Vida Nova escrita por Veronica Baum


Capítulo 5
Capítulo 5




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Pela primeira vez em o que parecem anos, e talvez realmente seja, acordo tranquila. Sem medo. Sem medo do que vou encontrar, do que vou encarar naquele dia, sem medo de não ter para onde ir. Eu já estou em um lugar seguro. Cat me assegurou que posso ficar aqui por quanto tempo precisar, eu espero que esse tempo seja curto, mas de qualquer jeito ter um porto seguro é importante.

Eu levanto e estou sozinha no quarto, Cat tem aulas quase todas as manhãs então acorda bem mais cedo do que eu. Olho a minha volta e mesmo não sendo meu quarto, ou minha casa, me sinto a vontade. Meu colchão está em um canto do quarto, o lado oposto da cama de casal de Cat, uma grande janela bem entre nossas camas iluminaria o quarto se estivesse aberta, mas podia ver os raios do sol tentando penetrar. Ao lado da porta ficava os armários e nas duas paredes do quarto tinham aquelas grades decorativas cheias de fotos penduradas nela. Seu quarto era branco com decoração também em branco e um pouco de rosa claro, era tão feminino e delicado que criava um contraste com a sua dona.

Aproveitando meu bom humor desço para a cozinha decidida em fazer algum café da manhã gostoso. Como toda casa de jovens adultos eu encontro o pão amanhecido socado dentro do armário, pego o leite, ovos, açúcar, e por incrível que pareça encontro também essência de baunilha e canela em pó, alguém claramente gosta de fazer doces, ou pelo menos fez uma vez. Troco o filtro da cafeteira e coloco mais pó, enquanto a água passa misturo todos os ingredientes para a rabanada.

Estou tão concentrada em deixar a mistura homogênea que não percebo que alguém entrou na cozinha, então quando escuto o bom dia, dou um pulo e quase derrubo tudo no chão.

— Bom dia! – ele diz empolgado, como se realmente fosse o melhor dia do mundo.

Minha mão vai imediatamente para o peito, como se fosse possível segurar meu coração e minha respiração está completamente fora de controle. Não posso me ver, mas sei que estou com cara de um veado quase atropelado na estrada.

— Hehe, foi mal, achei que tivesse me visto. Sou Max aliás, você deve ser Ruby, certo? – ele declara tranquilamente enquanto busca o armário atrás de uma caneca.

— Ahn, sim. – afirmo ainda confusa. Ele está de bermuda e camiseta de pijama, seu cabelo é curto, então não está bagunçado, apesar de provavelmente ter acabado de sair da cama, é também o mesmo tom de loiro de Annika. Na verdade ele todo parece uma versão masculina de Annika, seu nariz um pouco mais largo e a boca um pouco mais fina, além de ser mais alto, mas de resto, eles podiam ser irmãos gêmeos.

— Bom, prazer em te conhecer, Ruby. Ei, café novo?! Legal!! Valeu.

Ele está tão empolgado com o café que fico intrigada, parece estar balançando a cabeça a alguma música que só ele está ouvindo, coloca o café na sua caneca e dá um longo gole, se apoia na bancada e segura a caneca nas mãos como se fosse algo extremamente precioso.

— E ai? – diz, levantando a cabeça e me observando, parece intrigado como eu.

— Prazer, Max. – respondo sua fala anterior, e então aperto os lábios sem saber como prosseguir. Falar com homens nunca foi meu forte, depois de Ivan então só evitava a todos os custos. Aí estava uma briga que era desnecessária. Mas eu estava sendo eu mesma agora, certo? Vivendo e fazendo escolhas que não levavam Ivan em consideração. Claro que isso não muda o fato de que eu sou apenas esquisita socialmente, ainda assim, tento. – Estou fazendo rabanada também, se quiser.

— O que? Você sabe fazer essas coisas? AH! Eu amo!! – Ele puxa uma das cadeiras altas do balcão e se senta. Se é que é possível, parece ainda mais empolgado e como se o dia que já estava ótimo tivesse melhorado. – Ninguém aqui em casa sabe fazer nada, quer dizer, o básico para sobreviver e tal, mas nada elaborado.

— Rabanada não é elaborado, - rio, vem naturalmente e assim que me escuto me assusto, um susto bom, não me ouvia assim há algum tempo.

— Bem, para quem só faz torrada, é bem elaborado sim. – ele declara.

A campainha toca e eu me assusto mais uma vez, não sei se Max nota ou não, mas ele pula de seu banquinho e corre para a porta anunciando:

— O Erick chegou!

Ligo o fogão, posiciono a frigideira e a preparo para o pão mergulhado na mistura. Encho minha caneca até a metade de café e depois completo com leite e colocou pouco açúcar.

— Entra, entra, - escuto Max dizendo na sala, e logo ele e seu amigo aparecem na cozinha, ele retorna a sua posição, - Fica à vontade aí mano, ah, essa é Ruby, uma amiga que está ficando aqui em casa por um tempo. Ruby, esse é Erick, o guitarra da banda.

— Ruby... – Erick fala, como se testando a sonoridade do meu nome, - legal, combina com seu cabelo. Prazer te conhecer. – ele levanta o queixo em reconhecimento, eu sorrio de volta, sua voz é grave e diferente de tudo que já ouvi.

— Prazer, Erick. Ah, minha mãe, ela tem esse tipo de senso de humor... – eu digo tentando me explicar, a verdade é que apesar de parecer ridículo meu nome combinar com meu cabelo, eu realmente gosto dele. E bem, é muito melhor do que qualquer outro nome que é comum na comunidade da minha mãe. Não gostaria de chamar Brisa ou Framboesa, ou qualquer um desse tipo.

Eles começam a conversar então tento não ouvir e foco no que estou fazendo, com a frigideira quente coloco as fatias de pão úmidas da mistura e as deixo ali por alguns minutos enquanto tomo meu café, então as viro e estão douradas e parecem deliciosas. Pego pratos e os coloco no balcão onde eles estão, procuro por talheres e coberturas para a rabanada. Eles não têm nenhum tipo de calda, mas encontro mel e geleia de morango, o que vai servir perfeitamente. Arrumo tudo no balcão, coloco meu café lá também, e vou até o fogão buscar as torradas já prontas, as empilho e levo para a mesa.

— Uau! Tem café da manhã aqui agora? – Erick questiona e me olha, ele dá uma piscada e abre um sorriso de dentes perfeitos e brancos. Sinto uma pequena pontada de inveja, posso ter dentes brancos, mas eles não eram perfeitamente alinhados assim, crescer sem aparelho dental com certeza deixou sua marca.

— Estou te falando cara, - diz Max e volta a conversa que eles estavam tendo, novamente desligo e foco no meu prato, coloco algumas torradas no prato e as lambuzo de mel, então pego meu livro e continuo de onde parei. No fundo da cabeça percebo que a conversa que estava rolando parou, então levanto os olhos do livro, com uma rabanada enfincada no garfo quase entrando na minha boca aberta. Fecho a boca estranhando e então pergunto insegura:

— O que?

Max joga a cabeça para trás e começa a rir, segurando sua barriga. Erick solta aquelas risadas por baixo de sua respiração e então levanta uma sobrancelha para mim,

— Devo pegar a insulina para você? Acho que o açúcar está te fazendo mal. – ele termina sorrindo, eu limpo a garganta e abaixo o livro e garfo com a rabanada mordida, ainda confusa.

— Estávamos falando de amanhã, - Max explica com a boca cheia, me salvando, - Erick queria saber como está e tal. – ele finaliza e toma um gole do café para empurrar tudo.

— Ah! Estou ansiosa, um pouco nervosa também... – confesso, o que também não era nenhum grande segredo.

— Com essa concentração tenho certeza que não terá nenhum problema, - ele diz sorrindo.

— É! – Max concorda empolgado, - Sem dizer que Cat diz que você detona! – eu engasgo no meu café com leite, envergonhada com o elogio, Erick dá alguns tapinhas nas minhas costas com um:

— Calma lá, campeã.

— Bem, - começa Max, enquanto leva seu prato e de Erick assim como a caneca e larga na pia, - estamos lá na garagem se precisar de alguma coisa. Obrigada pelo café, Ruby. Até!

Ele levanta a mão em um aceno preguiçoso e deixa a cozinha, Erick logo atrás dele também levanta a mão e o queixo em minha direção, como agradecimento. Mal voltei ao meu livro e café da manhã, Max aparece na porta, apenas sua cabeça a mostra.

— Ah, deixe a louça, eu lavo mais tarde. – e tão rápido quanto apareceu, ele sumiu.

Depois disso tive meu silêncio e tranquilidade. Terminei de comer, finalmente cheguei ao final do capítulo, então guardei e lavei tudo que usei, não gostava de deixar para depois. E então, como todos os outros dias, tomei banho e fui para o trabalho.

*

            - Não! Essa! – Annika grita, jogando uma bola de roupas em Cat. Ela desenrola e arruma tudo e sorri balançando a cabeça, claramente apoiando a decisão de Annika. Então me entrega as peças de roupa e diz;

            - Vai ficar perfeita! Vai, coloca!

            Eu pego os itens e fico um pouco nervosa, é um top de crochê laranja, todo trabalhado e bonito, mas um pouco revelador para o que estava acostumada. E uma calça jeans azul claro de cintura bem alta, com a boca de sino, mas não tão ampla. Para completar com um pouco de tudo, como dizia Cat, coloquei um converse branco, Annika estava decidida em uma plataforma de corda, mas Cat realista disse que não era para desfilar e sim para tocar, e com isso não tinha o que contestar.

            - Ok! Agora para maquiagem, vai se arrumar Annika.

            Annika faz cara feia, mas nos deixa sozinhas. Cat faz gestos para que eu sente e começa a vasculhar por suas maquiagens, separando o que vai utilizar.

            - Feche os olhos, - cumpro o que pede e logo em seguida já sinto algo fresco na minha pele sendo espalhado com um pincel. – então, como está se sentindo?

            Cat sempre direta, sensível e compreensiva, porém sincera e direta. Ela não queria saber como eu estava tentando me sentir, queria saber o que realmente estava passando por minha cabeça, então não enrolei.

            - Nervosa, sinto como se minha vida dependesse disso. Deixei o Ivan justamente para tocar e bem, se não der certo o que acontece? Desperdicei algo bom por nada. – Sinto o pincel deixar meu rosto, mas dessa vez não volta, então abro os olhos confusa. Cat parece estar congelada o segurando, seus olhos trabalhando, várias emoções passando por eles, mas as que ficam claras são raiva e indignação, mordo meu lábio nervosa, - não fique brava comigo.

            Ela se move como se tivesse lhe dado um soco no estomago, seu corpo sai do estado congelado e ela me olha com olhos mais suaves.

            - Ruby, não estou brava com você, você é a vítima aqui, - inclino a cabeça sem entender muito bem o que ela quer dizer com isso. – Tenho raiva do Ivan mesmo, ele está te manipulando, dizendo coisas horríveis e fazendo com que você acredite nelas.

            - Cat, nunca teve ninguém além dele. Ele foi o único que me quis, único que me aceita. – digo tentando defender não sei bem o que.

            - Você realmente acredita nisso? – ela pergunta, agora parecendo triste, dou de ombros como se nada disso importava.

            - Bem, não sou bonita, não sou boa em nada, não sou especial, e ele ficou comigo mesmo assim.

            - Argh! – Cat bufa, bate os pés e sacode os braços exasperada. – Isso é tudo uma montanha de mentira! Estou tentando ser compreensiva e não te machucar, mas também não posso deixar que continue a acreditar nessas coisas absurdas.

            Cat vira a cadeira que estou sentada e fico de frente para o espelho, ela e Annika tinham arrumado meu cabelo, meus cachos estavam mais organizados e perfeitos, hidratados então dando mais brilho e deixando o vermelho mais intenso.

            - Olhe bem para você, - ela diz me apontando no espelho. Reparo que de algum modo nesse pouco tempo ela tinha terminado a maquiagem dos olhos, os tons terrosos e avermelhados destacam meu olho mel, e eles parecem na verdade dois faróis verdes. Com um delineado que deixa meus cílios com aparência de mais longos ainda. – E não é a maquiagem Ruby, é você, você é linda. Sabe a única coisa de errado?

            Meus olhos encontram os dela pelo espelho, e eu sei o que quer dizer. Ainda não tinha passado a base, então meus roxos desaparecendo ainda estavam visíveis, eles não combinavam com o resto.

            - A parte não bonita foi culpa dele. – ela diz finalmente, em um tom que não aceita nenhum tipo de contestação. Ela desvira a cadeira e continua trabalhando no meu rosto. – Você é a melhor baixista que eu conheço, sabe o quão incrível é isso? Representar as mulheres em um meio tão masculino e machista.

            - Não sei se isso é verdade...

            - Ah não? Quantas outras bandas só de mulheres ou com mulheres você conhece? Agora pensa no todo. – Eu franzo os lábios, ela está certa, somos a minoria. – ok, e agora quantos homens já falaram que você não devia fazer isso? Incluindo alguém próximo, que supostamente te ama tanto e deveria apoiar o que você mais ama. Certo. – ela finaliza sabendo que está certa, e me fazendo pensar.

            - Você é tão especial, mas tão especial, e linda e talentosa, - Cat continua falando, - e ele é tão nada disso, que ele sabe que o único jeito de continuar com você é te colocando para baixo, não deixar que acredite em nada dessas coisas. Ele é tão inferior, que para se sentir superior tem que te diminuir. Olha, isso é tudo que vou dizer por agora, só me promete que ouviu e vai deixar isso permear sua mente.

            Engulo seco, me sentindo culpada, ela tem razão, e o pior de tudo, eu sou responsável por tudo isso.

            - Prometo. – juro em voz alta, olhando em seus olhos. Ela parece procurar por algo, aperta os olhos, suspira e chacoalha a cabeça.

            - Ruby, isso não é sua culpa. Você é a vítima, deixe isso ficar também.

            Só levanto o queixo em resposta, essa eu não posso prometer, mas posso tentar. Cat parece aceitar, pelo menos por agora, então respira fundo e alinha os ombros, ficando mais reta, sorri e diz;

            - Pronta!

            Me viro e olho no espelho, os olhos me olhando são meus, mas não são. Na verdade, tudo sou eu, mas não sou. E então eu entendo, essa sou eu, outra versão, a baixista decidida, forte e pronta para qualquer coisa. A que não é vítima, nem nunca foi e nunca será. Minhas mãos levantam e toco meu rosto, meu cabelo, desacreditada com o que vejo. No fundo vejo Cat sorrindo radiante.

            - Não é a maquiagem Ruby, você é linda assim. A maquiagem só está te ajudando a se ver, ver a pessoa linda que é por fora e por dentro. Agora, chô daqui, - ela diz balançando as mãos em gesto de expulsar, - preciso me arrumar.

            Eu rio e vou para a sala, onde encontro Annika e o resto da banda de Cat.

            - Uau! – diz Erick, eu sorrio timidamente tentando ser educada, mas na verdade gostaria de enfiar a cabeça na terra. Annika dá um cotovelada nele e escuto um “Oof”.

            - Você está perfeita, Ruby! Vamos colocar os instrumentos na van, ah, aliás esse é Victor, o baterista. – Ela me apresenta ao único integrante que ainda não conhecia, e então vamos até a garagem colocar todos os instrumentos na van.

            Pego o celular e ligo para Libby para confirmar que tudo estava ok, ela e as meninas iriam direto para o Porão e nos encontraríamos lá. Com tudo certo e confirmado, ficamos só esperando por Cat, que não demorou muito. Ela aparece na porta da garagem e minha boca cai, fico literalmente de boca aberta, olhos arregalados e sem palavras, sou a única assim, então imagino que não é surpresa para mais ninguém.

            - Ah, é, Cat tem uns looks para os shows, - Max diz quando nota meu rosto.

            Ela está vestida com uma legging de vinil que parece látex, um top com o mesmo tecido, apesar que nela esse corte não fica tão revelador quanto em mim, já que seus seios são bem menores. E uma bota de verniz que não da para saber onde começa bota e acaba calça, com meia pata e um salto enorme. Seu cabelo está ainda mais liso que o normal e por isso parece ainda mais branco, principalmente no escuro, seus olhos cinza também parecem quase brancos com o contraste da maquiagem preta, toda preta em volta, lembrando um panda, mas de algum jeito ficava perfeito nela. Para finalizar tudo seus lábios estão um vermelho escuro que parece sangue.

            - Bora turma!!! – ela grita animada e anda até a van como se estivesse com um tênis normal.

            - Mas não disse que era melhor um tênis para tocar? – eu pergunto genuinamente curiosa. Ela ri e sorri pra mim, seus dentes ainda mais brancos com o contraste.

            - Sim, mas eu estou acostumada, fora que essas botas são super estáveis.

            Annika olha para mim e revira os olhos, eu rio com ela e me sinto pertencendo a esse novo grupo.


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