60 trainees haviam ficado após a primeira eliminação. As outras voltavam para casa naquela manhã, amargando o quase anonimato.

Sunrise, por sorte, não precisava se preocupar com aquilo, já que tinham ficado em colocações até confortáveis. Miwa que o diga, já que garantiu seu lugar no TOP9.

Sim, apesar de ter caído ali de paraquedas e de se ver perdendo a chance de se apresentar ao vivo, Miwa parecia ter conquistado os fãs com seu jeito mais quieto, calmo e atencioso, conseguindo o 9º lugar naquela pirâmide de cadeiras.

— Sabe o que é mais legal? – Lunie tagarelava enquanto esperavam o PD para iniciarem as gravações. – Eu fiquei no mesmo ranking que o Ling Chao. – ela tinha falado sobre aquilo desde a noite anterior, quando foi anunciada em 16º lugar.

— Eu pensei que o mais legal era a Miwa estar no TOP9. – Letícia comentou, confusa, e gerou risadas.

As meninas estavam em fileiras diante do cenário que tinha relação direta com a próxima missão. A maioria já sabia como funcionaria, mas era quase como parte de um contrato silencioso fingir surpresa com cada passo que davam no programa.

Cai PD logo chegou, cumprimentando todas e parabenizando por terem conseguido se manter no programa. Explicou que naquele momento os votos estariam zerados e que a próxima eliminação deixaria apenas as 35 melhores votadas para a semifinal.

— Mas o importante é que vocês se foquem na missão de agora. São novas músicas para cada posição, cada uma com um número limitado de integrantes. – as musicas foram reveladas e a empolgação não pode ser escondida. – Conforme sejam preenchidas, as músicas deixam de ser uma opção para quem estiver em pior colocação no ranking. E, lembrem-se, essa missão faz de suas companheiras de grupo suas maiores rivais, então terão que aprender a lidar com a competição enquanto preparam uma apresentação boa o suficiente para ganhar mais votos do que as demais trainees de sua mesma categoria.

As músicas estavam divididas da forma mais desigual possível, contendo 7 na categoria dança, 5 em vocal e apenas 3 em rap, mas aquilo não pareceu desanimar a maioria, que tinha um foco maior de seus treinamentos como dançarinas.

Uma a uma elas foram para a parte interna do cenário, longe dos olhos das outras, para escolher em qual música estariam.

— Querem combinar alguma coisa? – Letícia perguntou, assim que a 8ª colocada foi chamada. Raquel negou veementemente com a cabeça, sabendo que as outras três escolheriam a categoria mais disputada e a que ela menos tinha confiança. Lunie olhou a mais nova, preocupada, não sabendo se a queria no mesmo grupo, pois se veria em um conflito interno muito grande entre querer vencer e ajudá-la a fazer o mesmo.

— Deixem para o universo. Ele nunca decepciona. – todas concordaram com o conselho de NineOne, que observava o impasse delas. Elas viram Miwa sumir atrás da parede falsa com ansiedade.

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Assim como previsto por KunKun, os ânimos em boa parte dos grupos estava bem mais alterados, mas nenhum tanto quanto entre Lunie e Miwa, que gritavam a plenos pulmões uma com a outra em uma sala de ensaio vazia, às 2h da manhã.

— Eu pensei que a gente fosse amigas.

— Que grande amiga você, hein? Acha mesmo que é o centro do universo?

— Eu só dei uma sugestão, você que não enxerga quando tá fazendo as coisas errado. Eu não tenho culpa se você tem complexo de MinHo e acha que qualquer comentário meu é pra começar uma competição.

— Mas precisava falar daquele jeito na frente de todo mundo?

— Falar como? Como líder?

— Não, como quem quer se aparecer porque não conseguiu o Center. Pensei que ia ficar feliz de poder se comparar ao seu amor por um idol que nem sabe que você existe, já que ele também fracassou em ser Center o programa todo.

— Cala a boca! Quer saber? Vai se foder! Engole esse Center e esse seu orgulho ferido de saber que todo mundo me queria no seu lugar, e eu só não estou nele porque não consigo alcançar a nota certa. Ah, e fique você sabendo que eu prefiro ter um amor platônico ridículo por alguém que não me conhece do que continuar com uma amizade que eu achei que fosse verdadeira.

Aquilo tinha começado quando ambas escolheram a mesma música para a missão. A colaboração era algo que estavam acostumadas, mas as duas tinham uma veia narcisista e competitiva, e lembrar que o primeiro colocado de cada grupo ganhava 50mil pontos extras apenas colocava mais lenha na fogueira.

As demais trainees nem pensaram em tentar competir pelo Center contra elas, e tiveram dificuldade em decidir quem ocuparia aquela posição. Miwa conseguiu por ter um pouco mais de noção vocal e conseguir controlar melhor a respiração na nota mais alta da música enquanto dançava.

Lunie ocupou o lugar de líder, já acostumada com aquela função. Mas seu jeito de falar parecia mais agressivo do que o normal e sua constante implicância com a limpeza de alguns movimentos de Miwa as levou para aquela cena lamentável.

— Eu tô muito feliz com o Center que eu consegui por ser melhor que você. – Miwa não deixaria de ter a última palavra, mesmo que o que Lunie dissera tivesse machucado seu orgulho profundamente. Ela foi ignorada e deixada sozinha na sala, onde sentou no chão e deixou que as lágrimas que segurara durante a briga rolassem por seu rosto.

Sabia que tinha passado um pouco do limite, mas estava tão cansada. Cansada da pressão, da rotina puxada, das gravações e, principalmente, estava cansada de ouvir que talvez não tivesse sido a melhor escolha como Center só por não ter experiência naquele palco.

Mas não ficaria se remoendo e nem pediria desculpas. Se ela tinha passado do limite, Lunie tinha o feito ainda mais gravemente em sua concepção. Ela mexeu com seu orgulho na frente das outras trainees e depois fez de novo durante a briga, então era ela quem devia desculpas.

Depois de um tempo descarregando todo seu estresse em forma de lágrimas, Miwa pegou a letra da música e seus fones de ouvido. Deixaria toda a sua apresentação perfeita e seria reconhecida como uma dancer com um vocal impecável.

Passou tanto tempo absorta em seu ensaio individual que acabou se assustando quando alguém tocou seu ombro. Tirou os fones na mesma hora para falar com seu instrutor de canto.

XiaoJun se agachou em frente a ela e sorriu, vendo-a vacilar por um momento. Ele pensou que ficaria sem graça por ter que trabalhar diretamente com uma fã, mas na verdade era sempre um prazer ver o quanto ela o admirava e realmente escutava e absorvia todas as suas palavras. Ele via um grande futuro para a brasileira, independente de qual fosse o resultado daquele programa.

— Problemas com a música? – a pergunta foi feita em um inglês básico e com um leve tom de preocupação. Ele tinha ouvido sobre a briga dela com a, até então, amiga, e podia ver no rosto manchado pelas lágrimas e no nariz levemente vermelho que ela ainda estava chateada. Não querendo que ela pensasse sobre aquele assunto, se focou na conversa que começara, preferindo continuar em chinês, com medo de cometer algum erro grotesco com a língua inglesa. – Você não me parece confortável cantando.

— Não é isso... É que essa parte é bem complicada, principalmente de cantar em uma posição desconfortável. E eu preciso fazer isso direito ou vão me tirar do Center. – ela mostrou sua dificuldade em alcançar a nota mais baixa enquanto deveria estar praticamente deitada naquela parte da coreografia. Era frustrante. – Queria cantar tão bem quanto você.

Ele se levantou, feliz pelo elogio, mas também procurando uma forma de ajudar.

— Eu vou te ensinar alguns exercícios de respiração, mas não adianta fazer só hoje ou amanhã. Vai ter que praticar bastante e talvez nem seja o suficiente.

Conhecia o canto de Miwa das reclassificações, então fez um plano mental rapidamente e a ajudou a ficar em pé para começar a aula.

Miwa se sentia bem melhor naquele momento. Conseguiu esquecer qualquer outra coisa e se concentrar unicamente na voz bonita lhe dando instruções e na mão macia ajustando sua postura. O Center e até mesmo a apresentação se tornaram nada em sua lista de prioridades. O que queria naquele momento era mostrar ao homem em sua frente que ela valia todo e qualquer tempo que ele estava gastando ensinando-a.

Ela faria com que XiaoJun sentisse orgulho dela naquele palco, assim como ele a fazia sentir que ser fã dele fora uma de suas melhores escolhas.

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— Vocês só não apanharam de mim ainda porque eu não quero ser expulsa do programa, sabe disso, né? – Raquel falou para Lunie, com expressão de poucos amigos. – E não adianta me olhar com essa cara.

Ela já estava irritada o suficiente com sua falta de sorte para ter que lidar com as amigas sendo tão desunidas por bobeira.

— Mas você nem sabe o motivo da briga.

— E nem quero saber. Eu sei que as duas estão erradas porque se uma estivesse certa, vocês não tinham saído gritando uma com a outra. Quando um não quer, dois não brigam.

Elas deveriam estar dormindo, já que o dia seguinte seria de mais uma apresentação, mas a ansiedade as mantinha acordadas. Conversavam baixo porque Letícia tinha ido dormir cedo depois de passar o dia todo com dor de cabeça e um pouco de febre, mas aquilo não impedia Raquel de soar realmente nervosa. Lunie estava inclinada a se sentir culpada, mas não tanto ao ponto de ir conversar com Miwa direito, e aquilo soava muito imaturo.

Os ensaios tinham sido quase insustentáveis após a briga, já que elas faziam o possível para nem se olharem, quanto mais conversarem. Era estressante e o clima no grupo foi o mais pesado de todos.

— Ela não entende que...

— Eu não quero saber, eu já falei. Não vou tomar partido porque vocês não merecem. Caramba, tiveram quatro anos de Countdown pra brigar e vão fazer isso do outro lado do mundo por causa de uma posição? Justo quando a gente tem que ser mais unidas? Já parou pra pensar como ela se sente? Como eu e a Letícia temos que lidar com vocês enquanto temos nossas próprias apresentações pra nos preocupar? – Lunie abriu a boca para retrucar, mas foi interrompida. – Vocês estão sendo egoístas e egocêntricas. Então não, eu não vou ouvir nenhuma das duas até que se resolvam.

Ela virou para o lado e, mesmo sabendo que não conseguiria dormir, fechou os olhos para fugir de qualquer outra tentativa de continuar a conversa.

Só esperava que as amigas caíssem na real, porque estava mesmo irritada com tudo o que estava presenciando nos últimos dias.

Lunie também não estava bem e nem feliz. Não era porque achava que estava certa que não sentia falta de Miwa. Seu orgulho era uma merda, mas cogitara até mesmo passar por cima daquilo para tê-la de volta, para que pudessem cuidar de Letícia, rir por Raquel reclamar tanto de estar em rap de novo, ou apenas para ter aquelas conversas bobas que faziam tão bem. Mas ela parecia feliz sem Lunie por perto, então por que deveria se importar? Por que deveria dar o primeiro passo quando Miwa não demonstrava que queria o mesmo?

Sentia seu coração doer por perceber que talvez não fosse tão importante na vida alheia como ela era na sua...

E, daquela vez, nem Ling Chao a ajudou dormir melhor.

Continua...