Vida Nova escrita por Veronica Baum


Capítulo 1
Capítulo 1




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Eu me olho no espelho, sinto vontade de perguntar para meu reflexo quem ela é. Quem eu sou. Não sei dizer, não sei dizer nem onde me perdi, onde me vi pela última vez. Como começar a procurar? Solto um suspiro de resignação, estou perdendo tempo, devo estar no trabalho em meia hora. Pego meu corretivo e tento cobrir as manchas roxas pelo rosto, são novas, amanhã com certeza estarão piores. Pelo menos as pelo corpo já estavam amarelando, ou quase completamente sumindo.

            Satisfeita com a cobertura, me troco e vou para a porta. Sempre na hora de sair dou aquela última olhada, não sei bem dizer porquê. Talvez seja uma âncora na realidade, ver aquele apartamento imundo, cheio de lixo espalhado pelo chão, todo bagunçado. Solto mais um suspiro, não importa se tirasse um dia inteiro para deixar o apartamento limpo e novo, brilhando. Em uma tarde ele o bagunçaria e sujaria todo de novo, e ainda brigaria comigo por tirar suas coisas do lugar. Fecho a porta delicadamente para não o acordar. Não tem o que fazer, é isso. Essa é minha vida.

            Chego pontualmente no restaurante, vou para os fundos deixar minha bolsa e coloco o avental, me preparando para o turno. Ser garçonete não é minha coisa preferida de fazer, mas as gorjetas são boas e só minhas. Guardo todo meu dinheiro para poder investir na banda, e para emergências, apesar do meu cuidar muito bem do meu baixo.

            - Ruby! – sou chamada de volta para a realidade, me viro e encontro minha gerente, Rachel.

            - Ah, bom dia! – tento soar animada. Ela fixa seus olhos em mim e inclina levemente a cabeça.

            - Você está bem? Parece um pouco pálida.

            Ela se aproxima e tenta tocar meu rosto, eu dou um passo para trás e desvio, tento disfarçar tudo com um riso, mas ele acaba saindo nervoso e forçado.

            - Estou bem, acho que esqueci o blush, sabe como é, estava atrasada.

            Rachel aperta os olhos, posso ver que ela não acredita em mim, mas está decidindo se só deixa quieto ou insiste um pouco mais. Não sei se ela vê meu olhar cansado, mas suspira e acena a cabeça, me mandando para minhas mesas.

            Comecei arrumando minhas mesas para o horário de almoço, íamos abrir em pouco tempo. O trabalho todo passava tão rápido, como um borrão. As vezes tinha dificuldade de lembrar o que aconteceu em cada dia. Mas o importante é que o salário caía na conta, as gorjetas eram minhas, e eu passava menos tempo naquele apartamento. Os clientes começaram a entrar, pedir, comer, e logo, eu já estava no meu intervalo.

            - Hey, Ruby!

            Eu levanto meus olhos do livro que estou lendo e encontro uma das garçonetes, nós nunca conversamos, principalmente porque eu não converso com ninguém, mas também porque ela geralmente não está nesse turno, e quando está, é sempre do outro lado do salão. Mas eu sempre a via, era impossível não ver. Ela é alta, magra, mas não daquele jeito modelo, daquele jeito pessoa normal, seu cabelo é loiro platinado, quase branco, liso e escorre até depois da cintura, parece uma capa prateada. Apesar de prender para o trabalho, sempre o solta nos intervalos. Seu rosto é interessante, olhos azuis, boca rosada e perfeita, e um nariz comprido e grande, que ficaria esquisito em qualquer outra pessoa, mas nela fica perfeito. Combina com a atitude que carrega.

            Não sei o que dizer, então só fico calada, mas inclino minha cabeça, questionando sua interação comigo. Ela não perde tempo, não é daquelas pessoas que gosta de enrolar.

            - Esse fim de semana tem um festival de bandas lá no Porão, uma banda que eu conhecia acabou de desistir e eu queria saber se a sua está a fim de pegar essa vaga.

            Minha boca abre sem eu perceber. São tantas coisas. Primeiro, não sabia que ela sabia que eu tenho uma banda. Segundo, um festival no Porão? Esse era o tipo de coisa que nós precisávamos. O Porão era o clube mais movimentado da cidade, onde a cena realmente ainda estava viva. Rock, metal, punk, gótico. Qualquer som que não é mainstream, tem seu lugar no Porão. Eu mal posso acreditar nisso. Acho que de algum jeito eu formei a palavra como, porque ela se lança a falar.

            - Ai nossa, que cabeça a minha. Sou Cat! Prazer! Eu sei que temos esses crachás, mas que coisa mais careta, não é mesmo. Eu sou guitarrista de uma banda, e minha irmã adora organizar esses eventos de várias bandas, e ela conseguiu esse no Porão, então estou te convidando. Nunca vi vocês tocarem, mas acho que seria divertido. Precisamos de mais mulheres na cena, e uma banda só de mulheres é AAAA ROCK ON!!!

            Ela grita me mostrando a mão naquele formato de chifres. É bom saber que temos apoio, tudo é muito novo e ainda estamos com problema na formação. Na verdade, só um problema, ele se chama Anna. A vocalista. Que apesar de ter sido a última integrante a entrar, e ser também a única que não se dá bem com o resto, acha que pode mandar em tudo. Mas é o desespero, nenhuma de nós consegue cantar, ou encarar essa atenção.

            - Nós vamos ensaiar na quinta a noite, você acha que consegue ir? – eu pergunto. Quase não acredito que ela quer nos chamar sem conhecer. Acho melhor desse jeito, sem criar esperanças.

            - Ah! Seria incrível! Podemos escolher o setlist e tudo mais! Me passa o endereço depois, aqui está meu número, já vou trocar meu turno de quinta para estar livre. Bom finalmente falar com você.

            Ela abre um sorriso genuíno e me entrega um pedaço de papel. Eu sorrio de volta confusa, finalmente falar comigo? O que exatamente ela quer dizer com isso? Mas antes que pudesse questionar, ela já está voltando para dentro do restaurante enquanto prende seu cabelo. Só a possibilidade de mais visibilidade para a banda já melhora meu humor. Me levanto energizada e volto para o trabalho.

            *

            Corro até meu armário para pegar minhas coisas correndo, a menina depois de mim se atrasou e eu tive que espera-la chegar. Estou um pouco nervosa de chegar atrasada em casa, mas pelo menos meu bom humor rendeu, as gorjetas de hoje foram quase o dobro do normal.

            O caminho para casa é curto, e também passa rápido, só consigo pensar em reunir as meninas e conversarmos sobre o ensaio de quinta. Mas assim que abro a porta do apartamento vejo meu erro. Não troquei de roupa, ainda estou de uniforme. É tarde demais para tentar alguma coisa, o olhar de Ivan está fixado em mim.

            - Você só pode estar de brincadeira.

            - Eu... – tento falar, mas não tenho nada a dizer. Apenas me preparo para o que virá.

            - Achei que já tivéssemos conversado sobre essa roupa.

            - É meu uniforme, Ivan.

            - Há! Isso só pode ser uniforme de puta. Olha que absurdo, indo trabalhar pelada. Esse shorts é muito curto.

            Cansada de discutir, mesmo que nem tenha falado nada, só abaixo a cabeça e aceito. Não quero piorar a situação.

            - Esses caras que ficam te olhando, só querem te foder, porque olha como se veste. Nenhum deles te aceitaria como eu aceito, nenhum ia gostar de você como eu gosto. Você acha que algum deles pensa que é menina séria?

            - Eu não quero mais ninguém... – tento me defender, ninguém nem me olha na rua, tento me esconder, parecer invisível para evitar qualquer conflito. Nunca é suficiente, estou errada, devia ter colocado um casaco e a calça moletom que sempre uso para ir para o trabalho.

            - Não parece. Com essas roupas aí parece que está caçando.

            Chacoalho a cabeça em negação, mas continuo em silêncio, não sei mais o que dizer, não quero mais ninguém, só não vejo também problema em usar um shorts. Mas também não queria que essa briga continuasse, meus hematomas do corpo estavam finalmente sumindo.

            - Vou me trocar.

            Vou até o quarto, e coloco uma calça moletom larga, e uma blusa de manga longa também larga, é o máximo que consigo para esconder meu corpo, herdei todas as curvas da minha mãe, e era difícil de lidar com as roupas.

            Sento na beirada da cama pensativa, mas em nada especifico. Prendo meus cachos vermelhos em um coque baixo e só fico paralisada lá. Ivan entra no quarto e sinto meu corpo travar, ao mesmo tempo que me sinto acolhida. Ele se senta do meu lado e coloca uma mão em cima das minhas.

            - Você sabe que não falo isso por mal, né? Eu te amo muito, quero te ver bem. Quero que deem o respeito que merece, mas se anda assim, não acontece entende? Se você está feliz comigo, não devia dar espaço para outros.

            Tento abrir a boca para dizer que não dou espaço, mas ele me corta e continua.

            - Você nunca vai achar alguém como eu.

            - Eu sei. – concordo com ele dessa vez, e disso eu tenho certeza. Sinto um vazio no meu estomago, medo. Medo de perde-lo, medo de ele me trocar.

            - Vou melhorar, - declaro solenemente.

            Ele abre um sorriso, mas não parece feliz, apenas satisfeito. Minha visão parece duplicar e eu vejo dois dele, um brilhante e apaixonante, como o conheci, e o outro com um sorriso amarelo, o cabelo sujo e a camiseta branca encardida. Fecho os olhos e chacoalho a cabeça para limpar os pensamentos. Ele está lá ainda, reluzente.

            - Eu espero.


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