Inquebrável escrita por Danielle Alves


Capítulo 22
Vinte e Dois


Notas iniciais do capítulo

Mais um cap. Espero que gostem. ♥
AGORA VEREMOS UM FERNANDO LOUCOOOOOOOOO



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O homem que não conhece a dor, não conhece a ternura da humanidade. — Jean-Jacques Rousseau

 

LETÍCIA PADILHA SOLÍS

Nunca estive tão hesitante. Olhei ao redor do restaurante enquanto esperava pelo seu Humberto, tentando ignorar aquele pensamento insistente de que estava cometendo um grande erro. Limpo as mãos trêmulas e suadas no meu vestido e reflito que já tomei minha decisão. Nada irá me impedir de terminar o que comecei, mesmo que pra isso eu tenha que me destruir.

Seu Humberto chega não muito tempo depois, me cumprimentando com cortesia. Eu me pergunto se ainda receberei o mesmo sorriso alegre e cortês quando eu expuser o que fiz junto de seu filho. Ele se senta e rapidamente escolhe um vinho doce para bebericar. Digo a seu Humberto que estou sem apetite, mas ele insiste em pagar meu jantar e eu acabo cedendo.

Após uma rápida conversa, percebo que é tomado por curiosidade.

— E então, Lety, que coisa importante é essa que quer tratar comigo?

Meu peito dói pela forma como meu coração acelera e ponho uma pasta azul na mesa antes que eu me arrependa.

— Seu Humberto, antes de tudo... — coloco a mão na pasta no momento que ele faz menção de puxá-la. — Quero que saiba que não tenho a intenção de ficar com absolutamente nada.

Ele me fita por um longo segundo com uma expressão intrigada e assente sem dizer nada. Retiro a mão da pasta e então o observo abri-la e analisar página por página das planilhas e dos verdadeiros balancetes da Conceitos. Primeiro seu rosto fica pálido e então avermelhado. Humberto Mendiola me encara com incredulidade e raiva.

— O que significa isso, Letícia? O que são esses passivos de quarenta milhões de dólares?

Ignoro a vontade de me encolher. Eu tinha que encarar as consequências dos meus erros.

— Esse passivo... Deve-se ao fato da empresa Filmes e Imagens ter embargado a Conceitos.

Seu Humberto fica furioso e se levanta espalhafatosamente, atraindo olhares.

— Essa empresa não é sua?

Eu assinto tentando parecer calma, porém sinto meu corpo tremer dos pés a cabeça. O olhar que seu Humberto me lança é desorientador. O tipo de olhar que faria qualquer um se sentir inferior. Sinto as lágrimas se formarem nos meus olhos e espanto a sensação de arrependimento. Mantenho-me dignamente de queixo erguido.

Não consigo formular palavra nenhuma, sinto como se tivesse chumbo na minha boca. Seu Humberto balança a cabeça para os lados, e então volta a analisar rapidamente os gráficos.

— Fernando sabe disso?

— Sim, — cicio hesitante.

Após mais um longo momento de silêncio, ele enfim pede:

— Conte-me como a Conceitos foi embargada. E é bom você me dizer a verdade ou te coloco na cadeia.

Eu concordo e começo a contar tudo detalhadamente. Digo que fiz tudo porque estava apaixonada pelo seu Fernando, e que ele sabia disso, mas não revelei que tínhamos um caso. Não para preservá-lo e sim porque não queria expor minha intimidade com ele.

Seu Humberto me escutou e notei que estava se esforçando para ser imparcial e não me insultar. Surpreendi-me com tal gesto, embora acreditasse que era indigna de sua complacência. Segurei as lágrimas o máximo que pude porque não queria que me visse como uma coitadinha que precisava de sua compaixão, porém no fim, acabei derramando-as.

— Peço desculpas pelo choro, seu Humberto. Não quero que pense que estou tentando comovê-lo. São apenas lágrimas de ódio por mim mesma por ter sido tão imprudente.

Ele não fala nada, pensativo.

— Também peço perdão por tudo... Por ter sido movida pelo sentimento e não pela razão. Sei que o que fiz é imperdoável e...

— Chega, Letícia, eu não quero ouvir suas desculpas. Elas não valem de nada agora.

Eu mordo o lábio inferior e concordo com a cabeça.

— Só me interessa saber uma coisa. O que preciso dar a você para devolver minha empresa?

Prendo a respiração.

— Absolutamente nada, seu Humberto, como eu disse anteriormente não tenho a intenção de ficar com nada que não me pertence.

Seu Humberto soltou um riso cheio de escárnio.

— O que faz você pensar que acredito em você?

Eu mordo o lábio inferior.

— No fim da pasta há as promissórias e todos os documentos que dizem respeito ao embargo, seu Humberto. Também tem uma procuração em branco para que seus advogados detenham o processo da Filmes e Imagens contra a Conceitos e assim recuperar sua empresa.

Ele procura os documentos no mesmo momento e os examina. Suspiro e empurro uma segunda pasta.

— Nesta aqui há o histórico das movimentações bancárias e o balancete da Filmes e Imagens, assim como um relatório detalhado das transações e do capital inicial da empresa. O senhor pode dispor desse capital a partir de agora porque vou dissolver a empresa.

Seus olhos voltam a encontrar os meus com empáfia.

— E o carro?

— Ele está no estacionamento. — entrego a chave do carro e a carteira com a documentação.

Seu Humberto encara as chaves em silêncio.

— Não entendo como alguém como você pôde ser tão estúpida. Eu te dei um voto de confiança e você quebrou esse voto da pior maneira possível.

Não consigo respondê-lo, porque ele tem razão.

— Fique com esse carro. Não quero essa coisa espalhafatosa.

Nego com a cabeça.

— Não, seu Humberto, o carro pertence ao senhor. Faz parte do seu patrimônio.

Por fim ele pega as chaves.

— Como quiser.

Suspiro e busco na minha bolsa a carta de demissão.

— Aqui está minha carta de demissão, seu Humberto.

— Que bom que você ainda é sensata o suficiente para conjecturar que a quero longe de minha empresa.

Forço um leve sorriso e me levanto. Deixo algumas notas de dinheiro na mesa e me aprumo.

— Espero que um dia me perdoe, seu Humberto.

Ele ri com escárnio.

— Sinta-se agradecida por não estar atrás das grades agora. Saia antes que eu mude de ideia e inicie um processe contra você.

Meu corpo inteiro pesa. E ao invés do alívio, sinto-me impiedosamente aflita quando parto.

 

 

FERNANDO MENDIOLA

Letícia não acreditava mais em mim.

E nem posso me dar o luxo de ficar chateado porque a culpa é totalmente minha.

Pensei que seria capaz de conciliar tudo ao mesmo tempo – meu romance com a Letícia, o noivado com a Márcia e a presidência da Conceitos – com excelência. Mas agora, tarde demais, percebo que não.

Deslizo dedo na foto de Letícia e beberico uma boa dose de uísque. Começo a me lembrar de seu beijo, da suavidade de seus lábios de encontro aos meus, da ternura de seu toque e daquele amor tão puro e aconchegante que me faz sentir o homem mais especial do mundo. Meu peito se comprime em tristeza porque sinto que estou prestes a perder tudo isso, que estou prestes a perder o amor da minha vida por causa da minha teimosia. Sinto lágrimas se formarem nos meus olhos e me sinto enclausurado, preso nas minhas mentiras e nas minhas responsabilidades.

Não sei se suportaria uma vida onde não pertencesse a Letícia, mas não consigo abrir mão daquilo que adquiri com tanto esforço.

Pressionei a mão no peito. Sentia aquela agonia dominar minhas entranhas, me enchendo de culpa, de tristeza e de angustia. Chorei silenciosamente recostado na porta do banheiro até estar bem o suficiente para encarar meus pesadelos diários.

O dia passou depressa. Infelizmente mal consegui ter tempo para ver Letícia. Tive de ir a um almoço de negócios acompanhado de Márcia – por insistência da minha adorável assistente – e tive às duas horas mais longas e insuportáveis da minha vida, tendo que resistir a vontade de me afastar de Márcia cada vez que me tocava. A voz melosa e irritante da minha noiva estava me tirando nos nervos o suficiente para ter que beber mais que duas doses de uísque. Ao menos havíamos conseguido mais um comercial para gravar.

Mas eu estava preocupado. Preocupado com minha relação com a Lety, com a forma como parecia tão flexível ao noivado. Eu estava com um péssimo pressentimento com relação a isso.

Entrei na sua sala silenciosamente e a flagrei brincando com os próprios dedos, totalmente distraída observando a tela azul do computador. Me aproximei ansiando por ela, como se apenas tocá-la pudesse afastar a sensação de ter sido tocado por Márcia. Lety arquejou de susto quando me inclinei e beijei seu pescoço.

— Ah, seu Fernando! — ralhou com uma careta — Que susto você me deu.

— Estava pensando em quê? – não consegui conter a curiosidade. Esfreguei meus lábios na sua bochecha e a mordi.

Ela suspirou e eu contive minha satisfação.

— Nada em particular — sussurrou.

— Hum... — Lambi seu maxilar até atrás de sua orelha e a puxei para que ficasse de pé a minha frente. Fitei seu rosto suavemente corado e decidi que era melhor não questioná-la como um lunático. Eu já havia a enfadado demais com minhas atitudes. Então simplesmente colei meus lábios nas dela e a beijei como merecia, pressionando o corpo no dela como se minha vida dependesse disso.

Talvez nunca pudesse detalhar como era intenso o sentimento que me consumia cada vez que a beijava, cada vez que a tinha em meus braços. Eu queria possuí-la por completo, que fosse apenas minha, que não houvesse mais nenhum outro homem senão eu em sua vida. Reconhecia que talvez fosse um pensamento antiquado e arcaico, no entanto não conseguia conter aquelas emoções, aquele sentimento arrebatador de leva-la para longe e toma-la quantas vezes quisesse. Era minha. Letícia era só... Minha. A única pessoa da face da terra que eu poderia ser eu mesmo.

Mesmo assim eu sabia que nossa relação estava abalada, apesar de seu corpo ainda reagir ferozmente aos meus toques. Ela gemeu nos meus lábios e decidi que deveria parar antes que cometesse o mesmo erro do dia anterior.

Jamais me esquecerei das emoções que transpareceu em seus olhos quando se dera conta do que estávamos fazendo. Sabia que havia se sentido uma mulher vil por minha causa.

Nossas respirações estavam ofegantes quando nos afastamos. Suas mãos deslizaram pelos meus braços quando seus olhos foram de encontro ao meu.

— Eu te amo. — declarei. Esperei aquele brilho de felicidade estampar em seu rosto, no entanto Letícia recebeu a declaração com apenas um leve sorriso e um olhar impassível. Me esforcei para não desmanchar na frente dela.

O que eu estava esperando? Eu também não acreditaria em mim se estivesse no seu lugar, mas não conseguia me conformar com isso.

— Eu também te amo. — disse simplesmente, sem muita emoção na voz.

Não consegui fazer nada senão abraça-la e ficar em silêncio. Ela pigarreou.

— Está tudo bem, seu Fernando?

Eu fechei os olhos com força.

— Está sim, Lety, por que não estaria? Tudo fica bem quando você está comigo. — Não era mentira.

Lety se afastou para firar meu rosto com o mesmo sorriso leve, e então se aproximou para me beijar lentamente. Repentinamente voltei a sentir a ternura e o calor de seu amor, então, após isso, ela me abraçou com força. E então disse: 

— Vai ficar tudo bem, ok? — prometeu. Consegui sorrir e assenti.

Dentro de mim ansiei por uma oportunidade de mudar de vida, de poder ficar com a mulher que verdadeiramente amo e ficar livre dos meus deveres. Ansiei por uma oportunidade de viver a promessa dela. De que tudo ficaria bem.

Fiquei feliz pelo retorno dos meus pais, mas ao mesmo tempo extremamente nervoso. Não conseguia expulsar aquela sensação de que algo estava muito errado, principalmente quando nos reunimos para assistir um filme em família depois que papai chegou sabe-se lá de que compromisso.

Ele me encarou por um longo momento com uma indecifrável expressão. Me senti pequeno sob seu escrutínio, como quando criança. Mas não me atrevi a dizer nada por puro medo. Eu esperava que meu pai não tivesse descoberto nada. Não sei se saberia lidar com sua rejeição. O conheço o suficiente para estar consciente que serei duramente punido se souber o que fiz... Se descobrir que a Conceitos está embargada será meu fim.

A preocupação me dominou de tal maneira que não consegui pregar os olhos.

Eu estava me sentindo sobrecarregado quando cheguei a Conceitos, e aquele pressentimento persistia em me assombrar. Mas eu tinha um péssimo histórico com paranoias e decidi não dar ouvido àqueles pensamentos insistentes com muito esforço.

Cheguei atrasado na Conceitos. E quando adentrei minha sala flagrei meu pai saindo da sala de Letícia. Ele parecia muito chateado, mas quando me viu, cobriu o rosto com uma máscara de felicidade.

— Bom dia, Fernando. Está atrasado.

— Bom dia, papai, perdão. Não tive uma boa noite de sono — admiti seguindo para minha cadeira. Meu pai sentou de frente pra mim.

— Você tem trabalhado demais. Não deveria estar ajudando Márcia com os preparativos do casamento? Talvez te ajude a espairecer. — a forma como me fitou me deixou um pouco receoso. Parecia que estava esperando algo de mim. Tentei ignorar isso e suspirei.

— Não, papai, tenho muito trabalho a fazer. Ontem fechamos dois grandes contratos de comercial para uma empresa internacional de cosméticos. E além do mais, — pigarreei ao ligar o computador – Márcia e eu concordamos que ela iria preparar o casamento sozinha.

Vi o sorriso do meu pai vacilar e ele assentiu. Meu coração acelerou.

— Mas é bom, — continuei um pouco nervoso, — quando nos casarmos estarei descansado o suficiente para dar a Márcia todo tempo do mundo e fazê-la feliz.

Será possível que esteja desconfiando de mim com a Lety?

Papai alargou o sorriso e eu suspirei com certo alívio.

— É claro que a fará feliz, ela merece afinal. — enfatizou. — Márcia sempre te amou e sempre fez o que pode para fazê-lo feliz.

Forcei um sorriso.

— Sim, — disse simplesmente. — Ela merece mesmo.

Após uma breve conversa sobre os futuros projetos, papai se despediu e finalmente pude ir à sala de Lety. Mas sou pego desprevenido quando percebo que a sala dela está completamente vazia.


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