Vida Nova escrita por Veronica Baum


Capítulo 2
Capítulo 2




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— Como é?! Você está falando sério?!

            Libby praticamente grita, ela pula sem parar, parece uma cabrinha neném descontrolada. Libby é a baterista da banda, e minha melhor amiga, ou bem, o quanto eu consigo manter essa relação boa, Ivan não gosta dela. Seu cabelo é curto e rosa choque, seu rosto é delicado e lembra uma fada, mas sua personalidade é completamente oposta. Explosiva, agitada, alegre, direta, se não gosta de alguma coisa vai falar na hora. E ela realmente não gosta de Ivan, e deixa isso bem claro.

            - Sim! Quinta a Cat vem no nosso ensaio para nos ver tocar, e talvez possamos apresentar sábado no Porão!

            - Seria uma oportunidade incrível!!! – Maggie diz, quase tão animada quanto Libby.

            Magda, ou Maggie como a chamamos, é nossa guitarrista solo, ela é divertida e engraçada, mas mais na dela do que Libby. Seu cabelo é preto e escorrido, é praticamente impossível vê-la sem lápis de olho preto, ou usando qualquer roupa que não seja preta. Natasha, Tash, é a guitarrista base, seu cabelo está sempre diferente, mas hoje está lilás.

            - Vamos nos preparar então! – diz Tash, já organizando as folhas com as músicas, ela é a responsável, a planejadora, e a mãezona do grupo. Sempre pronta para ajudar e cuidar do que for preciso.

            - Hunf!

            Eu me viro em direção ao som, e claro, encontro Anna com aquela cara de nojo e de superior. Ela joga o cabelo para o lado, e começa o famoso discurso de Anna.

            - Mas quem é essa tal de Cat? Não sei se podemos confiar, afinal o que ela quer? Vocês são muito ingênuas e aceitam qualquer coisa. Por favor.

            O rosto de Tash se contorce de raiva, e mesmo assim continua linda, Tash é a eterna boneca, e sempre tenta manter a calma, mesmo com Anna.

            - Nós precisamos nos apresentar, nos inserir nesse mundo, se não nunca sairemos dessa garagem. – Tash diz com a maior paciência.

            Anna começa a abrir a boca para falar algo, mas Libby a interrompe bruscamente.

            - Cala a boca, Anna. Só para. A gente vai fazer isso, você querendo ou não. Então e ai, vai cantar?

            Os olhos de Anna se arregalam e posso ver ela engolir a seco, está claramente ofendida por ter sido tratada como uma pobre mortal e não a rainha que acha que é. Apesar de tudo, ela gosta de cantar e se apresentar, então só continua quieta e acena a cabeça. É chato, é sempre assim. Brigas atoa, inúteis, sendo que no final ela concordaria mesmo. Ela se recupera rápido e declara.

            - Certo, vou planejar a setlist.

            - Você uma ova! Vamos decidir juntas! Você não manda aqui! – Libby fala irritada.

            Decidimos as músicas e ensaiamos todas, vendo no que podemos melhorar, planejando a ordem, de um jeito que o clima sobe e desce, para não cansar sendo muito animado, e nem cansar por ser muito desanimado. Ensaiamos algumas músicas a mais, para ver o que Cat achava. Eu estou animada, mal posso me conter, mas vai chegando o final do ensaio e vou ficando mais aflita. Terei que conversar com o Ivan, e tenho certeza que ele vai odiar a ideia, mas não posso perder essa chance.

            Guardo meu baixo, as meninas também e me preparo mentalmente para conversar com Ivan. Volto para casa com medo, mas decidida. Pela primeira vez nesse relacionamento me sinto corajosa, isso iria acontecer. Já abri mão de tantas coisas, me deixei de lado tantas vezes, a única coisa que nunca deixaria era a música. A minha razão de viver.

*

Eu lembro como no começo o Ivan parecia ser a razão de viver, ele pareceu colorir minha vida, dar razão. O sonho logo mudou, mas eu o amava, ou achava que amava. Hoje parece mais uma obsessão, que me destruiu, meu maior medo é perde-lo, e tentando isso fui me perdendo, tentando ser o que ele queria, mas a verdade é que mesmo fazendo tudo que quer, e deixando de fazer tudo que não quer, eu não sou quem ele quer. Não sou seu ideal. E também, talvez não queira ser.

*

Chego em casa com meu baixo e Ivan está esparramado no sofá, o controle em uma mão, um cigarro e um copo de bebida na outra. Eu entro me anunciando, mas ele nem dá atenção, solta apenas um grunhido de reconhecimento.

Respiro fundo, esse é o momento. Um confronto, algo que sempre evitei a todos os custos com Ivan, porque sabia no que poderia acabar.

— Ivan, - chamo, tentando controlar minha voz para que não trema.

Ele parece revirar os olhos antes de aponta-los para mim.

— O que quer, Ruby?

Não perco tempo e também economizo palavras.

— Vamos tocar no porão sábado. - declaro com finalidade.

Ele espreme os olhos como se não me visse nitidamente, e então joga a cabeça para trás em uma risada sinistra.

— Vocês? - pergunta, passando o indicador nos cantos dos olhos, como se tivesse chorado de rir. - Mal sabem tocar, vão apresentar o que? Ah, já sei, só querem chamar atenção.

Engulo seco, sabendo onde ele vai chegar. Parece câmera lenta, como todas as outras vezes, ele apoia seu copo, apaga o cigarro e se levanta jogando o controle no sofá sem olhar.

— Sua puta. – Ele diminui o espaço entre nós com grandes passos, e quando está perto o suficiente estende a mão em minha direção, e me dá um tapa. A força me faz cair no chão e para o lado, coloco minha mão na bochecha tentando diminuir o ardor. – Achei que já tivéssemos conversado sobre isso. Você não vai se colocar nessa posição, como se tivesse se apresentando para ser comprada, como um produto. Essas ai que você chama de amigas são apenas má influências. Eu tento, tento, faço de tudo para você não se perder, não se misturar, não virar mais uma, mas não. Você insiste em me contrariar.

— Mas eu, - tento me defender, mas não tenho palavras. A verdade é que sempre faço o que ele quer, mas nunca é suficiente. Sempre me anulo, tento sumir, ser invisível para não ser notada. Só que dessa vez é diferente, mas já é suficiente para eu não conseguir me defender, ele me enfraquece, me deixa frágil, tenho medo. Ivan avança e se abaixa, me pegando pelo pescoço e puxando até estar no nível de seus olhos, metade de mim tenta soltar seus dedos do meu pescoço, mas a outra metade tenta se segurar para não cair, balanço os pés tentando tocar o chão. Seus dedos pressionam mais profundamente no meu pescoço e eu tenho dificuldade de engolir.

— Vai tentar melhorar? – ele diz com olhos brilhando de triunfo, citando o que sempre digo quando temos essas discussões. Levanto os olhos e o vejo de verdade, ou talvez uma nova verdade. Ele não parece mais meu salvador, parece meu monstro, sinto meu estomago dar uma retorcida, e minha vontade é sair correndo de lá, mas apenas me contorço tentando sair de seu aperto. Ele me segura com mais força e aperta os olhos, me ameaçando. – E então? – ele insiste.

Aceno a cabeça enquanto formo um plano, preciso que ele me solte para sair de lá. Eu já tinha apanhado o suficiente para saber que esse não era o momento de contraria-lo. Seu sorriso sinistro me assusta, mas ele finalmente me solta, sem cuidado algum. Caio no chão como um saco de batata e coloco as mãos no pescoço, tentando mais uma vez futilmente acabar com a dor.

— Você tem sorte de me ter. Poucos homens aceitariam putas como você. Eu só estou tentando te proteger, quero seu melhor, por isso que cuido. – diz com uma voz horrivelmente doce, se vira e vai para o quarto.

Esse é o momento. De repente toda a dor física e mental que estava sentindo some, a adrenalina aumenta e tudo que consigo pensar é “corre!”. Pego meu baixo e me viro para a porta, é agora, vou embora.


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