Intermittente escrita por Mandy


Capítulo 5
Capítulo V




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— Ensinar essas crianças a lutarem é a mesma coisa que ensinar uma vaca voar.

Keith resmungou com mau humor essas palavras durante um dos treinos dos jovens empregados, que vestiam blusas claras, calças de algodão e botas de couro. O treino de combate corpo-a-corpo ocorria nos fundos da mansão, onde estavam a entrada das florestas, porém não ia como o planejado pelo mordomo.

Marco ficou pedindo desculpas a cada golpe que dava em Jean, o que fez o treino entre os dois virarem uma conversa profunda sobre que seriam futuros soldados para protegerem o jovem príncipe e não havia nada para pedir desculpa sobre isso.

Já a Sasha e o Connie estavam indo bem, mas acabaram entrando numa luta pessoal após a garota chamar o outro de "careca fracote". Depois disso passaram a se chamarem por vários nomes, como "caipira glutona" e "palito de dente baixinho".

Levi simpatizou-se com o jovem empregado diante do último xingamento, pois Connie era uma criança baixa de onze anos. O cavaleiro já fora chamado por nomes piores durante o seu treinamento pelos aprendizes mais velhos e altos. Muitas vezes recebia insultos sobre a sua altura e também por ser da família principal do seu Clã, pois Levi necessitava ser o melhor entre todos os Ackermans.

O garoto de olhos azuis cinzentos forçou-se a ter foco no presente. Lembrar-se do passado era apenas dores de cabeça.

— Como é que você conseguiu a permissão das mães deles sobre o treinamento? - questionou ele para o mordomo - Você mentiu dizendo que era uma atividade física?

Keith botou as mãos atrás das costas, voltando mais uma vez para a postura fria e inabalável de um militar, mas o olhar que lançou a Levi dizia claramente "você é um porre".

— Elas também foram treinadas para defenderem o jovem príncipe assim como para se defenderem. - respondeu o mordomo seriamente, voltando os olhos para os jovens empregados - Não precisei pedir permissão, pois foram elas mesmas que me pediram para treinar as suas crianças. Com exceção de Marco, pois foi ele quem quis participar dos treinos após conversar com Jean.

— Você que treinou as mães deles? - perguntou Levi.

— Não. - negou Keith - Foi o Pixis.

"Então, todos os empregados são soldados", pensou o cavaleiro levemente interessado. Caso tivesse um ataque na mansão, as empregadas estariam preparadas para um combate.

Ah, claro. Dot Pixis era o empregado mais velho e tinha função de ir até a cidade para fazer compras e abastecer a mansão, além de resolver outros assuntos que ele recusava a revelar até mesmo para Levi. Por conta disso era normal não vê-lo por uns dias na mansão.

— O sr.Smith também passará a ensinar Marco Bodt. - comentou Keith, fazendo o cavaleiro sair dos seus devaneios - É uma criança, afinal. Como os outros três, ele necessita de estudos.

— Pensava que o sr.Smith era apenas o tutor do Eren. - murmurou Levi, lembrando-se da última vez que o professor veio até a mansão e os jovens empregados entregaram folhas escritas para eles - Não sabia que também ensinava os outros...

Keith ergueu uma sobrancelha ao encará-lo de lado.

— Quer passar de novo pelos estudos, Levi?

— Recuso.

Keith sorriu torto diante da resposta rápida do garoto. Ele cruzou os braços ao peito, voltando novamente a sua atenção para os quatro jovens empregados.

— Nenhum deles foi contra o treinamento ou até mesmo trabalharem como empregados do Eren, pelo contrário. - contou com o seu tom indiferente - Eles curtiram a ideia de terem o que fazer nessa mansão e receberem um pagamento em troca.

Jean e Marco continuavam conversando, mas pelo menos voltaram a treinar tipos de socos e chutes.

— Cada um tem a sua função para cumprir na mansão. - continuou o mordomo - Sasha fica na cozinha com a mãe, Jean cuida do estábulo com a mãe também e Connie pretende ser um mordomo enquanto a srª Springer fica na lavagem de roupas. Porém, todos devem fazer a limpeza do interior e do exterior da mansão.

Sasha e Connie pararam de se xingar e juntaram-se com Jean e Marco na conversa. O quarteto conversava alegremente.

— Eles escolheram o que queriam fazer sem ninguém obrigá-los. - continuou o mordomo calmamente - Até mesmo Eren reconhece isso.

“Não me parece com o que condiz a realidade...”, pensou o cavaleiro, lembrando-se do aniversário de Connie. Eren pegou Levi pelo braço mesmo recebendo várias reclamações do mais velho. Porém, o garoto de olhos azuis cinzentos não podia negar que se divertiu naquele dia.

Levi evitava de pensar nos dilemas que surgiam em seus pensamentos. Era melhor se lembrar do motivo de proteger Eren e seguir em frente sem olhar para trás.

Era o que ele queria, mas a realidade não concretizaria totalmente as expectativas desejadas.

 - Quando percebe que está sendo um tirano ou se metendo onde não deve, Eren não continua insistindo, - explicou Keith, indiferente - mas não se engane. Quando o assunto é a sua liberdade, ninguém consegue pará-lo ou fazer com que ele escute alguém.

Ele encarou Levi seriamente.

— Exceto você.

Levi o encarou, mas Keith falou mais nada e olhou fixamente para os jovens empregados. O cavaleiro se perguntou o motivo de ele achar isso. Eren não o obedecia, pois reclamava e fazia várias vezes o oposto do que era dito. Raramente conseguia manter o garoto nos eixos.

Keith chamou o quarteto para pararem de conversar e voltarem a treinar. Depois de meia hora, os quatro voltaram para a situação do início. O mordomo bateu uma mão no rosto, praguejando um palavrão em voz baixa. Por mais que tentasse ensinar algo, nenhuma das crianças levava a sério, pois estavam se agarrando em qualquer distração que aparecia.

Levi respirou fundo e avançou até o quarteto. Eles pararam de conversar entre si com a aproximação do garoto. A presença fria e calma do cavaleiro fazia as outras pessoas prestarem atenção nele.

— Por que estão enrolando? - questionou num tom sério e frio - Não querem proteger o Eren?

O quarteto demorou alguns segundos para responder juntos devido ao transe:

— Claro que queremos!

— Treinem. - ordenou Levi ainda no tom anterior - Não querem ser mais fortes?

Os quatro jovens empregados olharam entre si e assentiram com a cabeça, em silêncio.

— Então, - falou Levi com um pouco de suavidade - por que estão enrolando?

O quarteto ficou em silêncio como cada um tivesse perdido a habilidade de fala. Sasha levantou lentamente a mão. O Cavaleiro Real franziu as sobrancelhas, confuso, mas murmurou:

— Fale, Sasha.

— Bem, - Sasha começou a falar de forma hesitante - eu não quero que o senhor Shadis fique irritado, mas...

— O senhor Shadis passa os treinos e a gente não entende direito. - completou Jean - Como vamos fazer o próximo treino sendo que nem entendemos o primeiro?

— Os treinos não são legais. - acrescentou Connie - São chatos.

— E-Eu não gosto de bater nos outros... - finalizou Marco.

Levi arqueou as sobrancelhas, impressionado. Voltou-se para o mordomo que exibia uma expressão enigmática no rosto, mantendo-se calado. O cavaleiro também falou nada e olhou novamente para o quarteto.

— Marco.

O melhor amigo de Jean encarou o garoto de olhos azuis cinzentos. Havia uma expressão neutra no rosto do cavaleiro.

Mas, por dentro da mente de Levi, memórias de aprendizagem durante o seu treinamento passavam diante de seus olhos, por mais desagradáveis que fossem.

— Não tem o que fazer em relação a “não gostar de bater nos outros”, - falou Levi - pois será necessário enfrentar certos adversários usando violência física se quiser sobreviver ou proteger algo nesse mundo.

Marco olhou para o chão, mas assentiu com a cabeça. Levi olhou para a Sasha.

— Toda decisão exige uma consequência que pode magoar ou irritar alguém, Sasha.

Sasha abaixou a cabeça, olhando para o cavaleiro com as sobrancelhas unidas, e murmurou um “entendido”. O garoto voltou-se para Jean.

— Reaprenda quantas vezes forem necessárias a mesma coisa, Jean. - a voz de Levi soava fria, mas não deixava de ser suave - É fácil ficar apenas reclamando e ignorar a parte difícil, por isso continua parado no mesmo lugar.

Jean pareceu encolher-se enquanto a vergonha e o arrependimento tomavam conta do seu rosto, tornando-o vermelho nas bochechas.

— Connie, desde quando algum treino é legal? - resmungou Levi, contendo um suspiro - É uma obrigação. Foi feito para ser chato.

Connie sorriu sem jeito, coçando a nuca com uma mão.

— Cada um de vocês tomou uma decisão, então siga com ela até o fim.

Levi voltou-se para as quatro crianças que o olhavam com atenção, como se fossem aprendizes diante de um tutor.

— Entenderam?

O quarteto gritou um “sim, senhor Ackerman” em uníssono, o que fez Levi soltar um resmungo inaudível. Eles voltaram para o treinamento, sendo instruídos pelo cavaleiro. Dessa vez, os quatro jovens empregados estavam mais centrados no que faziam.

Depois de uma hora, Keith encerrou o treinamento. Sasha, Connie e Jean correram imediatamente para dentro da mansão. Marco, que estava fazendo dupla com Levi no treino de combate corpo-a-corpo, curvou-se em agradecimento para o cavaleiro e seguiu calmamente atrás dos seus amigos.

Levi suspirou, cansado, e puxou as mangas da camisa para cima. Não havia imaginado que seria tão exaustivo ensinar alguma coisa para outra pessoa.

— Não foi impressão...

O cavaleiro encarou Keith, que se aproximou silenciosamente do garoto de olhos azuis cinzentos com uma expressão enigmática. Os seus olhos claros e frios estavam fixos nos jovens empregados.

— Levi. - falou o mordomo, voltando a sua atenção para o garoto - Posso pedir um favor? - ele assentiu - Poderia passar a treinar essas crianças?

Levi franziu as sobrancelhas, enrugando levemente a testa.

— Por quê? - questionou.

— Eles não são diferentes do Eren. - respondeu Keith, sério - Vão apenas seguir com o que você falar, garoto.

— Não é verdade. - retrucou o cavaleiro com a intenção de ser inexpressivo, mas acabou soando intrigado. Não entendia o motivo do mordomo ter essa visão - Por que você acha que eles e o Eren vão me obedecer?

Keith o encarou em silêncio por alguns segundos.

— É uma resposta que você mesmo tem que buscar, criança.

*

A janela do quarto de Levi estava aberta e a cortina balançava sutilmente pela brisa do final de verão. O céu estava num azul escuro tendo poucas nuvens, a Lua refletindo seus raios azulados e vários pontinhos prateados brilhavam nessa escuridão. A vista do quarto dava para a entrada do casarão e um dos jardins, tendo uma goiabeira próxima do parapeito. De vez em quando durante as manhãs, um pássaro pousava no galho ou um beija-flor perambulava entre as folhas e flores; ainda não era a época das goiabas, o outono.

Levi estava em seu quarto, sentado na cadeira enquanto lia umas folhas que estavam em suas mãos. Ele havia terminado de escrever os acontecimentos mais recentes no seu relatório pronto para ser entregue a um dos seus dois tios ou para a sua mãe. Voltou-se para a goiabeira, lembrando-se do período da tarde.

Durante a tarde, Sasha ficou cozinhando com a sua mãe enquanto Jean e Marco voltaram a andar de cavalo juntos. Já Connie estava aparando o jardim com Keith. Os outros empregados estavam lavando roupa, exceto Pixis, que continuava fora.

Em outras palavras, apenas uma pessoa soube da atitude imprudente do jovem príncipe.

Eren ficou brincando de pega-pega com Levi pela biblioteca. O cavaleiro recusou-se a fazer isso, mas o jovem príncipe não o escutou e saiu correndo, rindo alegremente. Levi controlou o impulso de gritar um palavrão e seguiu atrás do garoto de olhos verdes.

Não demorou muito tempo essa brincadeira, pois Eren topou-se contra uma estante e livros desabaram em direção dele. Levi quase não conseguiu empurrá-lo e fugir a tempo antes de que ocorresse um sério acidente. Os dois garotos caíram no chão numa distância segura, olhando para onde o jovem príncipe estava há menos de um segundo. O piso ficou uma bagunça de livros pesados espalhados e abertos com as páginas quase saindo.

Eren empalideceu, apertando com força o sobretudo do cavaleiro. Levi engoliu em seco e passou um braço pelas costas do príncipe, percebendo que o mais novo tremia. Ambos estavam imaginando o mesmo cenário desastroso que seria se os livros tivessem caído na cabeça do garoto de olhos verdes.

— Nunca mais vai brincar de pega-pega na biblioteca. - falara Levi, devagar - Ou correr.

Eren concordou com a cabeça sem dizer nada.

De volta ao momento atual, Levi largou o peso do corpo no encosto de costas e fez a cadeira ficar levantada nos dois pés de madeira traseiros. Suspirou, cansado, e jogou as folhas em cima da mesa que se espalharam. Voltou a sua atenção para a janela do quarto, mergulhando nos seus devaneios.

"É meio estranho.", pensou Levi, lembrando-se de que não havia mais nenhum suspeito andando em volta da mansão desde o começo de julho. "O sr.Smith havia dito que viriam mais pessoas atrás do Eren e ele não estava errado, mas é estranho não vir mais alguém agora”.

Agosto seguiu sem mais nenhum suspeito rondando os arredores da mansão. Foram dias tranquilos para Levi e Keith. Ambos não estavam mais tão tensos pela possibilidade iminente de algum ataque contra o príncipe bastardo, mas não deixaram a guarda baixa. Caso aparecesse alguma sombra nas florestas ou nos jardins, o Cavaleiro Real estava preparado para sacar a sua espada.

Porém nenhum desconhecido apareceu.

“Será que...".

— Você vai cair dessa cadeira, filho.

A cadeira foi para o chão. Levi grunhiu de dor, levantando-se devagar enquanto arrumava a cadeira. Os seus olhos estavam fixos na mulher com as mesmas feições faciais do cavaleiro.

— Eu avisei.

Kuchel Ackerman falou num tom sereno como a expressão que exibia em seu rosto claro. Ela estava vestida com uma blusa preta, calça clara, botas de couro preto e um sobretudo marrom escuro. Era uma bela mulher magra e um pouco baixa que sempre exibia uma expressão serena no rosto de olhos oblíquos no tom de cor azul cinzento. Tinha quase trinta e três anos e parecia ter vinte anos.

Kuchel exibiu um sorriso mínimo em seus lábios.

— Há quanto tempo.

Levi continuou a encarando fixamente. Algo em seu interior apertou-se, trazendo memórias de florestas, um céu ensolarado brilhando entre as folhas, vários pássaros brancos voando longe, flores coloridas (vermelhas, lilases, amarelas, etc) e as mãos dadas com a sua mãe.

Kuchel foi até a mesa e passou as mãos nos papéis espalhados.

— Você escreveu bastante. - comentou sorrindo - Como você tem estado, Levi?

— Bem.

Levi demorou um tempo para responder e quando reuniu coragem apenas conseguiu dizer uma palavra.

— Soube que os nobres têm enviado assassinos atrás do pequeno príncipe. - falou Kuchel ainda olhando os papéis - Tem conseguido lidar com eles?

Levi assentiu com a cabeça, quieto. Ela o olhou de lado, sorrindo.

— Não esperava menos do meu filho. - falou com orgulho.

Levi não respondeu. Desviou o olhar quando sentiu o rosto levemente quente. Não sabia como deveria reagir diante da mãe que não via há anos. Tudo o que estava conseguindo fazer era encará-la em silêncio, mas até manter uma troca de olhares acabou se tornando uma tarefa difícil.

Kuchel ajeitou as folhas do relatório e as pegou, segurando o bloco entre os braços. Voltou-se para o filho.

— Me acompanha até a saída? - perguntou.

Kuchel não esperou pela resposta. Deu às costas graciosamente, fazendo a cauda do sobretudo balançar de forma teatral, e saiu do quarto. Levi a seguiu.

Ambos andaram lado a lado pelo corredor e seguiram até a escada, em silêncio. O térreo estava sendo ocupado por Sasha limpando os vasos decorativos com um pano e por mais uma discussão entre Eren e Keith no centro do salão.

Kuchel soltou uma risadinha divertida quando olhou para Eren.

— Esse é o pequeno príncipe, não é? - perguntou num sussurro.

Levi respirou fundo ao responder:

— Sim, é o Eren Yeager.

— Você sabe o porquê de ele estar bravo? - perguntou sua mãe.

— Tenho um palpite. - respondeu Levi num murmúrio, revirando os olhos para cima - Provavelmente está reclamando sobre a proibição de aprender esgrima.

— Esgrima? - repetiu Kuchel, curiosa, voltando a cabeça em direção do seu filho - Por quê?

— Ele me viu treinando com Keith e agora quer treinar comigo. - explicou o garoto, indiferente.

— Então essa criança te vê como um exemplo. - comentou Kuchel, olhando para o cavaleiro - Não seja uma decepção sendo o tutor dele, está bem?

— Eu não sou tutor dele. - resmungou ele - Não vou ensinar esgrima.

— Apesar de dizer isso, você não me soa muito convincente porque algo me diz que vai fazer o contrário. - retrucou a mulher Ackerman com um sorrisinho - Você sempre foi um tanto estranho nessa parte, meu filho.

Levi lançou um olhar revoltado.

— Nunca fui!

Kuchel riu novamente. O garoto de olhos azuis cinzentos estava relaxando em cada segundo que passava ao lado de sua mãe. Não tinha mais tanta tensão e chegou ao ponto de esquecer dos assassinatos que cometera nos meses anteriores, o que fazia-lhe parecer mais com uma criança normal, apesar de que ele nunca estaria dentro da normalidade.

Ambos desceram o último degrau no mesmo momento em que Eren apareceu diante dos dois. Os seus grandes olhos verdes brilhavam admirados e curiosos para Kuchel.

— Bonita... - murmurou e olhou para o Levi - Vocês são a mesma pessoa...

"Onde?", pensou Levi, resistindo a vontade de retrucar. O garoto sempre achou que ele e Kuchel não eram muito parecidos, principalmente pela força que a sua mãe possuía ao enfrentar uma discussão contra alguém independentemente de quem fosse.

Pelas poucas lembranças que possuía sobre Kuchel, Levi nunca esqueceu o dia de quando precisou ir para o treinamento do Clã Ackerman e separou-se dela. Nunca vira uma face tão furiosa como a sua mãe demonstrara naquela época.

Agora, o cavaleiro estava diante de sua mãe depois de tanto tempo e ela parecia outra pessoa com seus sorrisos adocicados.

— ... por isso você acha o Levi bonito? - perguntou Kuchel com um sorriso.

"O quê?", pensou o cavaleiro, confuso. Estava tão distraído com seus pensamentos que acabou por ficar perdido no meio da conversa entre a sua mãe e o jovem príncipe.

Eren abriu um sorriso de orelha a orelha.

— Sim! - respondeu inocentemente.

Levi revirou os olhos para o lado, ficando ainda mais confuso. Não sabia nenhum pouco o contexto, mas sentiu-se desconfortável com a resposta do príncipe.

Kuchel exibiu um sorriso, achando graça da reação do garoto de olhos azuis cinzentos.

— Ei, Eren. - ela falou, voltando os olhos para o príncipe - Ele fica bem vermelhinho, não acha?

Eren riu, concordando com a cabeça. Levi lançou um olhar fulminante para Kuchel, que riu graciosamente.

— Já entendi. - ela falou sem perder a suavidade e a calma - Foi um prazer conhecê-lo, Eren.

— Prazer também... - Eren interrompeu-se por um momento - Qual o seu nome?

— Kuchel Ackerman.

— Prazer em conhecê-la também, srª Ackerman.

Levi ergueu levemente as sobrancelhas, impressionado com a educação do garoto de olhos verdes. Significava que estava realmente seguindo com a ordem que o cavaleiro dera para ele após vencer pela primeira vez a aposta feita pelo jovem príncipe. O garoto mais velho não esperava que o mais novo fosse realmente obedecê-lo.

Quando o assunto é a sua liberdade, ninguém consegue pará-lo ou fazer com que ele escute alguém... Exceto você.

Levi começava a compreender o significado dessas palavras, mas ainda estava longe de entendê-las por completo.

Kuchel sorriu para Eren e depois seguiu em direção da porta. Os dois garotos seguiram lado a lado logo atrás. Keith abriu a porta, adquirindo a postura de um mordomo. A sua expressão ainda continuava séria e fria, mas adotou a elegância que um serviçal de um nobre deveria possuir.

Levi continuou acompanhando a sua mãe até a carruagem. Eren teria seguido também, mas Keith pegou-o pela gola da camisa, o que fez o jovem príncipe e ele entrarem numa troca de olhares fulminantes.

O cocheiro abriu a porta da carruagem, mas Kuchel não entrou, apenas apoiou o bloco de folhas num dos assentos. Virou-se para o seu filho, sorrindo docemente. O cocheiro se afastara dos dois, assim permitindo que tivessem uma conversa privada.

— É uma pena que não posso ficar por mais tempo, - falou Kuchel suavemente - mas foi bom vê-lo depois de tantos anos, meu filho.

Levi permaneceu quieto. Kuchel ficou mais perto do garoto e colocou duas mãos em seus seus ombros, fazendo-se notar que ela também era mais baixa do que a maioria das mulheres, tendo apenas 1,64cm de altura.

A expressão no rosto dela se tornou séria, franzindo a testa ao encarar fixamente o filho.

— Sem mentiras, Levi, por favor. - falou num tom frio, mas ainda suave - Tem algo que você está escondendo, não é?

Levi ignorou o arrepio que sentiu percorrer pelo seu corpo. Ele havia esquecido que os Ackermans possuíam uma intuição muito forte, como um instinto de sobrevivência, o que era essencial para vários serviços que eram pedidos ao Clã.

De qualquer forma, não era como se Levi tivesse algo a esconder. A maioria das coisas que aconteceu durante esses meses estava escrita no relatório, exceto algumas informações sobre a mansão e os empregados, como o porão e o treinamento para serem soldados. Também evitou de escrever a conversa que tivera com o sr.Smith, apesar de que o mencionou como o tutor de Eren e nada mais, nem mesmo sobre Erwin Smith ou Armin Arlert.

A sua intuição dizia que era melhor não revelar tudo o que sabia. Afinal, o cavaleiro estava começando a suspeitar de certas situações que não faziam muito sentido e tinha a impressão de que não deveria questionar-se muito, mas acabou por se tornar cada vez mais difícil não perceber as controvérsias ao seu redor.

Ele não podia tomar uma decisão arriscada ou irá se arrepender depois.

Levi baixou os olhos para o chão, pensando no que falar, pois não podia nem mesmo baixar a guarda diante de sua mãe. Kuchel era a segunda Ackerman da família principal atual do Clã, ou seja, um belo motivo para ser cauteloso diante dela.

Mas o que ele poderia dizer sem que levantasse suspeitas e ao mesmo tempo não fosse uma mentira?

Uma ideia iluminou a mente do cavaleiro.

— Tem uma coisa, sim. - respondeu Levi num tom inexpressivo e lento - Não tem aparecido nenhuma pessoa atrás do Eren há um tempo. Isso tem me preocupado um pouco porque pode atrapalhar o meu trabalho. Se não tem mais ninguém atrás do Eren, então qual o motivo de eu permanecer aqui?

Ele ergueu os olhos. Kuchel parecia surpresa por um momento, mas logo depois a sua face delicada tornou-se suave.

— Então é isso. - murmurou, soltando os ombros do garoto - Vou deixar avisado, mas tenho certeza de que não é nada para se preocupar. Está bem?

Levi assentiu com a cabeça. Kuchel sorriu minimamente. Subiu na carruagem e sentou-se no banco desocupado. O cocheiro reapareceu para fechar a porta, mas a mulher Ackerman fez um sinal para esperar.

— Tenho uma novidade para lhe dizer. - disse ela suavemente para Levi - Mikasa está participando do treinamento.

Mikasa Ackerman era a prima mais nova Levi, tendo a mesma idade do Eren, porém o cavaleiro não se recordava de como ela era.

— Não vai demorar muito tempo para terminar. - informou Kuchel, pegando o bloco de folhas - Soube que ela tem se saído muito bem, mas ninguém chega aos pés do meu filho promissor!

Kuchel falou com tanto orgulho que Levi teve dificuldades em manter a sua expressão neutra. Precisou manter-se cabisbaixo para que a sua mãe não visse o seu rosto.

— Até a próxima, Levi.

O cocheiro fechou a porta. Kuchel sorriu docemente pela última vez antes de fechar a cortina da janela. Levi recuou um passo para trás, observando a carruagem partir até não ser mais vista pelo seu campo de visão.

*

Depois do jantar, Eren insistiu ficar mais um tempo na mesa com as outras crianças, mas Keith rejeitou totalmente a ideia. Os jovens empregados chegaram a persuadir o mordomo, mas apenas o deixou ainda mais irritado e mandou todo mundo para a cama. No fim, acabou por ser mais um fim de noite normal na mansão.

Eren pediu para Levi dormir junto com ele - sim, ele fez um pedido, não insistiu. O cavaleiro aceitou e ficou na poltrona, tentando adormecer, mas o sono não vinha e permaneceu acordado enquanto o jovem príncipe dormia profundamente.

A poltrona ficava perto da lareira apagada e dava de frente para a janela. Levi acostumava observar o céu durante os seus períodos de insônias. Apesar de ter mais facilidade para dormir agora, o garoto não conseguiu se acostumar a ter uma rotina de sono regulado. Teve outras coisas que ele não conseguiu se acostumar também, como dormir na própria cama, pois ele preferia dormir na poltrona ou numa cadeira.

De qualquer forma, Levi não conseguiu dormir. Ele se sentia exausto por causa do dia longo que teve, mas fechava os olhos e o sono não vinha. Algo inquietava a sua mente e o seu corpo, fazendo-o ficar totalmente em alerta.

Uma batida abafada chamou a atenção de Levi, que levantou-se e andou silenciosamente até a porta. Girou a maçaneta e deparou-se com Keith Shadis com o rosto sério e sombrio.

— Siga-me.

A sua ordem soou grave, mas também transpareceu uma raiva contida nessa única frase, o que fez o cavaleiro franzir as sobrancelhas. Keith ignorou a pergunta silenciosa do outro e deu às costas, andando pesadamente pelo corredor. Levi fechou a porta do quarto de Eren sem fazer nenhum barulho.

Num absoluto silêncio, ambos desceram a escada e seguiram para fora da mansão. Não havia nenhum outro empregado, exceto Pixis com a sua carroça.

Dot Pixis era mais conhecido pelo seu sobrenome, o que fazia muitos esquecerem do seu primeiro nome. Ele era um homem careca com um corpo estruturado para alguém de meia-idade. Possuía olhos castanhos bem claros e um bigode branco e cheio. A sua pele era levemente bronzeada por ficar exposto ao sol e tinha rugas notáveis debaixo de seus olhos. A sua face era tranquila e alegre, mas agora estava séria e sombria como o rosto do mordomo.

A carroça estava carregada de enormes sacos cheios e caixotes de madeira, porém, haviam duas silhuetas estranhas no meio dos sacos de comida.

Levi aproximou-se da carroça e sentiu-se congelar por dentro.

Eram Erwin Smith e Armin Arlert.

Os olhos azuis de Erwin estavam opacos, como tivessem perdido o brilho da vida, mas o garoto ainda respirava, assim como Armin, que dormia ao seu lado. Havia uma mancha vermelha escura no rosto do mais velho, parecendo que alguém pintou a sua bochecha direita até o nariz com tinta, mas o cavaleiro tinha experiência o suficiente para distinguir uma tinta de sangue.

E o sangue não pertencia a Erwin.

"Merda...".

— O sr.Smith foi assassinado, Levi, e você é esperto o suficiente para entender isso sem que ninguém o diga. - a voz do mordomo estava calma, mas contida - Então vai saber responder perfeitamente a pergunta que está martelando a minha cabeça.

Levi olhou lentamente para Keith e, pela primeira vez desde que o conheceu, sentiu medo. A expressão que o mordomo exibia era igual a de um carrasco.

Um rosto cruelmente frio como a sua voz ao fazer a seguinte pergunta:

— O que você contou para aquela mulher?


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Notas finais do capítulo

Espero que tenha gostado e se quiser comentar algo, fique a vontade para deixar um comentário :)



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