Artemis escrita por Camélia Bardon


Capítulo 3
02. Simples assim


Notas iniciais do capítulo

Finalmente desembarcamos em Florença, meus amigos ~da rede Globo~! Em tempos de pandemia, é bom ressaltar que a história se passa em 2017, certo?
Boa leitura ♥



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Começou como um dia como todos os outros. Tão normal que chegava a ser entediante. Estava sentada próxima a um encontro de faias. Quando tudo ao meu redor era apenas folhas sendo levadas pelos ventos e galhos retorcidos ameaçadoramente, algo a mais me chamou a atenção. No fundo do bosque, um único raio de sol transpassava por entre as faias. Um filete de luz, solitário e quase imperceptível. A nova beleza magnética me atraiu a caminhar e explorar, quase como uma criança faria.

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A primeira coisa visível na miniatura de Florença pelo avião é o Duomo. A essa altura do campeonato, Nora já despertou de seu cochilo e agora se ocupa de tentar decorar o máximo de frases em italiano que seu cérebro permite. Sugiro a ela a ficar com o básico: "sim", "não", "por favor", "obrigada", "com licença" e "desculpe, não falamos italiano", apenas de precaução. Com esse último, ao fazer o check-out, ganhamos um punhado de gli americani junto a sorrisos solidários. Quer dizer, eu imagino que sejam. Talvez estivessem acostumados a se compadecer de turistas com a esperança elevada além da aceitável. 

Quando finalmente perguntamos pela Università, os funcionários do aeroporto acenam entusiasticamente com a cabeça, e logo estamos num táxi com um ítalo-americano chamado Paolo que ri a cada cinco palavras pronunciadas. Nora toma a dianteira na conversa, e os dois trocam experiências narrativas sobre os exageros de Vegas e as simplicidades de Florença. Enquanto isso, me ocupo de escorar o cotovelo no apoio da porta e observar os prédios antigos e as pessoas com expressão descontraída. 

Por um momento, quero que elas olhem para mim e sorriam como estou sorrindo para elas. Infelizmente, o vidro escuro as impede de me verem, mas para isso eu posso culpar o sol. Aliás, quando não estou culpando o sol?

― Aqui o meu telefone, bambini ― Paolo sorri, fazendo seu bigode levantar e os olhos fecharem. Então, entrega a nós um cartão de visitas, com um táxi desenhado com um bigode. É bem adequado. ― Quando precisarem visitar algum lugar, ficarei feliz em levá-las. Conheço essa cidade de cabo a rabo.

― Obrigada, signore ― Nora salta do carro, animada. ― Tenha um bom dia!

Sorrio para acompanhá-la, dirigindo a ele um sorriso contido. Não quero parecer mal-educada, no entanto minha cabeça está em outro lugar. Em frente de mim, a imponente Università ergue-se para além de meu olhar. De frente, ela parece mais um conjunto de casas geminadas, porém tenho a ciência de que o lado oposto é um mundo à parte. Paolo buzina antes de partir de volta para o aeroporto, então atravessamos os portões bronzeados da Università.

Meus pés parecem sofrer algum formigamento, no entanto mantenho os passos firmes até a recepção. Nora explica a situação em inglês, mas nossa sorte é que havia uma pessoa específica esperando pelos ganhadores do concurso. A mulher, que se identifica como Annabella fica feliz em nos entregar uma cópia das chaves do apartamento. "As duas companheiras", brinca ela, mas gosto do título.

Annabella entrega um cronograma com os horários de funcionamento do prédio, ao passo que atravessamos o pátio com as malas. Olhares curiosos dos universitários nos seguem, e não evito de esconder a vermelhidão no rosto. Annabella nos tranquiliza:

― Vocês são as penúltimas a chegarem. Ainda falta um rapazinho, mas acreditamos que ele ainda venha.

Rio sozinha. Como se não fosse aparecer. É Florença.

Em seguida, Annabella nos ensina como usar o elevador do prédio. É do tipo gaiola, com portas de madeira que abrem para dentro. Passamos por quatro andares até chegar no último ⎼ o nosso e do "rapazinho" que ainda não chegou ⎼, não sem provocar ruídos gritantes e intermináveis. Passos ecoam na escada, uma porta é fechada. Abaixo de nós, alguém bate o portão de ferro com um estardalhaço que faz Annabella contrair o rosto em uma careta.

Ao estacionarmos o elevador, agora libertas, Annabella se despede com um buonasera e retorna para seu antro perfeito de paz na recepção. Nora e eu esperamos que ela desça pelo menos um andar para respirarmos fundo e soltarmos nossos surtos de euforia, com direito a gritinhos agudos típicos de adolescentes depois de retornarem do primeiro encontro. Como estou com as mãos trêmulas, é Nora quem gira a chave para nosso novo lar.

O apartamento é maior do que eu esperava, para apenas duas pessoas. Vou contabilizando: cozinha anexa à sala de jantar, separada por uma parede de tijolos de vidro. Uma sala de estar ao lado, um sofá preto de couro e almofadas tão macias que parecem ter saído do paraíso da pelúcia. Após um corredor estreito, encontramos uma suíte com duas camas e uma escrivaninha entre dois armários. Da vista para a Università, contamos com uma sacada e um varal de chão, o que me leva a entender que o prédio tenha alguma lavanderia comunitária.

A primeira coisa que fazemos, obviamente, é deixar as malas ao lado de cada cama. Então, nós duas deitamos de barriga para baixo e dormimos como se não houvesse amanhã. Quem quisesse ser social teria de esperar os quase dois dias de voo que nos renderam um jet lag desgraçado passar primeiro.

Simples assim, nós nos mudamos para a Itália.



Acordamos às 20h30 com o som da campainha. Nora é a primeira a levantar, mas está com a bochecha vermelha e amassada. Eu vou primeiro ao banheiro. Abrimos a porta esperando ser Annabella, no entanto se tratam de duas figuras absolutamente distintas uma da outra.

A primeira garota exibe um sorriso de orelha a orelha, uma pele que esbanja melanina pura e cabelos cacheados até a cintura. A segunda tem metade de sua altura, exibe delicados traços coreanos e carrega nas mãos um pote de comida. Tento segurar minha barriga antes que ela ronque audivelmente, mas ao fazer isso o ambiente se descontrai. Todas nós rimos, então Nora abre mais a porta para que possamos alocar todo mundo na sala de jantar.

― Desculpa, acordamos vocês ― a morena ri, sem-graça. ― Queríamos só dizer oi.

― E fazer uma oferta de paz ― num tom mais baixo, a outra acrescenta.

― Não tem problema ― Nora sorri, arrumando as cadeiras. É um tanto estranho fazer isso com uma casa que não conheço… ― Me chamo Nora e esta é Diana. Ela é minha acompanhante especial.

A baixinha ilumina os olhos à menção do nome dela. 

― Então você é ela? A Artemis? 

― Sim, sou ― Nora ri, olhando para mim de soslaio. 

― Viu só, Mabel, eu falei que não poderia ser um dos meninos ― a morena interpela, cutucando a colega que agora ganhou um nome. ― Eu li o seu conto, e, garota! Um arraso. Me chamo Kiera ― estendendo a mão para Nora, ela a aperta energicamente. Depois, abre um sorriso enorme para mim. ― Seja bem-vinda também, guria.

Agradeço com a cabeça, sorrindo. Minha barriga ronca novamente, me fazendo corar até a raiz dos cabelos.

― Ai, onde está a minha educação? ― Mabel ri, colocando o pote que trouxe em cima da mesa. ― Fiquei tão empolgada em conhecer a Artemis que me esqueci do jantar.

Jantar?

― Olhe, nós fomos as primeiras a chegar. Nos deram o primeiro andar, então fizemos amizade e combinamos que a Mabel faria a comida sempre que possível, porque ela manda muito bem, mesmo que às vezes a comida não tenha uma cara muito boa, é maravilhosa ― Kiera explica, com um sorriso.

― E… na minha cultura, é tradicional ofertarmos presentes aos vizinhos, ainda que… só por um semestre ― Mabel finaliza, com um sorriso adorável, fazendo um esforço adicional para abrir o pote.

Eu e Nora trocamos um olhar cúmplice. Falando por nós duas, Nora suspira.

― Quanta gentileza… eu não sei vocês, mas estou sentindo uma energia muito boa vinda dessa cidade. Como se fôssemos imbatíveis e tudo fosse possível. Não é?

― Falou e disse, loirinha ― Kiera ri. ― Tem uma boa vibe mesmo. Mabel, como que se chama essa panquequinha mesmo?

Tanto eu quanto Mabel rimos do comentário dela. Paro para pensar que é a primeira vez que tenho amigas além da Nora e da Donna. Me sinto bem com toda essa receptividade.

― Se chama gamjajeon ― explica ela, oferecendo uma "panquequinha" para cada uma. ― Experimentem.

Faço o que ela pede. A textura é crocante, no entanto por dentro é pura maciez. Creio que minha expressão tenha sido muito óbvia, porquanto que a cozinheira riu cheia de vergonha.

― Eu falei que estava bom ― Kiera ri com maldade. ― Então, já conheceram os outros?

Nego com a cabeça, me concentrando na comida.

― Apenas a Annabella ― Nora murmura. ― Os outros são simpáticos?

― Alguns sim, outros não. Não vamos contaminar a opinião de vocês com a nossa.

Justo.

Após um bocejo, Nora pede desculpas.

― Bem… amanhã tem mais ― Kiera mal se afeta, se levantando. ― Podemos combinar de visitar a biblioteca da universidade junto com os outros. O que acham da ideia?

Nora faz que sim efusivamente, bem como eu. Fico feliz de Nora e eu termos uma linha de raciocínio semelhante. Do contrário, poderíamos ter problemas devido a toda essa dualidade. De nós duas, Nora era a mais apresentável, e isso era suficiente.

― Claro! Será uma honra. Pode deixar que o pote a gente lava. Fica de certificado de compra de companhia para amanhã.

As duas riem, concordando com os "termos". Daí, Kiera se volta para mim.

― Você não é muito falante, né?

Dou de ombros, abrindo um sorriso condescendente. Nora intervém, para minha sorte:

― Até amanhã, meninas. E obrigada pela comida, foi muito gentil da parte de vocês. Estaremos mais dispostas depois de uma boa noite de sono, prometo.

Encantadora como de praxe, ela faz com que as duas partam em paz. Escuto Mabel exclamar um "trabalhar com Artemis! É um sonho!" Como se lesse meus pensamentos, Nora fecha a porta com cuidado, torcendo o nariz para mim ao deixar o pote sujo na pia.

― Você sabe que pode falar com as pessoas, não sabe? Não precisa ter vergonha ― começa ela, se sentando no sofá e me convidando a fazer o mesmo. Me aproximo e me sento junto a ela, de frente. ― Não estamos na casa de seus pais, ou em Sedona, ou em Vegas.

Abro um sorriso triste, encarando meus próprios pés.

Vão rir de mim. Ou fazer cara feia. Nunca me levam a sério.

― As pessoas aqui são diferentes, Di ― Nora segura minhas mãos, me obrigando a olhá-la nos olhos. Daí, sorri. ― Hoje mesmo tivemos provas suficientes de que a vida não é só humilhação. Vamos, meu bem, já chegamos até aqui. Vai dar para trás logo agora?

Mordo meus lábios, me soltando de suas mãos. Abaixo para desamarrar meus cadarços ⎼ meus pobres dedos não aguentam mais tanto sufoco. Provavelmente estou com chulé, mas não ligo muito para isso ao esticar as pernas, finalmente.

― Além disso, se serve de alguma coisa, estarei lá com você… sempre estivemos juntas, não será uma falsa fama que me cegará. 

Respiro fundo assentindo com a cabeça.

Tem razão, Nora. Prometo tentar.

― E, se falarem algo, acabo com eles.

Acabo por rir de seu comentário, me encolhendo no sofá. Apoio a cabeça em seu colo, confortável, ao passo que Nora suspira. Penso que ela vai lançar mais uma de suas pérolas de sabedoria, no entanto ela apenas tagarela como de praxe:

― Trate de dormir, fadinha talentosa. E assim que acordar, tome um banho. Não vamos cumprimentar nenhum italiano bonito fedidas desse jeito. Eu posso jurar que consigo fritar uma daquelas panquequinhas com o óleo que está o meu cabelo.


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Notas finais do capítulo

Hoje temos algumas carinhas novas dos outros ganhadores do concurso, essas duas amigas fofinhas ♥ temos gentes de diversas culturas aqui, pode deixar que explorarei sim um pouquinho de cada no decorrer de tudo.
Para quem ficou curioso sobre o gamjajeon, aqui vai um amor de vídeo sobre o preparo: https://www.youtube.com/watch?v=aN6TatDaH3M

E no próximo capítulo vou esclarecer os porquês das falas em itálico, espero que não tenha ficado tão óbvio já nesse, mas o ranking de palpites ainda está aberto!

Até o próximo ♥



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