Sangue escrita por Salomé Abdala


Capítulo 26
Capítulo 24 – sombra paterna




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‘’Estremeci quando o telefone tocou. Já tinha uma certa idéia do que estava por acontecer:

—Senhor Francisco Iván Perez III?

—Sim. – disse com um aperto na garganta.

—Falamos do hospital samaritano Don Henrique. Estamos te ligando pois temos um senhor aqui internado que julgamos ser seu pai.

—Meu pai?

Respondi num tom fracassado de surpresa. Prometi que o visitaria em breve. Quando desliguei tremia dos pés a cabeça:

—Que foi, Chico? – perguntou Natasha passando por mim.

—Meu pai, está internado.

—Iii que triste, hein? Pode coçar minhas costas?

—Posso. – disse mecanicamente.

—...

—...

—Então?

—O que, Natasha?

—Vai ficar aí parado? Minhas costas estão coçando!

Cocei-a:

—O que ele tem? Câncer?

—Quem?

—Seu pai, ué.

—É... não... quer dizer... não. Encontraram ele numa beira de estrada. Parece que foi assaltado e espancado....

—E você não teve nada a ver com isso?

—De certa forma não...

—Qual é, Chico? Você vive ai dizendo que odeia seu pai e agora ta todo de mimimi porque ele se machucou? Ele corre risco de vida?

—Não... mas a enfermeira disse... bem, que ele não vai voltar a andar...’’

...

—Desculpe. – disse Flavius. – O arroz queimou um pouco, droga.

—Para mim parece ótimo. – respondeu, Felipe.

—Foi o Fip?

—O que?

—Que bagunçou seu cabelo todo...

—Ah, isso... – disse levando a mão ao rosto – não... foi... foi só...

—O Fip.

—Não o leve a mal, Flavius. O Francis não é má pessoa, ele só....

—Seu cabelo ficou ótimo assim, você devia cogitar usá-lo sempre. Dito isso, por que você o defende tanto?

—Porque eu conheci o ambiente em que ele cresceu. Eu o conheço desde criança e posso te dizer, Flavius, ele não é uma pessoa ruim.

Flavius engoliu em seco. Não gostaria de acreditar nisso. Precisava de uma visão maligna de Fip para superar tudo o que estava acontecendo:

—Bem, isso não faz com que ele machuque menos as pessoas.

—Não, não faz.

—...

—...

—Vocês se parecem tanto. Quer dizer... fisicamente...

—É, quando éramos crianças nos parecíamos mais. Na escola até pensavam que éramos irmãos.

—Parecem irmãos mesmo...

Felipe abaixou os olhos.

—Flavius, posso te contar uma coisa?

—Pode, ué. Claro que pode. – sorriu tentando passar confiança.

—Bem. Ninguém sabe se é verdade ou não, sabe. É só uma desconfiança. Uma possibilidade. Mas meu pai me disse uma vez... bem, eu seria um grande filho da puta se eu gostasse do Francis mesmo se pudéssemos ser mesmo irmãos?

—Do que você está falando?

—Minha mãe, ela traiu meu pai sabe. Com o pai do Francis. Mais ou menos na época... bem, na época que ela engravidou de mim.

Abaixou a cabeça tampando o rosto.

—Felipe...

—O Francis não sabe! Eu nunca disse a ele! Mas, assim, é só uma desconfiança, bem boba na verdade. As possibilidades são mínimas. Mas quando eu penso que... bem... que pode ser... Ah, Flavius eu me sinto tão mal com isso!

Fechou os olhos para se esconder da própria vergonha. ‘’Por que estou contando isso a ele?’’ – pensou num daqueles lapsos em que sabemos que dissemos mais do que deveríamos mas sentimos que isso não deveria fazer diferença pois gostaríamos de acreditar que o fizemos com alguém de confiança. Flavius o abraçou, permaneceram calados por um bom tempo:

—Felipe, isso não deveria te incomodar tanto. – disse mentindo, sabendo que se incomodaria enormemente caso ele mesmo estivesse nessa situação – Você mesmo disse que é uma desconfiança boba, não é? Também tenho primos muito parecidos comigo. Poxa, pare com isso.

Felipe o abraçou de volta:

—Ah, Flavius, jura que não conta para o Francis?

—Nem voltarei a falar com o Fip no que depender de mim.

—Mas se algum dia vocês voltarem a se falar, você jura que não conta?

—Juro. – sorriu e deu-lhe um beijo na testa. – Agora se acalme e volte a comer esse arroz queimado que fiz só para você.

....

‘’Felipe chegou quase na hora do jantar. Estávamos sentados, Michel, Natasha e eu na sala, jogando algum jogo bobo que não me lembro qual. Ele entrou com um ar bobo apaixonado, eu não pude deixar de imaginar o que teria acontecido entre os dois naquela tarde e senti uma vontade colossal de avançar em cima dele e espancá-lo até a morte. Mas ao invés disso, disse:

—Olha só quem chegou! – sorri – O bom menino da mamãe. Muito bonito, chegou antes das sete, como mamãe gosta.

—Oi, Francis, tudo bem? – disse ele ignorando minha acides. – Oi Natasha, oi Michel.

Os outros disseram oi também:

—Alguma novidade da hora que eu saí pra cá?

—Nada de especial. Só meu pai que ficou paralítico.

Felipe arregalou os olhos e sua boca ficou tão branca quanto as cortinas novas que tinha acabo de colocar. Gostei disso, pelo menos ele perdeu o ar de apaixonado:

—Mas nós vamos comprar uma cadeira de rodas bem bonita pra ele. – completei.

Ele continuou em silêncio, olhando para mim com um ar vazio. Natasha e Michel olhavam ora pra mim e ora para ele, esperando que algo novo acontecesse:

—Qua...quando foi isso?

—Noite passada. – eu disse – Enquanto dormíamos.

—Ma...mas você não disse que... que seria... amanhã?

—Não queria correr o risco de você fazer jogo duplo e contar pra ele.

Eu disse concentrado no jogo. Natasha e Michel me olhavam surpresos:

—Você não disse que não tinha nada a ver com isso? – disse Michel.

—Disse.

Ele se levantou e ficou me encarando com um olhar pesado, de julgamento:

—Fip, é o seu pai!

—Você podia ter dito isso a ele, sabe? Quando ele tentou me degolar, me espancar até a morte, fazer minha mãe fugir, essas coisas.

—Isso é demais, Fip, até para você!

—Qual é, Michel?! Quem o senhorzinho pensa que é para me apontar esse dedinho de porcelana, hein? – levantei-me também – Você por acaso o conhece?! Sabe quem meu pai é? Se eu não fizesse isso... se não fosse ele, seria eu! Eu! Entende? Ele planejava me matar, Michel, me matar! Pergunte ao Felipe!

Olhamos todos para meu primo que se contentou em fazer um sinal afirmativo com a cabeça:

—Não venha me dizer que passei dos limites, mocinho! Você não sabe nada sobre a minha vida! – disse me justificando mais para mim mesmo do que para ele.

Michel continuou a me olhar com certo ar de julgamento. Ao inferno aquilo tudo! Corri para o meu quarto... isso mesmo, fiz o drama e corri para o meu quarto. E não ouse você leitor a me torcer o nariz! Havia acabado de deixar meu pai paralitico. Michel tinha razão, aquilo era demais até para mim! Mas eu não tinha essa intenção! Não havia planejado que acontecesse dessa forma! Queria apenas lhe passar um susto! Mostrar que era perigoso mexer comigo, para que ele me deixasse em paz! Não era para ser assim! Não! Não assim!’’

...

—Chico? Abre a porra dessa porta que eu quero falar com você! Porra, me deu o maior trabalho subir aqui com esses gessos! Eu exijo que me abra a porta!

Não demorou muito para que a porta se abrisse:

—O que quer, Natasha?

—Me deixa entrar. – disse forçando a passagem – Sabe, ficar numa cadeira de rodas não é tão ruim. Olha pra mim, não pareço feliz? Certo que minha situação é temporária, mas, enquanto isso, terei muito que conversar com seu pai.

Fip riu:

—Ah, Natasha, entre. – fechou a porta assim que a garota entrou. – Sabe, eu não queria que fosse assim. Exageraram, eu só queria que dessem uma sura nele.

—Eu te perguntei alguma coisa?

—Não.

—Então isso significa que eu não preciso saber. Pra mim pouco importa se sua intenção era quebrar uma perna, uma coluna ou matar o velho. Pra mim o que faz diferença é você. Como você está?

Fip a abraçou com força e se permitiu chorar:

—Estou assustado. Eu não queria, Natasha, não queria me tornar como ele!

A menina o abraçou de volta, nada disse, apenas lhe sorriu com o coração na tentativa de passar qualquer alívio.

...

—Vou sair dessa casa. – disse Michel.

—Não! Você não vai! – respondeu-lhe Felipe. – Francis é seu amigo! Ele lhe ofereceu essa casa, seu ombro amigo e tudo o que você precisava quando quem estava na pior era você. Agora Francis precisa de você, e você vai ficar!

—Você não entende, Felipe...

—Quem não entende é você, rapazinho! Se você sair dessa casa eu mato você! Juro que mato! O Francis precisa de ti! Ele não queria fazer isso! Eu sei que não! Acredite, ele precisará de ajuda, e muita! Se você que está por fora da situação está se sentindo mal com isso tudo, imagina ele! É o pai dele! Ele está se sentindo mal! Poxa, Michel, como você não consegue enxergar isso?

Michel olhou para Felipe assustado, nunca pensou em ver o garoto, sempre tão bem comportado, em tal estado de fúria. Sorriu:

—Desculpe. Você está certo. Eu sei o que devo fazer.

...

—Flavius, tem visita pra você. – minha tia disse.

Levantei-me assustado. Visita para mim? Quem poderia ser? A essa hora? Olhei para o relógio, eram quase oito. Muito estranho. Levantei-me e fui até a sala. Tremi:

—Mi...Michel? Err... o ... o que você...faz aqui?

—Preciso conversar com você, Flavius. Podemos?

—Cla....claro....

...


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