Inquebrável escrita por Danielle Alves
A vida segue acontecendo nos detalhes, nos desvios, nas surpresas e nas alterações de rota que não são determinadas por você. – Martha Medeiros
FERNANDO MENDIOLA
Mais uma vez estou enlouquecendo de ciúmes. O sangue sobe a minha cabeça enquanto os observo com os olhos arregalados. O homem a abraçava com notável deleite, apertando Letícia contra si. Ela se desvencilha dele com um alegre sorriso.
— Minha nossa, não sei como não reconheci o sobrenome antes! – diz enérgica. Seu sorriso se alarga quando vira para Christopher. – Me perdoe, senhor Christopher. É verdadeiramente um prazer, oficialmente, conhece-lo após tantos anos!
Christopher meneou a cabeça para os lados.
— Não tinha como você saber, Letícia. – diz ele condescendente.
Cassian soltou-a e indicou que se sentasse. O estranho puxou uma cadeira e se sentou ao lado de Christopher. Minha assistente tomou o lugar ao meu lado em seguida, alegre demais para meu gosto. Aquela sensação horrível se fincou na boca do meu estômago e me forcei a agir como um ser humano normal diligentemente. Não era hora de agir como um homem das cavernas possessivo.
Pigarro um pouco desconcertado.
Com uma expressão de desculpas, o indivíduo estende a mão na minha direção.
— Você deve ser Fernando Mendiola, perdão pelo atraso. Sou Cassian de La Fuente, vice-presidente da B&W. E antes que pergunte, amigo de faculdade da sua assistente.
Cumprimento-o com um sorriso forçado.
— O prazer é meu.
Assentindo, Cassian de La Fuente se volta para Letícia.
— Eu sei que é um jantar de negócios, mas... — ele sorri. — eu seria atrevido se perguntasse como a mulher mais inteligente que conheço é uma simples assistente?
Letícia soltou uma risadinha e balançou com a cabeça.
— Não seria atrevido, mas confesso que talvez não seja apropriado falarmos de minha vida pessoal assim, e...
Sem pensar coloquei os cotovelos sobre a mesa e ressarci com sarcasmo.
— Nada disso, temos a noite inteira. Na realidade, estou curioso para saber como se conheceram, Letícia.
Piscando seus lindos olhos, Letícia se vira para mim com a sobrancelha suavemente erguida. Noto que está tentando não evidenciar o descontento.
— Para falar a verdade após esse jantar iremos para casa, senhorita, então não se preocupe. É bom que assim podemos estabelecer uma relação agradável desde já. — interviu Christopher.
— Concordo — Cassian piscou agradavelmente na direção dela. Quase grunhi.
Minha assistente relutou um pouco mas acabou anuindo.
— Não é nenhuma história impressionante – murmura ela. — Nos conhecemos na faculdade e ficamos amigos, é isso.
— Não seja mesquinha nos detalhes, Tícia. Não vai me pintar como herói como fez quando contou ao Tomás?
Ela arregalou os olhos e balançou a cabeça com um sorrisinho sapeca. Confesso que fiquei pasmo.
— Por favor, não me chame assim. — riu — Mas... Já que insiste...
— Sempre quis saber dessa história pelo seu ponto de vista, senhorita Letícia.
Minha assistente ainda parecia um pouco resistente ao dizer:
— Conheci o Cassian no quarto módulo, nós estávamos na mesma classe de economia, — torceu o nariz. — a princípio eu não falava com ele, bom... na verdade não dirigia palavra a ninguém. Eu ficava sempre na minha. Isto é... Até ele decidir que seria interessante se aproximar.
O homem sorriu.
— Como eu era muito tímida e... — ela me encarou e lembrei-me da aposta de Romeu. — não me dava bem com as pessoas, não me abri totalmente, até o dia que Cassian achou por bem me defender.
Cassian se reclinou na cadeira.
— Qualquer um faria.
Letícia o fitou por um longo segundo e então continuou.
— Um grupo de rapazes cismou comigo e... — suspirou. — começaram uma rotina de humilhações, até o dia em que me cercaram, ameaçando me bater ou algo do tipo.
Fico surpreso e chateado.
— Nossa, Lety, você nunca me contou isso.
Ela me olhou com a testa franzida e continuou:
— Cassian chegou na mesma hora com a desculpa de que tinha um trabalho pra fazer em dupla comigo, mas os rapazes ficaram irritados com a intromissão dele e bom... ele deu uma surra neles.
— E das boas — declarou ele. — eu não entendi a implicância com ela, não havia nada de errado com Letícia, só tinha seu estilo próprio.
Arqueei a sobrancelha.
— Ah, não precisa ser gentil, senhor Cassian. – sibilou ela com desconforto. – Embora eles tenham sido uns idiotas, tecnicamente, não estavam errados quanto a minha aparência.
Me viro para Letícia, incomodado com suas palavras.
— Não tem nada de errado com a sua aparência, Lety.
Se cria um vinco na sua testa quando fita meu rosto, como se estivesse duvidando do que digo.
— Certo. – diz simplesmente. — Obrigada, seu Fernando.
Por baixo da mesa estico minha mão para pegar a dela, mas ela rejeita meu gesto pousando as mãos a beira da mesa, entrelaçando os dedos. Eu sei que a feri, mas é terrível a angustiante sensação de desespero que me toma. Eu a encaro por um momento. Com a expressão impassível se vira para Christopher.
— Seu filho me salvou e quero agradecer pela ótima educação que deu a ele.
Christopher sorri suavemente.
— Obrigada pela lisonja, senhorita.
Arrisco uma olhada na direção de Cassian. Ele alternava o olhar entre mim e Letícia. Me senti irritado sob seu escrutínio, mas se era um homem esperto, já havia detectado que eu e minha assistente temos um relacionamento.
Arqueio a sobrancelha e incito-o a falar qualquer coisa. Nós nos encaramos por um longo momento.
— Cassian foi fundamental nessa época da minha vida, apesar de não gostar de lembrar. Obrigada.
Mal prestei a atenção nas palavras de Lety, e o tal Cassian também parecia alheio a elas. Christopher, no entanto, pigarreou para chamar nossa atenção, trazendo-nos de volta a realidade.
Eu havia me esquecido completamente que estava numa reunião. O que estou fazendo? Lety está me deixando doido.
— Bom, já que saciamos nossa curiosidade, devemos ir agora aos negócios - começou ele após estender uma pasta na minha direção. – Aqui está a proposta que a B&W tem para a Conceitos.
Assenti ao apanhar a pasta. Gesticulei para que eu e Lety lêssemos.
Tratava-se de um contrato de patrocínio que favorecia e muito a empresa. Ergo um olhar para Lety e percebo que está tão surpresa quanto eu. Há um sorriso encantador nos seus lábios de satisfação que quase me leva a loucura. Com um suspiro resignado, forço o ímpeto de querer beijá-la na frente daqueles homens.
Porém, como um bom homem de negócios, alterno entre Cassian e Christopher uma expressão impassível.
— A B&W quer patrocinar a Conceitos?
O presidente da maior indústria de bebidas alcóolicas da América Latina sorri.
— Sim, - ele apoiou os cotovelos na mesa e juntou os dedos ao continuar – temos analisado os seus comercias e é notável o crescimento da produtora em vista das qualidades de imagens e figurino exploradas por vocês, ainda mais no nível de mercado que estamos hoje.
— Pois é, não é qualquer produtora que possui uma visão tão avançada na mídia como a de vocês.
— Bom, devemos isso principalmente ao Luigi Lombardi, ele é um ótimo visionário. – Lety murmura, enfatizando suas palavras com um sorriso.
— Que ótimo. Apesar de ser pregado a liberdade na publicidade, é difícil encontrar um produtor com a mente tão aberta. – Cassiano acrescenta fitando minha assistente.
Letícia remexe timidamente ao meu lado.
— De fato, a Conceitos tem excelentes funcionários.
Cassiano sorri novamente para ela.
— De qualquer maneira, nós estamos oferecendo os benefícios e as condições na última página.
Lety engasga enquanto lê os números. Nós nos entreolhamos.
— É do agrado de vocês?
— Certamente, - murmura minha assistente ao folhear as páginas. – A proposta é muito boa. Só me preocupo com uma coisa, contudo.
Christopher ergue a sobrancelha para mim e dou de ombros.
— Eu confio nela. – Viro-me para a mulher que amo. – O que te preocupa, Lety?
— Vocês estão nos oferecendo uma boa quantia e os materiais para as produções, e isso é ótimo, claro, mas e quanto ao frete? Não há especificações.
O Cassiano recostou-se na cadeira com os braços cruzados.
— Esperamos que essa parte fique na responsabilidade de vocês.
Letícia ergue a sobrancelha para ele, há ambição no seu rosto.
— E perder a oportunidade de arrancar mais dinheiro da B&W? – ela nega com a cabeça. Fico inerte. – Sem frete, sem trato.
— Lety, calma aí, também não é assim... – Me viro para eles querendo me desculpar. – Ela está empolgada, é isso...
Cassiano envia um olhar para Christopher que apenas pessoas com um vínculo profundo poderiam entender.
— Está bem, Letícia. Frete incluso. – murmura Christopher ao se virar. - Satisfeita?
— Certamente. Ah... Tem outra coisa também.
Christopher e Cassiano riem.
— Que coisa?
— Hm... Vocês exigiram 40% dos lucros nas gravações. Apesar dos benefícios serem vantajosos para a empresa, ainda é um lucro muito alto considerando o trabalho e os gastas das gravações dos comerciais.
Christopher arqueia a sobrancelha.
— E o que você quer propor ao dizer isso?
— Quero propor que a princípio diminuem a porcentagem para 20%. Por mais que a Conceitos tenha mais de trinta anos de história, ainda somos relativamente pequenos.
Provavelmente meus olhos devem estar fora das órbitas quando encaro minha assistente. A desgraçada é, definitivamente, a mulher da minha vida.
Eu prendo a respiração conforme o presidente da B&W fita os olhos da minha assistente irredutível.
— Não sei, me parece injusto. Estamos oferecendo muito pra ganhar pouco.
Letícia deu de ombros.
— Na verdade não. Digamos que é como se vocês estivessem investindo num grande negócio. — declarou totalmente ousada. — Vocês começam dando muito para futuramente ganhar o dobro. Essa proposta não parece interessante para vocês?
Christopher suspirou mas soltou uma risadinha.
— Ok, garota, você me convenceu. Negócio fechado, então?
Demoro um minuto para entender que Christopher estava se direcionando a mim com a mão estendida. Abrindo o melhor sorriso que posso, aperto sua mão.
— Fechado.
— Bom, nesse caso, vou pedir para minha assistente refazer o contrato. Eu me encarregarei de enviá-lo ainda essa semana, tudo bem? – sugere Cassiano.
Concordo com a cabeça.
— Claro!
— Perfeito. Agora vamos comer, estou morrendo de fome!
Após acenar para o garçom, Christopher se virou para mim.
— Você tem um tesouro em suas mãos. – Ele faz um gesto com a mão indicando a Letícia – Não a perca, senão, eu a tomo para mim.
Estico meus lábios num sorriso.
— Não mesmo. Não vou vacilar, prometo.
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