Para sempre e mais um dia escrita por Isolt Sayre


Capítulo 7
The honesty is the best policy


Notas iniciais do capítulo

Hello, Kindred Spirits!!!

Não imaginei que fosse conseguir postar outro capítulo tão rápido, mas me empolguei demais escrevendo esse. Vocês vão ver que a premissa está um pouquinho diferente dos outros, mas eu particularmente amei o resultado (sem falsas modéstias haha).

Muuuito obrigada pelos comentários, favoritos e por estarem acompanhando a história. O review de vocês é importante demaisss!

Boa leitura e nos vemos lá embaixo!



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— Não acreditam em quem está aqui! — exclamou Josie, reunindo-se saltitante a Diana, Jane, Ruby e Tillie. A garota estampava um sorriso largo e exagerado no rosto, chegava até a ser malicioso. 

As cinco meninas estavam reunidas na pequena cozinha da Srta. Stacy, que era pobremente separada da sala de estar apenas pela metade de uma parede de pedra. Havia convidados espalhados por toda a casa, inclusive próximos a elas, mas eram tantas conversas misturadas, que ninguém prestava atenção no que as meninas diziam umas para as outras. 

Diana se concentrava em terminar de bater um creme de baunilha para decorar o bolo da Srta. Stacy, mas algo estava indo muito errado — definitivamente. Não chegava no ponto cremoso e ela não entendia o motivo. Não era tarefa dela fazer aquilo, uma vez que Anne era a que melhor cozinhava e entendia de massas. Mas Diana era uma boa amiga e já que Anne havia sido surpreendida pela chegada de Gilbert, ela decidira que deveria se apressar a decorar o bolo sozinha, começando por bater o tal creme de baunilha. Apesar de seguir precisamente a receita de Mary Lacroix, Diana sabia que não estava fazendo um trabalho muito bom e o contínuo falatório das outras meninas não ajudava no processo. Anne era a única pessoa que queria ver naquele momento, de modo que quando Josie entrou na cozinha, Diana não fez nem questão de esconder sua revirada de olhos. 

Josie parecia ter mais vontade de contar o que tinha a dizer do que as meninas tinham de escutar. Diana sabia exatamente de quem a garota se referia, ignorando totalmente o olhar persistente dela. 

— Quem? — perguntou Jane, apenas porque havia ficado impaciente com aquela pausa tão dramática. Ela estava escorada na pia ao lado de Tillie, apenas assistindo Diana trabalhar. 

— Gilbert Blythe! — respondeu Josie, de maneira pausada para enfatizar a revelação. 

Diana revirou ainda mais os olhos. Por que diabos, Josie estava animada daquele jeito? Não deveria estar tão feliz, Gilbert e ela mal conversavam na escola. Diana lançou um olhar feio e rápido para Josie, mas a moça não pareceu perceber.  

De soslaio, checou Ruby sentada a beira da mesa. A moça estava tão impecavelmente arrumada e bonita, que Diana recusou sua ajuda cozinha, com a desculpa que a amiga deveria estar linda e agradável para quando fosse dançar com Moody ainda naquela noite. Ela também quis ver qual seria a reação de Ruby com a menção da chegada Gilbert. Buscava por algum brilho diferente no olhar ou um sorriso abobalhado, provas que talvez ainda existisse um sentimento naquele pequeno e mole coração. Mas o que Diana viu foi um sorriso suave e comum, nada que indicasse um interesse por Gilbert. Seus ombros se relaxaram, aliviados. Diana bem sabia que a possibilidade de magoar Ruby era o principal motivo que fez Anne esconder o romance. Bom, aparentemente a chegada do rapaz não havia despertado nada suspeito na menina Gillis. Diana esperava estar certa quanto aquilo. 

Jane não pareceu muito impressionada com a notícia, já Tillie soltou uma exclamação e trocou olhares entusiasmados com as outras meninas. Gilbert era bastante querido por elas, é claro, mas todas sempre foram proibidas de se aproximarem dele por causa de Ruby. E obviamente, o quase noivado com Winifred contribuiu ainda mais para o abismo entre ele e as garotas. Admiravam-no, sem dúvida alguma, mas nenhuma delas era tão próxima de Gilbert, não eram tão amigos. Não como Anne, com ela sempre fora diferente. 

— Gilbert Blythe? — repetiu Ruby, olhando para Diana e novamente para Josie. — Mas que surpresa, não é mesmo? 

— Não achei que ele viria. — falou Jane. — Anne não disse que ele não poderia? — perguntou ela, dirigindo o olhar para Diana. 

— O será que o fez mudar de ideia? — quis saber Tillie. 

— A festa, é claro. — respondeu Josie com convicção, como se fosse uma resposta óbvia. — Ele parece ter chegado há pouco tempo e não está vestido de acordo, preciso dizer. Na verdade está com uma aparência horrível... 

— Não seja rude, Josie. — reprimiu Diana, a antipatia crescendo a cada comentário da amiga. Não costumava se sentir daquela maneira pelas pessoas, mas o comportamento da Josie em relação a Gilbert era suspeito e aquilo a incomodava. — Gilbert saiu de Toronto pela manhã e ao que parece, teve uma jornada longa e difícil até aqui. 

Josie ergueu as sobrancelhas para ela e as outras meninas a fitaram 

— Como sabe disso? — perguntou Josie. 

Mais uma vez ela teria que esconder uma informação. Parou de bater o creme e suspirou, erguendo o olhar para as meninas. 

— Porque eu o vi quando chegou. 

— E por que não nos disse nada depois? — perguntou Josie, com uma sobrancelha arqueada. 

— Eu me esqueci — mentiu Diana. A verdade era que queria guardar uma surpresa e esperar que Anne e Gilbert chegassem juntos. Mas obviamente, ninguém percebera que os dois estavam, de fato, juntos. Aquilo era um tanto frustrante para ela. — O bolo estava no forno e ainda faltava decorar uma torta. Obviamente, se me ajudassem ficaria mais fácil.  

Diana começou a bater o creme mais rápido, como se aquilo fosse ajudá-la a reprimir a vontade que tinha de revelar tudo as meninas. Anne a mataria. Aaaah, mas aquilo precisava acabar, não aguentava mais se omitir daquele jeito e algo lhe dizia que se não contasse logo, Josie levaria para outro nível os sorrisos maliciosos e comentários sugestivos sobre Gilbert. 

— E Anne sabe que Gilbert está aqui? — perguntou Ruby, estranhando a repentina mudança de comportamento de Diana. — Ela vai gostar tanto de vê-lo.  

— E ele veio sozinho dessa vez? — quis saber Tillie, um sorriso travesso nos lábios. Ela e Jane se entreolharam e trocaram risinhos sugestivos. 

Diana franziu o cenho, indignada com aquele tipo de insinuação. 

— Como assim sozinho? E como assim dessa vez? 

Jane a olhou com uma expressão cínica. O olhar significativo que trocara com Tillie revelava que as duas já tinham conversado sobre o assunto anteriormente. 

— Ora, na última vez que Gilbert apareceu em uma ocasião importante, ele estava muito bem acompanhado. E agora ele vive em Toronto, podia muito bem já estar noivo novamente. 

“Poderia, mas não de uma moça de Toronto”, pensou Diana, reprimindo ao máximo seu desejo de cuspir aquelas palavras. 

— Gilbert Blythe nunca esteve noivo, Jane — corrigiu Diana. — E vocês não deveriam comentar sobre a vida dos outros por aí. Ou não aprenderam nada com a Srta. Stacy sobre fofocas? 

— Não é uma fofoca. É apenas uma comentário. — defendeu-se Jane. 

— Sabe como insinuar coisas nunca é bom. As pessoas distorcem mil vezes... 

— Só estamos dizendo o que toda Avonlea já sabe. — continuou Jane, falando diretamente para Diana. — E vocês bem se lembram como foi repentino Gilbert ter aparecido de braço dado com aquela dama misteriosa. Eu não me surpreenderia se ele chegasse acompanhado de uma linda donzela de Toronto. 

— E Gilbert é muito bonito. Deve chamar atenção por onde passa. — completou Tillie e Jane confirmou prontamente com a cabeça, Ruby também balançou a cabeça timidamente do seu canto da mesa. Nenhuma delas poderia discordar daquele fato no final das contas. 

Tudo que Diana queria era contornar a conversa. Ser obrigada a ouvir especulações amorosas sobre o pretendente de sua melhor amiga a estava deixando extremamente perturbada. 

— Gilbert deve estar com a orelha queimando nesse exato momento. — falou Diana. — Podíamos parar... 

— Ele está sozinho, para a informação de todas vocês — interrompeu Josie com confiança, ignorando totalmente o que Diana começara a falar.  

— Não, ele não está. — murmurou Diana para si mesma, com os dentes travados e irritada pela segunda interrupção em poucos minutos. 

— O que disse? — perguntou Josie. 

Diana não percebera que falara um pouco alto demais. Hesitou antes de responder.  

— Quero dizer que Gilbert deve estar com Bash e Delphine nesse exato momento. Talvez com Anne também. — sugeriu ela, tentando ser despretensiosa com a menção da amiga. 

— Quis dizer que ele não tem uma acompanhante. — disse Josie, destacando bastante a última palavra, como se Diana não tivesse entendido. 

Ruby bufou e todas olharam para ela. 

— Ora, essa conversa já está ficando chata. Eu poderia estar recebendo vários elogios de Moody nesse momento, sabem? Mas estou aqui com vocês! E estamos falando exclusivamente sobre Gilbert. Estou cansada. 

Diana também estava.  

— Alguns meses atrás você estaria amando conversar sobre isso, Ruby — lembrou Jane. 

— Estaria falando de Gilbert assim como Josie está! — exclamou Tillie, abafando uma risada. Jane a imitou. 

Josie mordeu os lábios e suas orelhas assumiram um tom escarlate. 

— Não sejam crianças. Estou apenas contando que ele está aqui. Não vejo nada demais nisso. 

— Não teria nada demais, se você não estivesse tão animada. — replicou Jane. 

— Não é um crime, é?  

— É estranho. — retorquiu Jane mais uma vez. — Quero dizer, você já chegou a trocar mais que uma dúzia de palavras com Gilbert? 

Os quatro olhares curiosos voltaram-se para Josie. Jane sabia muito bem como começar uma confusão, era excelente em provocar faíscas e deixar o incêndio acontecer. Anne podia ate ter o temperamento mais forte entre as seis, mas Jane era — sem sombras de dúvida — a mais cínica e desbocada. Quando o assunto envolvia Josie, parecia ser ainda pior. As duas se fuzilaram por alguns segundos. 

— Nenhuma de nós trocou muitas palavras com Gilbert, Jane. — replicou Josie. — Nem Ruby. 

— Anne trocava. — falou Ruby. 

— É verdade. — concordou Tillie. — Diana também, certo? 

— Nada comparado a Anne, mas sim. Eu era mais próxima de Gilbert do que vocês quatro foram. 

— Posso me tornar mais próxima a partir de agora. — disse Josie, petulante, com as duas mãos nos quadris. — Não existe nada mais no caminho. Ruby não está mais interessada nele. Não há nada errado. 

As quatro meninas olharam para ela, incrédulas com que acabavam de ouvir. As quatro deviam estar pensando as mesmas coisas sobre as insinuações de Josie, mas ouvir da boca da moça resultou em um efeito ainda mais chocante. Josie Pye e Gilbert Blythe? Diana achava mais fácil ver o inferno congelar. 

— O quão iludida você está? — perguntou Jane de forma ácida. — Você nem o conhece direito. 

— E não tem nada em comum com ele também. — completou Ruby. 

— E você tinha, por um acaso? — perguntou Josie, indignada com a reação das amigas. 

Ruby deu de ombros, indiferente. 

— Não. Por isso não tenho mais interesse em Gilbert há algum tempo. E Moody está me cortejando oficialmente agora. 

— Você já disse isso umas dezenas de vezes, Ruby. — falou Jane. 

— Bom, um homem e uma mulher não precisam possuir tendências semelhantes. Isso não é um pré requisito.  — falou Josie com um ar um tanto esnobe e pela maneira recitada com qual pronunciou as palavras, Diana pensou que ela pudesse tê-las copiado de alguém. 

— Soa-me como a receita certa para um desastre. — replicou Diana, desacreditada com o fato de que ainda persistiam na conversa. 

— E você não tem experiência com o assunto — retrucou Josie. 

Diana fechou os olhos por alguns segundos, contando mentalmente até a dez. Os anos treinando etiqueta com a mãe se provavam efetivos naqueles momentos, de forma que ela conseguia se comportar com classe em boa parte de situações desagradáveis. Sabia como absorver comentários rudes e ser indiferentes a eles. Diana também estava se especializando, cada dia mais, em guardar segredos. Com exceção de Anne, nenhuma das garotas sabia sobre Jerry Baynard. Por mais que Diana quisesse jogar na cara de Josie que talvez fosse sim, mais experiente que ela naqueles assuntos, deveria admitir que, na verdade, sua única experiência romântica fora fracassada. Diana teve que engolir não apenas o comentário, mas os olhares das amigas variando entre ela e Josie.  

— Justo o bastante. — suspirou, procurando voltar todo seu foco para a tigela de creme. Não entraria em uma discussão com Josie, ela não era Jane ou Anne. Mas já estava claro que o destino da conversa e da sobremesa não eram nem um pouco promissores no final das contas. 

— Pelo que me lembro, Josie — começou Jane e Diana lançou lhe um olhar de censura, já imaginando o que estava por vir. —, sua experiência com meu irmão também não foi nada positiva. O que faz você quase tão inexperiente neste assunto quanto nós.  

Ruby trocou um olha apreensivo com Diana. O comportamento de Josie estava sendo realmente irritante, mas Jane tocara em uma ferida delicada. Josie torceu o rosto imediatamente e pela primeira vez em vários minutos, não devolveu uma resposta. 

— Deus, será que vão parar de alfinetarem uma a outra em algum momento essa noite? — a figura empoderada de Prissy Andrews havia se posicionado ao lado de Diana de forma silenciosa. Devia estar observando a conversa das meninas há um tempo.  

— Acredite, tenho me perguntado isso desde que essa conversa começou. — falou Diana, aliviada pela interrupção.  

— Preciso admitir, minha irmã, que seu comentário foi extremamente indelicado. — falou Prissy de maneira cortês. 

Jane rolou os olhos, petulante. 

— Espionar a conversa dos outros também é indelicado, irmã.  

— Não estava espionando — replicou Prissy, calmamente. — Mas era quase impossível não notar que estavam discutindo. Quem é o rapaz de quem Josie não compartilha nenhuma tendência em comum? 

— Gilbert Blythe. — respondeu Ruby de forma monótona.  

Prissy franziu o cenho, sem entender. 

— Achei que você é quem tinha prioridades com Gilbert Blythe, Ruby. 

— Está um pouco atrasada, minha irmã. — falou Jane com um sorriso cínico. 

Prissy, embora ainda estivesse estudando no Quenn’s, não era tão próxima das meninas e obviamente, o relacionamento de Ruby e Moody ainda era novidade para muitas pessoas. Fazia poucas semanas que Moody pedira ao Sr. e Sra. Gillis uma permissão oficial para cortejar a moça. Antes disso, os dois estavam sendo bastante discretos.  

— Então, Gilbert é o seu... rapaz, Josie? — perguntou Prissy, a expressão confusa, como se não confiasse nas palavras que acabara de dizer. 

Josie abriu a boca para falar, mas Jane se apressou. 

— Soa estranho, não é? Já sabemos.  

Josie travou os dentes e mais lançou um olhar ferino para Jane. 

— Jane, por favor. — pediu Prissy, erguendo uma mão para a irmã. — O que me intriga é que já que ele não tem gostos semelhantes aos seus, por que estaria interessada nele? 

Josie acertou a postura e sorriu, triunfante pelas palavras serem dirigidas a ela novamente. 

— Porque acho que já deveriam saber que felicidade entre o homem e a mulher é apenas uma questão de sorte. — Prissy uniu as sobrancelhas loiras e Ruby trocou mais um olhar com Diana. — Mesmo que se conheçam mutuamente e mesmo que tenham tendências semelhantes, isso não contribuí em nada para a felicidade posterior... 

— Mas não acha que ajuda e muito? — instigou Prissy, tentando ser paciente ao discurso de Josie. 

— Bom — continuou ela. — Meus pais dizem que as diferenças se acentuam com o tempo e são as diferenças é que trazem amargura, certo? Se o relacionamento estiver sempre fadado a amargura, pouco importa se você está ou não com alguém que se pareça consigo. 

Naquele momento, Diana teve absoluta certeza que aqueles pensamentos não haviam sido formulados por Josie. Conhecia a garota há anos, sabia quais palavras pertenciam ou não ao seu vocabulário usual e aquelas, definitivamente, não faziam parte dele. 

Todas as garotas ponderaram por um tempo, talvez esperassem que a moça retirasse o que havia dito. Não era possível que depois que tudo que Josie passara, ela ainda estivesse cogitando que pudesse ter um relacionamento com um homem que já estivesse fadado a amargura. Ela não tirara nada da situação da feira? Do artigo de Anne no jornal? Da manifestação na prefeitura? Diana sabia que algo de errado devia ter acontecido a moça novamente, mas naquele momento, sua antipatia por ela foi maior que sua compaixão. Ela não se aguentou.

— Josie, você está se ouvindo? Percebe o quão ridículo é o que acabou de afirmar? 

Prissy parecia estudar Josie com atenção, como se tentasse decifrar a moça. 

— Esse é um pensamento atrasado, Josie. E não acredito que adotaria pessoalmente esses princípios. 

— Anne desaprovaria isso. — falou Ruby.

— Anne não é a única que sabe das coisas. — retrucou Josie com arrogância 

— Anne sabe mais que você. — rebateu Jane. 

— E desde quando isso é sobre, Anne?! — bradou Josie, zangada. 

Esgotada, Diana largou a tigela com violência sobre a mesa e as meninas a olharam, assustadas. A garota já estava farta daquela conversa, não podia mais omitir o que sabia e não podia mais permitir que Josie falasse asneiras atrasadas vindas de sei lá quem. Tudo era, sim, sobre Anne e não toleraria mais Josie Pye cogitar ter reais chances com Gilbert Blythe. Também precisava admitir que não conseguiria terminar o creme sem ajuda da amiga. 

— Parem com isso! — mandou ela. — Estão me deixando louca. Preciso terminar isso para cobrir o bolo. 

— Anne já teria terminado — murmurou Jane baixinho. 

Diana fechou a cara para ela. 

— De fato, não é mesmo? Já passou da hora de procurá-la. Já passou da hora disso tudo acabar! 

As meninas ainda encaravam Diana sem entender o motivo de sua reação tão exagerada. Mal sabiam elas que o mau humor não tinha nada a ver com a sobremesa. 

— Vou buscá-la. — anunciou, decidida. 

Deixou as amigas confusas na cozinha e não seu deu o trabalho de desamarrar o avental da cintura ou limpar as mãos sujas de manteiga e farinha. Ela posicionou-se imponentemente sob o arco que pobremente demarcava a divisão entre a cozinha e a sala de estar. Pousou as mãosn o quadris e ajeitou a coluna, vasculhando a sala à procura de Gilbert e Anne. Ela devia estar com uma expressão extremamente dura, porque chamou a atenção de uma curiosa Rachel Lynde, que conversava com o marido, o pastor e mais uma dama desconhecida. 

— Diana, está tudo bem? — perguntou Rachel, sem se mover do lugar, apenas esticando o pescoço na direção da menina. — Precisam de ajuda com o bolo? 

Diana não olhou para ela. 

— Não, Sra. Lynde — respondeu de uma forma tão seca, que fez a Sra. Lynde erguer as sobrancelhas. Diana costumava ser um exemplo de educação e bons modos, mas sua paciência havia se esgotado e aqueles eram os momentos em que nem a etiqueta poderia controlá-la. — Eu só preciso de Anne. — respondeu e logo em seguida encontrou Gilbert em um dos cantos da sala, mas não havia sinal de Anne. Antes que se movesse, ela pareceu perceber que havia sido ligeiramente grosseira, e dirigiu o olhar a Sra. Lynde. — Desculpe ser rude, Sra. Lynde. E obrigada.  

Não esperou pela resposta e cruzou o salão.  Gilbert parecia estar no meio de uma conversa bastante agradável com Marilla, Bash e Matthew. Todos pareciam muito felizes com a presença surpreendente do jovem, especialmente Bash, que mantinha um largo sorriso de orelha a orelha. Em outra ocasião, Diana contemplaria a cena com ternura, mas ela tinha uma missão clara e não hesitou a interromper o que quer que estivessem conversando.  

— Incomodam-se se eu roubar GIlbert por um instante? Não? Obrigada. — perguntou Diana, tentando ser educada, mas não disfarçando o tom de ansiedade na voz. Não esperou a resposta e nem a reação dos outros três para arrastar Gilbert dali. 

Gilbert arqueou uma sobrancelha. 

— Ahn... Posso ajudá-la? — perguntou ele, confuso. 

— Onde está Anne? 

— Foi levar Delphine para brincar com as meninas menores. — respondeu Gilbert e Diana bufou, fazendo o rapaz unir ainda mais as sobrancelhas negras. 

— Salva pelas crianças. — murmurou Diana para si mesma, mas Gilbert ouviu. 

— Diana, está... Está tudo bem? — perguntou Gilbert com cautela. De uns tempos para cá ele tinha aprendido que o temperamento de Diana não era cem por cento equilibrado como todos pensavam. 

Ela maneou com a cabeça, não em resposta a Gilbert, mas refletindo o próprio plano. 

— Talvez seja melhor só com você mesmo. — concluiu a moça, decidida. 

Sem pestanejar, ela agarrou firmemente um dos pulsos de Gilbert — sem sequer se importar em sujá-lo de manteiga — e o arrastou dali, ignorando o fato das pessoas olharem o dois com certa estranheza. 

— O que será melhor, Diana? — perguntou Gilbert, não resistindo a amiga, mas a observando de forma desconfiada. 

— Anne não estar junto quando contarmos as meninas sobre você e ela. — falou Diana, sem rodeios e Gilbert parou instantaneamente, forçando a moça a parar também. Os dois já estavam sobre o limite mal demarcado da sala de estar e da cozinha. 

— Diana, acha mesmo que será uma boa ideia? 

Diana o olhou, impaciente. 

— Você decide, Gilbert Blythe. Ou você conta para as meninas agora ou deixará Josie Pye pensando que poderia ter alguma chance com você. O que prefere? 

Se Gilbert Blythe parecia perdido antes, não era nada comparado a agora. Ele torceu o rosto em uma expressão espantada e quando pareceu digerir a informação, assumiu uma aparência profundamente desgostosa, como se tivesse visualizado a si mesmo na companhia de Josie Pye.  

— Como ela...? — ele tentou formular. — Eu não...  

— Bom, ela era apaixonada por Billy. Acho que depois disso, tudo seria possível, não é mesmo? 

Gilbert maneou, a expressão de desgosto se suavizando e dando novamente lugar a uma aparente confusão.  

— Não me lembro de ter feito algo que justificasse ela se interessar por mim.  

Diana rolou os olhos. Como se ele não soubesse que era bonito e agradável o suficiente para chamar a atenção de qualquer garota com um par de olhos ou neurônios. Obviamente ela não diria isso em voz alta. 

— Você não fez. — replicou. — A Ilha só está carecendo de rapazes interessantes.  

Gilbert ergueu as sobrancelhas, surpreso pela ousadia da menina Barry. Os anos de convivência com Anne e a faculdade despertavam nela aquele lado impetuoso. Instigá-la era um caminho sem volta.  

— Então é por falta de opção? 

— Basicamente. — ela não tinha certeza da veracidade de sua resposta, mas procurou ser o  mais firme possível nela. Gilbert era realmente agradável e não seria difícil se interessar por ele, mas também era impossível negar que as opções masculinas e decentes na ilha não eram lá muito amplas. Diana também não tinha o menor interesse em inflar o ego do rapaz. Primeiro Ruby, Winifred, Anne e agora Josie? Não tinha certeza se Gilbert era um daqueles tipos, mas não se arriscaria.  

Gilbert esticou o pescoço para espiar as meninas conversando no canto oposto a eles, depois voltou seu olhar para Diana. 

— Sua sugestão é que contemos sobre mim e Anne, mas sem a Anne.  

— Exato. Vai ser mais rápido.  

Gilbert respirou fundo. 

— Tudo bem. Só fique do meu lado. 

Diana arqueou uma sobrancelha. 

— São só garotas, Gilbert. 

— É exatamente por isso. Uma aula de química orgânica é menos complicada que vocês. 

— Não me venha com essa. Preciso realmente lembrar de quem complicou e quase estragou as coisas com Anne? 

Gilbert olhou espantado para ela. Diana ignorou a reação e puxou ele na direção das garotas. Elas interromperam a discussão no momento em que viram Gilbert. 

— Essa não é a Anne. — comentou Tillie. 

Elas não reagiram com tanto entusiasmo a presença do rapaz, uma vez que ele havia sido pauta de uma longa discussão que parecia não ter fim. Além de Prissy, a pequena Minnie May Barry havia se juntado ao grupo, sentando-se displicentemente no colo de Ruby. 

— Boa noite, senhoritas. — cumprimentou Gilbert, educadamente, tentando não parecer incomodado.  

— É bom ver você, Gil — falou Ruby com um sorriso meigo, o qual Diana sabia não haver segundas intenções. Gilbert, porém, não pareceu ter enxergado o mesmo, e olhou apreensivo para Diana. 

Josie, que naquele momento estava exatamente do lado de Gilbert, caminhou envergonhada até a pia, próxima de Tillie. Era extremamente perceptível que ela estava constrangida, e acenou de forma muito tímida para Gilbert. 

— Gilbert tem algo para dizer a vocês. — anunciou Diana e em seguida direcionou o olhar para o rapaz. 

O silêncio fez Diana pigarrear e manear com a cabeça, o olhar incisivo dizia que Gilbert deveria desembuchar de uma vez. 

— Ahn... Eu... 

As meninas o olharam com expectativa, não faziam ideia do que as esperaria a seguir. 

— Você... — incentivou Jane.  

— Bom, o que vocês precisam saber é que...  

Gilbert juntou os lábios e desviou o olhar para os próprios pés, fazendo mais uma pausa. Ele parecia ponderar com muito cuidado o que estava prestes a dizer. Talvez estivesse pensando em como Anne gostaria que fosse aquela revelação. Talvez estivesse pensando que poderia magoar Josie ou mesmo Ruby. Talvez estivesse verdadeiramente refletindo como seria a aceitação das garotas em relação aos dois. Gilbert as conhecia desde sempre, haviam crescido juntos e por isso devia ter em mente que as meninas sabiam como julgar e como serem preconceituosas. A forma pela qual contaria poderia afetar — e muito — a maneira como o enxergavam e enxergavam Anne. Em uma sociedade antiquada e sustentada por status, aquilo era potencialmente perigoso. Naquele momento, Diana pensou que talvez tivesse colocado o amigo em uma enrascada.  

— Há alguns anos, eu conheci essa garota em Avonlea. — ele começou, ainda com os olhos fixos no chão. — Precisei de apenas um dia para ter certeza de que ela viraria a minha vida de cabeça para baixo. Por outro lado, foram-me necessários alguns anos a mais para que eu pudesse amadurecer meus sentimentos por ela. E essa garota era fogo no fogo, dona de uma alma doce, mas muito forte também. É a garota que chora pela asa quebrada de um passarinho, mas que também seria capaz de enfrentar um campo de batalha se assim fosse preciso —  ele sorriu consigo mesmo. — Os anos passaram e aquela menininha deu lugar a uma jovem de ideais puros e elevados, cuja presença encanta quem quer que cruze seu caminho. Moça difícil de se conquistar e mais difícil ainda de se merecer. E assim como aquela garota, acredito que também cresci. — ele disse e finalmente ergueu os olhos para as meninas, sorrindo — E estudando tudo que passamos com cuidado, hoje sei que tenho amado essa moça desde o momento em que ela quebrou uma lousa na minha cabeça. 

E com aquela última declaração, um silêncio arrebatador rompeu o ar. Prissy era a única que já havia reagido, aparentemente compreendendo, desde o princípio, que a moça da história era Anne. Ela cobria a boca com as mãos, mas os olhos pequenos mostravam um evidente sorriso. O queixo de Ruby parecia que poderia tocar a mesa. Jane também escondia a boca com a mão e assim como Tillie, soltava pequenas exclamações silenciosas. O breve silêncio era compreensível entre as meninas, uma vez que pareciam conseguir se comunicar apenas com os olhos. Mas Gilbert não entendia muito bem aquela pausa ou o significado das expressões. Ele olhou para Diana, buscando ajuda. A moça fez um sinal para que se acalmasse e esperasse. 

 A verdade é que o silêncio não durou mais que alguns segundos, sendo quebrado por uma Minnie May que não parecia surpresa como as outras meninas. Talvez nem entendesse o que tinha acabado de ouvir. 

— Você é o Mr. Darcy — falou a pequena com uma convicção surpreendente. Diana encarou a irmã, espantada. Como ela poderia saber daquilo? Nunca sequer havia chegado perto do livro “Orgulho e Preconceito”. 

— Como você... ? 

 E Diana se lembrou.    

“Eu era Elizabeth Bennet dançando com Mr. Darcy”. 

Anne de fato dissera aquilo depois do ensaio de dança com Gilbert. E por um acaso, Minnie May estava no quarto com elas quando aconteceu. Diana jamais imaginou que a irmã estivesse prestando atenção ou tampouco entendendo a conversa. A pequena Barry era bastante esperta, afinal.  

— Isso mesmo, Minnie May — aprovou Diana, sorrindo para a irmã. — Gilbert era o Mr. Darcy. 

— O que faz de Anne sua Elizabeth Bennet — completou Prissy, sorrindo sonhadoramente para Gilbert. — Eu devia imaginar... 

— Isso explica a carta que eu achei na pensão. — falou Jane.  

— E aquela noite na fogueira depois da prova. — lembrou Tillie. — Gilbert chegou nas ruínas apenas para falar com Anne.  

— Acho que nunca ouvi nada mais romântico — comentou Ruby, sorridente.  

Gilbert e Diana trocaram olhares aliviados. Ruby realmente superara o rapaz.  

As meninas começaram a encher Gilbert com várias perguntas, ao mesmo tempo que buscavam mais pistas do passado que indicavam que Anne e ele sempre foram apaixonados. Elas sorriam, se divertindo, pareciam realmente felizes pelos dois. Como não poderiam? Depois de um discurso como aquele, tolo seria quem dissesse que Anne Shirley-Cuthbert e Gilbert Blythe não eram perfeitos um para o outro. Diana riu da maneira constrangida pela qual o rapaz respondia as meninas. E então, ela fitou Josie, que naquele momento estava afastada do grupo.  

A moça observava a conversa de longe, estava calada, ligeiramente emburrada. Diana suspirou, sabendo que precisaria conversar com ela em algum momento aquela noite. Quando resolveu se aproximar de Josie, no entanto, uma outra figura se reuniu ao grupo barulhento. 

— O que está acontecendo? — perguntou Anne, variando o olhar de Gilbert para Ruby, em seguida para Diana, como se pedisse uma explicação. 

— Não vai acreditar no que Gilbert nos contou! — exclamou Ruby de uma maneira histérica e Anne franziu o cenho, encontrando o olhar de Gilbert.  

Os olhos das meninas brilhavam para ela e o rapaz estava evidentemente desconfortável e envergonhado por estar sendo interrogado de maneira tão direta. Ele aproveitou a deixa para se aproximar de Anne e sussurrar algo em seu ouvido. Os lábios da moça se abriram, em choque, os olhos se arregalaram mais do que o normal. Gilbert apertou o ombro dela com carinho e virou-se para as garotas uma última vez. 

— Ahn... Foi... Foi um prazer, senhoritas. Espero que tenha sido uma explicação... Ahn... Útil. 

Enquanto Gilbert se afastava, Ruby, Jane e Tillie cercaram Anne, encobrindo-a de perguntas e contando, palavra por palavra, do que Gilbert havia falado. Anne as ouvia sem dizer nada, chocada demais com tanta mudança em poucos minutos. Diana sorriu, triunfante, mas ainda precisava fazer mais uma coisa. Virou as costas e correu para alcançar Gilbert, que já estava a caminho de se juntar a Bash e os Cuthbert novamente. A moça segurou seu ombro e ele se virou. 

— O que foi agora, Srta. Barry? — suspirou ele, fingindo estar cansado, mas não conseguindo disfarçar um sorriso. 

— Apenas dizer que pediu autorização aos Cuthbert para cortejar Anne já seria suficiente. — provocou ela e Gilbert revirou os olhos. — Mas bom trabalho, Blythe. — disse, dando um tapinha no ombro do rapaz. 

Gilbert riu e maneou com a cabeça. 

— Achei que a história merecesse mais. 

Diana sorriu. 

— De fato. 

— Compliquei menos as coisas dessa vez, Srta. Barry? 

Diana ponderou. 

— Você está pegando o jeito. 

Gilbert soltou uma risada única, deu uma espiada em Anne do lado oposto da sala e acenou para Diana com a cabeça. Feito isso, deu as costas novamente a moça, andando de encontro a família.  

Diana respirou fundo, tentando absorver o que acabara de acontecer. Finalmente as meninas sabiam de tudo, não precisaria esconder mais nada. E o melhor de tudo era que a reação delas superou, e muito, todas as expectativas que tinha. Diana olhou as amigas de longe. Anne já não conseguia parar de sorrir no meio das garotas e quando seu olhar encontrou o de Diana, seus lábios formaram a palavra “obrigada”. A moça Barry piscou, devolvendo o agradecimento.  

Tudo parecia estar bem. Exceto pelo fato de que ninguém pareceu ter percebido que Josie Pye já não estava mais ali. 


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Notas finais do capítulo

Me contemmmmm!!!! O que acharam da perspectiva da nossa querida Diana Barry? Ela é fogo no fogo também, sem dúvidas.

Foi muito divertido escrever esse capítulo. Espero que vocês tenham conseguido visualizar a cena das meninas conversando.

O título do capítulo, The honesty is the best policy, é uma frase que o pastor fala para Anne, logo na 1ª temporada. Lembram? Quando ela mente sobre estar indo a escola. Depois Anne acaba devolvendo a frase para ele em uma outra ocasião. Achei que o título se encaixaria nesse capítulo.

Aaaaah e os leitores de Orgulho e Preconceito talvez tenham percebido a referência! As falas, aparentemente "decoradas" , de Josie sobre relacionamentos estarem fadados a amargura, eu adaptei de um comentário que Charlotte diz a Elizabeth, logo no início do livro.

Me contem o que acharam da revelação vinda do nosso menino Blythe. Ele arrasou, né?

E o que será de Josie Pye agora, hein?

Beijoss

See ya



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