Pacto No Desespero escrita por Crosfilos


Capítulo 4
Capítulo 03




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Dezenas de segundos se passa, e todos os presentes começam a cochichar entre si.

— 5 foram os que subiram, mas 6 são as crianças do clã Marlleo que deve participar do ritual, onde se encontra a sexta criança? - Indaga o Druida.

O olhar de repúdio nos rostos de meu clã, é visível a todos durante alguns segundos. Todos se mantem calados, como se o dito pelo Druida não foi ouvido.

— Suba agora mesmo! - Ordena o Ancião Clartis, ao conseguir sentir minha presença mesmo atrás de todos os membros do clã.

Clartis me puxa pelo braço, com brutalidade, e me arrasta para frente dos demais, sem me permitir me retrasar um segundo a mais.

— Agora mesmo, honorável Ancião. – Obedeço ao passo que tento conter a dor, que brota vigorosamente ao som de minha resposta para com o mais velho.

— Mesmo sendo a lei, é abominável permitir que tal imundice participe desde ritual. - Diz um dos meus tios, em voz baixa, para que o dito não alcance os ouvidos atentos dos clãs rivais presentes.

— Esse lixo vai ter o que merece quando voltarmos para casa, farei com que meu espirito baiacu o rasgue como se fosse uma folha de bambu. – Promete Melt.

— Melhor seria espanca-lo ou cortar fora uma de suas pernas. - Sugeri Mlut para o irmão.

— Seria divertido de ver. – Concorda, alisando os espinhos de seu espírito.

Um calafrio gélido lambe minha espinha. E a cada passo, dado em direção do altar, eu sinto meu corpo pesar um tanto a mais, a todo comentário maldoso de meu clã e a cada novo par de olhos que passa a me fitar.

 

 

— Como ele pode ser do clã dos Marlleos com essa constituição tão franzina? – Indaga um desconhecido de outro clã em voz alta.

— Olha a roupa em farrapos que usa, tão suja, daqui eu posso sentir o cheiro horrível. – Sussurra outro.

— Ele está tão ferido, como podem trazer alguém nesse estado frente ao grande Druida?

— A ousadia deste clã arrogante não conhece limites.

— Que blasfemos. Se apresentar frente à deusa em semelhante estado.

— Não ouviu os rumores? De que dentre os filhos do patriarca há um lixo fraco que é tratado pior que os servos mais baixos?

— Então é ele? Não me admira está em tal deploridade.

— É realmente um Marlleo?

— Como não pode ser um? Olha a cor de seus cabelos e olhos, não há dúvida de que linhagem pertence.

Murmuram os presentes entre si, arrancando caretas desgostosas dos membros de meu clã, o que atiça ainda mais suas raivas por estarem sendo alvos de tantos comentários desrespeitosos, mesmo eles sendo o clã superior em número e poder dentre todos da Ilha da Caldeira.

 

 

Em frente à pequena escadaria de 3 degraus que dá acesso ao altar, eu hesito por um instante. Pois tudo se resume aquele momento, minha vida miserável irá chegar ao fim de um jeito ou de outro. E tudo depende do despertar do meu espírito.

Respiro bem fundo, e reúno a coragem que me falta subindo os degraus. Sinto a mirada dos patriarcas e anciões como facas que dilaceram-me em inúmeros pedaços.

Começo a tremer, e minhas pernas pendem fracas e tremulas em meus vacilantes passos, porém para e me forço a conter as lagrimas que desejam explodir e revelar o que estou a sentir, mas sigo a diante.

A cada passo que traçado para o cume de meu já presente destino. Flamulo como uma bandeira de pano há muito estilhaçada pelos ventos e granizos das fortes tempestades, enquanto me agarro a última resistência de meu corpo.

A minha frente a pedra me recebe de boa vontade, exalando de seu amago um ar frio e ao mesmo tempo cálido, me fazendo por alguns instantes esquecer a dor, cansaço, fome e cede que eu estou sentindo.

Frente ao Druida, recebo um olhar que nunca recebi em minha vida. Porém, por mais que este não fosse malicioso ou maldoso, aquele olhar me fere, da mesma forma do olhar dos demais. Pois é um olhar de pena.

— Com tua mão direita toque na lágrima da deusa e diga teu nome, criança. - Ordena o Druida.

Nada falo, pois não sei se me era permitido tal ato, e mesmo que fosse eu não sei a maneira certa de me porta diante de uma figura que faz até mesmo meu pai, o patriarca do clã mais poderoso da ilha, baixar a cabeça em respeito.

Caminho alguns passos até ficar a centímetros da grande pedra que brilha, emanando ondas de calor que me aquece de dentro para fora, na noite fria.

Cerro meu punho na tentativa de ganhar coragem, e tento não pensar em nada, e antes que eu me acovardasse sentindo a mirada de todos ali, toco a pedra.

No instante em que minha mão beija sua superfície, sinto um calor abrasador que arde como o gelo, da geada branca de inverno invadir meu corpo.

 

Perco a visão e com ela minha lucidez. Antes que eu me desse conta, me deparo sentado em um lugar escuro e silencioso, não consigo ver nada ou pronunciar tão pouco, tudo está quieto. Porém mesmo sem minha visão, sei que estou em um acento alto. De repente algo toma conta de mim, uma sensação que não sei descrever ao certo, mas se tentasse é algo entre o pesar e o prazer, e pela primeira vez na vida eu não sinto medo de nada no mundo.

Um fino sorriso toma minha face pela prazerosa sensação que borbulha em meu corpo, quando algo oculto no escuro começa a se mover. Mesmo não conseguindo ver nada eu sei que não estou sozinho. Uma presença me observa me almejando das sombras. E de maneira inexplicável, sinto-me bem por isso.

O ser que ali se encontra começa a subir no meu alto acento. E antes que eu pudesse fazer algo, sinto sua respiração quente quente a centímetros de meu ouvido.

Com um soco de luz, em meio a escuridão, sou trazido de volta a mim. Por inúmeras vozes que se propagam ao redor do altar.

 

— Olhem! Não é possível. - Grita uma voz em meio à multidão.

— Eu nunca vi isso em toda minha vida. – Prossegui outra desconexa

— Isso não pode ser bom, deve ser um mal presságio.

 

Minha mente está confusa, e minha visão embaçada, mas a cada segundo ela fica cada vez mais limpa.

O choque toma conta de mim quando vejo em cima de minhas duas mãos levantadas, e sobre cada uma delas, formas estranhas flutuar em meio de uma aura escura.

— Que a deusa tenha piedade de tua alma. - Diz o Druida, com seu semblante perturbado.

Olho confuso para as formas flutuantes sobre minhas mãos, e depois fito a cara séria do Druida. E em um instante sinto um forte vento, e quando olho para trás vejo meu pai, próximo de mim.

— Grande Druida, o que significa isso? - Pergunta meu pai, fazendo uma breve reverência na frente do mais velho. - Ele despertou 2 espíritos ferramentas? - Pergunta, preocupado pela expressão que o Druida mantém.

— Os textos antigos relatam que em casos especiais há crianças que durante o ritual despertam mais de um espirito ao mesmo tempo. Porém este feito é uma blasfêmia contra os céus. E como tal elas são punidas, e por mais esforço ou recursos que gastem, estas crianças jamais conseguiram crescer como guerreiros. Uma vez que não conseguem chegar nem próximo do ESTABELECIMENTO DE FUNDAÇÃO em toda a vida.

— Isso quer dizer que ele é um invalido?!

— Antes fosse benzido com esta piedade pela deusa. Um dos seus espíritos é um pedregulho de baixo nível do tipo ferramenta. Mas, o segundo. – Faz uma pausa enquanto o analisa pela última vez, para não ter dúvida de seu julgamento. - Ele despertara um espirito de cobra do tipo animal de baixo nível, já sem vida, uma casca vazia. Despertar um espírito sem vida é uma desgraça sem precedentes. Criança maldita, tua existência blasfema contra os céus, a terra e nossa sagrada deusa. – Vocifera o ancião em imponência fazendo com que eu caísse de joelhos no chão pela pressão de seu corpo.

— Entendo, agora tudo faz sentido. Então foi esse o motivo de sua mãe morrer durante o parto. A partir deste momento, e tendo como testemunhas o grande druida e os patriarcas e anciões de todo os 12 clãs da ilha da Caldeira, eu Traiuel primeiro de meu nome, patriarca do grande clã Marlleo, te deserdo. Tua existência será apagada da história, tu não tem nome, não deixará descendente, não realizará nenhum feito heroico. E morrerá em desgraça, como um cão, por envergonhar o nome do meu clã.

Mal termino de assimilar suas palavras a minha compreensão e, sinto algo duro como uma lança me afastar para trás, enquanto atravessa meu peito. É seu braço.

Estufo meus olhos, e tusso freneticamente, fartas quantidades de sangue. Este que cobre parte de seu gélido rosto sem expressão alguma.

Sinto uma corrente fria vir dos meus pés e tomar conta do meu corpo, ao passo em que esse formiga. Não há dor, vontade de chorar ou necessidade de respirar.

Levanto fracamente meu braço com o que me resta de força, e seguro o seu braço enterrado em meu peito.

— O que eu fiz de errado para me odiar tanto? - Pergunto gaguejando, entre fortes crises de tosse, regadas a sangue com o ultimo folego de meus pulmões.

— Nasceu. - Responde.

Sem demonstrar emoção alguma, e arrancando olhares de horror e aprovação dos presentes me suspende no ar, com seu braço ainda dentro de mim. E me joga com força para longe.

Assim que seu braço saiu do meu peito, perco completamente os sentidos do meu corpo, e caio do alto da montanha sendo puxado pela gravidade em direção à escuridão.

 


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