Sangue escrita por Salomé Abdala


Capítulo 62
Capítulo 60 – Cabeças entregues


Notas iniciais do capítulo

o nome de verdade do capítulo era: Capítulo 60 Cabeças entregues em bandejas de prata.
Mas não cabia aqui xD



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-Como assim voltar para Alvinópolis? – disse Fip consternado.

 -Não é bem voltar, Fip. Mas eu não vim preparado pra ficar. Tem um monte de coisa que eu tenho que olhar. Tem a transferência da escola, tem minhas coisas pra buscar. Tenho que falar direito com a minha tia, enfim, não dá pra simplesmente ficar aqui.

-Tá, mas quando você volta? Quando você vai?

-Eu ainda não sei. Queria ver contigo se você podia ir comigo... tipo num final de semana, sei lá.

-Você sabe que eu ando tendo ensaios extras.

-Sei...

-Ai fica difícil.

-Eu entendo. Bem, sei lá. Eu posso ir tipo na quinta e voltar na próxima quarta.

-Você vai ficar lá esse tempo todo?

-É ué! É o tempo de organizar minhas coisas!

-Que tanto de coisa que você tem pra organizar assim?

-Fip! Para com isso! Eu vou quinta e volto na quarta, pronto! Eu preciso correr atrás das papeladas pra transferir a escola, fazer matrícula, tem um monte de coisa!

-Nem é tanta coisa assim! Você tá é querendo enrolar lá pra ficar perto do Felipe!

-Quê? Quê??? Peraí! Não! Pera. Para um pouco, escuta o que você tá dizendo! Você tem ideia do quão absurdo é isso que você tá falando?

-Eu não sei não! Você anda tão diferente que eu nem te conheço mais.

-Depois eu que sou dramático.

-Ah, Flavius para com isso você também! Se você quer ir lá se engraçar pro lado do Felipe é um problema seu! Mas não precisa ficar inventando essas desculpinhas!

-Que mané desculpinha, Fip. Eu só preciso... ah! Eu não preciso disso. Se você não quer acreditar em mim foda-se.

-Eu to brincando com você seu bocó. – disse puxando o menino pelo braço – É brincadeira. Eu sei que você não quer nada com o Felipe... ou quer?

-Por que isso de repente? Essa desconfiança do Felipe?

-Eu já disse que era brincadeira.

-Mas você não fazia esse tipo de brincadeira antes. Por que agora?

-Sei lá. Depois do que ele fez eu fiquei meio... ah sei lá.

-Você tá mesmo desconfiado de mim?

-Claro que não amor. – mentiu  - É só que eu sei que o Felipe tá doido por você. E eu não fico confortável em saber que você estará lá sozinho com ele. Sei lá. Não é que eu ache que você tenha algum interesse nele, mas todo mundo diz que ele é parecido comigo, vai que você se sente sozinho e vai atrás dele pra ter algum consolo?

-Ah, Fip. Para com isso. – riu-se – Por mais parecido que ele seja contigo... ah sei lá! Vamos mudar de assunto. To começando a ficar nervoso.

-Sei... sei. Bem, eu tenho que ir para o ensaio. Tudo bem?

-Ah... tudo. – disse com um ar meio decepcionado.

-Que foi?

-É que é um porre ficar nesse hotel sozinho. Você, o Michel e a Natasha estão trabalhando... e eu acho que precisava arrumar alguma coisa pra fazer também.

-Mas você não vai voltar pra escola? Logo vai ter o que fazer. E além do mais, a gente logo vai mudar pro apartamento novo e não vai ser tão chato de ficar quanto aqui.

-É... eu sei... eu sei... é por isso que eu quero ir logo pra Alvinópolis. Pra resolver essas coisas.

-Entendo... eu entendo. Bem, então vamos comprar sua passagem na hora do almoço? Eu, você e o Michel?

-Sim. Sim! Vamos!

-Ótimo! Estamos combinados então!

...

Natasha abriu os olhos e ficou a mirar o teto. Estava especialmente indisposta hoje. Daria uma pequena fortuna para não ter que sair da cama. Olhou para o lado e ficou a observar Artur enquanto ele ainda dormia. Havia chegado tarde na noite anterior... bebedeira com os amigos. Ela refletia se deveria se importar com isso. No fundo sentia que não, mas algo, como uma voz no dentro de sua cabeça, dizia que aquilo não estava certo. Essa pequena voz às vezes a invadia. Era como se uma miniatura da sua mãe vivesse dentro dela, assinalando tudo que estava direito ou não.

E ela, Natasha, mesmo que discordasse da opinião materna, não deixava de escutá-la, ressoando no fundo de sua mente: “Olha essa casa como está! Uma bagunça! Não se pode viver desse jeito! E esse menino! Passa o dia inteiro jogando videogame, bebendo, fumando maconha enquanto você se mata de tanto trabalhar naquele restaurante! Isso não está certo! Não está certo!”. Natasha tentava contra atacar: “Ah que saco! Os pais dele tem dinheiro! Ele pode se dar ao luxo de ficar a toa! Quem dera eu pudesse fazer isso também.”. E constatava que talvez aquele incômodo fosse um pouco de inveja. Vontade de poder fazer nada também. “Saudade de quando eu ficava o dia inteiro fazendo porra nenhuma na casa do Chico....”

Tentou se levantar. Caminhar naquela casa às vezes era difícil. Tanta coisa espalhada pelo chão que ela mal se lembrava de qual a cor do piso. Textos de faculdade se misturavam a cuecas sujas, camisetas limpas, garrafas vazias, pratos, discos e revistas... um resto de pizza de sabe-se lá quando, uma meia cor de terra... formavam uma composição até bonita. Ela pessoalmente gostava daquilo tudo, mas a censura materna rondava seus instintos sempre que a situação chegava a esse estado crítico. Era como se houvesse algo de pecaminoso naquele estilo de vida, mesmo que fosse o que sempre sonhou: “Por que a gente sente essa necessidade de agradar aos outros mesmo quando não há ninguém perto? Por que às vezes a gente prefere viver mal, mas de acordo com o que os outros querem a viver do jeito que a gente gosta? Eu podia deixar de trabalhar, o dinheiro do Artur e do Chico são o suficiente pra me sustentar numa boa. Mas fica essa vozinha na minha cabeça falando que eu não posso ser uma a toa. Que eu não posso ser sustentada por homem. Que eu TENHO que produzir alguma coisa, ter meu próprio dinheiro, meu próprio trabalho... pro inferno isso tudo! Vontade de mandar tudo à merda...”

Artur se revirou na cama, seu corpo nu enrolado nos lençóis fazia a garota desejar ainda mais não sair da cama:

-Que horas são? – ele disse sem abrir os olhos.

-Quase sete.

-Tão cedo?

-É... tenho que ir pro trampo.

-Vai não. Fica aqui.

-Meu sonho... Mas o Chico já arrumou o apartamento novo e a gente tem que pagar a mudança e tudo. – disse meio que justificando a si mesma o porque de precisar daquele trabalho.

-Ah Natasha... sejamos sinceros. Você praticamente mora aqui! Não precisa disso.

“Será mesmo? ”. E lhe vinha a mente o ambiente no seu trabalho. As pessoas eram legais, e ela estava aprendendo coisas espetaculares! Na verdade era até divertido estar lá... era a obrigação que a matava. O salário baixo... esse tal de cumprir horário, ter de estar lá independente do seu mau humor... isso que dificultava as coisas... trabalhar em si não era ruim... eram essas condições... essas más condições na verdade. Enfim, parecia-lhe que com a idade ia ficando cada vez mais difícil ter uma opinião formada sobre algo...

-Ah, amor. – disse esfregando os olhos – Você sabe que não é tão simples.

-Eu sei, eu sei. Vem cá. Me dá um beijo de despedida pelo menos.

...

-Fip. – disse Michel logo assim que o ensaio terminou – Tem um senhor lá fora que quer falar contigo.

-Um senhor? Querendo falar comigo? – disse enquanto tirava as sapatinhas – Quem é?

-Eu não sei. – mentiu - Ele disse que era importante.

Fip saiu do vestiário um tanto encabulado. Michel se sentou no pequeno banco e ficou a refletir se havia feito a coisa certa. Manuel, percebendo sua expressão aflita se aproximou:

-Algum problema?

Michel lançou sobre ele um olhar amargurado, sabia do seu envolvimento com Fip e não conseguia disfarçar o quanto isso lhe incomodava. Manuel percebia claramente a censura no olhar do rapaz, mas se esforçava em ignorá-la:

-O pai do Fip está ai. Quer falar com ele.

-Vish. – disse se sentando ao lado de Michel – E você o deixou entrar?

-Sim. Na hora pensei que eles devem uma conversa franca um ao outro. Mas agora estou com certa dúvida se agi certo.

-Sei lá. No fundo acho que agiu. Como você mesmo disse, eles devem uma conversa franca um ao outro.

Manuel observou o olhar de Michel e decidiu falar:

-E quanto a mim? Pensa que lhe devo uma conversa franca?

-A mim? Não vejo porque...

-Ora, não se faça de bobo. Eu sei que você sabe o que está rolando entre eu e Fip.

-Claro que sei, vocês não estão fazendo muita questão de disfarçar.

-Achava que não tinha nada a esconder. Fip tinha me dito que ele e Flavius iam terminar. Mas agora me parce que não mais.

-Sim.... é o que parece.

-E você me repreende por isso? Julga que eu agi errado?

-No fundo, no fundo sim. Mas eu já estive na sua posição. Fip sabe ser especialmente encantador quando quer. Ele arma uma teia de atrações e quando você menos espera, por mais que se julgue imune a ele, está caído aos seus pés.

-Ahahahahahaha! É basicamente isso.

-Pois é....

-Olhe, eu não sei se isso muda alguma coisa. Mas eu realmente não esperava que Flavius fosse aparecer. Quando eu e Fip começamos a sair... bem, eu não vou mentir... eu sabia que ele e Flavius ainda estavam juntos. Mas pensei que fosse uma questão de tempo até tudo ruir. Por isso não me importei em prosseguir com isso.

-Manuel, desculpe se de algum modo eu deixei a entender que você me deve alguma satisfação sobre isso. Você não precisa me explicar nada, ok? Você e o Fip são adultos, vocês tem idade para lidar com suas consciências e saber o que fazem. Mas, se você acha que deve explicar algo a alguém, (ou a você mesmo) explique isso ao Flavius. Ao que me parece ele te considera um amigo e pode querer ouvir o que você tem a dizer.

Manuel engoliu em seco. Não estava se sentindo muito confortável com essa ideia. Pensava, talvez para aliviar o próprio sentimento de culpa, que se alguém deveria  ter essa conversa com Flavius, esse alguém era o próprio Fip. Afinal eles eram o casal. O problema, mesmo que trespassasse por ele, era, na verdade, deles:

-Obrigado por isso. – ele disse – Mas acho que só farei isso depois do Fip contar a ele... isso se o Fip contar.

-É uma boa decisão. Ah, sei lá. Pra mim é meio desconfortável ficar no meio disso. Porque eu sou amigo do Flavius, mas também sou amigo do Fip. E é meio chato deixar o Flavius ser enganado assim. Tipo, eu no lugar dele gostaria que ele me contasse... mas, por outro lado, como amigo do Fip eu não me sinto confortável em contar.

-É... acho que não é uma situação agradável pra ninguém.

-Bem, eu preciso voltar para a portaria.

-Ok, até mais.

-Até.

Despediram-se sem muita cordialidade.

...

“-O que você quer?

-Isso é jeito de receber o seu pai?

-Ah, me poupe! Diz logo o que tu quer.

-Seu moleque mal educado! Eu juro que se não tivesse nessa cadeira de rodas eu te enchia a cara de porrada pra você aprender a respeitar seu pai!

-O foda é que você ESTÁ nessa cadeira de rodas. E com isso quem pode encher a sua cara de porrada sou eu! E nem vem reclamar da minha má educação porque, até onde eu me lembre, você é ,eu pai, quem me educou foi você. Logo se eu sou mal educado é porque você não fez seu trabalho direito. – eu disse pegando a cadeira dele e o arrastando lá pra fora – Agora vamos falando o que você quer, mas bora fazer isso lá fora que eu não quero que me vejam perto de você.

Ele segurou minha mão com força e disse:

-Eu posso ir até lá sozinho!

Soltei a cadeira:

-Melhor assim. – fui andando na frente. Ao passar pela porta fiz questão de fechá-la para que ficasse mais difícil para ele passar.

Lá de fora eu dei uma manjada na situação e percebi que ele não tinha trazido guarda costas. Confesso que foi certo alívio. Talvez ele não tivesse a intensão de me quebrar inteiro como fez com o Felipe. Eu nunca entendia direito o meu pai. Eu não sabia o quanto ele estava puto comigo pelo lance que aconteceu com ele. Na verdade nem sei se ele sabe que eu estive por trás disso. Penso que se ele soubesse já teria me arrebentado inteiro, mas pensar que ele possa estar esperando uma hora boa pra fazer isso me dá certo medo:

-E então? – eu disse me sentando em um banco da pracinha em frente ao teatro – O que você quer?

-Por que você é desse jeito? Que raiva é essa que você tem de mim, moleque?

-Você jura que não sabe? Você fez minha mãe ir embora, me rachou no meio sei lá quantas vezes e passou a vida inteira me infernizando! Falando que eu era uma aberração, uma vergonha! Você sempre me tratou como se eu fosse um bosta e agora quer que eu me derreta todo quando te vejo?

-Sua mãe foi embora porque quis! A obrigação dela como esposa e mãe era ter ficado naquela casa! E você mereceu cada surra que levou! Eu sou seu pai e você tem que aprender a me respeitar! Você sempre foi um moleque muito escroto, muito atrevido! Não sabe respeitar ninguém, só pensa em você! Você é mau! Eu vejo isso no seu olho! Eu tentei concertar você! Mas você é tão ruim, mas tão ruim, que nem te quebrando no meio você voltava atrás! Você é um bicho teimoso que nem Deus dá jeito!

-Eu chamo isso de coragem. Coragem de agir de acordo com o que pensa e não do jeito que mandam. Mas você nunca vai entender o que é isso, porque sempre foi um pau mandado daquele velho.

-AQUELE VELHO É SEU AVÔ SEU INFELIZ! – ele disse quase ficando vermelho de tanta raiva. Engraçado mas não senti o medo que costumava sentir. Ele deu um murro no braço da cadeira de rodas e disse – ELE SE SACRIFICOU A VIDA INTEIRA PRA TE DAR ESSA VIDA DE BURGUESINHO DE MERDA QUE VOCÊ TEM! SE VOCÊ NÃO PRECISA MORRER DE TRABALHAR QUE NEM UM PRÓPRIO COITADO PRA SUSTENTAR SUAS VIADICE É PORQUE AQUELE VELHO EXISTIU! VOCÊ TINHA QUE TER MAIS RESPEITO! 

-Tá bom, tá bom. Minha comoção chega a causar piedade no próprio Cristo agora. Estou morrendo de pena do velho Chico que herdou uma fortuna de outro velho e continuou tocando os negócios da família. Realmente muito sacrificante.

-Você não sabe nada da vida! Será possível que eu não consegui te ensinar nada? Nada!?

-Não! Você me ensinou muita coisa! Você me ensinou a não gostar de ninguém. A não confiar em ninguém. Me ensinou que gente não presta, que o amor não existe e que a vida é um monte de merda jogada no ventilador. Acho que é até bastante coisa.

-Puta que pariu! Mas você é um bando de estrume mesmo! Eu não sei de onde que veio essa genética podre! Deve ter vindo lá daquela família de biscate da sua mãe!

-Ah claro! Porque a sua família é um exemplo de primor! A moral encarnada! Por que foi mesmo que a gente saiu tocado de Alvinópolis? Porque o vovô tava comendo uma guria de doze anos né? Mas ai tudo beem, porque ele tava sendo macho né? Comer criança pode, só não pode ser viado! Ah, vá pra puta que te pariu pai! Que eu vou morrer sem entender essa moral escrota que você prega!

Ele ficou me encarando meio que mordendo os dentes. Parecia um cachorro raivoso. Eu sabia que ele estava sem saber o que me responder. Era nessas horas que ele voava em cima de mim e começava a descer a porrada. Mas agora ele não podia... não conseguia. Imagino o quão frustrante, para um homem como ele, isso deve ser. Por fim ele disse:

-Eu só peço a deus que um dia você se arrependa de tudo isso que você faz. Que você queime no inferno pra sempre por toda essa merda que você é!

-Nisso concordamos, pois eu te desejo o mesmo. Bem, foi lindo o nosso encontro fraterno entre pai e filho. Agora eu preciso dar meu cu pra todos os homens pauzudos que estão lá dentro do teatro. Eles adoram me fazer de putinha deles sabe? Me puxar pelo cabelo, esporrar na minha cara, me dar tapa no rosto e me chamar de vadia. É a diversão da vida deles. – eu disse me levantando porque sabia que depois dessa, ele ia tentar voar em cima de mim independente de qualquer dificuldade física.

Só que, para minha surpresa, ele se contentou em abaixar a cabeça tapando o rosto e dizendo:

-Eu sinceramente não sei que tipo de prazer macabro você sente fazendo isso com as pessoas.

De certo modo aquilo me atingiu mais forte que qualquer soco. A expressão decepcionada dele diante de mim acabou por me ferir de algum modo. Sei lá porque. Eu nunca liguei pra esse cara, pra o que ele pensa de mim ou qualquer coisa do tipo... mas, sei lá. Por mais estúpidos que nossos pais sejam, no fundo, no fundo, a gente sempre quer ter um pouco da admiração deles... Eu disse:

-Tá bom, nessa eu sei que exagerei. Desculpa ai. Mas enfim. O que é que você queria me dizer?

-Eu quero saber onde está o Felipe.

-Eu não quero ver a cara desse filho da puta nem pintada de ouro! Ele tentou me roubar! E se ele aparecer na minha frente eu estouro ele inteiro!

- Por acaso você sabe o que ele andou fazendo? Você sabe que filha da putagem esse viado de merda fez?

-Nem quero saber.

-Ele deu um golpe na mãe! Fez a sua tia assinar uns contratos da empresa e passou tudo pro nome dele! E você vai ficar do lado dele, lógico! Vocês não tem nenhuma preocupação com a família mesmo! Seus valores morais são tudo invertido! Roubar a mãe pra vocês deve ser uma coisa normal, aceitável.

-Ah pai! Para com esse exagero histérico vai! Eu não sabia disso! – mas confesso que penso que aquela filha da puta bem que mereceu isso! E que o Felipe passou a ganhar meu respeito depois disso. Mas preferi ser estratégico, já que eu também tinha minhas diferenças com o Felipe pra acertar – E se você quer saber eu não estou surpreso porque aquele bostinha lá nunca valeu nada! Nunca vi alguém mais covarde, duas caras e cretino que o Felipe. E você pode falar o que quiser de mim! Pode me chamar de viado, egoísta, metido, cretino o que for! Mas desonesto eu nunca fui!

-Eu sei disso. É por isso que eu vim aqui atrás de você! Pra você me dizer onde aquele moleque está! Eu vou fazer ele devolver o que roubou da minha irmã!

-E acabar com a raça dele, aposto!

-E você quer que eu deixe por isso mesmo?

-Não! Eu não quero! O Felipe também andou pisando no meu calo e eu tenho um monte de diferença pra acertar com ele! Mas eu não sei onde ele está! Infelizmente! Porque bem que eu queria arrebentar a cara dele!

-Arrebentar a cara dele é muito pouco perto do que eu vou fazer quando colocar as mãos naquele cretino!

-Não dessa vez! Eu vou pegar ele primeiro! Aquele desgraçado tentou fuder a minha vida e eu to doido pra encontrar ele na minha reta! Eu não tinha feito nada em respeito a tia Olívia. Mas já que você disse que tá todo mundo querendo a caveira dele eu vou arrumar um jeito de achar aquele maldito.

-Se você descobrir onde ele está me avisa! A gente já colocou um monte de gente atrás dele! Eu acho que ele tá em Alvinópolis! Mas lá a gente não pode entrar. Você pode! Podia ver se ele foi pra casa do... pra sua casa.

-Pode deixar. Eu vou descobrir. E eu trago ele pra cá. Ai do resto você cuida.

-Eu quero esse desgraçado morto! Quero esfolar ele inteiro!

-Então deixa eu cuidar disso. Ele também me ferrou bonito. Também me passou pra trás. Abusou da minha hospitalidade e mais uma porrada de coisa! E se, ainda por cima, ele tiver usando a minha casa pra se esconder... ah! Deixa isso comigo, pai. Deixa eu matar ele! Você encobre as provas, mas deixa eu cuidar do Felipe?”

...

-Que horror! – disse Rebeca fechando o diário – I... isso aconteceu?

-Aconteceu. – disse Michel com um tom sombrio.

-Não aconteceu! – disse Natasha categoricamente – Felipe morreu num acidente de carro!

-Poucos dias depois disso! – respondeu Michel – Por favor Natasha! Não acredito que você seja tão ingênua!

-O Chico jamais seria capaz de matar alguém!

-Você fala isso porque não ouviu essa conversa! – disse Michel – Eu ouvi! Eu estava na portaria! Escutei o Fip falando com o pai! Eu vi a cara dele! Ele estava disposto a isso! Ele queria matar o Felipe!

-NÃO! –Disse Natasha – Eu já li esse diário! Nele o Chico DIZ que foi um acidente!

-Ele pode ter mentido! Ele sabia que o diário seria lido! Ele não queria que pensássemos que ele era um assassino!

-E desde quando o Chico ligou pro que os outros pensam? Se ele tivesse matado o Felipe não ia tentar esconder de ninguém!

-Você quer acreditar nisso Natasha! Eu queria também! Eu passei todo esse tempo tentando me convencer que foi uma coincidência infeliz! Mas não dá pra fingir mais! É óbvio o que aconteceu aqui naquela época! O Felipe foi morto! Foi morto pelo Fip!

-Eu duvido! Duvido muito!

-Natasha a gente precisa aceitar a verdade! Eu amei o Fip tanto quanto vocês! Mas  tive que lidar com isso! Eu passei todo esse tempo tentando entender! Tentando aceitar! Eu até acho que ele pode ter agido certo. Sei lá, do tanto que o pai dele era violento ele pode ter tentado evitar que o Felipe sofresse mais que o necessário... mas sei lá! Ele estava com raiva do Felipe! Ele queria o Felipe morto!

-Ele NÃO fez isso! – gritou Natasha!

Rebeca e Pierre se entreolharam, estava claro para eles que aquela discussão já tinha acontecido antes. Natasha e Michel já haviam entrado em conflito por causa desse assunto diversas vezes. E o resultado era sempre o mesmo... essa frustração. Por um lado Natasha relutante em admitir o óbvio (segundo o ponto de vista de Michel). E, por outro, Michel insistindo em transformar Fip em um assassino. Flaviu permanecia de braços cruzados, a boca muito branca, pés inquietos. Rebeca achou por bem interferir:

-Pessoal, por favor, vamos parar com isso? Não cabe a nós julgar ou imaginar o que aconteceu. Vamos ler o diário e considerar o que ele diz.

-O diário diz que foi um acidente! – disse Natasha.

-O diário pode estar mentindo! – disse Michel

-O que você acha, Flavius?  - disse Pierre.

-Eu sei. – disse o menino descruzando os braços e desligando o gravador de Pierre – Sei que o diário mente. Fip me contou a verdade na época. Mas você pode ficar relaxado Michel. Você também Natasha... Fip não matou ninguém. Ele forjou o acidente de carro pra convencer o pai dele e a família de que o Felipe estava morto.

-O que? – disse Michel se sentando aliviado. Queria enormemente acreditar naquela história, mas ainda precisava de mais dados para acha-la convincente – Me conta isso direito!

-Eu vou contar o que sei. Mas com uma condição: O que eu vou dizer aqui não poderá jamais ser publicado no livro! No livro será colocada a versão oficial do diário! E o que vai ser dito aqui, ficará aqui! Eu jurei ao Fip que jamais contaria isso a ninguém! Nem a vocês!  Mas enfim, foda-se,  o Fip está morto e eu não lhe devo mais nenhuma lealdade. 


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