Inquebrável escrita por Danielle Alves


Capítulo 25
Vinte e Cinco


Notas iniciais do capítulo

Oi, amoras, boa noite. Como estão? Espero que bem melhor que eu.
Confesso que esse capítulo me emocionou um pouco. Quis mostrar um lado mais humano e sensível do Fernando.
Espero que gostem.



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O arrependimento sincero é geralmente resultado da oportunidade perdida. — Emanuel Wertheimer

FERNANDO MENDIOLA

Quão longe o orgulho ou ambição pode nos levar? Quão longe a mentira pode nos levar?

Acreditei e torci que não houvesse limites, que pudesse conquistar tudo sem que descobrissem a mentira por trás das minhas ações; que eu fosse capaz de passar por cima de tudo e fazer a Conceitos se tornar a melhor empresa de publicidade do país. Mas a vida me provou o contrário – a desonestidade nos levava a caminhos tortuosos e dolorosos, com fins que sangram o coração.

Mas o que poderia fazer contra meus próprios sentimentos? O que poderia fazer contra o intenso desejo de fazer meus pais ficarem orgulhosos de mim? De que outra maneira poderia provar que eu era melhor que Ariel?

Meu peito doía como se tivessem me rasgado no meio.

Ao menos estava livre. As mentiras me aprisionaram numa cela de aço com grilhões nos pulsos e nos tornozelos. Não é atoa que agora, mesmo atolado em merda, me sentia aliviado de alguma forma. 

Aliviado, mas não feliz – não mesmo.

O alívio era superficial em comparação ao medo, ao pânico que reduzia minha existência à uma lata de lixo pútrido. O que eu diria a Letícia?

Tudo fazia tanto sentido agora. Ela estava esperando...

Esperando que eu me tornasse diferente. Que eu mudasse e me tornasse um homem pela qual valeria a pena perdoar. Não consigo... Não consigo imaginar a dor, o desespero, ao ler cada maldita palavra daquela carta. Quando admiti ter vergonha dela, quando ouviu minha conversa com Omar...

Letícia sofreu em silêncio enquanto se esforçava para sorrir ainda que cada atitude minha reforçava o quanto eu era desprezível e mal caráter e imundo.

A dor que eu sentia era nada comparado ao sofrimento que lhe causei. Senti as lágrimas descerem pelo meu rosto conforme eu me dava conta de tudo. Havia limites para a mentira, mas aparentemente não havia limites para desonra. Condenei Miguel e Romeu pelo que fizeram com Lety. Porém o que fiz para ser diferente?

No fim, os sentimentos dela nunca foram prioridade. E eu passo a me odiar mais ao me dar conta disso. Quebrei e machuquei profundamente a única pessoa que me amou sem pedir nada em troca. O que poderia fazer para concertar isso?

Eu sou uma escória. Mas precisava recuperá-la, precisava dela tanto quanto precisava de ar. Eu poderia viver sem meus pais, poderia viver sem qualquer coisa...

Virei a avenida e segui a caminho de sua casa.

Mais uma vez fui consumido pelo egoísmo, mas era inevitável encher-me de esperanças. Eu a amava demais para permitir que nossa história terminasse desta maneira tão terrível.

Se for necessário implorar e rastejar, eu o farei. Tudo o que for possível para reconquistá-la. Qualquer coisa. Agora não havia nada mais me prendendo, estava livre para amá-la como merecia.

Por favor, meu Deus. Por favor, faça com que a Lety me perdoe. Por favor...

Meu coração bateu ferozmente quando estacionei na calçada, minha mente se embaralhando com palavras que eu ponderava dizer. Caminhei rapidamente na calçada comprida e estreita – os arranjos de flores e plantas de variados tipos enfeitando a casa de dois andares. A casa da Letícia não era luxuosa, mas confortável e bonita o bastante para revelar o esmero e cuidado de sua família. Totalmente diferente da minha própria. Espantando o gosto amargo da inveja, dei dois toques excessivos na porta de madeira com vidraçaria e esperei cada vez mais ansioso e perturbado.

Alguns momentos se passaram antes da dona Julieta abrir a porta.

Dona Julieta não pareceu muito satisfeita ao me ver. O sorriso nos seus lábios estavam longe de serem gentis como as outras vezes.

— Boa tarde, seu Fernando. O que deseja? — perguntou sem muita cortesia.

— Boa tarde, dona Julieta, desculpa incomodar. Mas eu gostaria de falar com a Letícia, ela está?

A mãe da mulher que amo negou com a cabeça, imperturbada.

— Não, seu Fernando, ela saiu faz um tempo... Foi almoçar com um amigo da faculdade. — O sorriso se alargou. Era tão desconfortável ser seu alvo de desgosto.

Tentei permanecer impassível, ignorando a sensação desagradável que se instalava dentro de mim. Letícia estava com Cassiano. De novo.

— A senhora... — pigarreei contendo o ciúme e a tristeza dilacerante. — A senhora sabe me dizer onde ela foi almoçar com esse imb-... amigo?

Dona Julieta me estudou tempo demais. O suficiente para me deixar ainda mais nervoso.

— Não exatamente, mas por que o senhor quer saber? É algo urgente?

Apertei as mãos em punho. Eu sabia que a mulher estava mentindo para acobertar a filha.

— Sim, é urgente. É algo que eu preciso tratar diretamente com ela — declarei entredentes quase falhando em ser educado. — Por favor, dona Julieta, tem certeza que a Lety não disse onde iria?

Ela arqueou o queixo suavemente, o nariz fino se franzindo como se estivesse sentido um cheiro desagradável.

— Não me disse nada, mas posso avisar que o senhor passou aqui quando chegar.

Suspirei e aquiesci em rendição. Não há nada que podia fazer senão procura-la.

— Eu agradeço, dona Julieta, obrigado e desculpe qualquer coisa.

Aquela senhora me analisou novamente.

— Não se preocupe. Até mais, seu Fernando.

E então a porta se fechou.

Mais tarde, naquele dia, rumei para o meu bar preferido, disposto a beber quantas doses de uísque meu corpo suportasse antes de sucumbir ao desespero. Vasculhei em todos os restaurantes que conhecia – do mais luxuoso ao mais simples – em busca da Letícia, mas tudo que consegui encontrar foi um penetrante vazio acompanhado da estranha e horripilante sensação de impotência. Liguei para a sua casa o suficiente para ser ignorado por sua mãe que aparentemente perdera a paciência comigo. Não a culpo.

Outra lágrima teimosa escapou pelo meu rosto quando virei a quinta dose e dedilhei a foto dela como se fosse seu próprio rosto. Permiti minha mente vagar para longe – para os seus beijos calorosos e cheios de paixão, para o roçar de sua pele na minha, os sons que escapavam de seus lábios enquanto a possuía. Doía como o inferno a possibilidade de nunca mais tê-la. De perde-la para sempre.

Mais um copo de uísque.

Digitei o número de sua casa mais uma vez, a ansiedade parecendo infinita. Ninguém atendeu como das últimas vezes.

Onde a Letícia estava? O que estava fazendo?

Estou ficando maluco. Minha mente está se enchendo de pensamentos horríveis, de suposições que estão em deixando mais paranoico que nunca. Eu sinto náuseas só de imaginar aquele mauricinho confortando a Letícia, abraçando-a como se pertencesse a ele.

Louco, eu estou louco.

Na décima dose ignorei a razão, não que eu pudesse evitar. Sempre fui inconsequente, agora não seria diferente. Tentei parecer sóbrio quando busquei meu carro. O manobrista não percebeu ou simplesmente não se importou, e dirigi para a casa dela, talvez rápido demais. Eu precisava vê-la, precisava... Jamais a desejei tanto quanto naquele momento.

Quando cheguei a sua rua novamente naquele dia, estacionei de qualquer jeito e corri como se minha vida dependesse disso. Bati na sua porta uma, duas, várias vezes até alguém soltar um “já vai” estridente.

Dona Julieta me encarou de maneira impassível. Fui direto ao ponto.

— Onde está a Lety, dona Julieta? Ela ainda não apareceu?

A mulher me examinou por longos segundos, parecendo considerar se valeria a pena me dizer o que quer fosse ou não. Por fim, suspirou e abriu espaço para que eu entrasse. Passei olhando ao redor, procurando qualquer vestígio da mulher que amava.

— Lety?! — gritei incapaz de me conter.

— Ela não está, seu Fernando. Na verdade... O que falei mais cedo não era verdade. Ela viajou.

Meu estômago se apertou e me virei.

— O quê? Como assim viajou?

Dona Julieta indicou que eu sentasse no sofá e o fiz a contragosto.

— Fique calmo, seu Fernando, o senhor parece muito nervoso. Quer me contar o que está acontecendo?

Bufei e passei as mãos nos cabelos.

— Dona Julieta, eu... eu... preciso falar com a Lety, ela deixou algumas pendências na empresa e... — sussurrei e neguei com a cabeça. — Por favor, me diga onde ela está.

— Tudo que posso dizer é que a Lety viajou, seu Fernando. Para lhe dizer a verdade, ela não me deu muitos detalhes de onde estaria. — disse.

Neguei com a cabeça. Isso não pode ser verdade.

— Por favor, dona Julieta, me diz a verdade. Ela não quer falar comigo e pediu para a senhora me enxotar, certo?

A mulher negou com a cabeça.

— Não, eu realmente não sei onde ela está. Tudo que sei é que não está na cidade.

— Como pode isso? A sua filha viaja sem lhe dizer nada e a senhora permite? Que irresponsável! — digo entredentes. Dona Julieta franze o nariz.

— O senhor está bêbado?

Neguei rapidamente.

— Não, é claro que não!

Dona Julieta me encara furiosa, o suficiente para eu me encolher.

— Seu Fernando, não tente me enganar. Você estava dirigindo bêbado, meu Deus — ela rosnou. — O senhor tem noção do perigo? Poderia se matar ou matar alguém!

Odiava a sensação de ter tratado como moleque – mesmo que merecesse – e rapidamente mudei de assunto.

— A senhora não me respondeu!

Ela bufou.

— E como vou respondê-lo? O senhor é tão sem noção! Vem a minha casa bêbado e ainda tem a coragem de me insultar.

Sinto o sangue fugir do meu rosto.

— Insultá-la? Não, eu...

Vi pena em seus olhos, mas ela balançou a cabeça em reprovação e se dirigiu a cozinha em silêncio. Fechei a mão em punho e mordi meu indicador dobrado, tendo consciência da minha estupidez. Precisava parar de agir por impulso. Senti um arrependimento amargo na garganta. Eu a observei colocar água para esquentar e partir um bolo sem cobertura em várias fatias, procurando palavras para me desculpar pela minha atitude horrível.

— Não posso dominar a Letícia como se fosse uma criança, seu Fernando, ela já é uma mulher adulta capaz o suficiente de decidir as coisas por si própria. — falou após alguns minutos em silêncio. — E...

Não disse nada, esperando. Ela suspirou.

— Eu não poderia prendê-la, não depois de vê-la tão... — ciciou e meneou a cabeça para os lados e então sua atenção se concentrou em mim. Havia raiva no olhar dela. — É injusto que o senhor tenha vindo atrás dela depois de tudo que fez.

Eu gelei. Meu corpo inteiro se empertigou e passei a frase umas três vezes na cabeça antes de realmente compreender o que acabara de dizer. Dona Julieta sabia, sabia o que eu fiz a Letícia...

— Eu o respeitava muito, seu Fernando, mas como pôde seduzir minha filha estando comprometido? — a mágoa na sua voz era quase tangível. Me encolhi. — Como pôde machucar o coraçãozinho inocente e puro da minha menina?

— Ela... ela... — sussurrei sem conseguir formular a frase.

Sua expressão endureceu.

— Se o senhor quer saber se Lety me contou, a resposta é não. Mas qualquer mãe desconfiaria após ver pela janela uma discussão que não parecia em nada de uma relação chefe e funcionário.

Relaxei momentaneamente. Ao menos ela não sabia sobre a carta. Quis me socar ao imaginar Letícia envergonhada demais para admitir que mais uma vez fora ingênua.

—  Ela saiu da empresa sem o senhor saber, presumo.

Não consegui dizer nada senão assentir. Eu estava mergulhado num horroroso mar de culpa.

Outra onda de silêncio se seguiu conforme dona Julieta servia chá de camomila e algumas fatias de bolo de leite na mesa de sala.

— Coma um pouco — ordenou com uma voz suave e baixa. — Vai ajuda-lo a ficar sóbrio mais rápido.

Quis dizer-lhe que gostaria de permanecer bêbado, que gostaria de fugir daquela realidade assombrosa. Também desejei contar-lhe tudo que fiz, expor toda sujeira, toda porcaria de vida miserável que vivi. Desejei revelar todos os meus sentimentos, tudo. Da infância dificultosa, do quanto me sentia inferior ao Ariel. Toda dor escondida em meu peito veio como vômito na minha garganta, me sufocando.

Eu só percebi que estava chorando, chorando de verdade, quando a dona Julieta segurou minha mão e seu olhar de pena recaiu sobre mim.

Detestei expor aquela parte fraca que existia em mim e odiei mais ainda o fato de estar mais vulnerável que nunca. Eu era horrível, um homem sem caráter e totalmente mentiroso. Mas nada daquilo era tão doloroso quanto a dor do arrependimento. A dor de ter ferido Letícia brutalmente. A dor de ter magoado a Márcia tantas vezes. Eu era uma escória.

E torci para que aquelas emoções estivessem sendo provocadas pelo excesso de bebida.

 


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Notas finais do capítulo

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