde estava, mais pelo que estava prestes a dizer do que pela súbita visita, e ambos caíram numa crise de risos.


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Notas finais do capítulo

O que acharam? AHSJJS, sobre essa história das caudas roxas eu tenho uma outra história, também com sereia, e no mesmo universo.
Porém com personagens e enredos diferentes, mas que dá um outro olhar sobre essa lenda. No final da Herdeira, que está mais perto do que longe, infelizmente, eu vou postá-la aqui (com link e tudo!). Então caso se interessem, venham ler também!



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