Segredos Ilícitos escrita por lohanacarter, Avalon Ride


Capítulo 13
Capítulo 13 — Embate




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Mesmo que de uns dias para cá eu andasse distraída, eu acabei percebendo que Alyssa não parecia melhor do que eu. Não acreditei muito quando ela me disse que não estava apaixonada pelo menino da cozinha, mas temia insistir no assunto e afastar minha melhor amiga. Já estávamos tão distantes uma da outra que eu tinha medo de quebrar a fina linha que ainda nos unia. E eu estava arrasada por isso, mas não sabia como me aproximar. O que nos afastava eram os segredos, e eu deduzia que os meus eram muito maiores do que os dela. Embora sua família não fosse aprovar um marido sem posses, ainda assim estaria longe do escândalo que eu causaria ao admitir que os sentimentos que eu nutria por minha futura cunhada não eram nada fraternais.

E claro que eu não conseguia deixar de pensar nela. Eu tinha sonhos com ela. Acordei naquela manhã sendo chacoalhada por Alyssa, me tirando de um sonho colorido e feliz onde eu e Tracy não éramos mais obrigadas a fingir ser quem não somos. Era o dia do meu casamento e eu estava radiante, mas quando a porta da igreja se abriu, eu não via Derek no altar me esperando. Tracy estava lá me esperando, sorrindo e com lágrimas nos olhos, emocionada. Senti que meus próprios olhos marejaram e sorri de volta para ela.

Eu vestia um lindo vestido branco de anáguas largas, manga até os pulsos, mas que revelavam meu ombro e meu colo. O véu cobria minha cabeça e eu via através do tecido translúcido minha futura esposa me esperando, igualmente de branco, mas seu vestido era mais simples, assim como a maioria das coisas que ela gostava de vestir. A saia era lisa e sem detalhes, as mangas iam até os pulsos e o detalhe em dourado no raso decote era o maior atrativo. Enquanto meu cabelo estava preso em um penteado elaborado, com tranças presas como uma coroa em volta da cabeça, pingentes e grampos, os dela estavam soltos. E ainda assim, era a mulher mais bonita que eu já vi.

Eu estava a ponto de segurar sua mãe, meu pai me entregando a ela para o início da cerimônia, quando fui acordada por mãos me balançando, e despertei assustada. Me situando na realidade, girei o corpo e vi Alyssa, já vestida e pronta, esperando por mim.

— Ti, o café da manhã. Se não levantar agora, vai se atrasar — ela me alertou, afobada, até que estacou no lugar e me observou com atenção. — Você está chorando?

Levei os dedos aos olhos, percebendo que a emoção do sonho me atingira de verdade. Secando as lágrimas, tentei disfarçar.

— Apenas um sonho ruim — murmurei, embora fosse mentira. Eram lágrimas de felicidade, que facilmente se reverteriam em tristeza se eu estivesse sozinha. Queria poder voltar a dormir e viver aquela realidade, porque a minha só me afundava cada vez mais fundo em minha desilusão, medo e confusão. — Não se preocupe. 

~x~

Embora eu tentasse me comportar com naturalidade durante o café da manhã, ainda lançava olhares furtivos para Tracy, eu parecia sentir quando meu olhar recaía sobre ela e me lançava outro, fazendo-me desviar a atenção para minha comida como se fosse a coisa mais importante do mundo. Ninguém parecia perceber essa troca de olhares — ou assim eu pensava —, o que me deixava aliviada. Não seria fácil explicar por quê havíamos nos distanciamos já que, assim que pisei em Savian, eu e Tracy passamos muito tempo grudadas. Agora éramos mera cortesia, apenas cumprimentos educados e olhares rápidos durante as refeições.

Eu não conseguia entender nós duas, mal conseguia entender eu mesma. Na noite do último baile, nós tivemos uma ótima conversa. Eu pensei que a partir dali poderia seguir em frente, fingir que não sentia nada, reprimir meus sentimentos e seguir minha vida, ser amiga de Tracy e nunca mais pensar nos seus braços em volta de mim, e sua boca contra a minha. Mas à medida que o tempo passava, parecia mais difícil. E quanto mais eu tentava me afastar, eu sentia que meus sentimentos cresciam.

Eu sentia falta dela. E essa saudade me levava a pensar nela com mais frequência do que eu gostaria. Eu me deitava e olhava para o dossel da cama, com os dedos sobre os lábios e revivendo nossos beijos. Tracy nunca saía da minha cabeça, e eu já não sabia o que fazer. Só o que sabia é que precisaria suportar.

Eu percebi que Derek e o rei pareciam sérios durante o café da manhã, e pensei que poderia ter algo a ver com o ataque à vila do dia anterior. Obviamente havia sido algo mais grave do que apenas uma pequena revolta de aldeões, porque Derek me pediu perdão por não poder me fazer companhia para resolver problemas com o pai. Ele não disse o que era, como era de se esperar, mas essa sua preocupação evidente e excesso de trabalho havia começado logo depois disso.

Por isso decidi caminhar com Alyssa no jardim, para espairecer. Minha amiga também parecia distraída e preocupada com alguma coisa, e eu imaginava que poderia ser sobre o romance secreto entre ela e o rapaz da cozinha. Obviamente ela não abriu o jogo, tentei jogar algumas indiretas, mas ela não pescou nenhuma delas. Precisei me contentar em discutir amenidades da vida, como saudades de casa, o perfume das flores e modelos de vestido.

Fui pega de surpresa quando, virando uma esquina de braços dados com o de Alyssa, Myrella apareceu. Arregalei brevemente os olhos, parando imediatamente de andar, fazendo com que Alyssa quase desequilibrasse já que não havia parado junto comigo. A duquesa me encarava, e eu encarei de volta, sem saber exatamente por quê estávamos fazendo aquilo.

— Vossa alteza — Myrella finalmente cumpriu com as regras corretas de cortesia diante da realeza, algo que demorou segundos demais quando se trata de uma lady diante da princesa de seu reino. Ela fez uma mesura com a cabeça, e eu retribuí com um aceno.

— Lady Myrella — cumprimentei, tentando soar o mais simpática que consegui. — Bom dia. Decidiu dar uma volta pelo jardim? O dia está lindo para apreciar o perfume das flores.

Ela crispou os lábios, mas concordou com a cabeça.

— Certamente… — Ela lançou um olhar gélido à Alyssa, que se encolheu diante do gelo nos olhos da duquesa diante dela. É claro que ela não fazia ideia de que o problema de Myrella era comigo. — Será que posso ter um momento a sós com vossa alteza? Preciso discutir um assunto em particular.

Franzi as sobrancelhas. Por que agora? Eu sabia exatamente que deveria se tratar de Tracy, mas por que ela esperou tanto tempo para falar comigo? Será que estava envergonhada demais para me encarar, reunindo coragem para abordar aquele assunto? Estava querendo me implorar para ficar calada sobre o que havia visto? 

Não respondi de imediato. Alyssa soltou meu braço, endireitando a postura e com as mãos pousando na altura do quadril, uma mão segurando o pulso do outro braço. Ela estava esperando ser dispensada oficialmente por mim. Por mais que Myrella fosse uma duquesa, eu era uma princesa e sua ama. Ela não poderia dar uma ordem a Alyssa.

— Pode ir, Alyssa — instruí, usando minha voz de autoridade. Não havia grosseria, apenas superioridade. Não era o tom de voz que eu costumava usar com ela quando estávamos apenas as duas, mas havia certas regras a se seguir na sociedade nobre.

— Sim, alteza — ela respondeu de maneira solene, fazendo uma mesura profunda. Voltou-se para Myrella, e fez o mesmo movimento, cheia de graça e elegância. — Lady Myrella — cumprimentou, antes de se retirar.

Mesmo com a saída de Alyssa, Myrella não começou a falar. Imaginei que ela estava procurando as palavras para entrar no assunto, e não insisti. Decidi que me faria de sonsa, deixando que ela entrasse na questão por si só. Já fazia alguns dias que eu estava irritada com Myrella, por ciúmes sim, mas pelo modo que ela havia descartado Tracy como se ela fosse um vestido velho. E a princesa de Savian ainda estava sentindo o golpe do rompimento, e me doía.

— Vamos dar uma volta pelo jardim? — pediu ela, com um sorriso falso. 

Mordi os lábios, para evitar demonstrar que eles tremeram. Mas consegui me controlar, retribuindo o sorriso em seguida.

— É claro.

Myrella passou o braço pelo meu, e seguimos caminhando juntas. Senti um breve desconforto com aquele contato, como se fôssemos amigas, mas apenas guardei para mim meus sentimentos.

— Esse é o mais belo jardim que já vi — começou Myrella, e contive a vontade de revirar os olhos. — Savian tem uma flora impressionante, são cores tão belas, formatos e odores suaves… Vossa alteza sabe que a maioria dos perfumes que se usa por toda Marloux vêm daqui? É a maior fonte de renda do reino.

— Certamente sei, lady Myrella — respondi, inserindo uma doçura venenosa na voz. — Fiz o dever de casa antes de partir de Grimlee. É o que se espera da futura rainha, afinal.

Eu não costumava ser assim, mas estava irritada com Myrella fazendo rodeios. Vi-a morder o lábio inferior, provavelmente querendo conter a raiva, e senti uma estranha satisfação por isso. Ela não achou uma resposta imediata para o meu atrevimento. Eu era a princesa de Grimlee, e ela só tinha um título graças à Coroa, ou seja, meu pai. Eu estava acima dela, me responder com igual atrevimento não lhe renderia bons frutos.

— Mas eu acho que a senhora não me procurou para falar das flores ou dos perfumes de Savian, Lady Myrella. Então, se possível, gostaria de pedir que fosse breve e dissesse logo o que quer — sentenciei. — Tenho outras coisas para fazer.

Myrella parou de andar, soltando meu braço. Eu não pude deixar de notar que ela estava com raiva, mas segurando para não pisar em falso comigo. Uma pequena parte de mim sentiu-se mal por vê-la se conter apenas por eu estar numa posição de poder acima da sua, mas minha satisfação em irritá-la se sobrepôs. Eu não sabia que era capaz de me sentir assim.

— Certo. Peço perdão — ela disse, mas meu tom dizia que não desejava perdão nenhum. Seus olhos olharam brevemente para os lados, como se conferisse que estávamos sozinhas, e ela aprumou-se antes de voltar a atenção para mim. Seus lábios se franziram e as sobrancelhas também, e eu sabia que ela provavelmente descartaria a formalidade e a cortesia. — Sejamos francas uma com a outra. Vossa alteza viu o que viu.

— Vi o que vi, o quê? — perguntei, fingindo inocência. Isso claramente irritou Myrella.

— Não sabia que vossa alteza tinha a língua tão afiada e era capaz de se fazer de sonsa — ela finalmente atacou, e eu arregalei os olhos diante da ousadia. Certamente era corajosa por me enfrentar assim, ou muito burra. A sorte dela é que eu não gostava de me beneficiar do meu título. 

— Já que partimos para o ataque, lady Myrella, insisto que me chame de “você”. Não faz sentido fingir que tem algum respeito por mim quando claramente isso não é verdade — devolvi, eu mesma sentindo ódio crescer em mim. — Mas volto a perguntar: o que eu vi?

Ela bufou pelo nariz, voltando a conferir se estávamos sozinhas.

— Tracy e eu.

— Vi-as várias vezes. Em todas as refeições — pressionei, ainda me fingindo.

— Não se faça de burra — ela disparou, mas logo se conteve, percebendo como havia sido agressiva. — Sinto muito.

— Não sinta — falei friamente. — Por favor, não se contenha. Vou esquecer que a senhora é uma lady, e a senhora esquece que sou uma princesa. Por que não devemos ser apenas duas mulheres conversando?

— Ótimo — ela disse, igualmente fria. — O que você viu, deve permanecer em segredo. Nunca diga a ninguém.

— Não há necessidade de pedir. Tenho muito respeito e estima pela princesa Tracy, e nunca faria algo para prejudicá-la — respondi, mas minha frase deixava muito clara que minha boca fechada era apenas por Tracy. É claro que eu jamais deduraria Myrella mesmo que odiasse Tracy, afinal a vida dela e suas preferências não eram da minha conta. — Se era só isso, acho que podemos encerrar a conversa por aqui. Com licença. — Fiz um aceno com a cabeça, me virando para caminhar e me retirar dali. Eu não era acostumada a enfrentar as pessoas daquela forma, podia sentir meu coração batendo forte dentro do peito e as mãos suarem, então precisava me retirar o quanto antes para não me desestabilizar. 

— Engraçado — ela começou, com o tom de voz mais alto, o que me fez parar de andar. — Vocês costumavam ser muito próximas, e agora mal as vejo juntas. Agora percebo que vocês duas andam trocando olhares suspeitos durante as refeições.

Senti a respiração falhar, mas não me virei.

— Não tem nada a dizer, vossa alteza? — ela perguntou, e eu senti a ironia no modo de tratamento.

Mordi os lábios, me virando para encará-la. Embora tentasse me conter, eu sabia que meus lábios estavam trêmulos e meus olhos transpareciam um certo desespero. Será que ela havia nos visto juntas?

— O que quer dizer com isso? — finalmente perguntei, reunindo toda coragem que consegui.

Quase dei um passo para trás com o sorriso venenoso que recebi de Myrella.

— Não sei bem — ela cantarolou. Mordi o lábio, tentando conter o nervosismo. Conheço Lady Myrella há anos, e ela sempre agiu com educação e polidez diante de mim e minha família. Era estranho estar diante dessa versão venenosa que eu não conhecia, mas acredito que eu despertei isso quando dei respostas irônicas ao que ela me dizia. — Posso não saber o que aconteceu, princesa, mas sei que há algo estranho no ar. E a maneira como você olha pra ela… — Ela fez um som de reprovação com a boca, batendo a língua nos dentes três vezes de uma maneira irônica. — Parece muito o jeito que ela olha pra mim.

Fiquei sem reação. Ela sabia. Eu não tinha o que responder naquele momento, então o sorriso venenoso em seus lábios se alongou antes dela continuar:

— Tudo bem, princesa. Deixe-me esclarecer uma coisa: eu e Tracy? Uma pequena curiosidade minha — ela falou, como se desdenhasse da relação entre elas. Aquilo me fez apertar os punhos, pois sabia que os sentimentos de Tracy eram mais sérios. — Estávamos conversando, bebemos demais e acabou acontecendo. Nada demais. Eu tenho um bom casamento e não posso deixar que isso seja destruído. Então é bom que você não pense em dar com a língua nos dentes, porque eu posso dar um jeito de espalhar o seu segredinho. E acho que você não vai querer, não é? Pode prejudicar seu casamento, e até seu relacionamento com seus pais.

Fiquei pálida, e me odiei por estar reagindo da maneira que ela gostaria. Eu não fazia ideia do que ela sabia, das provas que tinha, ou se era apenas um blefe. Mas se ela não tinha certeza antes, eu acabei confirmando todas as suas suspeitas e ela ficaria de olho em mim.

— Não sei do que você está falando — reagi. Mas meu tom de voz não era muito convincente. — Você não sabe de nada.

— Ah, não sei? — ela perguntou, sorrindo. — Será que não sei? Você quer me testar, Tianne?

Não, eu não queria. Não sabia até onde ela poderia ir.

— Eu já disse que não iria falar nada.

— Mas é bom eu ter uma garantia que terei o seu silêncio. — Myrella checou as unhas, de modo despreocupado. — Não posso correr riscos. Seu respeito por Tracy pode acabar em pouco tempo, visto que a amizade de vocês está muito distante e você pode se zangar com ela, querer se vingar de nós duas, eu não sei. Mas não vou contar só com a sua palavra — ela me olhou fundo nos olhos, e estremeci por dentro. — Não me teste, princesa. Quer manter seu segredinho sujo? Então mantenha o meu.

Eu quis gritar, mas me contive. Acenei com a cabeça, concordando, e ela pareceu satisfeita, mas antes que ela pudesse ir e me deixar sozinha, eu falei:

— Por que é tão cruel com ela?

Myrella voltou sua atenção para mim, com um ar confuso, mas ainda de superioridade. Eu odiava ver ela se sentir superior a mim.

— Como disse?

— Com Tracy — esclareci. Fiz uma careta de indignação antes de prosseguir. — Você disse que ela não significa nada pra você, mas ela é uma pessoa e não um brinquedo! Uma pessoa com sentimentos reais e que realmente gosta de você. E o modo como você fala… — Franzi o nariz numa careta de asco. — É detestável. Você a desmerece totalmente como ser humano! Você só a usou.

Myrella soltou uma risadinha cruel, mas percebi que ela não estava muito convicta.

— Você acha que ela não me usou também? Ela sabe que eu sou casada — disparou. — Se criou expectativas, o problema é dela. Eu tenho que manter minha posição, Tianne, e não vou perder tudo que conquistei por causa dela. — Ela me encarou. — Você deveria saber. Nós, mulheres, estamos numa situação muito desfavorável. Eu preciso me defender, e vou. Nem que por isso eu precise passar por cima de vocês.

Fiquei muda por um instante, mas consegui dizer, incrédula:

— Você é um monstro.

— E você também deveria começar a pensar mais em você — ela falou numa suavidade arrogante. — É um conselho amigável que lhe ofereço: use a cabeça para pensar. Seu coração só vai levá-la à destruição.

— Isso não importa agora! — eu disparei em voz alta. — Tracy gosta de você, e você a dispensou como se fosse uma luva velha e furada! Ela merece muito mais do que recebeu de você.

— Você mal sabe da história — ela disse sem se alterar. — Não dê opiniões que não pedi. Foi um caso único que nunca voltará a se repetir, e como você só viu aquela vez… Não pode provar que aconteceram outras. Tenha um bom dia, vossa alteza.

Ela se retirou sem olhar para trás, antes fazendo uma cortesia que interpretei como deboche. Quando percebi que ela já estava longe, soltei um grito rápido de frustração, levando as mãos ao rosto e aos cabelos, num ato de desespero. O que havia acontecido, afinal? Myrella havia mesmo me ameaçado? E ela tinha como me expôr? Não…. Não poderia ser… Ela não tinha como saber de nada, e olhares durante as refeições não eram prova de nada.

Mas e se ela soubesse? Meu Deus, ela ia acabar com a minha vida se julgasse necessário. Eu não pretendia falar sobre ela pra ninguém, mas e se mesmo assim ela quisesse usar essa informação contra mim?

Eu estava a ponto de enlouquecer.

A situação só piorou quando escutei o som de arbustos atrás de uma parede viva, o que me fez reagir no momento para procurar se alguém havia escutado a nossa conversa. A hipótese fez meu coração disparar e minha cabeça latejar.

— Quem está aí? — perguntei em estado de alerta.

Alguém saiu de trás da parede viva, com as mãos para cima como se se declarasse culpada.

Tracy.

— Desculpe. Eu não quis assustar você.

Suspirei de alívio, me sentando em um banco de pedra ali perto.

— Há quanto tempo está aí?

Ela sentou do meu lado.

— Há tempo suficiente para ouvir tudo que importa.

Ficamos em silêncio por pelo menos dois minutos, antes dela suspirar e segurar uma das minhas mãos de maneira solidária.

— Eu pensei em intervir e te defender, mas então você começou a reagir sozinha. Achei que não seria uma boa ideia, iria fazer você parecer fraca. Me desculpe, agora acho que devia ter feito alguma coisa…

— Não. Está tudo bem… — insisti sem muita convicção.

— Não está — ela rebateu. — Myrella te atacou e te ameaçou, e eu te garanto que isso não vai ficar assim. Vou atrás dela agora mesmo e…

— Não! — interrompi, olhando na direção dela de modo suplicante e segurando suas mãos para impedi-la de se retirar. — Isso pode ter efeito contrário. 

— Ela não sabe de nada sobre a gente — insistiu Tracy.

— Será? Não temos como saber! — rebati, um pouco nervosa. — Pode ser um blefe, mas também pode ser verdade. É difícil de acreditar que ela faria uma ameaça vazia, não sabendo que meu pai pode condená-la à morte por caluniar a filha dele. Se ela fez isso, ela deve saber de algo. Ou pretende descobrir.

Tracy soltou um suspiro de frustração.

— Eu não posso ver ela te ameaçar e ficar sem fazer nada.

— Ela pode não gostar que você me defenda — expliquei. — Eu agradeço, mas isso é um problema meu. Posso lidar com isso sozinha.

Os olhos de Tracy transpareceram tristeza, mas não sabia se era por eu ter negado sua intervenção ou por saber que eu estava certa. Nós não sabíamos o que Myrella tinha para nos atacar, e a melhor defesa no momento era não fazer nada.

— Que ódio — ela resmungou, apoiando os cotovelos nos joelhos e passando as mãos na cabeça, frustrada. — Eu nunca devia ter me envolvido  com Myrella, mas acho que fiquei tão cega por ela que não percebi o tipo de pessoa que ela é. A Norman bem que tentou me avisar.

Fiquei curiosa com o nome citado.

— Norman?

— Sim. É minha melhor amiga, princesa do Selo de Gogh, do outro lado do mar.

Arregalei os olhos.

— A princesa de Gogh sabe que você…?

— Sabe. Longa história. — Ela fez um gesto com a mão, como se dispensasse aquele assunto. — A questão é que Myrella não só é uma chantagista, mas uma mentirosa. Eu não me iludi sozinha, e ela sabe disso. E não foi só daquela vez que você viu — ela afirmou convicta, embora eu não precisasse que ela me dissesse isso para saber que Myrella estava só mentindo para salvar a própria pele. — Nós fomos muito além de só beijar. 

— Muito além? — perguntei sem entender. O que poderia ir além disso?

— Você sabe — Tracy deu de ombros. — Nós dormimos juntas.

Juntei as sobrancelhas, confusa. 

— E qual o problema disso?

Tracy arregalou os olhos e me fitou, confusa, como se não conseguisse entender porque eu estava falando aquilo. 

— Como assim, qual o problema disso?

— Ora — eu comecei, indignada. O que havia dado em Tracy, afinal? — Eu não vejo qual o problema de dormirem juntas. Veja, eu e Alyssa já dormimos na mesma cama, na verdade isso acontece várias vezes. Ela deita na minha cama e começamos a conversar, então o sono aparece e nós dormimos antes que ela tenha chance de voltar para seu próprio quarto. Eu vejo de uma forma bem normal, mas talvez dormir na mesma cama com uma pessoa seja algo mais íntimo pra você do que é pra mim. — Dei de ombros.

Tracy me fitou como se eu estivesse maluca.

— Ti… Você sabe o que acontece entre um casal no quarto depois do casamento, não sabe? — ela me perguntou, incerta. Ela parecia ter dúvidas em relação ao que eu disse, e eu não entendi muito bem onde ela queria chegar.

— Como assim?

— O processo para gerar filhos. Você sabe qual é?

Eu fiz uma careta de dúvida, e dei de ombros.

— Bem, não sei os detalhes — expliquei. — Minha mãe sempre me alertou para tomar cuidado quando estivesse a sós com um homem, porque eu poderia engravidar. Que eu só poderia dormir com o meu marido, e jamais antes disso. Ela não disse como isso acontece, mas acho que durante o sono alguma coisa deve acontecer, e… Por que está rindo? — perguntei, indignada.

Tracy parou de rir e ficou séria.

— Me desculpe — ela lamentou. — Nem sei por que estou rindo. Não deveria ser engraçado. Na verdade, é revoltante.

— Como assim?

— A sua mãe te jogou em um acordo nupcial sem explicar o que vai ser exigido de você na noite de núpcias e por todo o resto da sua vida — ela explicou. — É cruel de se fazer, mas acho que toda mulher passa por isso. Tive que ir atrás da informação por conta própria quando era mais nova para saber.

— Saber do quê? — perguntei, exasperada. — O que minha mãe deixou de me contar?

Eu estava com um pouco de medo, na verdade. Tracy falava daquilo como se fosse algo ruim, algo que minha mãe escondeu de mim para não me assustar, e eu estava ficando aflita com a possibilidade de saber que eu estava prestes a me casar e ficar presa a alguma tarefa horrível para o meu marido.

— Eu… — Tracy suspirou. — Meu Deus, como vou explicar isso a você?

— Estou com medo. — Meus olhos marejaram. Eu estava realmente assustada. — É tão horrível assim?

— Não! — Tracy disse, chocada. — Não é isso. Não é ruim, na verdade pode ser bom. Bem, não pra mim que tenho outro tipo de preferência, mas é bom pra mim quando é com outras mulheres. E as mulheres que gostam de homens podem gostar e… Meu Deus, estou me atrapalhando toda — ela suspirou.

— Então quer dizer que vai ser ruim pra mim — eu concluí, arrasada. Já estava até chorando. Eu nem sabia o que era, mas estava com muito medo. Se eu era como Tracy e não conseguia sentir atração pela espécie masculina, certamente seria horrível pelo que ela estava dizendo. 

— Ti, não precisa se preocupar — ela falou, colocando as mãos nos meus ombros. — Derek é um cavalheiro, ele jamais seria bruto com você. 

— Tracy, eu não estou entendendo nada — murmurei.

— É que eu não sei o jeito certo de te explicar sobre isso — ela suspirou. — Olha, fica tranquila, tudo bem? Eu exagerei. Só não acho justo que sua mãe não tenha compartilhado todos os detalhes, era o dever dela como mãe te deixar bem informada sobre o que se trata um casamento. 

— Eu vou perguntar a Derek. — Eu me levantei meio desesperada, para ir de encontro ao príncipe. Talvez ele soubesse me explicar o que Tracy tinha tanta dificuldade, já que se tratava sobre nós como um casal. Mas Tracy me puxou pelo pulso.

— Por Deus! — ela exclamou. — Não faça isso, ele vai ficar mais perdido do que eu pra te contar. Olha… — Ela pareceu pensar um pouco. — Me encontre na biblioteca mais tarde, depois do jantar. Acho que se eu te mostrar de maneira científica, vai ficar mais fácil. Tudo bem?

Eu funguei, mas assenti com a cabeça. Tracy sorriu.

— Ótimo — ela murmurou, e me deu um beijo na testa. Foi algo muito natural, mas quando ela se deu conta do nosso contato, se afastou imediatamente e corou. Eu senti que minhas bochechas haviam ficado igualmente quentes. — Bem… E não se preocupe, tudo bem? Não é nada demais. 

— Tudo bem… — concordei, incerta.

Tracy soltou um risinho sem jeito, e secou uma lágrima minha que havia escorrido pelo canto do olho direito.

— Obrigada por ter me defendido hoje — murmurou, beijando minha mão antes de partir, e me deixou sozinha com os meus pensamentos e o coração acelerado.


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