Artemis escrita por Camélia Bardon


Capítulo 2
01. O Trambolho


Notas iniciais do capítulo

Olá xuxus ♡ como vão vocês? Primeiramente, peço desculpas pela demora. Esse mês foi bem tenso por aqui, altos estresses, ataques de ansiedade implacáveis, muita loucura. A única parte boa dessa quarentena foi ter uma ""folga"" do meu trabalho e aí sim voltar a coragem para escrever. Espero que me perdoem e digo mais: frequentemente não é esse o tempo da demora entre as postagens e.e

Bem, o que precisam saber:
1. A cada começo de capítulo, logo abaixo da capa, se encontra um trecho em itálico do conto que a Diana escreveu, "A Arte do Esquecimento". Juntem todos os trechos em ordem de postagem e vocês terão o conto na íntegra. (Obrigada, Iara, pela sugestão ♥) Logo após a divisão, começa o capítulo.
2. As partes "longas" em itálico, sem ser as falas da Diana, são relacionadas a cenas antes da cronologia da história, ou seja, flashbacks.

Creio que isso seja tudo. Sem mais delongas, ao capítulo ♡



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/787122/chapter/2

Sempre mantive uma relação confortavelmente distante do sol. Presa num outono eterno, não era exatamente frio. Os dias eram amenos. Uma blusa leve, só de garantia, para se acaso ventasse. Até me arriscava com um calorzinho ocasional. O ponto é: eu não sentia a falta do sol. Ele estava lá, e eu aqui. Simples.

───── ⋆⋅1⋅⋆ ─────

 

O sentimento de incredulidade nos toma por mais tempo do que gostaríamos. Quer dizer, eu não pretendia desmaiar. No entanto, creio que toda minha insegurança e choque de ter algum reconhecimento – mesmo que não fosse meu, de fato – tenha me provocado um colapso. Quando me dei por gente, Nora estava me abanando descoordenadamente e me oferecendo água a cada cinco minutos.

É com muita irresponsabilidade que penduramos nossos aventais em Vegas, demos adeus à vida de cheirar a produtos de limpeza e cigarros baratos; entretanto, é com muita esperança e vivacidade em nossos corações que damos olá à vida de… bem, de mentiras atrás de mentiras. Benéficas, no entanto.

Após longos minutos de negociações por telefone com uma das representantes da Orpheus, conseguimos convencer de que Artemis é Nora Fox, uma pobre órfã que aos seus 21 anos resolveu arriscar a vida no anonimato. Escutei-a implorar para poder levar "uma amiga muito querida" junto a ela – segundo ela, sua "jornada autoral" não faria sentido sem mim. Uma vez combinadas as passagens de avião, documentos para moradia e o restante dos afins, fizemos as malas com afinco, apesar dos poucos pertences. Daí, nos jogamos em nossas camas rindo como se o amanhã fosse um sonho.

― Eles caíram direitinho, não caíram? ― Nora pergunta, erguendo uma sobrancelha comicamente para mim.

Não seja cruel… 

― Foi o que Elvis cantou, querida. Nós cantamos libertè, egalitè, fraternitè!

Rio sozinha, tomando um gole d’água. Nora rola para o meu lado, e faço o mesmo, franzindo a testa.

Pensei que não usássemos mais a guilhotina. 

― E não usamos. Deixamos os súditos comerem bolo.

Foi o que Freddie Mercury cantou, querida

Nora gargalha, e sua risada enche as paredes deprimente do apartamento de vida e cor. Eu a amo mais que tudo nesse mundo, e não tenho a mínima ideia do que seria a minha vida sem ela. Silenciosa, obviamente. Solitária, também.

― Consegue acreditar que estamos indo para Florença? Digo… de onde saímos, é um longo caminho. E não estou falando apenas da quilometragem. Peso sentimental incluso.

Assinto com a cabeça, me sentando novamente enquanto ela separa as poucas roupas de calor que temos em duas pilhas. Nota mental: não torrar toda a grana do "salário" do concurso e comprar roupas. Nora olha para mim, aguardando uma resposta.

No começo, estava incrédula. Mas, na verdade, eu acredito agora… eu e você somos uma dupla imbatível. E acredito que é daí para frente. 

― Tem razão ― Nora sorri, levantando para analisar os armários. Então, troca o peso dos pés e olha para mim através do espelho. ― Eu… você acha que os seus velhos vão vir se despedir de você?

Mordi os lábios, entrelaçando os dedos uns nos outros.

Eu não contei para eles que ia viajar… 

Nora ergue para mim uma sobrancelha, e não consigo analisar pelo seu rosto se ela está indignada, confusa ou outra coisa. Dou de ombros, já começando a explicar:

Não se preocupe, eu vou mandar as nossas coisas para a Donna guardar na casa dela. Ela não vai poder vir por conta do trabalho, mas respondeu minha mensagem prometendo sigilo.

― Donna Davies, a salvadora da pátria ― Nora resmunga, no entanto concorda com a cabeça. ― Ok. Confio em você.

Sorrio, feliz pelo voto de confiança adicional. Conversamos sobre uma porção de assuntos cotidianos que já não farão mais parte de nosso dia a dia em breve – os juízes de paz que iam e vinham a Vegas, os advogados ganhando rios de dinheiro pelos divórcios de casamentos que duravam uma semana, as tramoias diárias para beber da fonte de chocolate do Bellagio… por ora, apenas o silêncio de Florença seria suficiente.

Ao fecharmos a última mala, eu e Nora suspiramos. No outro canto do quarto, as caixas com os pertences que retornariam para Donna, minha adorada irmã mais velha, e para Sedona, nossa cidade natal. Nora traduz meus pensamentos ao rir fraco e comentar:

― É um pouco deprimente não levar O Trambolho com a gente, não acha?

Concordo com a cabeça, lançando um olhar carinhoso para minha máquina de escrever. 



Meu primeiro ato de independência juvenil foi fazer o caminho oposto de casa para escola, aos dezesseis anos. Em busca de quê? Um sentido para a vida. Quer dizer, quem nunca fez uma jornada de autoconhecimento aos dezesseis?

Sedona possuía a reputação de exalar uma essência esotérica e, por mais cética que eu fosse, os magnetismos óbvios da situação me levaram até a loja de antiguidades próxima à boulevard Oak Creek. Cercada pelas montanhas vermelhas, minha visão parecia saída de um filme amador com trilha sonora new age. Mesmo assim, fui armada com minha rebeldia momentânea e me dei de cara com o título inusitado da loja: Terra das Rosas Selvagens

Ao abrir a porta, fui recepcionada pelo sino da entrada. Sorri automaticamente com a ação – por algum motivo, parecia ser exatamente o que deveria acontecer. O balcão de recepção, entretanto, estava vazio.

O primeiro detalhe ao qual me atentei foram os corredores. Um deles, tomado por livros. Me aproximei deles e dei uma bela cheirada, me sentindo acolhida pelas páginas velhas e cheias de histórias. Algum dia, quem sabe, eu pudesse ser uma delas. O corredor adjacente era destinado aos discos de vinil. Depois desse, um apenas para jóias. Um quarto me revelou porcelanas presas em armários revestidos. 

Foi então que eu vi. Ao fundo, quase escondida atrás de um gramofone e de uma máquina de costura. Lá estava ele, o magnetismo óbvio, em forma de máquina de escrever. Ela se encontrava fechada numa caixa protetora, de vidro temperado. Preciosa. Rodeei-a em busca de um valor, apesar de estar disposta a pagar o que quer que fosse para manter aquilo perto de mim para sempre. 

Quando menos esperava, um senhor já idoso abriu a porta dos fundos e veio de encontro a mim. Abrindo um sorriso gentil, ele transitou olhar entre eu e a máquina. Não foi preciso muito para entender a conexão.

― Ela é uma belezinha, não é, minha filha? ― comentou ele, com os olhos brilhando. ― Chegou semana passada. 'Cê tá interessada nela?

Assenti com a cabeça, com um sorriso, jogando minha bolsa para frente. Abri o zíper procurando pelas minhas economias, e retirei minhas humildes notas amassadas. O senhor permaneceu observando enquanto eu contava. 10, 20, 50… é, parava por aí. Engoli em seco, curvando os lábios para baixo. Eu podia jurar que tinha mais de cinquenta… 

Sem graça, voltei meu olhar para o senhor idoso, que riu como se não houvesse amanhã. Qual era a piada? Logo quando ia guardando o dinheiro de volta no bolso, ele me impediu.

― Não, não, querida, cinquenta está ótimo! Venha no balcão comigo, vamos emitir sua nota.

Como assim? Aquela relíquia era equivalente a 100 para cima!

Traduzindo minha indignação, ele bateu de leve na tampa da caixa. De prontidão, segurei a máquina em meus braços e caminhei estupefata atrás daquele senhor digno de ter saído de um romance de Dickens. Com uma nova batidinha, eu a repousei sobre o balcão enquanto ele redigia a nota fiscal à mão. Entregou-a a mim depois de carimbar a página o desenho de uma rosa e seus espinhos, o que supus ser a marca d'água da loja. Quando vi que falava sério, entreguei minhas cinquenta pratas sem pestanejar.

― Prontinho, viu? Agora ela é sua.

Permaneci boquiaberta por mais alguns segundos, ao passo que ele apenas apoiou os braços no balcão. Mesmo sem dizer uma palavra, aquele senhor idoso compreendeu tudo que se passava.

― Não somos careiros nessa parte da cidade. Aqui as coisas valem mais o preço do coração de cada um do que um valor em dinheiro. Eu não preciso dele. Mas vale mais um sorriso do que um punhado de verdinhas.

Ri sozinha com os termos, pegando minha nova aquisição para abraçar. O senhor continuou:

―Viu, 'cê só volta aqui depois porque essa aí vai tinta especial. Tem um tantinho na reserva, mas vou encomendar mais. 

Assenti com a cabeça, retornando a bolsa para detrás dos ombros para equilibrar o peso. Até abri a boca para responder, no entanto, como de praxe, ele foi mais rápido.

― A menina não é muito de falar, né? Vou deixar anotadinho que 'cê comprou.

Dei de ombros, abrindo um sorriso cômico. Não, eu não era. Mesmo assim, fiz uma reverência engraçadinha, e ele acenou de volta para mim. O caminho pelas montanhas vermelhas parecia ter ganhado ainda mais cor com o pôr do sol roxo atrás de minhas costas. Provavelmente parei para respirar e relaxar os dedos do peso mais vezes do que consigo registrar, o que me ocasionou em chegar rente ao anoitecer.

Com o auxílio do meu quadril, abri a porta dos fundos, na tentativa de esconder minha façanha. No entanto, como eu tinha dezesseis e pais superprotetores, fui interceptada pela sra. Davies – mamãe Davies ou apenas Doreen para os íntimos – com seu famigerado pano de prato sobre o ombro e a expressão incisiva nos olhos.

Após uma olhada de cima a baixo, mamãe tomou uma longa lufada de ar antes de erguer a voz para quem quisesse ouvir:

― Daniel, 'cê tem que vir aqui ver o trambolho que a sua filha trouxe para casa!

O sr. Davies – também conhecido como papai ou Daniel para a esposa – se deu ao trabalho de levantar da poltrona confortável para verificar o drama da esposa. Já eu, com o meu "trambolho", permaneci segurando minha máquina com cuidado. Ele apenas ergueu uma sobrancelha para mim e indagou:

― Não pagou caro por isso, pagou?

Neguei veementemente com a cabeça, ao passo que ele me liberou a passagem para o meu quarto no andar de cima. Pude escutar o grunhido de insatisfação da minha mãe, e dos comentários murmurados do meu pai. Mesmo sendo superprotetores, eles não ligavam muito para o que eu fazia, em resumo. Donna, minha irmã mais velha, era o alvo principal das críticas. Coloquei meus fones no último volume, aplacando a voz deles com a dos violinos que minha música me proporcionava.

Eu nunca havia escrito uma narrativa fictícia. Na escola, tudo que eu redigia eram redações dissertativas-argumentativas, então não tinha bem uma bússola que me guiasse nesse novo mundo. 

Respirei fundo e fechei os olhos. Sobre o que eu gostaria de escrever?

Daí, abri minha bolsa para procurar algo que me inspirasse. Esbarrando no recibo da loja de antiguidades, pousei meus olhos sobre o nome. Terra das Rosas Selvagens.

Então, eu sabia exatamente sobre o que escrever.

Procurei na internet como usar uma daquelas, alimentei-a de papel e estalei os dedos. Na primeira linha, o título encheu meus olhos de brilho, como não ocorria há anos.

Rosas Selvagens. Abaixo, o subtítulo, ou o projeto de sinopse:  Sobre como os espinhos enxergam as rosas.

Me pus a escrever. Se eu não podia ser escutada, seria lida.



Mal contemos nossa ansiedade, pelo menos não até passarmos pelos portões de embarque – e sermos parabenizadas pelo prêmio; aliás, Nora, não eu – e saltitarmos pelo caminho inteiro até o avião. Para quem havia fugido de ônibus para Vegas com apenas uma mala, estávamos ótimas, muito obrigada!

Após entrarmos no bendito avião e Nora cochilar cinco minutos depois de seu discurso ininterrupto sobre o quão animada estava, coloco os fones e me ponho a rascunhar o tema que gostaria de trabalhar quando iniciasse a escrita, de fato. No entanto, não saí da ideia bruta e desisti. Estava mais apreensiva do que gostaria de admitir, afinal.

Às vezes… não, poucas vezes… um conto flui sem que eu precise rascunhar seu início, meio e fim. No entanto, como se trata de algo mais longo, serei obrigada em algum momento a abrir ponto por ponto, destrinchando o enredo e os personagens como se fossem velhos conhecidos meus. Não é como se fosse fácil, e nem como se eu tirasse de letra como uma profissional. Muitas vezes, o planejamento me custa mais tempo do que a escrita literal. Portanto, sem a paciência necessária para tudo isso, apenas velo pelo sono de Nora.

Ou melhor, deixo que minhas boas lembranças me inundem, enquanto trato de deixar as ruins para trás. Junto com a poeira vermelha das montanhas que se espalha quando o avião decola.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

As músicas às quais a Nora e a Diana referenciam indiretamente são "Don't be Cruel", do Elvis, e "Killer Queen", do Queen. Já o lema "libertè, egalitè, fraternitè" foi o lema da Revolução Francesa, por isso a guilhotina.

Não vou me estender muito aqui porque apesar de ser um capítulo introdutório, há muitas pistas soltas hihihi qualquer dúvida, é só chamar. Até mais!



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Artemis" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.