Atravessando a tela escrita por Saaimee


Capítulo 2
Parte II




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Pela primeira vez desde que começou a morar naquela cidade, Thony estava descendo os degraus da estação sem pressa ou materiais nas mãos. Seus olhos viam as pessoas em uniformes correndo pelas escadas ao seu lado com tanta pressa que o fazia se perguntar se era assim que ele se parecia todos os dias.

Ao alcançar o último degrau, viu o local cheio como sempre, mas dessa vez não sentiu o desanimo diário. Ao invés disso, sentiu seu coração leve e as mãos suadas em um contentamento incomum.

— Otário.

Uma voz quase risonha o chamou ao lado. Seu corpo se virou, seguindo a direção, encontrando Naoki encostado na parede com olhos brilhantes parecendo uma criança.

— Heh, você olhou – rindo de sua própria piada, falou se afastando e caminhando na direção do outro que revirava os olhos.

— Quantos anos você tem? 5?

— Cala boca – ouvir Naoki dizer isso pela décima vez em 24 horas, fez Thony sentir que a palavra já era uma marca dele. — Você vai pra faculdade agora?

— Não. Hoje não tenho aula.

— Ah...

De repente o sorriso desapareceu. O jovem estava contente até então porque sabia que teria pouco tempo para ver o amigo e, por isso, conseguiria trocar algumas palavras. Porém, agora o ouvindo anunciar aquilo, o fez esquecer tudo o que tinha planejado.

— Ah, então a gente pode conversar... – Falou tentando disfarçar o nervosismo nos olhos.

— É.

— Legal...

— E agora você tá nervoso – Thony provocou, olhando para os trens com um sorriso no canto dos lábios.

— Não. Cala boca!

— Heh... – Riu do jeito exagerado como o outro repetia as palavras e então se virou, cruzando os braços. — Faz tempo que você tava esperando aqui?

— Nem tanto. Por que?

— É que, sei lá, você vive ocupado enganando os otários no jogo... Achei que você nem ia vir.

— É... Mas, eu meio que tava animado pra te ver.

As palavras saíram timidamente, entretanto foram honestas suficiente para trocar a expressão convencida de Thony para olhos surpresos.

O rosto de Naoki fitando o chão também tinha olhos arregalados, mas acompanhavam bochechas vermelhas e lábios que se mordiam esperando ouvir alguma coisa.

Thony não sabia como responder. Seu coração batia rápido contente por ouvir aquilo ao mesmo tempo que sua mente se confundia tentando decifrar a situação. Novamente, desviou o rosto, rindo baixo, quebrando o clima entre eles.

— Credo, Naoki.

— Cala boca!

Seu comentário fez o maior ficar ainda mais vermelho, porém dessa vez, as bochechas avelã de Thony se tornaram vermelhas enquanto ele ria sem jeito.

— Ah! – Falando alto e deixando de lado sua vergonha, Naoki se aproximou. — Lembrei. Ontem eu te vi trabalhando e vi que não é você que faz o café – o comentário veio seguido de uma pausa dramática, deixando uma incógnita no rosto do outro. — Você só aperta o botão!

— E daí?

— Você tinha dito que você faz o café – falou alto e então sorriu, cruzando os braços. — Você também mentiu.

— Não menti.

— Mentiu.

— Escuta! – Apertando as têmporas gritou. Naoki o olhava de cima, convencido, esperando pela desculpa. — Eu faço o café, mas não no trabalho. Em casa.

A explicação trouxe um silêncio surpreendente entre eles. Naoki não tinha pensado nessa possibilidade e por isso seu sorriso se desfez em olhos curiosos e lábios partidos.

— Eu meio que gosto disso... – Confessou, coçando a nuca sem jeito e depois se virou para ele novamente. — Não vai falar pra Sis.

— Posso beber?

— O que?

— Seu café – explicou, dando mais um passo para frente mostrando olhos agitados pela curiosidade. — Você falou que era caro, então quero saber se é mesmo.

Thony não respondeu de imediato. Ainda estava processando o que ouviu. Essa era a primeira vez que alguém pedia para tomar seu café. Um misto de felicidade e medo invadiram seu corpo.

Naoki notou o silêncio e sorriu. Dando mais um passo à frente, se inclinou próximo ao rapaz.

— Ou você tá com medo de ter mentido?

A acusação acalmou o coração de Thony que riu, dando as costas para ele.

— É, você tem 5 anos.

— Que-

— Vem.

— Onde?

— Pra minha casa.

O jovem abriu a porta de madeira dando espaço para Naoki entrar primeiro. O rapaz passou pela porta acanhado, porém assim que pisou no tapete da entrada seus olhos se abriram sem medo, vendo o local como se estivesse em um conto de fadas.

A casa era pequena suficiente para uma ou duas pessoas morar. Na entrada havia só um tapete, logo ao lado a sala — com um sofá de madeira cheio de almofadas — que se juntava a uma cozinha pequena onde o balcão na janela carregava a pia e um fogão. Em frente a sala, uma escada pequena levava para o segundo andar onde o banheiro e o quarto estavam.

Era tudo muito próximo e aconchegante, mas o que chamou a atenção de Naoki foi a mistura das cores marrons da madeira com o verde de pequenas plantas colocadas em prateleiras e a iluminação natural das janelas.

Thony fechou a porta e passou por ele, vendo seu rosto paralisado em surpresa olhando para o teto branco.

— Minha casa parece um lixo comparada com a sua... Com a de todo mundo, eu acho – finalmente falou, fazendo o outro sorrir sem jeito.

— Aposto que você nem limpa.

— E vou limpar pra quê?

A pergunta fez Thony parar no meio do caminho e se virar para encarar o rapaz. Seus olhos o acusavam de todos os erros possíveis, mas Naoki nem notou. Dando um suspiro, continuou em frente.

— Fica à vontade no sofá que eu vou preparar as coisas.

— Ok...

Naoki se sentou com cuidado como se tivesse medo que seu corpo grande fosse quebrar alguma coisa. Viu na mesa de centro o laptop fechado ao lado do celular e alguns livros. Olhou para frente e viu o armário de madeira com plantas e mais livros, mas não viu uma TV. Pelo menos nisso, eles eram iguais.

Seus olhos se desviaram para a cozinha vendo o rapaz em frente ao balcão, separando ingredientes com um leve sorriso no rosto. Ele parecia em paz ali. Naoki sorriu.

— Você trabalha naquele lugar chique – falou, sentindo-se um pouco mais à vontade.

— Pois é...

— Meio que combina com você.

— Hah, de jeito nenhum. Eu odeio aquilo.

— Mas você fica bem lá. Tipo, sorrindo e do seu jeito...

O comentário fez Thony erguer os olhos em sua direção. Era estranho como o jovem era tão honesto com seus sentimentos. Devia ser a segunda vez que tentava o elogiava sem qualquer maldade.

— Eu preciso – respondeu voltando para o trabalho. — Aquela gente é nojenta. Pior tipo de ser humano – não havia ódio em sua voz, era mais como se já estivesse acostumado com o tratamento cruel e queria evitar gastar sua energia com isso. — Gente rica...

— Eu... também odeio eles.

— Eu sei – falou sorrindo, vendo o outro o fitar com olhos tristonhos.

Não demorou muito para terminar o trabalho e se aproximar com duas xícaras. Naoki se encolheu dando espaço para o rapaz sentar ao seu lado enquanto pegava uma nas mãos.

— Tá quente.

— Ah... Valeu.

O cheiro doce invadiu a sala com calor. Naoki observou o líquido claro por alguns instantes e, assoprando algumas vezes, aproximou os lábios, curioso, tomando um gole suave.

— Nossa – seus olhos se arregalaram enquanto lambia os lábios sendo observado pelo outro. — Eu acho que isso é caro, sim.

O comentário fez Thony rir parcialmente orgulhoso e parcialmente feliz.

— Eu disse.

— Por que não vende? – A questão veio automática em sua mente e, sem nem pensar, falou. Thony ainda estava com o sorriso no rosto, mas seus olhos não pareciam mais contentes. — Eu acho que venderia bem.

— Eu... Não é fácil.

— Dá pra tentar – tomando outro gole, reforçou sem ver seu rosto. — Você parece gostar de fazer isso.

— É... – Apertando a xícara concordou e depois de uma curta pausa, suspirou atraindo o olhar ao lado. — Mas não é seguro, sabe. Não dá pra ter certeza que o dinheiro vai entrar.

— É sério? Olha pra mim! – Naoki ergueu uma das mãos no ar como se quisesse expor os erros em si mesmo. — Minha vida é um lixo, mas eu tô vivendo. Eu faço o que eu quero – Thony sorriu o vendo falar alto. — Sem regras, sem gente rica no meu pé.

— Sem almoço.

— Mas vivo!

Por mais que Naoki fosse considerado um perdedor pelo grupo todo no chat — e até por si mesmo —, Thony não podia negar que era impressionante ver como o rapaz vivia todos os dias sem ter segurança de nada.

O moreno sempre lutou para ter tudo o que tinha e fazer parte do que a sociedade considerava certo, porém vivia se desgastando, sentindo que nunca ia chegar em lugar nenhum. Ouvir Naoki dizer aquelas coisas o fez pensar, chegou até a fazer seu coração se encher de esperança.

Claro que não podia simplesmente largar tudo e começar do zero, mas ficou feliz por saber que alguém apoiaria essa loucura.

— Eu vou considerar.

— Beleza... Mas é bom mesmo.

— Valeu.

Sorrindo, ele tomou um longo gole e, instintivamente, olhou para a parede vendo o relógio marcando 15:00. A felicidade em seu coração se foi ao perceber a realidade o esperando ali.

— Merda, eu tenho que trabalhar.

— Ah... – O sorriso no rosto de Naoki também se desfez. O tempo tinha passado rápido e finalmente tinham conversado um pouco. Não queria parar agora. — Eu acho melhor ir também – falou, bebendo todo o resto na xícara.

O silêncio os pegou, pela primeira vez naquele dia. Era óbvio que pensavam a mesma coisa.

— Sabe – Thony falou devagar, se levantando. — A gente deveria se ver mais agora.

— Sério?

— É... Tipo, a gente tem muita coisa pra falar e… Somos amigos virtuais então… – Colocando as xícaras na pia, suspirou antes de se virar e mostrar um largo sorriso ao outro. — Vamos ser amigos reais também.

Naoki não respondeu. Estava perdido em ouvir palavras carinhosas ao mesmo tempo que via aquele lindo sorriso. Seus olhos congelaram no rosto dele com uma expressão assustada.

A forma como reagiu fez Thony desviar o rosto, envergonhado, acreditando que tinha ultrapassado algum limite rápido demais.

— Se você quiser, né – completou, coçando a cabeça, ligeiramente em pânico.

— Quero! Claro… – Naoki se levantou em um pulo do sofá, gritando.

O susto fez os dois se olharem, sem entender o motivo de estarem em pânico. Se calaram, se olharam e então riram timidamente com as bochechas vermelhas.

— Ah… Eu… Te acompanho até o trabalho – apertando as mãos na cintura, Naoki falou sem jeito vendo Thony assentir.

— Valeu…


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Notas finais do capítulo

Eu amo esses meninos demaaaaaaais!
Thony é um trabalhador solitário que faz de tudo pra alcançar seus sonhos sozinho porque aprendeu que não pode depender de ninguém. Naoki é um coitado que teve a infância e adolescência tirada dele a força e também precisou a aprender a se virar sozinho sem se apegar a ninguém.
São dois lutadores que estão machucados demais e precisam aceitar que estão sozinhos e não querem estar.
Ter coloca eles juntos assim foi tão certo aaaaa eu amo eles demais!

Bom, mas é isso. Obrigada por ler!



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