Para sempre e mais um dia escrita por Isolt Sayre


Capítulo 2
Never let the essence of who you are be lost


Notas iniciais do capítulo

Oiii, pessoal! Como vai indo a quarentena? Estou tentando tornar a minha mais produtiva dentro do possível haha Agradeço muuuito quem leu e reagiu ao capítulo anterior de alguma forma (comentário, favorito, lista de leitura...). Leitores fantasma, please apareçam. Um comentário faz muita diferença no nosso dia haha Bom, tá aí mais um capítulo!



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Anne Shirley – Cuthbert não podia acreditar no que via. Não era possível, aquilo não podia estar acontecendo. Logo ela que estudara tão arduamente para aquele teste, que passara as tardes e até noites na biblioteca debruçada sobre livros. Logo ela que praticamente não piscava durante as aulas. Como conseguira uma nota tão medíocre? Algo estava errado, definitivamente.  

O problema nem era sua nota, mas sua classificação em relação aos outros alunos da sala. Conseguir 8,5 pontos em 10 é um belo de um resultado, mas para quem era acostumada a ser a número 1  — às vezes número 2 por causa de um certo garoto Blythe — nos exames do colegial, ficar em quinto lugar era no mínimo decepcionante para Anne Cuthbert.  

Ela estava estatelada diante do mural de notas há vários minutos, encarando, desacreditada, seu “resultado patético”. Os demais alunos passavam por ali, conferiam as notas rapidamente e iam embora, esporadicamente alguns choramingavam os resultados ruins ou comemoravam os  bons. Mas nenhum deles, é claro, havia sido tão dramático quanto Anne. A atenção da menina só conseguiu ser tirada da nota quando uma Diana preocupada surgiu ao lado dela. 

— Anne, o que aconteceu? — perguntou a garota repousando delicadamente a mão sobre o ombro da amiga. 

— Isso aconteceu, Diana. — apontou Anne para o mural, ainda sem retirar os olhos da nota. A expressão extremamente insatisfeita e desgostosa no rosto. — A pior coisa que poderia ter acontecido nos meus primeiros dias no Quenn’s. Não é atoa que chamam esse mural de “O quadro da vergonha”.  

Diana, sem entender o que acontecia, olhou solidária para a amiga, tirando a mão de seu ombro e apertando sua mão. Ela checou a nota de Anne no mural e franziu o cenho, confusa. Checou novamente e em seguida encarou Anne. 

— Anne — começou a garota, entendendo naquele momento o motivo da reação tão exagerada da amiga. A conhecia o suficiente para saber o quanto a menina podia ser competitiva. Havia assistido, por anos, Gilbert Blythe e Anne Shirley arguindo por diversos motivos, a maioria deles muito bobos ela diria. Não era possível que o espirito competitivo permaneceria nos tempos da faculdade. —, você não está aborrecida porque tirou 8,5, ou está? 

Anne se afastou do mural e começou a seguir rapidamente pelo corredor. Diana a seguiu dois segundos depois, se esforçando para acompanha-la, suas pernas eram bem mais curtas que as de Anne. 

— Estou aborrecida porque Matthew e Marilla não me enviaram ao Quenn’s para ser a quinta melhor da turma! — explodiu ela. — Não consigo entender. Eu estudei tanto... 

— Anne! — Diana puxou a amiga, fazendo-a parar no meio do corredor. Alguns estudantes a encaravam, com certeza não estavam acostumados com reações exageradas sendo demonstradas pelos corredores. Diana percebeu os olhares e direcionou Anne para a passagem oeste, que ficava na parte externa do prédio e era um ambiente mais adequado para conversar. 

A curta caminhada pareceu acalmar Anne, que andava bem mais devagar e tinha toda sua atenção voltada aos próprios pés.  

— Você, mais do que ninguém, deveria reconhecer seu valor — comentou Diana depois de um tempo, o braço agarrado ao de Anne, como faziam ao caminhar juntas para a escola. — Apostaria meu piano e todas as minhas partituras que Matthew e Marilla ficariam orgulhosos do seu primeiro exame. 

— Não estou entre os primeiros da turma, Diana. — retrucou Anne, a voz abafada como se estivesse prestes a chorar 

— E por que ser a primeira é tão importante assim? 

Anne suspirou. A questão não era ser a primeira apenas por honra ou orgulho, havia algo mais que Diana realmente não compreendia. Na verdade, Anne não sabia que aquilo seria tão importante até alguns dias atrás  

O fato que muitos desconfiavam — mas poucos realmente sabiam — era que os Cuthbert não tinham recursos financeiros suficientes para manter Anne na universidade por quatro anos. A garota era ciente disso desde o princípio, o que a impulsionou a estudar o dobro dos seus colegas para que conquistasse uma nota alta e uma excelente classificação no vestibular do Quenn’s. Com êxito, Anne classificou-se em primeiro lugar — empatada com Gilbert —, o que lhe dava direito a uma bolsa de estudos integral na universidade. Mas o que Anne não sabia era que conseguir a bolsa era a parte fácil, o difícil seria mante-la por quatro anos.  Uma das exigências para os bolsistas da Quenn’s Academy era que obtivessem média 9-10 em todas as disciplinas que cursassem, classificando-se também entre os três melhores da turma ao final do semestre. E o resultado do primeiro exame acabara de sair e junto com ele, o desespero: Ela havia falhado. Para recuperar aquele “prejuízo acadêmico”, Anne precisaria se sair bem melhor nos outros testes. Sim, ela estava decepcionada, para não dizer desolada com aquela nota. Resultados como aquele poderiam custar seu lugar no Quenn’s, poderiam custar seu sonho. 

Diana continuava estudando as expressões de Anne, paciente como sempre fora. Ela nunca precisaria passar por uma situação como aquela, sua família tinha riquezas suficientes para que a filha cursasse diversas universidades se fosse o caso. Sonhar, ou melhor, realizar sonhos com todos os recursos disponíveis devia ser deveras mais fácil.  

“É incrível o que muito dinheiro e sonhos podem fazer, não é mesmo?” Tia Josephine falara certa vez para ela. De fato, aquela era uma combinação perfeita e que Anne duvidava que um dia teria a oportunidade de conhecer. Não podia reclamar, durante todos os anos vivendo em Green Gables nada lhe faltara. Passaram por períodos difíceis, sim, mas as coisas sempre se ajeitavam. Anne sabia — por mais que Matthew e Marilla não admitissem a ela — que não seria possível manter Green Gables e pagar a universidade. Não era ingênua, conhecia muito bem a situação financeira da família e jamais permitiria que se afundassem em dívidas por sua causa. Quando conseguiu a bolsa, achou que seus problemas haviam terminado, não tinha a noção do que teria que fazer para mantê-la. Também não contaria aos Cuthbert sobre isso, faria o possível e impossível para permanecer no Quenn’s. 

— Quer me contar o que realmente te atormenta? — perguntou Diana algum tempo depois, quebrando o silêncio entre as duas. Não era um silêncio desconfortável, ele era necessário. As duas conheciam-se bem o suficiente para entender a importância dele em determinadas situações. 

Anne contou a Diana tudo que ainda não contara. Disse-lhe sobre as incertezas financeiras em Green Gables, sobre como Matthew tinha vendido o adorável potro de Belle para que ela morasse na pensão em Charlottetown, falou sobre a bolsa que ganhou e o que teria que fazer para mantê-la. Por fim, desabafou as dúvidas que a assombravam em relação futuro e em como tinha medo de se tornar uma pessoa medíocre.  

A expressão de Diana mudava a cada sentença. Parecia finalmente compreender o desespero de Anne alguns minutos atrás. O que antes era uma reação exagerada, agora parecia ser perfeitamente compreensível. Diana podia não fazer ideia do que a amiga passara, mas tinha empatia o suficiente  para se sensibilizar por ela.  

— Oh, Anne... Não fazia ideia do que estavas passando. Perdoe-me por minha tamanha insensibilidade. 

Anne abriu um sorriso amargurado. 

— Não há nada que se desculpar. Não tinhas como saber. 

— Por que não contou antes? — perguntou Diana. 

— A última coisa que queria era que sentisses pena de mim. — respondeu Anne, recompondo-se mais a cada minuto. — Além disso, até poucos dias atrás  eu não sabia o quão difícil seria a manter uma bolsa de estudos no Quenn’s. Estudei tanto, perdi horas de sono... 

— Pode ter ocorrido um engano — arriscou Diana. —, quem sabe o professo não trocou sua nota com a de outra aluna? 

— Acho quase impossível, minha querida Diana. O professor Hemker é extremamente organizado. Não falharia nesse ponto — contra argumentou Anne e o semblante de Diana se apagou.  

—  Anne, queria tanto poder ajudá-la. Mas estou longe de ser tão inteligente quanto você. Além disso, nossas aulas são tão diferentes. Por que não tenta procurar ajuda com os outros alunos? 

Anne suspirou. Conhecia os estudantes que haviam tirado as notas melhores. Não pareciam-lhe assim tão acessíveis. 

— Talvez eu precise estudar mais — concluiu ela, um ar quase derrotado na voz. — Não posso correr o risco de perder essa bolsa. No próximo teste preciso pelo 9.5 para voltar a média exigida pelo Quenn’s.  

— Bom, se existe alguém que consegue fazer isso essa com certeza é a Anne Shirley-Cuthbert. — comentou Diana em uma bela tentativa de animar a amiga. — Sabes que pode contar comigo para qualquer coisa, não sabes? Existe algo que você precise nesse momento? 

“Preciso de Gilbert”, pensou Anne repentinamente, mas não disse. O que não daria para poder conversar com Gilbert naquele exato momento? Ele seria racional e razoável, lhe traria opções e com certeza a ajudaria com os estudos, mesmo que não fossem as disciplinas que tivesse maior aptidão. Mas o garoto estava a várias milhas de distância, provavelmente envolvido com outros assuntos importantes. De qualquer forma, mesmo com sua querida e Diana e Gilbert, no final de tudo, aquele desafio era dela conquistá-lo só dependeria dela.  

— Só continue sendo minha melhor amiga. — pediu Anne, por fim. Sabia que a amiga estaria ali para ela não importava o quê. Naquele momento, aquilo teria que bastar.  E bastava. 

Diana sorriu e abraçou Anne apertado. 

— Sempre. — sussurrou ela em seu ouvido. 

                                                                    ***

Sem muita animação, Anne assistiu a aula do professor Hemker, não parando de pensar nem por um instante que havia falhado no exame dele. Introdução a Literatura era uma disciplina rica e interessante. Aprender sobre como cada tipo texto havia nascido e quanto sentimento era colocado nas palavras era de fato encantador. “Grandes palavras são necessárias para expressar grandes ideias”, a frase se provava cada dia mais verdadeira. Quanto maior a intensidade da narrativa, quanto mais sentimento fosse colocado no papel, mais interesse e mais verdadeiro o conjunto todo se tornava. Ela aprendera que ler muito era essencial para expressar suas ideias. Não podiam-lhe faltar palavras certas para escrever e por isso ler era tão necessário. Uma busca infinita por novas palavras e novos sentidos. Ler propiciava-lhe novas maneiras de descrever sentimentos, ações, pessoas, experiências...  

Sim, era uma disciplina fantástica ecom certeza abria muito espaço para a imaginação. Mas naquele dia, naquele momento após saber sobre um resultado tão falho, a literatura havia perdido um pouco do seu brilho. Anne ficou imaginando se ao longo dos anos, com as dificuldades do caminho e possíveis resultados ruins, existiriam mais assuntos na universidade que a desencantariam. Rezou para que isso não acontecesse.  

Ao final da aula, o professor pediu aos alunos que escrevessem um resumo de um dos livros de Charles Dickens, ressaltando em como tal  obra poderia mudar a vida de um ser humano. “Tarefa interessante”, pensou Anne, mas não estava tão animada para realizar. Guardou seus materiais na bolsa de couro usada e quando se deu conta, era uma das últimas ainda em sala de aula. Constrangida porque não queria olhar nos olhos do professor Hemker — que certamente estaria decepcionado com ela pela nota do exame —, Anne tentou sair discretamente da sala aula, mas foi interrompida antes que chegasse ao batente da porta. 

— Srta. Cuthbert. — chamou a voz do professor Hemker atrás dela. Anne fechou os olhos por alguns centésimos de segundo. Aquele seria seu primeiro sermão com um professor de faculdade. Aquele dia não poderia melhorar mais. 

Relutante, a garota se virou. O professor Hemker era jovem — não devia ter 40 anos de idade —, tinha os cabelos acobreados e bem cortados, não usava barba e tinha um óculos de aros redondo de tartaruga. Anne gostava dele, talvez por isso estivesse tão envergonhada par encará-la.  

— Sim, professor Hemker? 

— A senhorita estava estranhamente quieta durante as aulas hoje. Aconteceu alguma coisa? 

Anne franziu o cenho. Será que ele não sabia? Talvez não se lembrasse da nota de Anne, mas não era possível. A garota era sempre muito participativa e muito provavelmente o professor é quem pendurara as nota no “Quadro da Vergonha”.  

— Bom — começou Anne, um tanto insegura, esperando que o professor a interrompesse a qualquer momento. Esperando talvez um olhar de decepção vindo dele. Mas não, ele estava ali, sentado diante da mesa, aguardando pacientemente que sua aluna desabafasse. —, não sei se o senhor lembra da minha nota no seu exame... 

O professor Henke balançou  cabeça e abriu um sorriso satisfeito. 

— É claro que sim, Srta. Cuthbert. Foi um ótimo resultado. 8,5 estou certo? — perguntou ele, realmente se esforçando para se lembrar. — Estou muito satisfeito. Mas não é esse o motivo do seu tormento, é? 

Anne não entendia.  

— Professor, eu não entendo. Não fiquem entre os três melhores da turma. Não tirei 9 pontos. Não foi uma boa nota... 

O rosto do professor se iluminou imediatamente e ele acertou sua postura na cadeira. A última fala de Anne o fez entender a situação. 

— Você é uma de nossas alunas bolsistas, estou certo? 

Anne assentiu com a cabeça, timidamente. 

— Eu sei o quanto o Quenn’s é rigoroso com essa categoria de alunos. Conquistar média 9 e estar constantemente entre os melhores não é fácil, Srta. Cuthbert. Entendo seu desapontamento, mas não queria que se sentisse inferior ou incapaz.  

Anne o ouvia atentamente. Não queria interromper ou acrescentar nada. Estava realmente esperando ganhar um grande sermão, mas até aquele momento só ouvia palavras gentis. Estava entendendo certo?  

— Notas dizem muito pouco sobre os alunos, Srta. Cuthbert. Exames e testes não retratam realmente o que você trabalhou. Na verdade, muitas vezes eles são bem cruéis. E posso dizer com muita segurança que meus melhores alunos não foram aqueles que obtiveram as melhores notas. Eu valorizo o esforço, o interesse a a paixão, Srta. Cuthbert. A nota é uma consequência. 

Nunca, nem em um milhão de vias, ela pensaria ouvir aquilo de um professor do Quenn’s. Esperaria ouvir da Sra. Stacy talvez, mas não do Professor Henke.  

— Eu não sei o que dizer... 

— Entendo que seu caso é diferenciado. Você precisa da bolsa para se manter aqui, estou certo? Posso perguntar o quanto estudou? 

— Oh, eu estudei muito, senhor. Noites em claro, acredite. Quase todos os meus períodos livres. Talvez não tenha sido o suficiente... 

— Discordo absolutamente, Srta. Cuthbert — interrompeu  professor e Anne franziu o cenho. — Sempre aconselho os meus alunos a reservarem um tempo para, fazerem algo que gostam. Você tem algo especial para esse final de semana? 

— Bom, eu vou para minha casa em Avonlea. Será aniversário da minha antiga professora. 

— Ótimo. — aprovou o professor. — Você precisa desses momentos. A universidade pode ser frustrante, Srta. Cuthbert. Vi muitos alunos meus mudando totalmente com o passar dos anos, e nem semprefoi uma mudança positiva. Você é muito jovem, tem um coração bom e cheio de vida. Ouvimos falar coisas muito boas a seu respeito. Queremos conhecer a Anne com E. Por favor, não deixe que a universidade roube a essência dela. 

Anne refletiu palavra por palavra. Maravilhou-se com o fato de encontrar gentileza e doçura em uma pessoa tão inesperada.  

E se naquele momento, se alguém lhe pedisse para descrever os seres humanos em poucas palavras, diria que são infinitos e surpreendentes.  


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Notas finais do capítulo

Oi gente! Queria um capítulo maior, mas sinceramente, estava cansada ja haha Espero que tenham gostado. Sei que não foi romantico igual o anterior, mas minha intenção é tentar abordar várias questões, da mesma forma que a série abordou. Peço desculpas se eu errei algum artigo ou algo assim. As vezes realmente passa despercebido.

Até o próximo!



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