Meet the Huntar'z escrita por Huntress


Capítulo 6
E S C A N O R


Notas iniciais do capítulo

Este capítulo é dedicado à Hane/Horquídea, que fez com que eu descobrisse como é ter orgulho de mim mesma e me aproximou um pouco mais do Escanor, porque me mostrou o que ele poderia sentir.



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E S C A N O R

rei sol

Encaminho-me até o quarto do próximo entrevistado com um pouco de incerteza. Essa entrevista tinha tudo para ser ou a mais fofa, ou a mais irritante, dependendo do estado mental (ou o horário) em que se encontrasse.

Eu não teria como dizer qual hora era de verdade, enquanto ali em casa, para ter noção em que exato minuto chegar para me poupar de seu irritante egocentrismo característico. Assim sendo, enquanto caminho pelos corredores, observando os finos e numerosos feixes de luz dourada dançando pelos limites dos cômodos ao meu redor, torço para que eu possa encontrar a criança fofa e de bochechas gordinhas, que ainda é um dos maiores motivos da minha alegria de ser mãe, ao invés de um gigante que chega a ser chato de tão orgulhoso.

Em momentos assim, imagino que, se eu estivesse mais próxima, tivesse sido mais presente, se tivesse a condição de realmente estar presente, eu poderia ter melhorado seu comportamento desde cedo. Talvez, se eu não o tivesse mimado tanto nos momentos em que eu realmente podia tê-lo, ele não teria todo essa intensa arrogância em sua fala e suas ações. Se eu não tivesse concordado tanto com ele dizendo que era o melhor de todos, talvez não carregasse tão intensamente essa aura de convencimento.

Os feixes então se reúnem para formar uma porta, iluminada intensamente em um dourado diferente. Imagino que isso queira significar alguma coisa; talvez um aviso de que meus pensamentos estão ali, mas estão… errados. Entrar com essa mentalidade não faria bem à parte de Escanor que conseguiria pensar nas nossas interações depois. Entrar me culpando por uma coisa que ele simplesmente é não poderia significar algo positivo.

Paro em frente a porta e meneio a cabeça negativamente.

Não, não é assim que os Pecados funcionam, digo para mim mesma, mesmo ainda não sabendo exatamente como os Pecados funcionavam. É para ser uma tarefa, um desafio, uma missão para a própria evolução. Uma maldição necessária, penso, imaginando que talvez seja a melhor forma de definir pelo que eu havia entendido das experiências das crianças e das palavras de Luksifer sobre isso. 

Chego à conclusão de que não tenho culpa; de que eu não poderia ter mudado nada. Sua peculiaridade é parte intrínseca dele. Nem com todos os meus possíveis e imaginários esforços eu poderia mudar essa parte nele. 

O dourado dos feixes volta ao normal.

Tento não estranhar como é boa a sensação de entender melhor como todas as minhas peculiaridades funcionam a esse ponto. Tantos anos negando fiel e abertamente suas existências ainda pesavam sobre minha consciência.

Abro um sorrisinho satisfeito e vou até a porta, batendo no vão duas vezes e repetindo o som que as batidas fazem na madeira com minha própria voz:

— Toc, toc.

— Pode entrar… — diz uma voz masculina forte, firme e imponente de dentro.

Evito o arrepio de percorrer em minhas costas enquanto torço para que já estejamos quase perto do fim deste curto período de tempo em que essa voz fica nessa imponência. Finjo para mim mesma que essa sensação nem ao menos ocorreu quando entro animada no quarto e digo, com um grande sorriso nos lábios:

— Oi! Tudo bem com você, benzinho?

— Claro que estou bem. — responde, um tom de voz como se estivesse falando a maior obviedade de todas. É claro que estava bem, ele era ele. — E a senhora? — pergunta, fechando o livro que tinha em mãos com um único movimento da mão. O som que o livro faz ao se fechar é estrondoso.

Aproveito o efeito para prestar atenção nele, voltando meus olhos até sua figura. Não tenho como dar detalhes de como ele seria exatamente, já que não tenho como vê-lo de verdade, mas eu o sinto

A esse ponto, Escanor Huntar’z é como uma muralha de pele de um tom claro de marrom, mais de 2m de altura, enormes músculos que pareciam ficar ainda mais enormes quando se sentia força e calor irradiar deles, como se fosse o próprio Sol em suas veias. O cabelo loiro está bem alinhado e arrumado, cor dos fios muito compatível com o grosso bigode em cima de seus lábios. Seus olhos dourados pareciam queimar com todo o calor que poderia existir no Universo.

Agora, ele é um monumento. Olhar para ele é como verdadeiramente olhar para o Sol, senti-lo queimando por seus olhos mesmo que não consiga enxergá-lo.

— Eu tô boazinha. — falo, por fim, saindo do transe que sua enorme figura de poder acaba por me colocar com algumas piscadelas. — O que você estava lendo? — questiono, curiosa. Era muito surpreendente vê-lo, enquanto naquela forma de brutamontes, lendo qualquer coisa, principalmente de forma tão elegante. 

— Claro que está bem, está diante de mim. — aquele tom arrogante novamente, a seriedade de sua voz ao me responder… Torço para que meio-dia passe rápido. Nunca sei que horas são quando venho para casa, mas, se ele está assim, com certeza deve ser meio-dia em ponto. Um minuto de diferença é um tempo pequeno, mas quando não se sabe mais quantos segundos reais poderiam ter um minuto hipotético, meio-dia em ponto poderia ser uma eternidade.

— Eu estou lendo um livro sobre autocontrole. — utilizo desse autocontrole para não erguer as sobrancelhas em uma surpresa e leve descrença. Apenas abro um sorriso, contente com a notícia. — Foi escrito pelo Nero. Tenho lido muitas coisas sobre psicologia.

Nero… A Katerina falou do Nero na entrevista dela? Eu deveria checar depois.

— E tem te ajudado? — pergunto, fazendo um movimento leve com a mão esquerda. Poderia parecer uma gesticulação aberta, mas não era para ser isso. Uma gaveta invisível (teoricamente invisível aos outros, silhueta de energia cor-de-rosa para mim) aparece logo à frente. Abro-a na intenção de pegar o caderno e a caneta com pompom também cor-de-rosa para, antes de mais nada, saber sobre o Nero.

— Evidente. — responde ele, como se obviamente fosse evidente só por ser sobre ele. — É a entrevista, não é? — questiona, enquanto me vê tirar os itens da (teoricamente) gaveta invisível. Assinto positivamente enquanto abro o caderno, sem ainda olhar para ele, querendo repassar o que Katerina havia dito sobre seus filhos e se, em algum momento, havia citado Nero. — Sente-se na poltrona ao meu lado. Ficarei no sofá. — ele então usa da própria magia para gerar uma leve onda de calor ao redor da poltrona que me indicara, usando isso como um sinalizador. 

Caminhando pelo Castelo, eu não preciso que os outros me dêem sinalizadores. A energia da casa, senciente e intrinsecamente ligada com minha própria energia, visto que eu a (magicamente) criei, consegue me encaminhar para qualquer lugar se eu apenas a perguntar. Passar as mãos pelas paredes é como se pedir para ela me indicar onde estão as paredes. Pelos feixes dourados, mais finos e mais numerosos quanto melhor eu fico, o Castelo me indica onde eu devo ir. Pela mudança dos feixes, ela me sugere o que eu deveria sentir.

Isso não funciona muito bem para as modificações que as crianças poderiam ter feito em seus próprios quartos. Não me mostrava quais móveis queriam ter, como tinham decorado, quais cores mais queriam ver em seus ambientes pessoais – muitíssimo necessários em lugares em que se moram com (talvez bem) mais de trinta pessoas. Para isso, eu precisava que eles me descrevessem, que me mostrassem.

Sempre fico grata quando eles demonstram se lembrar desse detalhe.

— Ó, sim! É sim! — abro um enorme sorriso, um de gratidão, enquanto caminho até o local indicado, caderno aberto nas mãos. — Você pode… ir me descrevendo o lugar? — agora sim gesticulo com as mãos, de forma circular, como se indicasse o local como um todo. Logo me sento na poltrona, ajeitando o caderninho em meu colo, caneta na mão, dedo indicador fazendo um leve carinho no pompom cor-de-rosa na ponta, como se estivesse acordando-o.

O sinal indicador da poltrona se apaga quando me sento. Eu consigo sentir o próprio calor se esvaindo debaixo de mim. Logo a voz séria e forte dele volta a falar:

—  É uma sala para que eu possa estudar e treinar. Tem um boneco de treinos ali, mas não o uso, pois é muito fraco pra mim. — não sei onde ali é, mas não pergunto porque não parece importante. — As prateleiras com pergaminhos, e de móveis, tenho um sofá e essa poltrona. Espero que não fique incomodada por eu estar no sofá. Ele é meu. — imagino que o sofá esteja bastante perto, porque mesmo a sua voz sendo alta, ela está muito próxima agora.

— Não estou incomodada, não. — digo, para tranquilizá-lo. — Pode ficar no seu sofá. — não olho para ele enquanto falo isso; direcionar os olhos para ele não me faria vê-lo de verdade, embora eu possa sentir sua imensidão e conheça das características certas pelos dizeres dos outros.

Olho na verdade, para o caderno, abrindo as páginas e encontrando, entre as palavras magicamente escritas para a entrevista de Katerina, o total de zero menções a Nero ou a quaisquer outros filhos que não Hanah e Nyayn. Isso parece dizer muito sobre a forma como compreende os filhos que teve com qualquer pessoa que não Merlin. Seguro um suspiro, ouvindo o suspiro da própria Katerina em minha mente, pelo laço da conexão de Segunda Guardiã.

— Eu ocupo ele todo, eu sei. Não tenho muita culpa por ser este colosso. — declara ele, me fazendo olhar em sua direção. Ele ocupava mesmo todo o sofá com seu tamanho? Imagino que sim; mas não consigo vê-lo para confirmar. Presto atenção na energia dele, tentando descobrir os limites de sua expansão. Arregalo um pouco os olhos, não conseguindo me controlar, ao encontrar o real tamanho que ele tinha naquela forma. Aquele corpo realmente conseguiria ocupar facilmente um sofá de três lugares inteiro.

— É verdade. Não tem culpa. — digo, tentando voltar para uma expressão o mais neutra possível. — Mas será que em algum ponto você poderia se mostrar só você? Sem o poder do meio-dia? — eu não sei em que fase de autocontrole ele está. Já teve fases em que ele conseguia ficar basicamente o dia inteiro com o poder do meio-dia, apenas por carregar Sonala nas costas, ou por usar um tipo específico de armadura. Como não sei exatamente que horas são e estar com o poder que ele teria ao meio-dia não significa realmente ser meio-dia, questiono-o só para saber se ele poderia controlar a sua forma agora.

— É meio-dia. Não dá. — responde, me dizendo sem dizer que ele não tinha controle sobre a sua forma nesse ponto.

— É meio-dia? Mesmo? — questiono novamente, só para ter certeza se é isso mesmo ou se ele está tentando utilizar de algum eufemismo para não afetar seu próprio ego, agora aparentemente focado na construção de seu autocontrole.

— Sim. Faz um tempão. — eu não sei exatamente como poderia um minuto fazer um tempão, mas eu já desisti há muito tempo de tentar entender como o conceito de tempo funcionava ali naquele lugar. Se eu fosse tentar, eu ficaria presa nisso por toda a eternidade. — É o único horário que não tenho controle da minha forma. — disso eu sabia; mas não sei realmente quanto poderia durante o minuto de meio-dia em ponto. Nesse caso, eu teria de esperar, e torcer para que esse minuto acabasse de uma vez.

— Aham. — meneio positivamente. — Okay. Nesse caso… Vamos começar?

— Sim. — declara, com uma certeza absurda.

Ajeito-me na poltrona para ficar mais confortável, balançando-me em meu quadril por um segundo até achar a posição perfeita. Seguro a caneta, ainda fazendo um leve carinho no pompom cor de rosa enquanto falo:

— Perguntinhas simples pra começar. — é como se eu ouvisse o pompom ronronar, mesmo não tendo vida em si. Talvez o processo de dar a ela toda a energia positiva que carrego ao fazer esse projeto estivesse dando-a também algum nível de senciência, uma consciência ainda a ser desenvolvida. — Nome. Títulos.

Ele não perde muito tempo e tampouco perde a caneta, transcrevendo perfeitamente o que diz logo de primeira.

 

Escanor Huntar’z.

Leão do Orgulho. Deus do Sol. Deus das Artes Plásticas.

 

— Das artes plásticas? — questiono, visivelmente surpresa. Ele se porta tanto como apenas o homem mais forte do mundo (principalmente nessa sua forma colossal), que às vezes é um pouco difícil vê-lo como algo diferente disso. 

Eu talvez não devesse me sentir assim tão surpresa. Consigo lembrar vagamente de pequenas esculturas que ele tentava fazer em épocas antigas, quando eu tinha mais tempo para ficar com ele. Quando ele necessitava mais da minha presença, principalmente durante a noite, quando absolutamente toda a sua força era retirada dele até o Sol se erguer novamente.

— Acho que eu não estive… — hesito um pouco, percebendo que, depois dessa época, eu só vi um lado dele se desenvolver, e era esse, o do brutamontes gigante e musculoso que ocupa sozinho um sofá de três lugares. — Prestando muita atenção nesse seu lado… — admito, porque não consigo me lembrar em um momento em que suas habilidades com pintura e escultura fossem tão importantes quanto a sua habilidade com a força do Sol. Pelo menos, não das histórias que consegui ouvir sobre ele durante os anos tão afastada.

— Eu sou um artista, lembra? — ele me questiona, ofensa visível em seu tom de voz; como se fosse minha obrigação lembrar disso, como se esse fosse um dos maiores erros que alguém já havia cometido contra ele. — Quando era pequeno, fazia artes em pedra… Como ousa esquecer, mãe? — como se fosse um pecado. 

A parte de mim que é Destruidora me diz que eu não teria como saber, portanto, não tenho obrigação de saber. A parte de mim que é Criadora e, portanto, originalmente eu, cobra esse laço da maternidade. Cobra de mim o conhecimento que eu não pude ter por estar cumprindo uma missão (ainda incompreendida) longe de casa, cobra a minha falta de atenção para qualquer coisa que não fosse o exterior dele, ou o que ele mostra com mais frequência. 

Eu deveria ter notado. Ele não está errado de se sentir ofendido. Como mãe, eu deveria saber. Como mãe, eu deveria ter estado lá tempo o suficiente para saber, para aprender mais sobre esse lado dele.

— Beeeem vagamente. — confesso, — Desculpe. — logo me desculpando. — Ou você é meu bebê, ou você é ESCANOR. — digo seu nome de uma forma alta e cantada, fazendo o melhor para parecer ao mesmo tempo sério, arrogante e uma brincadeira. — Nesse momento agora, você é o segundo. — digo como se fosse uma casualidade, mas também serve como um aviso. Se ele está tentando aprender sobre autocontrole, talvez seja importante entender quando está agindo demais como a representação suprema do seu pecado.

Faço uma nota mental de tentar fazer uma listinha dos Pecados e seus representantes depois, tal como fiz para os Mandamentos. Mas não há muito tempo para isso, já que ele logo balança a cabeça negativamente, como se estivesse apagando a arrogância da mente, como se pudesse fazê-lo, e diz:

— Eu… É. Isso aí. Eu sou eu e fiz algo que alguns julgariam errado. — eu não sei sobre o que ele está falando nesse momento e a confusão é bastante expressiva em minha face. O que ele fez que alguns julgariam errado? Ser orgulhoso? 

— Como assim? — indago, porque realmente não sei o que poderia significar.

— Eu… Des–… — ele se trava, como se a palavra fosse incapaz de sair por sua garganta, mas eu sei que é para ser um pedido de desculpas. Ainda não entendo de onde isso vem, essa culpa repentina por alguma coisa que não é clara. — Deixa pra lá. Não vai sair. — imagino que ele até conseguiria, se fosse em outro horário, mas talvez haja um real impedimento em seu Pecado, tal qual o Mandamento de Georgine, que a para por algum tempo depois de falar muita besteira.

— Não precisa pedir desculpas. — não por isso, pelo menos. — Eu realmente deveria me lembrar. Eu sou sua mãe, oras. Me desculpe por me esquecer. — digo, o sentimento de culpa já se amenizando. 

Não há muito o que eu posso fazer em relação ao meu afastamento; ele é necessário. Teriam coisas que eu não saberia. As entrevistas também serviam conhecer essas partes que eu não sabia, mas não poderia me dar o luxo de simplesmente esquecer.

— Desculpo. — a resposta veio rápida como um raio. Para desculpar os outros por seus erros, tudo bem; para pedir desculpas pelos seus, quase impossível.

— Na verdade, eu não me esqueci. — declaro. — Só não imaginei que isso ainda se mantinha a ponto de você ser deus das artes plásticas. — não admito para ele, mas entre todos os filhos que eu imaginava que pudesse chegar a ter esse título, ele era provavelmente o último. Talvez isso seja só uma mostra de como não os conheço tão bem assim; talvez isso estivesse evidente o tempo todo e só eu não via.

— Eu sempre faço esculturas. Só que ninguém é bom o suficiente para vê-las. — isso poderia significar que realmente elas eram muito boas e ninguém era honrado o suficiente para isso, ou que ele tinha vergonha de mostrá-las e ainda mais vergonha de admitir isso. 

Mas, conhecendo-o como conheço, se fossem boas e ele se orgulhasse verdadeiramente delas, ele já teria colocado uma em cada esquina da casa, cada uma com uma imagem dele em uma posição diferente, letras douradas na base gritando seu nome em fontes extravagantes.

— Ah sim… Entendo. Imagino que elas sejam bonitas.

— E são. — decreta, com um tom menos orgulhoso do que nas vezes em que ele mencionara ser um colosso. — Mas eu as destruo depois de um tempo. 

— Por quê? — eu já imagino a resposta, mas quero ver se ele tem a capacidade de dizê-lo, de demonstrar algum tipo de fraqueza, nem que seja a fraqueza emocional de se sentir envergonhado ou acuado com seu próprio trabalho artístico – sentimento que qualquer artista já deve ter sentido em algum momento.

Ele suspira pesadamente, diminuindo uns quinze centímetros de altura de uma vez, de repente perdendo quase metade de seus músculos e a postura de gigante, tornando-se o que mais parecia um homem humano adulto com uma ótima forma física e um bigode loiro um pouco menos volumoso em cima dos lábios.

— Finalmente… meio-dia e um. — o suspiro que ele deu ao diminuir demonstra o alívio que sente em se livrar do seu arrogante estado de meio-dia e apenas se mostrar. Ele claramente ainda é forte naquele estado, mas tem mais controle até mesmo da forma como pensa. Controle o suficiente para admitir, finalmente, em um tom que não parecia nem um pouco chateado em dizer: — Porque tenho vergonha, mãe.

— Não acho que precise ter vergonha. — falo, mesmo às vezes morrendo de vergonha do meu próprio trabalho também. Mas parece o tipo de coisa que Luksi me falaria numa situação dessas, então falo para ele também. — Eu não teria como ver, de qualquer forma. Mas eu poderia tocar. — gesticulo com todos os dedinhos, palma estendida, os dez dedos das mãos mexendo-se desordenadamente. — Imagino que sejam legais. — porque deveriam ser mesmo.

— Continuo a ter. — contesta, e, porque eu também continuaria a ter, mesmo com Luksi me falando para não, não o repreendo. 

— É estranho ver você admitindo isso. Mesmo desse tamanhinho. — comento, com um tom elogioso, sorrindo para o filho com um certo orgulho maternal de vê-lo evoluindo e deixando de lado o orgulho tóxico. Não que seu tamanho atual seja realmente pequeno, já que ainda tem quase 2,20m de altura. Ele ainda ocupa dois lugares daquele sofá, mas qualquer coisa que não seja seu estado de poder total e colossal já pode ser considerada “tamanhinho”.

— Nos outros horários eu tenho controle… — explica, meio hesitante.

— É… Mas faz bastante tempo que a gente não senta para conversar assim. Ainda não tinha tido a chance de ver esse controle acontecendo. — não consigo me lembrar de ter tido uma conversa assim com ele. Ele verdadeiramente só aparecia como o pequeno Esc da noite ou o enorme Escanor do meio-dia em ponto; raramente houveram encontros nos meios-termos, como agora. — Eu fico feliz por você.

Conhecendo todas aquelas crianças como eu conhecia, vê-las crescendo, e tentando se melhorar da forma como todos eles pareciam estar fazendo constantemente, é verdadeiramente gratificante. Principalmente quando sei que são minhas crianças; meus filhos crescendo e evoluindo por si só, tendo a capacidade de se construírem para si e para os outros.

— Bem… Deus das artes plásticas! E do Sol! Ótimo! — exclamo, para fechar a parte dos títulos e prosseguir com a entrevista. — Hm… Gênero, sexualidade, status de relacionamento?

— Sou Querubim, heterossexual, casado com a Rose. Tenho quatro filhos. Eclipsis, Aurora, Dawn e Dusk. — responde e a caneta vai organizando, sozinha, entre as folhas do caderno:

 

Querubim;

Heterossexual;

Casado com a Rose. Têm quatro filhos: Eclipsis, Aurora, Dawn e Dusk.

 

Observo com cuidado a primeira especificação. Ser Querubim fala sobre sua espécie, mas não sobre seu sexo ou sobre seu gênero, não o suficiente para que os pretensos leitores humanos possam entender sobre o que ele está falando. Assim sendo, pergunto sobre isso, para esclarecer algumas possíveis dúvidas:

— Todos os Querubim são como você? Existe separação de sexo? Isso é só… curiosidade, mesmo. — aviso, porque talvez a pergunta possa significar algo ofensivo em sua realidade, algo sem sentido ou significado algum.

— Não. São mestiços. — ele responde, e talvez essa não tenha sido a melhor palavra para se usar, porque apenas me confunde mais. 

Mestiços como? Teriam os querubins os dois órgãos sexuais binários? Algo no meio disso? Mas antes que eu possa continuar, ele prossegue, no tom de um sermão ou uma ameaça, não direcionada a mim, mas a quem pudesse ler o que ele fala:

— E, mesmo sabendo que vão pensar que isso é um devaneio ou uma indireta sua, — por favor, que não pensem que é uma indireta minha. — quero dizer algo. — não o paro, então ele explica. — Pode até ter separação, mas os humanos não têm cognitivo suficiente para compreender algo assim. Estão preocupados demais com a pseudo-exclusividade que acham ter. — não pergunto sobre o que ele poderia estar querendo dizer em relação a pseudo-exclusividade, mas deve ter a ver com a forma como os seres humanos entendem sexo e gênero, imaginando que esta deveria se aplicar a todas as outras espécies igualmente. Escolho não pensar demais sobre isso quando ele apenas finaliza dizendo: — Se alguém quiser saber, eu conto no Inferno.

Talvez eu devesse começar a filinha para todo mundo na porta do castelo da sede do Inferno, porque também não entendo de onde veio esse ardoroso sentimento contra os humanos ou a sua forma de entender as coisas.

Rio de sua resposta, um tanto desconfortável, um tanto achando engraçado a forma como ele havia tão fervorosamente se colocado no debate. Tento voltar ao nosso assunto principal, tentando tirar a dúvida que havia sido formada em minha mente por sua má escolha de palavras:

— Então… se formos simplificar pros humanos, você seria intersexo?

Ele parece não ter acabado sua linha de raciocínio, porque sua próxima fala se conecta com a velada ameaça que havia feito anteriormente.

— E ai do primeiro carbonado que inventar de a criticar! Eu vou fazer suar até derreter. — e talvez seja seu tom já irritado que faz sua resposta à minha pergunta parecer irritadiça, como se tivesse de explicar o óbvio. — Não, mãe. Eu tenho um pênis. 

Sua resposta é tão direta que me assusta um pouco e eu travo por um segundo, sem saber o que dizer em réplica. Pisco por um momento, entendendo que o que ele queria dizer com “mestiços” era “variável”; querubins poderiam ter diferentes sexos, mas a forma como se organizavam sobre isso era diferente e não seria facilmente entendida por seres humanos. 

— Okay. Acho que… — hesito. — Talvez… — limpo a garganta, sem saber o que falar ou fazer diante desse momento levemente constrangedor. Resolvo que me prender a isso não vai fazer a entrevista prosseguir sozinha, então continuo, tentando esclarecer os termos. — Então você é um querubim maksi? Acho que seria mais fácil se eu tivesse perguntado isso primeiro.

— Querubim Ziksi. Ma é pra demônios. — ele me corrige e, como percebe meu desconforto, continua, se desculpando. — Desculpe a direta. Eu estava com isso entalado na garganta.

Fico um momento em silêncio, hesitando em dar uma resposta, porque, aparentemente, ele tinha uma forte opinião sobre minhas discussões mentais sobre os princípios éticos dos termos utilizados para se referir a criaturas não-humanas quando a leitura é direcionada para criaturas humanas. Uma que, aparentemente, não tinha a ver com a forma que eu mesma cheguei a entender anteriormente.

Enquanto no silêncio, pego a caneta rapidamente e escrevo logo à frente de sua primeira indicação:

 

Querubim ziksi;

 

— Okay… Se você… Queria falar… — começo, lenta e pausadamente. — Quem sou eu, né? Pra te negar. — é a entrevista dele, ele fala o que ele quiser. — Zi seria para anjos, então? — indago, com a intenção de fugir daquele debate. 

— Eu disse que eles se veriam comigo… — ele sussurra, o tom um pouco mais ameaçador que o anterior.

— Ninguém vai falar nada, filho. Eu só estou perguntando por curiosidade. — tento acalmá-lo, demonstrando pelo tom de voz já não ter tanta paciência para esse assunto quanto quando ele começou. — Eu quero entender. Tem muita coisa que eu não sei ainda. — e só por isso havia perguntado. Não para gerar um debate inteiro sobre se acho certo ou errado a cobrança da não-utilização de certos termos para tratar de certos assuntos. Não ia nos levar a lugar algum, já que já tínhamos nossos próprios termos de qualquer jeito.

— E, sim. Zix é pros anjos. — ele finalmente responde, agora parecendo mais calmo e finalmente terminado com o assunto. 

Resolvo simplesmente continuar com o objetivo principal do encontro: a entrevista.

— Entendi. — digo, olhando de esguelha para a folha do caderno em meu colo, tentando me lembrar qual a próxima pergunta. — Hm… — hesito um pouco, virando algumas páginas para olhar a ordem, voltando para sua página logo em seguida. — Qual a sua arma mágica?

E enquanto ele responde, a caneta o segue, escrevendo cada palavrinha que ele diz. Não há pausas, como se ele ditasse as palavras a serem escritas, mas elas ainda não repetidas com perfeição, instrumento mais rápido do que minha mão jamais conseguiria ser se fosse para segui-lo:

 

Machado Divino Rhita. É a arma capaz de armazenar todo excedente do calor que emano e transformar em energia. Plenamente carregado, funde-se a minha mão direita e cria uma armadura completa para meu corpo, que se adapta ao meu tamanho.

 

— Explica direito isso do tamanho. — peço, apenas para que fique claro. — Tipo… os limites. Eu sei que nem mesmo meia-noite você é mais um bebezinho, naturalmente. Talvez uns quatro, cinco anos, no mínimo? Ou não é assim? Tem como fazer… uma linha tempo/tamanho? — questiono, gesticulando à minha frente, fazendo uma linha retilínea no ar com o indicador.

— Meu menor tamanho é 1,37. Cinco anos. — o mínimo, à meia-noite. — Meu maior é ao meio-dia, com 2,58. — estamos falando de metros, aqui, e dois metros e cinquenta e oito centímetros não é pouca coisa. — Geralmente, com controle, me mantenho em 1,80. — ele está um pouco maior que isso agora, mas também não parece estar se esforçando exageradamente para diminuir seu tamanho. — É difícil ficar menor que isso com controle… Eu tenho muito poder dentro de mim.

Assim sendo, podemos concluir que: seu tamanho e a forma de seu poder estão diretamente ligados com o Sol e seu movimento durante o dia. Embora o tempo funcione de forma diferente quando no plano do Castelo, ainda assim o dia continua a ter supostas 24 horas e poderíamos cronometrar seu (de)crescimento com base nos horários. Quando o Sol está em seu pico, sua força também está; quando está no meu ponto mais baixo, seu tamanho também está. 

Seu poder também é bastante ligado com o seu sentimento de orgulho no momento; em alguns casos, a forma dita quanto orgulho vai sentir, mas, em outros, a falta de orgulho dita a forma que estará. 

— Compreendo. — assinto positivamente, seguindo com a entrevista. — Qual a sua relação com seus poderes e peculiaridades? — a caneta já se põe a postos para começar a transcrever, suspensa em pleno ar. — Essa de crescer e decrescer entra como uma das peculiaridades. 

E quando ele começa a falar, ela começa a copiar:

 

Meu poder é o Sunshine. Eu aumento de tamanho e poder conforme o ciclo solar, mas ligado ao dia. Crescer e diminuir é uma experiência extremamente complicada, porque vem o orgulho junto. Quando estou no ápice do meu poder, ativo passivamente um poder interno chamado Za'wan, O Escolhido/O único. Eu não sei, exatamente, qual o limite que posso alcançar, mas sei que só dura um minuto e pouco posso fazer sobre isso. Se eu queimar minha vitalidade, consigo usar ele além de um minuto e com muito mais intensidade, o que é o Za'wan Ksido. A Merlin diz que se eu ficar usando isso por muito tempo, mesmo sendo imortal, posso queimar até deixar de existir. 

É complicado lidar com tudo isso, principalmente porque não é algo muito controlável. Muitas vezes não queria crescer e ficar gigante, mas isso vai mudando e acabo perdendo um pouco da sanidade quando ocorre. Sempre me arrependo das resultantes, por isso, ultimamente, decidi me isolar.

 

— Hm… E isso tem te ajudado? O isolamento, digo? — pelo que conheço de sua personalidade e a forma como lida com seus irmãos, ele é mais extrovertido que introvertido, e o pensamento de vê-lo se isolando pelo medo de perder o controle me aperta um pouco o peito. Sei que é um esforço necessário para sua melhora, mas, mesmo assim… — Que tipo de isolamento, falando nisso? O que você anda fazendo nesses momentos sozinhos?

— Eu ando lendo… — seu tom de voz é mais calmo e baixo, agora, como se estivesse pensando sobre todos os processos de autocontrole que estava aprendendo nesses últimos tempos. — Ler tem me ajudado. Fazer esculturas e derretê-las tem me acalmado… — o som de suas reticências é claro; em sua mente, os pensamentos, as memórias, as sensações que o levaram a perceber que necessita de autocontrole, provavelmente correm soltos. — Eu me isolo como agora. Fico sozinho, aqui, lendo.

— Lendo sobre psicologia? — indago, lembrando do livro que tinha em mãos quando cheguei. — E sobre o que mais?

— Sobre psicologia, sobre arte plástica e sobre o que eu conseguir ler.

— Entendi. 

Há uma pausa na nossa conversa. Ele parece estar pensando sobre tudo e nada ao mesmo tempo. Quando finalmente volta a falar, diz:

— Acho que é estranho eu ser considerado somente Deus do Sol se posso forjar estrelas com meu poder… — ele estende a mão para frente, abrindo-a de forma que a palma ficasse para cima. E dessa vez, eu consigo realmente ver o que ele está fazendo, porque comprime uma quantidade imensa de energia em uma pequena esfera, tão perfeitamente compactada a ponto de formar uma minúscula estrela azul.

Talvez, se alguém diferente de mim assistisse a essa cena, veria apenas nada e logo depois a estrela. Mas eu vi as partículas se movendo, a força da energia delas se unindo, todas as partes se comprimindo juntas, microscópicos (ou ainda menores) pontos azuis se misturando aos poucos, vindo de todos os lugares do quarto, para formar uma minúscula estrela na palma de suas mãos.

Não é como se algo assim tão pequeno fosse ter um campo gravitacional tão grande, mas não consigo deixar de olhar, presa na superfície daquele único ponto de luz aos meus olhos. Deslumbre dança em minhas órbitas.

— Talvez seja porque você é regido pelo Sol. — digo, a voz tão hipnotizada pelo seu poder quanto meu olhar. A estrelinha azul em suas mãos me lembra Sirius; me lembra também que ele teria muito bem a capacidade de fazer uma estrela binária tão grande quanto a nossa mais nova aliada. — E… — começo, como se fosse falar alguma coisa séria, mas não consigo parar de olhar. — Isso é muito maneiro. — admito, ainda hipnotizada.

Escanor então fecha a mão, absorvendo de uma vez toda a energia utilizada para gerar um protótipo de estrela dessa forma.

— Mesmo com esta armadura indestrutível e maleável, ainda sinto toda uma pressão disso… — dá para perceber, em sua fala, que essa é uma habilidade muito difícil de ser executada. — E pensar que uma criança fez isso de bola de baseball… — essa frase é mais como um sussurro, orgulho claramente ferido. 

Eu até o compreendo, nesse quesito. Se você está tendo dificuldades de controlar um de seus poderes, para virar um mestre neles, e vem uma criança com menos de cinco anos e utiliza do seu protótipo de estrela como se não fosse nada, você provavelmente vai se sentir mal ou humilhado em algum momento.

— Que criança?

— Light… — a bebê de cabelo rosa que hoje é pupila de Georgine.

— A Light? — questiono, um pouco descrente. — Nossa… Que… Surpresa. — porque é realmente uma surpresa. — Pensei que estrelas assim fosse fogo. Então imaginei ou a Flare ou a Sol. — Flare é a bebê de cabelo vermelho, irmã de Lightning; Sol (Sonala) é uma de minhas filhas, que tem um poder parecido com o de Escanor.

— Ela rebateu isso como se não fosse nada demais… — a vergonha em seu tom é quase palpável. — É energia condensada. — ele então explica. — Energia pode ser rebatida, por mais densa e poderosa que seja… Basta rebater com mais força do que ela tem. — ainda não consigo imaginar um bebê cor de rosa sendo capaz de fazer isso, mas eu não duvido da capacidade de absolutamente ninguém que mora nessa casa. Nem mesmo dos menores. Principalmente dos menores.

— Entendi…

— Eu me sinto verdadeiramente patético… — admite. 

É estranho vê-lo assim, tão acuado. As vezes em que o ouvi com sentimentos tão abertamente negativos sobre si mesmo eram apenas as que me dizia entre chorinhos e gemidos de uma criança debilitada e com dores. Nunca tive a oportunidade, até agora, de ouvi-lo confessar algo assim, de vê-lo se sentir assim, postando-se como se sentisse fraco, digno de pena.

Eu me encho de uma tristeza genuína. A infelicidade em seu tom de voz e a lembrança de sua noturna fraqueza durantes os anos iniciais quebram meu coração em pedacinhos. O meu bebê… Um dos meus bebês mais fracos e necessitados, mesmo quando objetivamente não mais fraco ou necessitado, está se sentindo assim novamente. Não em seu corpo, como antigamente, mas emocionalmente.

Utilizo do meu melhor tom maternal e acolhedor para dizer:

— Não acho que deveria se sentir assim. Embora eu entenda de onde vem. — mas esse bebê é conhecido por não entender muito bem que elogios são apenas elogios, e parecer não compreender que nem sempre tê-los como as partes supremas de si mesmo, ou como se você fosse o único merecedor deles, é a melhor das reações a esse elogios. Resolvo ser sincera, então.

— Você também era uma criança excepcional nesse sentido. — começo. — Mas cada geração vai ficando mais forte que a anterior, nessa família, pelo que eu percebo. Então… — ser sincera revolve em dizer a ele que ele não era mais o melhor, ou o único, embora a sua imagem de si mesmo tivesse sido por algum tempo verdadeira. Não me aprofundo no assunto, porque estou tentando ser delicada e não ferir ainda mais o seu ego já ferido.

Não parece resolver muito, porque ele começa a falar:

— O tempo todo sendo feito de escada… — e eu consigo sentir ele encolhendo gradativamente, de forma bem lenta, a cada palavra. — Meu poder não condiz nem um pouco com o que eu realmente sou… — e o sentimento negativo faz com que até mesmo sua energia mude, a quantidade de poder dentro dele diminuindo quanto menos orgulho sentia de si mesmo. — O Melo é mais velho que eu… — seu tom é um sussurro, e ele continua a diminuir.

Há dor dentro de mim, porque há dor dentro dele. 

Mas como consolar uma pessoa que precisa de elogios sendo que seu problema é verdadeiramente se achar merecedor de elogios demais? Novamente, escolho a sinceridade, e digo:

— Filho, eu te acho incrível com um poder incrível. — porque eu realmente acho. — Você só tem um problema, que é o orgulho excessivo, e que, mesmo que você fale que não é controlável, é controlável sim. E você tem melhorado. — não digo a ele que tenho orgulho dele e de sua capacidade de autocontrole atual, mas passo a sensação por meus leitosos (e ao mesmo tempo levemente aguados, pelas lágrimas) olhos. 

Espero que ele sinta o calor do meu amor e da sensação incrível que é vê-lo construir-se como uma pessoa melhor no mundo.

— O seu orgulho excessivo te impede de ver que está tudo bem ser diferente e ter mais ou menos poder que os outros. Isso não te faz objetivamente melhor ou pior do que eles. Você não é pior do que a Lightning ou que o Melo por ter menos poder. — e eu digo isso porque eles realmente têm mais poder. — Nem melhor que qualquer outro só por ter mais poder. — porque, na maior parte dos casos, ele realmente tem mais poder. — Tá tudo bem. 

— Eu sou mais forte que eles… Mas só força… — sua voz é quase um sussurro, afinando levemente a cada centímetro perdido. Agora seu decrescimento é ainda mais rápido, sua forma já a de um adolescente quando continua a dizer: — Não serve pra nada se não consigo acertar um único golpe. — cada palavra é precedente de um encolhimento ainda maior. 

E então, uma voz infantil substitui a voz do adolescente e eu sei que a figura em minha frente é o pequeno Esc bebê, uma criança pequena, de cinco anos de idade, com uma capacidade de articulação na fala de um infante que não teve muitas correções na fala enquanto pequeno, porque não parecia precisar dessas correções quando maior.

— I… Elsc fica titi… — ele sussurra, a típica articulação infantil quase acabando de vez com meu coração. Ele estava triste; isso já era motivo para eu ficar triste. Agora ele está triste e extremamente fofo; minha tristeza e preocupação e vontade de cuidado vão a níveis estratosféricos.

Eu me levanto, quase instantaneamente, na intenção de me sentar com ele no sofá, pegá-lo no colo, abraçá-lo, acalentá-lo.

— Mas não precisa, meu bebê. — digo, ainda indo até ele, e então sento-me ao seu lado, aproveitando todo o espaço a mais no agora que ele é apenas uma criança. Puxo-o para meu colo enquanto acarinho seu rostinho, limpando suas lágrimas fugitivas. — Tá tudo bem ser diferente. Você só tem que tentar ser mais ágil. Esse tipo de coisa se ganha treinando. Assim como eles também podem ganhar mais força treinando também. — lembro-me então do tamanho colossal dele em seus momentos de força absoluta, e me corrijo. — É quase tudo prática. Quase tudo.

— U Elsc fica totino… — demoro um pouco para entender essa, mas em algum momento entendo que ele quer dizer “gordinho”. — Tipo monti… Elsc gandi pexa caxi uma tuneata. — “Esc grande pesa quase uma tonelada”. Passo a mão pelo sofá, tentando descobrir qual o material desse móvel para aguentar tanto peso assim, de uma forma tão casual, sem estragar. Digo-me que é mágica e não penso mais nisso. 

Ele me abraça forte, cabeça se repousando em meus (enormes, diriam) seios.

— É tifixo pu Elsc, Mamà… — sua voz é abafada, visto a proximidade com meu corpo, sua carinha praticamente enfiada entre meus peitos de forma inocente e melancólica, um sussurro de cortar a alma.

— Eu sei, meu bem. Eu sei… — digo com o maior carinho do mundo, abraçando-o, acariciando o topo de sua cabeça, preocupada com as suas reações, tentando arranjar as palavras exatas para fazê-lo ficar melhor, mais calmo. 

— Mas você continua sendo muito bom, mesmo assim. — eu queria poder dizer “não dá para ser bom em tudo”, mas não sei se é isso que ele precisa ouvir agora, embora precise aprender sobre isso em algum ponto. — Em tudo o que se propõe a fazer. E você pode sempre se melhorar, também. — sinto minha mente vaguear um pouco, percebendo que eu poderia muito bem utilizar essas palavras para mim mesma, dentre todas as pessoas. — Essa é a vantagem de ser um imortal em evolução.

Sussurro essa última parte, mais para mim do que para ele, mas ele reage mesmo assim. Solta-se um pouco do abraço apenas para levantar a cabeça e me olhar, com a expressão mais confusa e fofa do mundo, claramente sem entender nada do que eu tinha acabado de lhe falar. 

Mas ele percebe que tudo o que eu disse é para fazê-lo se sentir melhor, porque ele se separa do abraço, ainda no meu colo, levanta o dedinho da mão direita para mim, como se quisesse prometer, e diz:

— Elsc tá pem. Xulo ti tetino. — “Juro de dedinho”. Solto uma pequena risada, contente com sua reação, sua fala, sua fofura, sua existência.

— Okay, meu bem. — respondo, levantando o meu próprio dedinho e entrelaçando-o com o dele, firmando sua promessa. Ele só havia me dito que estava bem, mas isso é uma forma de me provar que está falando a verdade. Não juraria de dedinho se estivesse mentindo; as regras do livro da Luci proíbem esse tipo de coisa.

— A mamãe só quer que você entenda que você é muito bom, sim. E você não precisa se comparar com ninguém. — sincera, novamente. — Nem pra melhor, nem pra pior. Esc é bom porque é o Esc e pronto.

Ele parece gostar disso, se sentindo agora satisfeito com o consolo que eu o dei. Satisfeito o suficiente para pular do meu colo, sua própria energia lhe (e me) dizendo que ele cresceria um pouco. 

— Elsc é Elsc. Eba! — ele comemora, já aumentando de tamanho. O suficiente para ainda ser uma criança pequena e muito fofa com um bigodinho loiro sobre sua pele marronzinha, mas entender melhor o que eu estou dizendo. Não o suficiente para fazê-lo perder o sotaque infantil – o que, na minha opinião de mãe babona, acaba sendo um adicional.

— Mamãe ama você. — faço carinho em seu cabelo novamente, sorrindo abertamente enquanto o vê crescer, tão rápido quanto poderia, uns três bons anos de crescimento reduzidos a mágicos minutos.

— Elsc ama mamãe. — ele responde, o sorriso dele sendo largo e ainda mais radiante do que todas as estrelas do Universo aos meus olhos. Eu derreto como se tivesse sido posta sob o calor de mil sóis.

Ele então para por um momento, como se lembra-se de algo muito importante, então pula um pouquinho enquanto sentado no sofá, verdadeiramente animado.

— Entrevista! Entrevista! Cabô?

Ele perguntar é como me jogar um balde de água fria. 

Eu me levantei tão rápido para ajudá-lo com sua melhora que até mesmo havia me esquecido do caderno, da caneta, da própria entrevista. Abaixo-me e estico-me um pouco para pegar os itens do chão e abrir o caderninho em meu colo novamente.

— Não! — a caneta sai da minha mão sem eu pedir, se erguendo no ar e ali pairando, um pouco acima do caderno. E então o pompom inteiro se balança, como um cachorro se balança rapidamente quando quer se secar ou se prepara para alguma coisa. Essa caneta realmente tá criando vida enquanto dou a vida para esse trabalho. — Tá acabando. — minha voz é meio hipnotizada, meio impressionada. 

As coisas que eu crio estão criando vida por si mesmas. Dos filhos à caneta.

— É… — hesito um pouco, tentando espantar a sensação transbordante dos sentimentos excessivos para realmente voltar para a entrevista. — Como são seus treinos? — as palavras se escrevem sem eu pedir:

 

Elsc treina com todo mundo! E faz todos os exercícios do Melo. E depois vem ler! Elsc lê um monte, sabia?

 

— Fiquei sabendo, meu bem. — sorrio, feliz por ele estar feliz. — É um treino físico? — eu sei que sim, mas é bom perguntar.

— É! Elsc dá Rhitada em todo mundo! — ele diz, muito animado, como se o ato de bater com pessoas com seu machado divino fosse o seu favorito de todos. O meu sorriso se expanda ainda mais, porque ele parece ainda mais feliz.

— Agora só pra acabar a entrevista, meu bem. Uma memória base, que você acha que é essencial e formativa para o que é hoje.

— Elsc vai te que conta otra veis? — sua voz e articulação diminuem novamente, como se apenas a lembrança já fosse o suficiente para trazer os sentimentos negativos à tona novamente.

— Você pode contar qualquer coisa. — não sei em que ponto ele me contou uma memória base, mas, para o caso de ele realmente já ter falado sobre o que queria, digo: — Não vai precisar falar de novo, se já falou sobre. Pode ser outra coisa.

— Ma eu só pensei nisso… — soa muito como se ainda só pensasse nisso.

— Pode ser uma lembrança sobre você, sobre a Rose, sobre seus filhos, sobre a mamãe. Sobre o que você quiser. — forço mais um pouco, já que ainda não sei sobre o que ele está falando, e não consigo nem imaginar qual seria a tal memória base que ele já falara e poderia deixá-lo assim.

— Ma só tenho pensado na luta com a Light…

Eu admito que fico um pouco chocada com a resposta. Já havia entendido que o sentimento de humilhação fora grande, mas não havia compreendido até agora como isso poderia ter marcado-o para todo sempre. O conhecimento de que alguém pode ser melhor que ele a ponto disso, a ponto de corroê-lo por dentro… 

Resolvo perguntar, só para tirar a surpresa da minha cabeça:

— Você, que viveu todos esses anos, passou vários anos dormindo aninhadinho na mamãe à noite, acha que só a briga com a Light, atualmente, te formou como você é hoje? — meu tom é quase incrédulo. De todas as respostas que eu imaginei que ele daria para essa pergunta, essa com certeza não era nem uma opção.

— Tô ficando com dor de cabeça… — ele reclama, tom doído, como se tivesse sido informação demais para ele em um só dia, como se fossem perguntas e sentimentos demais para aguentar em um só encontro. Sei que é hora de parar e não o forço mais em relação a isso. 

— Tá. — finalizo, pegando a caneta que pairava no ar e escrevendo com meu próprio punho. — Tudo bem, não precisa falar sobre isso, se não quiser. — enquanto digo, não olho para ele, mas para o caderno e as palavras que saem por minhas mãos:

 

Sentimento de humilhação em luta com a Lightning, onde perdeu porque ela rebateu seu maior e melhor ataque, uma estrela, forjada de sua energia, maior que ele próprio, como se fosse uma bola de baseball.

 

— Tá tudo bem. — retorno a dizer, quando termino de escrever as palavras e volto a olhar para ele. — Não se força, meu bebê.

De uma sombra distante, no canto esquerdo do quarto, consigo sentir uma nova aparição. Sinto primeiro a escuridão e então ela, com seus quatro pares de gigantes patas de aranha, se arrastando para fora dela. Sua voz doce ainda me parece contrastante com sua figura, principalmente quando ela aparece assim, do nada.

— Mãe… — ela me chama, o tom de aviso. — Melhor parar por aqui… O Esc tá realmente com níveis de stress extremamente altos com essa pergunta… O trauma é recente… — eu já havia percebido isso, então não existia uma real necessidade dela vir até aqui para me dizer, mas aprecio sua preocupação com o irmão.

— Sai, Andy! — ele diz, bravo. — É a minha vez, não a sua! Para! — e ao ver a reação de Escanor, ela some nas sombras tão fácil e rapidamente quanto havia chegado, desaparecendo como se nem ao menos tivesse aparecido ali. — Boba… — ele suspira, expressão infantil de raiva sem motivo brincando em seu rosto.

— Não. Tá tudo bem. Acho que conseguimos coisas boas. — declaro, e a expressão em seu rosto vai embora, dando lugar a uma carinha satisfeita. — Você quer falar mais alguma coisa, meu bebêzinho?

— Mamãe, faz batatas com bacon? — pede, olhinhos de cachorro pidão, carinha de quem já sabia que eu não resistiria e que ele teria exatamente o que queria. Carinha de quem amava me amar tanto quanto eu amava amá-lo.

— Faço sim, meu bem. — concedo, contente, entendendo logo que a entrevista havia acabado e que não daria para forçar absolutamente mais nada dele.

Puxo a gaveta invisível de antes em pleno ar, guardando dentro dela o caderno, fechado, e a caneta, dentro dele. Depois de fechada, levanto-me do sofá e puxo meu filho para meu próprio colo, dando a ele a chance de andar carregado mesmo que já parecesse ser uma criança pequena de seis ou sete anos de idade. Ajeito-o ali com um pouco de dificuldade, mas, quando está na posição certa, é como se ali fosse seu lugar o tempo todo. 

Eu o mimo demais, chego em conclusão. 

Mas eu tenho pouco tempo demais, digo-me. Eu posso mimá-lo quando dá.

— A gente vai lá fazer batatas com bacon. — anuncio.

— Eba! — ele comemora, agarrado ao meu pescoço, sorridente e confortável.

Beijo sua bochecha com extremo carinho, felicidade quase transbordando de meu corpo em uma explosão de fofura.

— Vamos. Vai ser ótimo. — proclamo, igualmente contente, e saio do quarto, Escanor em meus braços, feixes de luz dourada proveniente da senciência do Castelo me encaminhando, junto com ele, até a cozinha.


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Notas finais do capítulo

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