A Peregrinação Sombria escrita por moypietsch


Capítulo 2
Capítulo 1 - Os primeiros passos fazem toda a diferença




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 Sua mãe havia acabado de abandoná-lo. Ela disse que os dois iriam ir pegar lenha na floresta; ele, por ser mais novo, iria na frente, cuidando para ver se haveria alguma pedra no caminho para que sua progenitora não se machucasse. O menino ouviu a ordem de forma inocente, e quando se deu conta, tinha caído em um buraco; ouviu alguns passos, e percebeu que sua mãe o tinha deixado ali para morrer. Logo depois de conseguir sair daquela armadilha, avistou a coruja e selou sua amizade. Agora ele teria que sair daquele lugar. Como gostaria de poder falar com os animais! Assim ele poderia ter explicado para sua amiga a sua situação e os dois sairiam dali, mas não foi isso que aconteceu. Nunca tinha estado numa floresta antes, nunca tinha estado em qualquer lugar que não fosse a casa de seus pais que ficava no campo e a casa de seus avós maternos.

Já fazia quase duas horas desde que sua mãe o havia deixado ali, a noite consumia sua esperança. Olhou para todos os lados e não viu um lugar que pudesse se abrigar. Dando pequenos passos de cada vez, ele tinha dificuldade para se acostumar com a coruja em seu ombro. Mesmo ela sendo amiga, suas garras que foram feitas para pegar pequenas presas estavam machucando-no juntamente com a fome e o sono que começavam a aparecer.

 Sua mente, como de qualquer criança abandonada, estava a borbulhar de perguntas. Ele não conseguia entender porque sua mãe o havia deixando. Muito menos o porquê de o prender em uma vala. Por acaso não seria muito mais fácil simplesmente deixá-lo para adoção? De fato, os adultos são complicados, e muitas vezes fazem coisas que sequer podemos explicar.

 Depois de mais algumas horas de peregrinação pela floresta, o menino desistiu de peregrinar. Estendendo seu casaco sobre o chão ele se deitou. Era realmente uma vantagem ter aquela coruja amigável com ele. Talvez, ela estivesse realmente querendo chegar à algum lugar específico de que Paulo não tinha nem noção de onde ficasse, o estranho nisso tudo era que ela poderia simplesmente sair voando. Esse fato o deixou um pouco incomodado, porque a situação com a coruja era de certa forma muito esquisita, mas já que não havia nada que ele pudesse fazer à respeito, ele simplesmente se conformou com a situação.

 Observando as estrelas, ele começou a refletir de como o céu ficava naquele horário da noite. Ele conseguia ver a Via Láctea, ainda que estivesse à poucos quilômetros da cidade, bem como a Ursa Maior. Espera, Ursa Maior? Tal estrela só era vista do hemisfério norte, mas por que ele estava conseguindo vê-la de uma floresta do interior de Minas Gerais? Sempre antes de ir dormir, seu passatempo favorito era o de ler livros de astronomia; então, com certeza ele saberia dizer que aquele céu estava errado, bem como o comportamento da coruja de se aliar com um humano.

 É bem provável que aquela armadilha feita pela sua mãe o tenha levado acidentalmente para algum tipo de universo paralelo, pensou, um mundo em que tudo era levemente diferente daquele que ele tinha se originado. Claro que isso tudo era coisa de filme, mas como ele estava muito cansado, aceitou que estava delirando e foi dormir.

 Logo pelos primeiros raios de Sol, o menino se levantou. Agora quem dormia não era mais ele, mas sim a coruja que ele decidiu dar o nome de Lusi que dormia. Ela havia entrado para dentro do bolso de seu casaco, deixando apenas sua cabeça branca para fora. Essa era, ocasionalmente, uma forma mais confortável de levá-la com ele. Assim as suas garras não o machucariam mais como antes. Ao olhar ao seu redor, Paulo teve outro susto. A floresta já não era mais a mesma, agora ele tinha certeza de que a paisagem e as regras de seu mundo estavam mudando cada vez mais. As árvores, que eram antes das florestas tropicais brasileiras, todas perenes e extremamente variadas, agora tinham se transformado em pinheiros quase idênticos junto com um clima frio e de baixa umidade. Com certeza, ele estava agora no hemisfério norte. Mas como? Revirando os seus bolsos ele procurou por uma barrinha de chocolate que havia deixado no dia anterior. Não era muito, mas o açúcar daria a energia necessária para continuar vagando por mais algumas horas durante aquela manhã. Ele agarrou o casaco do chão e andou, andou e andou. Passou por trilhas de pedras circundadas por pinheiros e por um riacho que possuía um som levemente tranquilizante. O riacho cortava a trilha no meio e para passar por ele Paulo teve que ir pulando pelas pedras que estavas na superfície da água expostas ao Sol da manhã. Era muito fácil, ele estava acostumado a pular e correr nos recreios da escola, então ele mais se divertiu naquele momento do que teve medo de tropeçar e quebrar alguma parte do corpo.

 Ao atravessar o riacho, o menino se deparou com uma pequena casa feita de pedras. O mais engraçado da construção é que nela não havia nenhum tipo de cimento, os tijolos eram maciços e perfeitamente esculpidos para se encaixarem uns nos outros. A casa, que parecia mais uma barraca de acampamento sutilmente aumentada, parecia ter sido construída há muitos anos atrás na época medieval. Uma pequena luz dançante, provavelmente de uma lareira, emanava de uma das duas janelas da casa. Por causa disso, Paulo decidiu bater na porta e pedir por alimento a qualquer tipo de pessoa estranha que pudesse viver naquela construção rústica no meio do nada. Toc-Toc. Ele bateu. A porta se abriu na frente dele como se puxada da parte de dentro; entretanto, ninguém apareceu. Após alguns segundos, Paulo olhou para baixo e viu que um macaco um pouco maior que os vistos em um zoológico o fitava.

 – O que você quer? - Ele perguntou - Não tenho nada para dar a nenhum menino abandonado das Terras de Outro Tempo. Se você quiser algum alimento você terá que arranjar sozinho…

 – Espere, um macaco?! - O animal olhava para ele como se estivesse encarando um ser muito burro no auge de sua ignorância. - Eu preciso de ajuda. Onde estou? E porque diabos você consegue falar?

 – Desculpe-me, jovem peregrino. Mas você não encontrará nenhum tipo de resposta comigo. A única coisa que posso lhe dizer é que você foi abandonado, e é para cá que crianças abandonadas vem. Então, se eu fosse você, eu fugiria o mais rápido possível daqui. Ninguém vai te ajudar aqui.

 Dizendo isso, o macaco bateu a porta na sua cara. O menino abaixou a cabeça e seguiu andando pelo caminho de pedra extremamente decepcionado. Depois de andar mais um pouco ele ficou à beira do caminho, esperando por qualquer viajante que estivesse passando. O macaco havia dito que mais pessoas como ele vinham parar naquele lugar. Então, provavelmente, mais cedo ou mais tarde alguém passaria por ali e ele conseguiria finalmente pedir ajuda.

 Passado uns vinte minutos, o menino adormeceu novamente. Quando acordou, uma estranha menina passava pela sua frente. Ela devia ter por volta de 12 anos de idade e não devia ser muito mais alta que ele. Seus cabelos estavam cheios de enfeite; e, diferentemente dele, ela possuía uma mochila e já estava pronta para viajar. Seu andar era saltitante, e ela cantava uma melodia de aventura. Certamente, ela estava preparada para esse lugar onde os dois haviam parado.

— Ei, espera!

 – O que foi? Não vê que estou seguindo caminho para longe daqui? Estou com muita pressa baixinho.

 – Eu não sou baixinho, tenho só onze anos. Eu ainda vou crescer. Você sabe em que lugar estamos? Me perdi da minha mãe e não sei como voltar…

 – De que país você era? - Perguntou a menina tentando ajudá-lo.

 – Eu era do Brasil.

 – A sim, certamente não é daqui. Bem, você agora se encontra na terra dos abandonados. Onde todos que um dia foram abandonados têm 0,0000000024% de chance de vir para cá. É muito raro de se acontecer, mas aparentemente, você conseguiu! Parabéns, és um tremendo de um azarado.

 – Ah, muito obrigado! Olha... Você tem alguma ideia de como se sai daqui?

 – É muito raro meninos do seu nó virem para cá, você devia saber disso desde já. Então, não sei como te ajudar. - Ela fez uma pausa para pensar depois prosseguiu seu discurso - É como se houvesse um erro no seu nó bem na parte dos abandonos. Ninguém aqui resolveu consertar; afinal, é um chance muito pequena de alguém vir parar aqui. Então, acidentalmente você veio parar nessa floresta. Aqui é o lugar dos desconsolados. Só aquele macaco vive aqui. É o único lugar do nosso nó que tem contato com o seu. Há outros lugares assim também. Entretanto, eles entram em contato com outros nós.

 – Então eu estou em outra dimensão isso?

 – Se dimensão você quer dizer nó, sim você está em outra dimensão.

 – Nó? o que é um nó? Porque você está falando desse jeito esquisito.

 – Olha só menino, eu não tenho muito tempo sobrando, este nó é um nó de beira do caminho, então é usado mais para passagem. Nós são pequenas parcelas da grande Trulunda. Você deveria estar consciente de todas essas coisas já, mas se precisar de ajuda, eu vou te enviar para algum emprego capenga para perdidos como você. Assim pelo menos você pode comprar alguns livros de história velhos. Eu vou te dar essa bússola, ela vai te ajudar a achar o próximo ponto entre nós.

 A menina deixou na mão dele uma velha bússola de bolso verde escuro que era revestida de escamas. Se ele fosse olhar pela Ursa Maior da noite anterior, se é que realmente aquela era a Ursa Maior, a objeto não apontava em direção ao norte, mas sim para um caminho que seguia no mesmo sentido da estrada no qual a menina estava indo. A sua jornada de volta para casa com certeza seria muito difícil, mas agora pelo menos ele já tinha um curso no qual deveria seguir adiante. Ele conseguiu achar algumas frutas para comer e prosseguiu o caminho até o Sol se pôr.

 Agora, o que o incomodava era o sono, e indo cansado por onde a bússola apontava, a coruja saiu de seu bolso e pousou em seu ombro, se preparando para ficar de vigia gia até o próximo dia chegar.


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