Meet the Huntar'z escrita por Huntress


Capítulo 4
M A U R E E N




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M A U R E E N

rainha fada

Nesse dia em específico, não me sinto bem; não há muito humor em meus olhos. Dentro de mim apenas mágoa e irritação. 

Havia discutido com Destruidora no final do dia anterior e ainda não tínhamos nos acomodado novamente ao nosso equilíbrio comum, onde éramos apenas uma. Ela parecia determinada a ficar calada, quieta, em um canto afastado de minha mente, como se tivesse escolhido a pontinha de meu cérebro para se alocar enquanto estivesse naquele estado de irritação onde tudo lhe era ruim e desagradável. 

Talvez fosse melhor assim; era melhor que meu único sentimento visível fosse apenas a leve tristeza que ainda me ocorria de vez em quando. 

O ideal era que controlássemos juntas a bomba de mau-humor que subia freneticamente por meus nervos ao menos uma vez por mês. Nossas intrínsecas diferenças ainda não permitiam que facilmente encontrássemos um ponto de equilíbrio. Desde antes do início da fusão de nossas almas, lidamos de formas opostas com nossos desconfortos. A forma Criadora de fazê-lo era simplesmente jogar toda a culpa em mim mesma; a forma Destruidora de fazê-lo era jogar tudo nos outros, sem responsabilidade alguma para si. Quando o desconforto nos é comum e a escolha para ação em cima dele depende de nosso equilíbrio, nem sempre conseguimos entrar em um acordo.

Então, Criadora era mágoa e Destruidora irritação. A parte que sempre me coube era a única que não se escondia; dava para ver na branquidão de meus olhos a melancolia do pensar demais. E embora já estivesse bastante incomodada com o fato de estar triste sem nenhum motivo aparente que não o de remoer o passado já há muito resolvido, era melhor que só estivesse incomodada com o fato de não conseguir esconder a chateação, ao invés de estar incomodada por ter magoado alguém em meu ataque destrutivo de raiva.

Eu estava consideravelmente atrasada para o meu treino com Owen. Isso porque quaisquer minutos a mais que eu ficava em casa, esperando pela coragem e possibilidade de encontrar Maureen para a próxima entrevista, algumas horas se passavam em Costa, planeta natal de minha criação perfeita e meu atual treinador. Se eu demorasse algumas horas, o dia já teria começado novamente. 

Digo a mim mesma que eu não deveria me preocupar com o atraso, visto que minha energia desequilibrada poderia aguentar mais alguns minutos sem exercícios de balanceamento. Deveria me preocupar, em primeiro lugar, em retirar de mim a sensação horrível de que eu estava caindo novamente no meu pequeno poço de depressão. É só uma tristeza leve, mas qualquer sinal de mal-estar já me é bandeira vermelha para a preocupação de que talvez eu não tenha conseguido me salvar de verdade da depressão.

Todas as pessoas com quem conversei sobre a sensação – um total de três, sendo elas Katerina, Luksifer e Lucith – me disseram que talvez fosse uma boa ideia continuar com o projeto e seguir para o próximo entrevistado, já que eu aparentemente me sentia uma grande vitoriosa ao fim de cada uma das conversas. Admitindo que essa era a grande verdade e que talvez fosse melhor mesmo apenas prosseguir para enfim melhorar, resolvo aceitar os conselhos e me preparar emocional e psicologicamente para meu encontro com a próxima entrevistada.

Deixo que os feixes brilhantes de energia me encaminhem até o local certo novamente; descobri em algum ponto que eles nunca erram. Caminho tranquilamente até o escritório de Maureen, passando as mãos pelas paredes em cada curva, tentando relembrar cada passo que havia dado até ali.

Não demora muito até que eu esteja no lugar certo. E a forma que eu sei disso é a mesma de sempre: os feixes de luz dourada, antes divididos e viajando individualmente por cima, por baixo, pelos lados, agora se juntavam em um brilho contínuo, formando uma imagem fluida e trêmula de uma porta mais larga do que a comum.

Respiro fundo antes de anunciar minha chegada. Movimento a mão esquerda rapidamente e, sem muita dificuldade, praticamente conjuro o caderninho que havia utilizado ao longo do projeto com a caneta rosa no meio de suas folhas. Parte de mim abre um sorriso orgulhoso; nunca havia sido tão fácil. Tudo bem que era só um caderno, mas o fato de conseguir criá-lo, destruí-lo e recriá-lo ao meu bel prazer, mantendo-o do jeitinho que estava no momento de seu “sumiço”, era incrível por si só. 

Abro o caderno apenas para checar se todas as falas anteriores ainda estavam ali, fechando-o rapidamente ao perceber que tudo estava intocável. O sorriso orgulhoso daquela partezinha cresce um pouquinho mais. O meu mal estar já começa a se dissipar antes mesmo de eu entrar.

— Toc toc. — digo, ao mesmo tempo em que bato no vão da porta do escritório, alguma coisa me dizendo que talvez fosse melhor bater ali do que no que parecia ser vidro. Ajeito o caderninho no meu antebraço direito, esperando por uma resposta que não demora praticamente nada a vir.

— Entre. — responde ela, de dentro da sala, num tom que parece bastante sério e compenetrado. — A porta é de correr.

Abro a porta, puxando-a para o lado, ouvindo o barulho de seu mecanismo correndo para se abrir. Não dou muita atenção a isso, mas consigo sentir uma textura parecida com a de grossas ramagens no pegador que facilitava o abrir e fechar. Entro na sala, logo fechando-a atrás de mim. 

— Olá! Tudo bem com você? — digo, voltando meu olhar para o centro da sala, sentindo-a ali. — Eu trouxe um caderninho. — mostro o caderno que segurava com cuidado. — Você sabe o que significa. 

A notícia sobre o meu projeto de entrevistas já deveria ser de conhecimento de todos; não havia muita coisa que acontecia dentro daquele castelo senciente que todos não sabiam, de uma forma ou de outra. Principalmente quando era algo que potencialmente envolveria todos dessa forma. Não havia como ela não saber o que significava, em especial depois de eu pedir para seu próprio marido avisá-la.

Em verdade, não havia muito o que Maureen Huntar’z não soubesse ou não procurasse saber. Sempre teve uma certa fome de conhecimento, principalmente na questão biológica, didática e educacional. Sabia muito sobre burocracia e a forma culta da linguagem, dentre todas as línguas que conhecia – que não poderiam ser poucas sem sua posição de diretora do maior instituto educacional de nosso plano astral, um que reunia todas as criaturas inteligentes de todos os lugares. É dona de uma capacidade organizacional assustadora, podendo fazer com que qualquer burocrata terrestre se sentisse humilhado por suas habilidades. Por assim ser, há nela um ar sério e intelectual que muitas vezes vêm antes de qualquer outra coisa nela. 

Das filhas, ela é claramente a que mais se parece comigo, tendo sido muitas vezes uma versão miniatura minha, embora às vezes parecesse bem mais velha que eu pelo ar de responsabilidade e seriedade que carregava em cada uma de suas ações. Seu cabelo é castanho e liso, indo até um pouco abaixo de seus ombros, sua pele é branca e seus olhos bastante castanhos. Seu rosto é redondinho e seu corpo inteiro é proporcional ao seu tamanho, visivelmente maior que os dos demais. 

Se nos colocássemos lado a lado, não daria para negar que ela havia saído de mim. Era idêntica até mesmo no peso, sendo nós duas o que eu gosto de chamar de “gordas pequenas”, embora ainda fôssemos grandes em comparação aos mais “magrelinhos” da família e nada pequenas nos meus 1,73m de altura e nos 1,71m dela. Nossas diferenças eram mínimas: o tom de meus olhos era esbranquiçado e meus cabelos tinham um fundo mais avermelhado, mas não dava para negar a semelhança.

Sempre a vi como uma versão elegantemente melhorada minha, desde quando era apenas uma criança de perninhas pequenas e gordinhas pedindo para sentar no meu colo para assistir a paisagem e o movimento do laguinho que sempre visitávamos.

Hoje em dia ela não senta mais no meu colo, mas sim em seu próprio trono, feito de diversos tipos de plantas entrelaçadas entre si. Nunca fui muito ligada com a botânica, embora seja uma admiradora das flores, então não posso dar detalhes maiores sobre quais os nomes de cada espécie de vegetação que se ligava ali para formar uma enorme – e aparentemente confortável – cadeira que ela usava para descansar em todo e qualquer lugar.

A sua frente, uma mesa, do mesmo material, com uma enorme pilha de papéis em cima. Pela forma como se dispunham ali, pareciam ter sido movimentados há pouco, como se ela só tivesse parado de mexer neles para prestar atenção em mim.

— Aye, Oka. — ela responde. — Sente-se na poltrona, por gentileza. — pede e aponta com a mão para o assento, que rapidamente consigo ver com total clareza, piscando energeticamente em um sinal mágico de sua posição. Por um brilho verde que sei não ser meu, consigo ver a poltrona indicada do lado oposto de sua mesa de trabalho. Um sorrisinho leve se forma em meu rosto antes de eu continuar; ela se lembrava da minha dificuldade e sinalizou para mim sem que eu nem pedisse.

— O Ambiente é formado a partir de plantas, videiras e semelhantes, entretanto utilizei de materiais que pudessem tornar as poltronas e os sofás extremamente acolchoados. — ela continua, e o meu sorriso cresce descaradamente, já que ela estava claramente descrevendo o local sem que eu nem mesmo pedisse. Sei que pode parecer bobo, mas, pela minha independência, muitos pareciam esquecer que minha cegueira praticamente total me impedia de reconhecer muitos dos detalhes que talvez eles pudessem achar importantes. Quando se lembram de me contar o que veem, ou o que eu deveria ver, sem que eu diga qualquer coisa, é sempre um quentinho a mais.

— O espaço é bem amplo, então fique o mais confortável possível. — seu tom ainda é sério ao dizer isso. Com alguns movimentos sutis de mãos, as videiras que se entrelaçam para formar sua mesa se movimentam sozinhas para retirar os papéis de cima da mesa e guardá-los na gaveta. É como se ondulassem e puxassem as folhas para dentro da gaveta que se abre por entre as próprias videiras, organizando cada um deles em seus devidos lugares.

Vou me aproximando de sua mesa enquanto ela fala, tentando lançar um olhar para tudo, tentando captar todo o local. Eu poderia muito bem lançar os feixes dourados pela sala, tentando captar onde estava cada objeto e até onde iriam seus limites de altura e comprimento. Mas Maureen parece dedicada em fazer o trabalho de mostrar para mim como é seu escritório, pois para todo lugar que olhava, um brilho de energia verde surgia para me indicar os itens. 

— Foi você quem fez tudo isso? — sento-me à sua frente, tomando o lugar na poltrona indicada e olhando para o teto piscar naquele tom esverdeado, enquanto a pergunto. A sensação de estar sentada ali é completamente diferente da sensação que tinha imaginado, embora não saiba muito bem descrever o que eu realmente havia imaginado que iria sentir ao me sentar em uma poltrona feita de ramificações vegetais.

— Tudo isso? — ela faz um movimento amplo para indicar a sala. — Não. Tudo isso é a Titânia. — responde.

— Sua lança-cadeira faz tudo isso? — o tom de minha pergunta é pura surpresa. Nunca imaginaria que uma arma mágica poderia ter tal habilidade; a habilidade de se transmutar em um escritório inteiro.

— Aye. — ela diz, como se fosse a coisa mais normal do mundo. Eu simplesmente nunca vou entender como eles não se surpreendem com suas habilidades; devem estar acostumados demais em saber que simplesmente podem fazer o que fazem.

— Estou… Deveras impressionada. — na verdade, estou é quase sem palavras. Tento captar tudo, lembrando-me da posição brilhante de cada um dos itens, observando rapidamente o lugar enquanto tocava a poltrona com atenção e curiosidade, sentindo as plantinhas. Parece tudo muito bem feito para poder vir de apenas uma lança mágica; quase não consigo acreditar.

— Bem… — hesito um pouco, voltando-me para ela, tentando controlar minha admiração. — Obrigada pela descrição. — agradeço, porque verdadeiramente era algo a que eu era grata. 

— Eu… — hesito novamente, agora pegando o caderno e abrindo-o em cima da mesa, puxando a poltrona para frente com bastante cuidado, para poder ficar mais perto da mesa e me acomodar melhor. Pego a caneta rosa com pompom na ponta e a seguro com firmeza. — Eu acho que vamos começar, então. — folheio as diversas páginas escritas até chegar na próxima em branco e antes mesmo que comecemos a entrevista, começo a desenhar seu nome no topo da folha.

— Tá nervosa? Tá tudo bem? — questiono, parando um pouco de desenhar as letras para olhá-la com cautela. Ela não parece estar nervosa.

— Estou calma. — ela me certifica, mantendo sua postura séria. Assinto positivamente para ela, voltando meu olhar para o caderno novamente, continuando de onde estava, desenhando cada letra de seu nome completo, como fazia há muito tempo, quando ainda estava grávida dela.

— Okay. Então. Vamos começar pelo básico. — olho apenas de relance para ela, mais focada em engrossar as partes que desciam nas letras escritas. — Nome. Títulos.

— Maureen Huntar’z. Rainha das Fadas, Deusa Fada, Reitora, Mandamento da Paciência. — por eu estar escrevendo seu nome completo na folha à mão, a caneta não repete o que ela diz de imediato. Termino de escrever antes que ela termine de listar seus títulos, mas não os listo na página antes de comentar sua fala.

— Maureen Avalon Huntar’z. — corrijo. — Não gosto que apague o Avalon. Eu desenhava seu nome nos meus cadernos quando engravidei de você. — protesto, soltando a caneta na folha de papel e vendo-a continuar logo abaixo, escrevendo com atraso todos os títulos que a garota havia citado até então.

 

Maureen Avalon Huntar’z

Rainha das Fadas, Deusa Fada, Reitora, Mandamento da Paciência.

 

— Faz muito tempo que não digo este nome… — ela suspira pesadamente antes de continuar a me responder, como se tivesse acabado de se lembrar de um detalhe importante há muito esquecido. 

— Depois que me tornei Reitora, não usei meu nome completo… Perdão. — algo em sua voz me diz que ela está realmente refletindo sobre isso; algo em sua voz me diz que ali há uma pequena pontada de culpa. — É algo estritamente burocrático, entretanto fadado ao erro. — não deixo de estranhar um pouco a preposição utilizada para falar sobre os erros básicos da burocracia. 

Na minha cabeça, faria muito mais sentido ser algo burocrático, portanto fadado ao erro, pois toda burocracia era falha e insuficiente. Ela não parecia concordar muito com isso; não pela sua fala, pelo menos. Não deixo o estranhamento visível e não a corrijo em relação a isso.

— Tá tudo bem. Foi só uma correção. 

— Da minha parte, uma nota mental, somente. — enuncia, com um ar plácido.

Eu espero um pouco, sopesando se eu deveria ou não me sentir desconfortável com a situação. Resolvo que não vale a pena; talvez nem houvesse nada para me dar aquele sentimento, ali. Sendo assim, só continuo.

— E como você é o mandamento da paciência, você é a deusa da paciência? — questiono apenas para me certificar, visto que, pela lógica ditada por Meliriodas na entrevista anterior, eu já sabia a resposta. — Quais são os Mandamentos? Esqueci de perguntar pro Melo. — adiciono de uma vez, para não perdermos muito, já que já sabia a resposta da pergunta anterior. 

— Sim. Eu sou a Deusa da Paciência. — ela diz, novamente como se não fosse nada, tão tranquila quanto poderia ser. O título é logo adicionado à lista junto com os demais. E sem muitas delongas, ela já também emenda com a resposta. — Os Mandamentos? — assinto positivamente ao mesmo tempo em que ela fala, virando as folhas do caderno rapidamente até a última página, caneta frenética listando enquanto ela respondia. — Piedade, Paciência, Amor, Reticência, Descanso, Fé, Verdade, Altruísmo, Pureza e Pacifismo.

No caderno, então, na página de Maureen:

 

Rainha das Fadas, Deusa Fada, Reitora, Mandamento da Paciência, Deusa da Paciência

 

e na última página:

 

MANDAMENTOS
1. Piedade (Meliriodas)
2. Paciência (Maureen)
3. Amor
4. Reticência
5. Descanso
6. Fé
7. Verdade
8. Altruísmo
9. Pureza
10. Pacifismo

 

A caneta para de escrever no mesmo minuto em que minha filha termina sua fala. Se canetas pudessem emitir sons, ela teria bufado de alívio, por ter conseguido escrever tanto tão rapidamente. Imagino ter escutado um suspirinho aliviado vindo do pompom. O pensamento me traz um pouquinho de leveza, mas seguro o sorriso, voltando o foco total para Maureen.

— Eu não sabia da existência do grupo dos mandamentos antes de falar com o Melo. — admito, observando a folha com a lista, tentando adivinhar sozinha quem seriam os representantes para cada um deles. Há muita coisa que eu ainda não sei sobre essas crianças ou a forma como se organizam; não sei porque ainda me surpreendo. 

— Não me conte quem são. — peço, olhando para ela. — Vai ser spoiler da vida. — há uma ponta de animação crescente em mim, uma vontade intensa de descobrir mais sobre todos eles, ouvir o que teriam para me falar. De repente, há uma ansiedade boa em continuar a entrevistá-los, como a ansiedade em que se tem de ouvir uma boa história. — Eu descubro nas outras entrevistas.

— Os Mandamentos são os Dez Generais do Inferno, com o Piedade sendo o Líder. — ela explica. — Os Pecados são uma força de assalto.

Okay… Então as crianças se dividem em grupos, os Pecados e os Mandamentos; um composto pelos generais, outro pelos membros de uma força de assalto. Repito isso mentalmente para ver se verdadeiramente entendi. Não faz tanto sentido que seja só isso, porque as contas não parecem fechar muito bem. Ainda existiriam membros da família de fora dos grupos. Resolvo que é melhor perguntar do que ficar na dúvida.

— Como assim? Generais? Força de assalto?

— Como se fossem um Serviço Secreto, mas que não é tão secreto assim. — elabora, num tom sério e didático, tal como você esperaria de uma professora de grande responsabilidade. — Os Pecados são a força que o Inferno envia quando precisa eliminar um problema mas não quer uma guerra. Os Mandamentos são os Generais de Guerra do Inferno. — aceno de forma positiva com a cabeça, agora entendendo um pouco melhor, embora isso não respondesse todas as perguntas. 

Os Pecados seriam então a força diplomática e espiã; os Mandamentos cuidariam da parte militar. Faz então muito sentido que Meliriodas seja então o líder dos Mandamentos, visto que é também o maior dos generais do Inferno. 

A conta ainda não fecha; só dos filhos são 21 e nesses grupos contamos 17. Internamente, me coço de curiosidade para saber quais estariam onde e quais dos filhos e netos estavam incluídos nesses dois grupos que pareciam de suma importância. Mas não me estendo nessas perguntas, principalmente quando ela diz:

— Entretanto, como bem pode ver, Oka, não sou muito interessada nas incumbências militares do Inferno. — ela não faz movimento algum ao falar isso, mas era como se alma dela se expandisse para todas as áreas, mostrando tudo o que estava conectado implícita ou explicitamente com o que ela fazia ali naquele escritório.

— Eu realmente deveria começar a ler uns livros sobre guerra, não é mesmo? — pergunto, num tom de gracinha desconfortável. Eu não sabia muito bem lidar com a guerra. Fui treinada para saber métodos de contorná-la, embora não me lembre muito bem deles. Todas essas coisas de espionagem, Serviço Secreto, patentes militares, que lhes pareciam tão naturais, estavam há tempos muito longe de meu alcance para eu me preocupar em conhecer sobre.

— Não. — responde, séria.

— E por que não? — de forma prática, é realmente bom eu ter um conhecimento tático sobre a guerra, se tudo, até a base constitutiva do que éramos, parece nos levar para isso, como se a Guerra Final (que agora eu sei que pode muito bem ser chamada, carinhosamente, de Guerra do Sete) fosse para o que sempre estivemos destinados.

— Não há necessidade de se estudar algo como Guerra agora. — eu esperava que não. — A senhora tem outras prioridades no momento. Ou me equivoco?

Lembro-me da conversa que tive com Yeshuah em seu aniversário. Em que ele me lembrava que minha meta agora deveria ser me encontrar e me entender como Deusa; me buscar em meio à verdade que eu agora entendia para poder me adaptar melhor às tarefas e missões que precisava enfrentar. Perceber o poder que tenho não apenas magicamente falando, mas também compreender que, para além dos meus defeitos, do que me disseram ser e do que eu acreditava ser, eu já sou boa o suficiente (se é que realmente um dia já existiu essa coisa de ser suficiente). 

— Não. — sussurro, olhando para o caderno que ainda não tinha muitas informações sobre Maureen, embora já há muito conversássemos. — Não se equivoca. — evito falar quais eram as minhas reais prioridades. Afinal, talvez uma delas fosse reunir o máximo de informação que eu poderia sobre meus filhos e netos nessas entrevistas, então prefiro maximizar meu tempo ouvindo-os e não falando sobre meus problemas pessoais, que obviamente não entrar aqui.

Há um momento de silêncio. 

— Bem… — sussurro, apenas para quebrá-lo, antes de voltar para o meu tom normal e acrescentar — Então explique no que é interessada.

Talvez essa pergunta pudesse ser escrita na lista de perguntas para as entrevistas. “Quais são seus interesses?”. Talvez eu devesse ter pensado melhor sobre o que eu queria perguntar antes de começar, mas estava divertido descobrir qual o próximo passo para entendê-los melhor. Talvez com os outros eu não precisasse modificar o roteiro. Talvez, até o final do projeto, o número de perguntas haveria duplicado e eu não conseguiria entrevistá-los sem ficar horas prestando atenção neles. 

Não sei no que pode dar, mas escolho simplesmente seguir em frente e anotar qualquer informação que pareça relevante no caderninho, mesmo que a questão não esteja no roteiro e não tenha um tópico específico para isso. Meu projeto, minha regras – e não, nem a Luci pode mudar essas regras.

— O que me interessa… — Maureen coloca o indicador na têmpora e o gira em sentido horário, apertando a pele como se fosse parafusar algo na cabeça. — Certo. — a caneta fica a postos para transcrever o que ela fala a seguir.

 

Me interesso pela Educação, Natureza e pela Vida.

 

— Bem… Isso vai de encontro com o que você disse sobre ser Reitora. — aponto, voltando para um dos seus títulos que agora parecia ser o principal. — Explica um pouco sobre isso. Você é Reitora do Instituto, certo? E como isso funciona?

— Eu fundei meu próprio Instituto baseada na noção de que os indivíduos, independente de sua raça, devem ter uma educação completa num ambiente versado em todas as áreas do conhecimento, seguindo desde uma formação básica até uma extremamente específica. — eu nem escondo meu sorriso de orgulho diante sua explicação. Se você fosse mãe dela, como eu sou, você também não o faria. 

Porque quando ela diz “independente de sua raça”, ela não está falando da ridícula convenção terrestre de que a cor da sua pele te caracteriza como uma categoria completamente diferente dentro de uma espécie ou até mesmo de uma espécie totalmente diferente. Ela está falando da integração entre todas as espécies, todas as raças possíveis. Dos humanos aos ditos zumbis, dos animais humanoides às fadas, dos vampiros aos demônios, das feras inteligentes aos anjos. 

O Instituto é hoje em dia basicamente o responsável pela educação de todas as criaturas intelectuais que já puderam estar em contato com o Inferno ou com nossa família, recebendo estudantes de todo o mundo tanto para o ensino básico quanto superior nas mais diversas áreas. Se alguns dos Huntar’z que não estudam lá, é porque trabalham ou um dia trabalharão lá. Meliriodas cuida do treinamento físico; Katerina terá seu próprio curso de música e dança muito em breve.

— Então esse Instituto não é o mesmo em que você estudou? — lembro-me de levá-la para uma instituição de ensino de mesmo nome quando menor. Talvez ela seja, dos filhos, uma das que eu mais tenho memórias sobre esses momentos de criança.

— Não. — declara, parecendo aborrecida. — Inclusive o Instituto antigo fechou por conta do meu ser muito mais completo e ter uma qualidade superior. — não consigo entender muito bem o tom de sua voz; não parece o sentimento que eu teria caso estivesse falando sobre como o Instituto que eu criei é o melhor na área.

— Entendi. — enuncio, na verdade tentando entender. — E isso te chateia? — questiono, preocupada.

— Um bocado. Queria que todos tivessem mais de uma opção para uma educação de qualidade. — agora eu entendo de verdade sua linha de raciocínio. Quase me envergonho pelo pensamento anterior, mas não resolvo não julgar meu estranhamento. Sua chateação é apenas o sentimento de uma pessoa que está verdadeiramente mais preocupada com as chances de educação dos indivíduos do que com a posição de sua escola ou não. É um sentimento louvável.

— Entendi. — meneio a cabeça, concordando com ela. — Ele tem um nome ou é só Instituto mesmo? 

— Até hoje não fui capaz de dar um nome melhor ao Instituto. 

— Ah. Tudo bem. — dou de ombros, me importando com isso tanto quanto ela. — É um nome autoexplicativo. 

Movimento-me na poltrona, me acomodando de forma mais confortável.

— Pois bem. Essas eram as dúvidas que eu tinha em relação aos títulos. — não anotei muitas das respostas, mas essas eu conseguiria me lembrar depois. — Prosseguindo… Sexualidade, gênero, status de relacionamento.

— Certo. — ela volta a fazer o gesto de parafusar o cérebro com o dedo na têmpora. Parece que essas vão ser perguntas que gerarão uma certa dificuldade padrão durante as entrevistas, até porque o entendimento de gênero e sexualidade para deuses literais, de diferentes espécies, é significativamente diferente do entendimento humano sobre o assunto. 

— Eu sou bissexual, acho… — ela finalmente responde. — Sou uma Fada, então acredito que possa ser definida como Fêmea. — seguro um sorrisinho. — Sou casada com Meliriodas Huntar’z. — a caneta repete no papel as definições que ela dá para si mesma, embora adapte para melhor compreensão humana.

 

Fada fêmea (mulher cis?) 

Bissexual

Casada com Meliriodas Huntar’z

 

— Isso de macho e fêmea deu uma tretona esses dias atrás. — comento, rindo-me das lembranças das brigas infantilmente fervorosas em que os seres humanos se envolvem de vez em quando. — Parece que os humanos também não gostam que chamem seres humanóides de machos e fêmeas, porque eles não gostam de se chamar assim. — eu até entendo os motivos deles não quererem se chamar assim, mas não escondo um sorrisinho satisfeito ao vê-la tocar exatamente nesse ponto sem eu ter dito nada. 

— Não me importo. Não sou humana, afinal. Eles que lutem pelo que acreditam. Eu sei muito bem o que sou, Oka. — ela diz com muita convicção e eu rio baixinho, adorando sua resposta. Tanto pela piada implícita no seu tom sério, quanto o poder de sua afirmação de autoconhecimento.

No final das contas, se pensarmos bem em um universo onde o ser humano e a forma como ele entende seu sexo, gênero e sexualidade são apenas uma em milhões de espécies e culturas diferentes, parece que assim eles estão convencionando a utilização de seus termos para os termos dessas outras espécies. Como se dizer que zangões gigantes falantes são homens ou abelhas gigantes inteligentes são mulheres fosse mudar o fato de que eles podem muito bem se convencionar como machos e fêmeas. Afinal, não são humanos, portanto, não precisam ser o que os humanos esperam ou não que sejam.

— Okay, então. Se é o que diz… — se a Deusa Fada vira para você e fala que se compreende como uma fada fêmea, você a escuta e não prossegue nessa discussão. Ela sabe o que diz. — Bem… Seguindo. — digo, me recuperando do risinho.

— Eu disse algo engraçado? — ela me encara, visivelmente confusa.

— Não, não. — rio baixinho novamente. — É engraçado pensar na reação deles lendo isso. Não você. — espero sinceramente que não me odeiem por isso, afinal, eu tenho um total de zero controle sobre como cada um deles me responde; eu apenas ouço. — Enfim! Continuando! — já havíamos perdido muito tempo nos comentários dos mínimos detalhes. — Qual é a sua arma mágica?

E então a caneta rosa com pompom começa a escrever freneticamente, porque aparentemente nunca houvera tanta informação sobre uma arma antes. Talvez não existisse uma arma que fizesse tantas coisas ao mesmo tempo. Acompanhando a fala e enumerando cada função diferente durante os parágrafos, no caderno pode ser lido:

 

Shinso Titânia. 

É uma Lança extremamente versátil, feita a partir da casca de Anticristo, que tem o poder de se dividir três vezes e cada uma delas pode ter oito transformações diferentes. (1) Titânia, (2) Guardião, (3) Petrificação, (4) Tulipas, (5) Incremento, (6) Trono, (7) Floresta e (8) Rosa Negra. A primeira (1) é a forma original de combate, que posso lançar para causar dano mágico massivo. A segunda (2) é uma Borboleta feita da Lança que me protege com  as asas e o corpo. A terceira (3) é uma Lança mais fina que petrifica com o toque. A quarta (4) faz surgir uma Tulipa gigante que condensa um raio de energia infernal e o dispara onde quero. 

Incremento (5) transforma as lanças em milhares de adagas para eu utilizar tanto para ataque quanto para defesa ou uso-a para dividir a Titânia em três e usar mais de uma forma por vez.  Trono (6) é o meu trono flutuante, que uso para ficar flutuando confortavelmente. Floresta (7) é a forma que uso para manter existindo este escritório. Com ela crio uma zona florestal que manipulo de acordo com minha vontade, servindo também de armadilha. Por fim, a Rosa Negra (8) é uma flor gigante que produz um mel curativo extremamente eficiente, mas só posso produzir uma gota por invocação e preciso da lança inteira pra isso.

 

Quase assobio diante tanta informação, impressionada, mas não sei assobiar.

— Ela se divide em partes e pode funcionar em diferentes funções ao mesmo tempo? — questiono na intenção apenas de tirar a dúvida, porque a resposta está bem a frente dos meus olhos, estando seu Trono e o sua Floresta ativos ao mesmo tempo, sua cadeira e escritório compostos apenas por poder mágico de sua lança. 

— Ela se clona. Com poder fragmentado até em 33%. — explica.

— Entendi. — assinto positivamente, antes de hesitar um momento. — Não. Pera. — meu rosto toma uma expressão de extrema confusão. Eu acho que meu cérebro fez a conta certa, mas não tenho muita certeza. — Não funciono matematicamente. Como assim poder fragmentado até em 33%? — sempre acho melhor perguntar do que me manter em dúvida.

— 100. 50. 33,333333333333333333333333333333333... — ela repete o três quantas vezes ela acha necessário, mas a esse ponto já estou até tonta de tantos dele. — Considerando ela inteira, um clone ou dois.

— Então ela se divide em até três vezes?

— Duas.

— Ela se clona até duas vezes. — me corrijo. No final, não parecia fazer muita diferença entre clonar ou dividir, mas deve ter algum efeito prático para essa diferença.

— Sim. — ela assente.

— Entendi. — hesito um pouco, antes de partir para a próxima pergunta, checando no caderno se todas as informações estavam ali. — Bem… Hm… Qual a sua relação com suas particularidades e seus poderes?

O cérebrozinho inexistente do pompom na caneta parece entender a intenção de Maureen com sua próxima fala, embora eu tenha demorado para perceber que esta já fazia parte da sua resposta a minha pergunta. Então ela copia na folha de papel:

 

A minha Lança é a arma mais complexa de todas as Armas Sagradas.

 

— Percebe-se. — respondo, parando a caneta em uma posição estranha, como se tivesse sido forçada a parar de escrever. — Pelo tanto de formas que ela pode tomar. — se aquele pompom pudesse falar, ele me diria para não fazer mais comentários no meio das respostas alheias. Mas ele não pode, então Maureen apenas continua e a caneta volta ao seu ritmo frenético para transcrever tudo.

 

Eu sou bem satisfeita com tudo isso. Aprendi a usar de forma correta e encontrei para tudo isso um fim adequado. Não uso as formas ofensivas do meu poder pois isso não me interessa. Falando no meu poder, ele é a Conexão Natural. Posso fazer surgir, controlar e desenvolver qualquer coisa da Flora.

 

— Você tem outros para além desse? — diante a lista de poderes e peculiaridades naturais e adquiridas ditas pelos anteriores, a maior das especialidades de Maureen ainda parece ser a quantidade de funções em sua arma mágica.

— Não. Além do que eu já disse, não. — ela declara e eu mudo de assunto.

— Você treina? Se sim, como são seus treinos?

 

Eu apareço eventualmente nos treinos das garotas, mas somente para observar.

Qualquer outra coisa que faça é projeção mental. Prefiro esses treinos mentais pois fortalecem minha mente e minha conexão com a natureza. É como uma meditação, onde projeto desafios mentais para que eu possa resolver. Uso deste método para treinar minhas habilidades mágicas e também meu intelecto como um todo.

 

— Entendi. — afirmo, meneando a cabeça, enquanto a caneta volta para colocar todos os pingos nos Is e acentos onde eram necessários. Talvez seja mais fácil para o cérebro inexistente do pompom apenas escrever sem as pontuações corretas e vir corrigindo depois que tudo estivesse pronto.

— Como é o treino das garotas? — indago, verdadeiramente curiosa. Não há nada que qualquer um deles possa me falar que não vá me deixar genuinamente animada para ouvi-los falar. — A Katerina não me falou sobre isso e o Melo disse que não sabe. — aponto, e ela não demora nada a me responder. Nas páginas, suas palavras transcritas com a minha letra cursiva:

 

É um treino guiado com magias. Cada um tenta desenvolver suas próprias capacidades em conjunto com as dos outros, tanto para fortalecer a própria quanto para criar combinações mágicas. É engraçado falar isso pois a combinação mais poderosa nesta família é feita por Alec e Escanor. A segunda, entretanto, é feita pelo Tio Gaiden e pelo Alec. Esta, em particular, foi desenvolvida nos treinos noturnos. Melo treina os combatentes físicos durante o dia e Merlin os combatentes mágicos durante a noite.

 

— Entendi. Entendi. — assinto de forma positiva novamente, agora me perguntando quantas vezes eu teria dito aquela palavra durante toda aquela conversa. Não pareciam ter sido poucas. — Agora a última pergunta. Só pra terminar. — divulgo, pensando que talvez tivéssemos nos estendido muito; talvez Maureen quisesse voltar logo aos seus trabalhos. Não iria enrolar mais.

— O treino mágico é muito menos… Violento. — ela comenta, antes que eu pergunte. Pelas histórias catastróficas que eu recebia sobre o treino físico, em comparação com as poucas histórias que recebia sobre o treino mágico, eu sempre imaginei que assim o fosse mesmo.

— Entendo. — repito o movimento de concordar, antes de simplesmente voltar para a pergunta que eu queria ter feito antes de seu comentário. — Uma memória base. — levo os olhos para o caderno só por um momento, folheando rapidamente as páginas repletas de suas informações. Volto a olhar para ela. — Uma que você ache essencial para o que você é hoje.

Há um momento de hesitação e eu acreditei por um segundo que ela iria fazer o movimento de se parafusar novamente. Mas ela finalmente fala, letra no caderno imitando cada uma de suas palavras e fazendo o mágico para pontuar corretamente as suas falas:

 

A memória base... Acho que foi quando eu deixei de ser um Pecado... Eu tinha um fardo muito grande e era completamente imatura... Tinha muita inveja da Katerina e da senhora... Quando ela foi instituída como Serpente da Inveja, perdi a marca que carregava e foi uma amostra de como eu poderia ser alguém melhor. Eu tinha me provado e me senti livre. Uma liberdade que... 

 

Ela para por um momento e a caneta pausa no ar. Sua voz continua, então, trêmula, como se estivesse segurando bastante para não chorar. 

 

Me permitiu ver... Que eu não era uma louca invejosa e que... 

 

Outra pausa. Agora ela engole sua própria saliva para tomar um tempo de se recompor. Eu me sinto mal por um instante. Parece uma pergunta muito difícil de ser respondida.

 

Eu era capaz de viver e receber um amor tão grande que não precisaria nunca mais invejar ninguém. Foi a partir deste momento que eu mudei completamente... Para o que sou hoje.

 

— Quando a Ginny foi instituída como Serpente da Inveja, você diz? — indago, tom de voz mais suave, tentando não ativar nela quaisquer outros sentimentos que pudessem fazê-la se sentir ainda mais desconfortável.

— Sim. — ela assente bem levemente.

— Fico feliz que tenha visto e compreendido isso. Que você é capaz de viver um amor tão grande que não precisa invejar ninguém. — abro um sorriso largo para ela, orgulhosa de sua conquista e aprendizado. — Eu ainda tenho um pouco de dificuldade com esse ponto, admito. — o riso desenhado em meus lábios fica um pouco mais triste, como um sorrisinho melancólico e pensativo. — Mesmo com a grandeza dos meus amores. 

— A senhora é melhor do que isso. — eu abaixo a cabeça, olhando para o meu próprio colo, mãos sobre as coxas, brilhando em tons diferentes, única coisa que eu poderia verdadeiramente ver. — Só precisa olhar para seu coração e ver quanto amor há nele. — ela termina.

— Há muito amor no meu coração. — comento, baixinho. — Pouquinhas gotas dele são para mim. — e eu já sei que esse é o real problema. — O resto eu dou pro universo, que mesmo sofrendo tanto, é mil vezes melhor do que eu. — tento não me deixar cair no vórtice dos pensamentos do que seria mil vezes melhor do que eu; não tenho tempo para ouvir sermões internos da Destruidora. Não tenho tempo para pensar nisso agora.

Suspiro pesadamente.

— Mas isso não é sobre mim. — concluo, balançando a cabeça como se quisesse jogar fora esse pensamento a força. Volto a me concentrar no que estava fazendo. — Você gostaria de falar mais alguma coisa? As perguntas acabaram.

— Não tenho mais nada a declarar, Oka... — diz, extremamente tranquila. 

Por um instante, acho estranho nunca ter percebido o quão séria, serena e tranquila ela poderia ser. Talvez, por ser a Deusa da Paciência, ela lide com suas tensões e dificuldades da forma mais calma possível. Talvez seja tão paciente que consiga esperar, sem problemas, que seus próprios sentimentos ruins fluam simplesmente.

— Okay. Nesse caso, acabamos. — digo, começando a me levantar lentamente. 

A caneta rosa cai sobre o caderno assim que me levanto, como se a alma que a animava simplesmente tivesse saído de seu corpinho de plástico assim que eu dei a entrevista como terminada.

— Foi bem tranquilo. Isso me deixa aliviada. — ela declara. E eu acredito nela, embora consiga ver em seus olhos um tremeluzir de agitação, como se algo que havia dito durante nossa conversa estivesse viajando por sua mente em alta velocidade, atravessando todos os portões que antes estavam fechados para travessia. Ela não parece interessada em falar sobre essa agitação, então, apenas prossigo.

— Obrigada por participar do meu projetinho. — agradeço, já em pé e pegando minhas coisas, olhando para ela da forma mais calorosa que eu poderia. — A intenção dele nunca foi ser nada além de tranquilo. Tanto pra mim quanto pra vocês. 

E é verdade. A intenção de um projeto de entrevistas com meus próprios filhos, para que eles contassem suas próprias verdades para mim e para quem quisesse ler, era que fosse fácil; tanto para eles falarem, quanto para eu escrever. O processo mágico de tudo facilitava ainda mais.

— Tenho muito orgulho da senhora. — ela diz e a minha única reação é corar, abrir um enorme sorriso, de orelha a orelha, e rir baixinho, tal como uma menininha agitada ao descobrir o primeiro poder.

— Obrigada, meu bem. — agradeço novamente, com meu corpo todo quentinho.

Não sei muito bem explicar, mas toda vez que um deles diz que tem orgulho do meu progresso, do meu trajeto ou apenas da minha existência, é como se uma bombinha de amor se plantasse em meu coração. Como se eu fosse capaz de explodir de felicidade a qualquer momento. 

Porque eles são os meus maiores orgulho. E saber que o sentimento deles para comigo é recíproco… É simplesmente arrebatador.

— Dê um beijinho nas crianças por mim! — viro-me para sair, preparando-me para finalizar mais uma das partes. — E avise a Ginny que ela é a próxima, quando a ver.  — aceno, lançando um beijinho para Maureen enquanto vou em direção à porta.

— Eu não falo com ela, Oka… Mas o Melo avisa. — eu até entraria em detalhes sobre isso; perguntaria o que aconteceu, mas pelo tom que ela usa para falar isso me diz que eu talvez devesse guardar minhas dúvidas por enquanto. Talvez eu consiga alguma coisa se perguntar para a própria Georgine na próxima vez que a vir. A próxima entrevista era dela, afinal.

Seguro minha curiosidade, então, e apenas me despeço.

— Tchauzinho! — digo, sorrisinho orgulhoso, contente e curioso na rosto, finalmente saindo de seu escritório, fechando a porta de correr atrás de mim e caminhando de volta para meu quarto com a mente cheia de pensamentos e ideias.

Parece que eu tenho um motivo a mais para me adiantar para a próxima conversa, então. Talvez isso fique cada vez mais interessante.


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Notas finais do capítulo

Obrigada ao amor da minha vida, Luksi, que editou para mim.



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