26 de novembro. Ações de graças. Sempre foi meu feriado favorito, a casa era inundada por um cheiro espetacular de comida saindo do forno, além de estar cheia de pessoas queridas. Irônico né? Já que há uns dois anos passo esse dia sozinha. Ossos do ofício de se mudar para longe de sua família e não ir visitá-los. Eu sei o quanto isso soa frio e egoísta, não é que eu não sinta falta de todos eles. Pelo contrário, sinto todos os dias. Eu só não sei se consigo voltar para um lugar que me exigiu muita coragem para ir embora.

Com toda essa distância, nossa maior fonte de comunicação se tornou as ligações de vídeo chamada e as mensagens de WhatsApp.  Geralmente, meu pai me liga todos os domingos para saber se está tudo bem. Já minha mãe, liga a qualquer momento para perguntar quando irei até eles. Porém, desde o dia que a avisei que não iria às ações desse ano, somente meu pai continuou me ligando. E acreditem, isso deve doer mais em mim do que nela.

— Não me diz que ira trabalhar hoje. – Disse Jess ao telefone.
— O que mais eu poderia fazer? – Questionei.
— Daqui a quarenta minutos estou chegando com chester. – Disse ela se convidando. — O mínimo que você pode fazer é arrumar a mesa. – Complementou.
— Eu não como carne, Je. – Respondi desanimada.
— Por isso também estou levando um assado de legumes . – Argumentou ela.
— Ok. – Me rendi. – Jess... – Chamei-a antes de desligar. – Obrigada! – Agradeci.
— Liz... – Pronunciou do outro lado. – Minha família esta no Canadá, agora você é minha família aqui. – Respondeu ela.

Apesar de sentir que sou amiga da Jess a anos, a verdade é que nos aproximamos a pouquíssimo tempo. Ela foi transferida recentemente para o mesma revista que faço parte e acho que nossa aproximação se deu pelo ódio mútuo por Lauren. Afinal, nos estagiarias como nos típicos filmes de Nova York, servimos para buscar cafés, escrever textos que não são reconhecidos e betar artigos que não são de nossa autoria. E além de tudo isso, eu e Jessie estamos sozinhas nessa cidade.

— Belo vinho. – Disse Jess brincando com a taça na mão.
— É o favorito do meu pai. – Comentei enquanto passava os olhos pelo rótulo da garrafa.  
— Hey! – Exclamou Jessie chamando minha atenção. – Me diz mais sobre a sua família. – Pediu empolgada.
— Sério? – Estranhei. – Por quê?
— Porque eu já te contei que tenho uma irmã de quatorze anos aspirante a Taylor Swift. – Disse ela rindo. – Mas eu nem se quer sei se você tem irmãos. – Argumentou.
— Bom, tenho. – Afirmei. – Quatro, para constar. – Disse fazendo-a quase cuspir o vinho pela boca.
— Meu Deus. – Expressou Jess surpresa. – Existe televisão em Middletown? – Questionou risonha.
— O sonho da minha mãe sempre foi ter uma grande família – Respondi ainda rindo de sua piada sem graça.
— Minha mãe teve só duas filhas. – Falou Jessie enquanto fazia o sinal do número dois com os dedos. – E acredite, ela diz que foi traumatizante o bastante.
— Porque ela não conheceu meus irmãos – Ri.
— Me conta mais sobre eles. – Implorou.  
— Os mais novos são gêmeos. – Comecei a explicar. – Nicholas e Louise. Ele totalmente sem juízo e ela completamente o oposto.
— Quantos anos eles tem? – Perguntou.
— Dezessete. – Respondi. – São oito anos mais novos que eu.
— E os outros? – Prosseguiu curiosa.
— Drake é dois anos mais velho. – Comentei. – Quebrou o coração de todas as minhas amigas do colegial. – Disse rindo.
— Já quero conhecer. – Indagou Jessie interessada. – Me mostra alguma foto. — Pediu.
—Ok. – Peguei meu celular e a mostrei, na foto estava meu pai e meus dois irmãos.
— Caramba, esse do meio ganhou meu coração. – Disse ela.
— Jessie, esse é meu pai. – Falei com a mão na barriga de tanto gargalhar.
— Estou brincando. – Justificou. – Mas como você me escondeu esses tesouros por tanto tempo? – Implicou ela.
— Nem me pergunte. – Disse ainda sem fôlego de tanto rir. – Por fim, Melanie. A primogênita. – Disse a mostrando outra foto.
— Você se parece mais com ela. – Comentou Jessie.
— Ela é modelo. – Complementei. – Foi a primeira a sair de casa.
— Onde ela mora? – Perguntou.
— Digamos que ela está sempre viajando, não tem um lugar fixo. – Tentei explicar. – Mas de vez em quando volta para ficar um tempo em casa.
—E você? – Começou Jessie. – Porque nunca volta? – Questionou.
— É complicado... – Balbuciei. – Aquele lugar me traz péssimas lembranças.
— Tão péssimas assim? – Rebateu Jessie. – Porque em todo o tempo que você descreveu sua família estava com um sorriso de orelha a orelha.

Automaticamente abaixei a cabeça, esse sempre foi um assunto um tanto quanto delicado para mim. Mas Jessie prosseguiu:

— Sabe Liz, pelo pouco tempo que te conheço já percebi que você nunca utiliza suas férias, seus dias de folga e os feriados. – Argumentou. – Eu também estou longe de casa, e eu sei o quanto é difícil.  – Meus olhos lacrimejavam. – E eu sei também que Middletown não é o melhor lugar para você estar, mas apesar disso é onde sua família está. – Finalizou.
— Jess... – Disse com a voz um pouco fraca. – Não é que eu não queira vê-los, eu só não sei se  consigo agora. – Comecei a explicar.
— E se você nunca conseguir? – Jessie me questionou.

Aquelas palavras doeram, porque no fundo, eram todas verdades. Eu vivo adiando o momento em que terei que voltar e nesse meio tempo perdi bons momentos em família. Tudo isso por constrangimento e medo. Medo de ter que reencontrar toda a dor que um dia eu deixei por lá.

Virei em apenas um gole todo o vinho que restava em minha taça, peguei meu celular em cima da mesa e sai andando em direção ao banheiro. Com a visão ainda embaçada devido meus olhos marejados, procurei pelo número de minha mãe.

— Alô? – Ouvi sua voz do outro lado da linha, parecia preocupada, afinal eu quase nunca ligava.
— Mãe. – Falei aos prantos.
— Oi meu docinho. – Respondeu ela com todo o amor do mundo.
— Eu te prometo que em breve estarei ai. – Disse então.