Sangue escrita por Salomé Abdala


Capítulo 34
Capítulo 32 – Coisas que preciso lhe dizer




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—Bom dia, Michel! – disse Fip ao entrar na sala – Como passou a noite? – parecia muito bem disposto e de bons animos.

—Entediado. – disse o rapaz em um tom forçado que fez com que Natasha compreendesse o que se passava por alí – e vocês?

—Nossa, fazia tempo que eu não me divertia assim!

“Meu deus” – pensou Natasha – “Isso é um festival de mentiras e egos”.

—Que bom! – disse Michel.

Silêncio.

—O que está passando na tv? – perguntou Fip.

—Um documentário sobre emagrecimento.

—Uau, que interessante!

—Pra você ver como foi minha noite.

—E por que não chamou o Flavius pra passar a noite com você? Bem que ele queria. – disse se sentando ao seu lado no sofá.

—Você acha?

—Que pena, perdeu uma chance e tanto.

Natasha ria-se da encenação que, para ela, parecia tão clara que julgava dificil crer que os meninos acreditavam nela:

—Ainda tem da pizza de ontem? – perguntou – Estou morta de fome.

—Não. – respondeu Michel – Mas tem daquela lasanha de microondas.

—Acho que vou ligar para o Flavius vir almoçar com a gente. – disse Fip – ai aproveito e peço pra ele trazer algo do mercado.

—Boa idéia! – disse Natasha – Pede pra ele trazer requeijão!

...

Eram quase uma da tarde quando Fip ligou. Minha tia estava viajando e eu sozinho em casa:

—Flavinho, você não quer almoçar com a gente?

—Ué, eu acabei de comer, mas fiz uma torta salgada e sobrou bastante, eu imagino que não deve ter comida aí, então se quiserem eu levo.

—Super! Você vai salvar nosso almoço! Estamos te esperando!

—Logo chego aí!

Desliguei o telefone com um sentimento estranho. Fui até a cozinha pegar os restos da torta e senti meu estômago formigar, Fip parecia tão bem disposto, com certeza não tinha idéia do que havia ocorrido na noite anterior. Lembrei-me de quando surpreendi ele e Michel na cama... a amargura daquele sentimento voltou a me subir à garganta... Fip... como ele reagiria a isso? Ele me parece tão frágil as agressões exteriores, por isso está sempre tão disposto a agredir primeiro... ele não sobreviveria a esse veneno como eu sobrevivi... preciso esconder isso dele. Olhei novamente para os pedaços de torta, era engraçado como tudo ganhara um ar melancólico... dormir com Michel era uma coisa com a qual sempre havia sonhado! E não posso afirmar que não me satisfez! Tudo me pareceu exatamente da maneira com a qual havia planejado... mas agora, com Fip, com todo esse sentimento confuso... estou envergonhado por tê-lo feito. Não digo que teria evitado se pudesse voltar atrás... seria mentira! Não poderia abrir mão de algo que me dedicou tanto sonhar... mas me sinto sujo... não quero realizar meus sonhos as custas do pesadelo do Fip.

Eu sei como é esse pesadelo... novamente as memórias daquele dia funesto me cobrem a mente. Esse ciúme é um sentimento deveras venenoso para permitir que outros sintam... não seria feliz sabendo que estou fazendo Fip se sentir assim. Sai de casa com a vasilha de plástico nas mãos. As ruas estavam vazias, o Sol acima de mim a queimar minhas idéias, o arrependimento... o pecado... mas arrependimento de que? Fip não teria feito nada diferente! Ele é um sedutor barato que não perde uma oportunidade de usar o que tem no meio das pernas! Mas eu não sou assim! Não consigo ignorar tão bem os sentimentos alheios em nome do meu prazer... como será que Fip consegue sair rasgando as emoções alheias sem se sentir nem um pouco mal com isso?

Quando penso nessa sua faceta de personalidade, chego a odiá-lo! De verdade! Como alguém pode ser tão cretino? Lembro de tudo o que ele fez comigo, com Felipe... até com o pai dele!... não, não... o pai dele mereceu... mas e eu? E Felipe? Nós não mereciamos esse tratamento... da mesma forma que ele não mereceu o tratamento que recebeu do pai... sei lá, as vezes me lembro da conversa que tivemos no dia em que ele soube que o pai ficou paralítico... Ele me pareceu tão desprotegido! As vezes chego a pensar que talvez, assim como eu, as vezes Fip não tenha controle sobre suas ações... não sei... não sei mesmo o que pensar.

Chego à porta de sua casa, o carro está mal estacionado, como sempre. Fip é um péssimo manobrista. Por aguma razão me aperceber disso alegrou meu coração. Engraçado como, na maioria das vezes, são os defeitos, e não as qualidades das pessoas quem nos fazem amá-las. Mas o fato de Fip estacionar mal seu carro mexeu mais com meu coração do que todas suas coreografias perfeitas! Porque sua falha o tornava humano, íntimo, amável, e não uma escultura perfeita a ser admirada no altar! Aperto a campainha com uma sensação de urgência. Preciso ver Fip, preciso dizer que lhe amo!

...

“Quando a campainha tocou corri para atendê-la. Não queria dar a Michel e Flavius a oportunidade de se verem! Era patético esse sentimento, evidente que, se Flavius ia almoçar conosco, eles acabariam por se ver! Mas nesse caso eu estaria presente e saberia de tudo o que estivesse acontecendo entre eles.Sentia-me um completo imbecil ao fazer isso, mas simplesmente não podia controlar, eu amava Flavius e sabia que Michel poderia ser uma ameaça, pra que ficar me arriscando, não é?

Mas é uma bobagem lutar contra o desejo! Se ambos se desejam, uma hora ou outra, acabarão por se consumir. E eu não posso passar a vida toda a vigia-los, a separá-los... isso não pertence a mim! Mas a mínima menção de imaginar os dois juntos me consome! Arrebata minha carne e me deturpa os pensamentos! Isso não é humano! Esse sentimento não pode ser humano!

Abri a porta, lá estava ele, com seu olhar doce a me dizer boa tarde:

—Boa tarde! Vim salvar o dia! Trouxe comida!

Natasha gritou da cozinha:

—Viva o Flavius! Viva a república!

Michel deu vivas também, fato que me deu certa irritação... mas que droga! Eu não quero sentir essas coisas! Alguém me faça parar!

—Parece que eles gostam mais da sua comida do que de você! – disse um pouco para menosprezar Michel. Uma tentativa boba, mas que eu tinha que tentar.

—É verdade. Se soubesse tinha cuspido na comida.

—Ahahaha essa é uma boa idéia, podemos fazer isso agora!

—Como você está, meu bem?

—Estou cansado, e você? – em verdade cansado de travar essa batalha entre eu e meu ciúme.

—Com saudades.

Ele fez uma pausa que derreteu meu coração. Senti vontade de beijá-lo, mas Natasha apareceu na sala gritando:

—Olha! Estou sem gessos! Vem me dar um abraço!

Ele estendeu as vasilhas para que eu as pegasse e correu ao enlaço daquela girafa ruiva. Digo girafa porque ainda não havia me acostumado a altura exagerada dessa menina... Fiquei feliz em vê-los se abraçar. Gostava muito da Natasha e qualquer sombra de sua existência me alegrava o coração. Vê-la se dando bem com Flavius me trazia certo conforto... Por alguns instantes até desejei abraçar Michel e pedir perdão por todo ciúme que sentia dele... não sei bem por que me lembrei de Michel agora, mas enfim...

Almoçamos no jardim, a idéia foi do Michel, e depois ficamos alí, observando as formigas carregarem os restos do almoço enquanto bebiamos um vinho que achei na adega do meu avô. O vinho era uma merda, mas a sensação de saber que meu avô odiaria imaginar que eu estava bebendo seu vinho com dois viados e uma rameira de cabelo tingido me agradava bastante. Nunca entendi direito porque ele e minha família perdiam tanto tempo se preocupando com essas coisas, mas agora isso já não era um problema meu... graças a deus...

Natasha ria alto de alguma piada contada por alguém. Michel mexia a boca de um jeito tão bonito ao falar. Me dava tesão olhar para o jeito como seus ombros e braços se moviam quando ele gesticulava. Gostava de brincar de tentar ver seu corpo por detrás da roupa e cada pedaço de pele revelado me dava uma sensação de júbilo. Odeio admitir, mas o filha da mãe do Michel era mesmo um pedacinho de mal caminho. Flavius tinha razão em se derreter pelo rapaz! E, ao pensar isso, logo desviei meu olhar para ele, Flavius. Estava deitado no chão observando qualquer coisa no céu. Odeio admitir ( parte dois ) mas ele ficou mesmo mais bonito com o cabelo curto:

—O que está olhando, Flavius? – perguntei.

—As nuvens. Estou conversando com elas.

Deitei-me ao seu lado:

—É mesmo? E o que elas estão te dizendo?

—Para mim deixar de ser bobo e assumir logo de uma vez que te amo.

Perdi a noção espacial, por um instante senti como se meu corpo ocupasse, ao mesmo tempo, todo e nenhum espaço no universo. Senti que não havia um chão abaixo ou um céu acima de mim, nesse instante eu era apenas o batimento acelerado do meu coração:

—E você pretende ouvi-las?

—Só se você aceitar namorar comigo.

—Como eu poderia dizer não?

—Com a burrie que as vezes invade seu coração.

—Mas e se essa burrice te machucar?

Segurou minha mão:

—Estou certo que vossa inteligência estará lá para me curar.

Beijamo-nos. Meu coração a pulsar a sintonia do universo. Eu era todo paz.”


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Notas finais do capítulo

Admitam, vocês também esperaram muito por isso!



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