Em momentos como aquele, de tensão, Hermione gostava de sair do escritório e trabalhar em seus projetos em um ambiente completamente diferente. Sua escolha preferida era a cafeteria de seus amigos Beatrice e Tobias Eaton. Justamente por serem amigos ela sempre conseguia um preço especial em suas bebidas favoritas, para trabalhar com mais empenho e disposição.

Naquele dia em específico ela preferiu sentar-se na parte exterior da cafeteria, pois o interior estava atipicamente barulhento com alguns adolescentes que comemoravam alguma data especial. Entre adolescentes sem noção e o barulho da cidade funcionando, ela escolhia os carros trafegando na rua, sem pensar duas vezes.

Em dois momentos Beatrice veio pessoalmente garantir que ela estivesse confortável. A jovem, beirando os 25 anos, largou tudo para se dedicar ao estabelecimento, enquanto o marido, Tobias, se dedicava à carreira de modelo. Felizmente ambos obtiveram sucesso e colhiam os frutos dos resultados.

Hermione encarava a tela do notebook a pelo menos cinco minutos, viajando dentro de sua própria cabeça. Precisava terminar aquele projeto até a manhã do dia seguinte. Na Spread It, agência onde trabalha, os prazos eram sempre curtos. Ela até que gostava disso, pois aumentava o desafio e a fazia trabalhar com mais afinco, mas ninguém é de ferro e de vez em quando ela também sofria de bloqueio criativo. Estranhamente, esse bloqueio foi o mais sem pé nem cabeça possível, pois a fez se distrair de uma forma que não era comum, tendo lembranças que há muito estavam guardadas e ouvindo vozes que há muito não escutava:

— Esse lugar está ocupado? – A voz estava carregada com um tom de incredulidade que ela mesma se encheu com.

Ela levantou os olhos do monitor e encarou a figura a sua frente.

Era ele?

O cabelo ruivo não enganava. Normalmente sempre espetados, cada fio apontando para um lugar distinto, desta vez estavam comportados e todos para baixo, provavelmente com a ajuda de algum gel de longa duração. Ele usava terno, embora sem a gravata. Ela só o vira assim duas vezes. A primeira durante o casamento de seu irmão mais velho e a outra na cerimônia de graduação do Ensino Médio, e ela tinha que admitir que essas roupas o deixavam com um ar poderoso. Apostava que as mulheres caiam mantando em cima dele. E sem falar que ele estava ainda mais bonito do que lembrava. Como era possível? Os anos só lhe fizeram bem.

Sim, definitivamente era ele!

— Ronald Weasley?! – Ela pergunta de olhos arregalados, ainda incrédula.

— Eu mesmo. – Uma risada curta sai de sua boca e ele se senta sem esperar resposta a sua pergunta. – E o que traz Hermione Granger à velha Londres?

— O que? – Após o momento de surpresa ela é invadida pela adrenalina. Um turbilhão de confusão passava sua mente e ela estava se contendo o máximo que podia para não beliscar o próprio braço afim de saber se aquilo era um sonho ou realidade.

Ronald Weasley, seu primeiro amor, seu primeiro namorado, estava sentado a sua frente.

— O que te traz de volta à Londres? Pensei que ainda estivesse nos Estados Unidos.

— Eu moro aqui, já tem um tempo. – Ela respondeu com um sorriso que ia de orelha a orelha e rapidamente cobriu o rosto com as mãos. – Eu não acredito que você esteja aqui... – As palavras fugiram antes que ela pudesse contê-las, mas verdade é que não queria se policiar.

— E você acha que eu acredito? Eu estava atravessando a rua quando te vi distraída aqui, no café da Tris.

— Conhece a Beatrice? – Rony acenou com a cabeça.

— Tobias foi meu colega em algumas disciplinas na universidade.

— Nossa, que mundo pequeno! E o que você fez na universidade? Se formou em quê?

— Economia na Universidade de Hogwarts. – Ele chamou uma garçonete de cabelo cacheado que passava e pediu um café mocha. – A UnH não é tão prestigiada quanto um diploma estrangeiro, mas não tenho do que reclamar.

A universidade ficava muito longe de casa, então Rony acabou se mudando para mais perto. Durante quatro anos ele dividiu o apartamento com Harry Potter, o atual marido de sua irmã gêmea, Gina, tanto é que foi assim que eles se conheceram.

— Parece que foi amor à primeira vista, aqueles dois.

E não perderam tempo! Logo após Harry se estabelecer em um trabalho que pagasse bem e Gina concluir o curso de design gráfico, os dois decidiram juntar as trouxas e já estavam casados a quase cinco anos.

— Gina sempre foi assim, impulsiva e correndo atrás do que a fazia feliz. Saber disso aquece o meu coração. – Hermione se lembrou com carinho da amiga. Elas se conheceram aos 14 anos na escola e instantaneamente ficaram amigas. Por intermédio conheceu Rony e era visível, até mesmo para desconhecidos, a atração existente entre os dois.

Ela gostaria de rever Gina, por muito tempo sentiu falta de alguém com quem pudesse conversar e compartilhar os dilemas da vida adulta.

— Eu estou feliz, eles realmente se merecem. – O café havia chegado há alguns minutos. Rony deu um gole encarando a traseira do notebook aberto e esquecido de Hermione sobre a mesa. – Mas eu ando para lá e para cá, estou em Londres a negócios, não moro aqui. Cheguei há uma semana e ficarei por sete meses prestando consultoria a uma empresa e acompanhando o desenvolvimento.

— Por isso está usando terno?

— Por isso estou usando terno.

Hermione sorriu divertida. Parece que ela não o conhecia tão bem quanto um dia achou que conhecesse. Não o imaginava trabalhando em um escritório e usando terno, como ela, ele sempre transpareceu gostar de algo mais prático e na área criativa, onde pudesse estar sempre inovando.

— Mas e você? O que tem feito? – Perguntou depositando a xicara de café no pires.

— Bom, você sabe uma parte. Eu acabei me formando em Comunicação Social, coisa que amo, lá na Califórnia. Ao todo morei fora durante uns sete anos e já têm uns dois anos desde que voltei. Diferente de você, eu não trabalho de terno, como você pode ver. – Ela apontou para o próprio corpo, mostrando o vestido laranja avermelhado com flores brancas e pretas que ia até um pouco abaixo do joelho.

— Você fala com bastante entusiasmo do que faz, seus olhos até brilharam!

— Sério? – Hermione desviou os olhos, tentando esconder um sorriso tímido e encarou a tela do notebook. – Eu amo a flexibilidade que me é permitida onde estou trabalhando, e esse foi um dos motivos que me fizeram aceitar esse emprego e voltar. Inclusive, um pouco antes de você aparecer eu estava tentando terminar um projeto. Preciso termina-lo até amanhã de manhã.

— Verdade? Posso dar uma olhada? Fiquei curioso. – Hermione acena hesitante enquanto vira o notebook para que ele possa olhar e a isso se seguiram vários segundos angustiantes de silêncio.

— Na realidade é mais um esboço do que o projeto em si. O cliente quer abrir uma rede de sanduíches naturais. A gente faz um esboço, fazemos uma apresentação e escolhemos as melhores ideias para apresentar ao cliente. – Ela sentiu a necessidade de explicar diante ao silêncio do rapaz. – Mas parece até que todas as minhas ideias se esgotaram, estou achando que criei um lixo.

— Para falar a verdade, eu gostei, porque tem estilo, algo único, mas eu mudaria algumas coisas.

— Como o quê, por exemplo?

Nos vinte minutos seguinte, os dois engataram uma conversa de cunho bastante profissional. Hermione tinha a mente aberta e aceitou várias das sugestões que Rony compartilhou, adaptando algumas a seu gosto. Ao fim da conversação ela já estava anotando ideias para projetos futuros.

— E não é que você leva jeito pra coisa!

— Capaz até de roubar seu emprego.

— Vai sonhando! – Ambos riram e Hermione revirou os olhos checando o horário. – Olha a hora! – Ela fecha o notebook bruscamente. – Eu tenho que ir embora e dar um jeito de chegar em 9 minutos na empresa.

Ela começou a recolher seus pertences e estava pronta para ir embora quando Rony soltou:

— Escuta... – Ele também se levantou e pela primeira vez, desde que tinham começado a conversar, Hermione viu hesitação em suas atitudes. – Acho que você não deve se lembrar, mas amanhã é meu aniversário...

— Meu Deus, é verdade. Parabéns!

Ela não pensou, apenas o abraçou pelo pescoço. Seu nariz foi imediatamente impregnado pelo perfume masculino e ela sentiu os braços do ruivo envolverem sua cintura, provocando um leve tremor por todo seu corpo. Aquele era o sinal claro de que seu corpo reconhecia o dele. Vê-lo e conversar com ele já tinha despertado um turbilhão de pensamentos, abraça-lo era a confirmação da qual precisava para perceber que esse reencontro inesperado só tinha trazido sentimentos mal resolvidos à tona. Ela o soltou depressa, tentando se manter o mais impassível possível.

— Você está completando... Vinte e oito anos... – Ela disse, a fim de ignorar a tensão que sentia.

— É... – Rony sorriu acanhado e desviou o olhar por poucos segundos. – Eu, Gina, Harry e alguns amigos vamos jogar boliche. Eu queria... Saber se você gostaria de ir, vai ser divertido.

Hermione se surpreendeu com o convite, não era o que estava esperando.

— Bem...

Ela pensou em todas as desculpas que arranjava para dispensar as saídas dos amigos. Não é que não gostasse de sair, mas muitas vezes preferia ficar em casa assistindo algum filme do catálogo da Netflix. Acontece que todas suas desculpas não pareciam fazer sentido naquele instante, já que ela se sentiu imensamente inclinada a ir.

— Eu prometo que vou pensar no seu caso.

Trocaram os números de celular entre si e seguiram caminhos distintos.