Despedida escrita por Sirena


Capítulo 1
Capítulo 1




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Os olhos de Jay seguiram a limusine que ia para a Ilha, levando Uma, Harry e Gil e que logo voltaria trazendo o Hades. Se o perguntassem, o que claro que não fariam, mas, caso fizessem, ele diria que aquela não parecia uma troca nem um pouco justa.

Quando o carro finalmente sumiu de vista, ele foi se sentar a uma das mesas do pátio.

A escola estava fervilhando de atividade, ainda que todos parecessem confusos com o que havia acontecido, mesmo que os que tinham sido petrificados parecessem mais nervosos e quase traumatizados, todos estavam bem e seguiam suas atividades normalmente, afinal era Auradon. Beleza, alegria e normalidade. Nada podia interromper a forma colorida e calorosa com que tocavam a vida.

Dado esse cenário, Jay parecia uma mancha de tinta acidentalmente derrubada em um quadro perfeito. Sua carranca se destacava de alguma forma em meio à multidão de sorrisos e risos, como uma nuvem cinzenta no meio de um céu perfeitamente azul.

Ele suspirou, repassando novamente os últimos instantes em sua cabeça.

Enquanto Mal e Ben comunicavam o que havia acontecido com Audrey à Rainha Leah, Uma e Harry desceram para conversar com Gil, e Jay fez o mesmo. Não sabia explicar porque os seguiu ao invés de ir com Carlos ajudar Evie a entregar os vestidos que haviam sido encomendados para a festa de noivado da Mal, mas apenas... Parecia certo ir com os piratas.

— O que aconteceu? – Gil perguntou, parado no saguão de entrada, parecendo ao mesmo tempo deslocado e deslumbrado. Jane e Doug estavam com ele e também pareciam ansiosos para saber o que estava havendo.

— Vocês podem nos dar licença? – Uma questionou olhando para os dois filhos de heróis. — Tenho certeza que o Jay pode explicar tudo para vocês...

— Depois. – o filho de Jafar emendou rapidamente, interrompendo a jovem bruxa do mar. — Eu explico para vocês depois.

—... Tá. – Jane concordou, enquanto Doug assentia com a cabeça. Logo eles sumiram, subindo a escadaria que levava em direção aos dormitórios, provavelmente atrás de alguém que lhes atualizasse sobre o que estava acontecendo.

— Que foi? – Gil questionou de novo, cruzando os braços sem jeito. Algo no olhar dele fez Jay desejar achar um arbusto de uvas. Ele parecia tão nervoso, com certeza uvas o agradariam.

— Vão buscar o Hades para ele acordar a Audrey. – Harry explicou, parecendo sem jeito de uma maneira nunca antes vista, como se soubesse que as próximas palavras que diria iriam desagradar profundamente o loiro e se detestasse por isso. — A gente vai aproveitar e... Voltar pra ilha.

— Por quê? Vão precisar de alguém lá? Pra ajudar as crianças a se organizarem pra vir pra cá?

Foi só naquele instante que Jay se lembrou: Gil não estava com eles quando Mal disse que o programa seria cancelado. Ele não sabia que a barreira ia ser fechada para sempre e que ele provavelmente nunca teria a chance de ver um pinguim. Aquilo pareceu tão injusto pra Jay. O garoto merecia poder ver pinguins!

— Não é isso. – a Uma começou, a voz amena como se tentasse explicar algo para uma criança de cinco anos.

— A Mal mentiu. – Jay falou antes mesmo que percebesse. Os piratas o olharam de maneira chocada, como se a amargura em sua voz os tivesse pego de surpresa. Jay não planejara soar daquela forma, mas, perceber de tudo que Gil seria privado de repente o deixava muito irritado. — Ela não vai deixar as crianças saírem. O pessoal de Auradon ta assustado com os vilões saindo e... Ela achou melhor fechar a barreira.

— Quer dizer... Pra sempre? – Gil lhe olhou como se tivesse levado um tapa na cara. — Mas... Você... Você sabia?

Jay só pode balançar a cabeça, negativamente. Ele nem imaginava.

Desde que conhecera Mal, eles foram aliados no crime, correndo e roubando pela Ilha e quando vieram para Auradon, àquela parceria nunca pareceu ter deixado de existir de fato, talvez tivesse mudado um pouco, mas, continuava ali. A garota era como a irmã mais nova que Jay nunca tivera, ele moveria céus e faria tempestades de areia por ela. E aquela mentira, era quase como uma facada nas costas. E mesmo que ele conseguisse entender... Ainda doía.

— O que vai acontecer com a gente? – o filho do Gaston olhou hesitante para seus superiores, totalmente perdido, um simples marujo a espera de ordens.

Uma parecia sem chão e Harry apenas encarava os próprios sapatos, vez ou outra lançando um olhar estranho na direção de Jay.

— Vamos voltar. – embora tenha demorado a sair, a resposta de Uma fluiu naturalmente, como se fosse a coisa mais evidente.

— Vocês não precisam ir se não quiserem! Tenho certeza que o Ben conseguiria garantir que ficassem, alegando que é merecido por terem ajudado a gente com a Audrey e... E tem bastante espaço no castelo da Evie e... – quanto mais falava, mais desesperada sua própria voz parecia aos seus ouvidos, mas Jay não podia evitar. E muito embora tentasse se dirigir aos três, só conseguia olhar para Gil. — E ainda tem tanta coisa que eu ia gostar de te mostrar...

— Você não precisa ir se não quiser, Gil. – Harry falou, após um longo e inquietante momento de silêncio. — De verdade. A Ilha... Nunca combinou muito com você e... Você parece ta tão bem aqui... Seria injusto pedir que...

— Eu vou com vocês. – o garoto falou, parecendo decidido. — A Uma é minha capitã e... Onde ela for, eu vou. É o certo.

A garota suspirou alto, como se ouvir aquilo ao mesmo tempo a agradasse e machucasse. Jay tinha a impressão de entender, ainda que tanta lealdade fosse algo lindo... Uma mais do que ninguém sabia do que Gil estaria se privando tomando essa decisão, ela foi a que passou mais tempo fora da Ilha, afinal. Por fim, a capitã pirata abraçou seu marujo com força.

— Tá na hora. – Harry falou, olhando pro lado de fora, onde, apesar da distancia era possível ver uma limusine da guarda real estacionando na frente da estatua do rei Fera. Gancho lançou outro olhar estranho ao Jay e em seguida ao Gil. — Por que a gente não deixa...

Ele não terminou a frase, mas, pareceu haver algum tipo de entendimento entre ele e sua capitã, pois ela apenas assentiu e saiu de mãos dadas com ele em direção a limusine. Bom, mãos dadas era uma forma de falar, ela estava apenas segurando-o pelo gancho.

Jay ficou subitamente sem saber o que dizer, enquanto olhava para Gil.

— Foi... Um dia bem longo. – comentou por fim, aleatoriamente.

— Foi bom. – Gil deu de ombros, olhando para os próprios pés. — Foi bom sair da barreira. Não vou esquecer das flores e nem das uvas... Mas, teria sido legal ver um pinguim.

— É, teria. – Jay concordou, tentando não rir. A tensão sumindo aos poucos dele, deixando apenas aquela estranha tristeza. — Você teria se dado bem no grupo de esgrima.

— Valeu.

— E no torneio.

— Seria legal. – o loiro riu, mexendo no cabelo. — Eu... Vou sentir sua falta.

— Também vou sentir. – Jay concordou, o peito doendo. — Teria sido bom... Ter ficado seu amigo antes, quando eu ainda tava na Ilha.

— Teria...

Eles se encararam por um momento, mas Jay não pôde evitar desviar o olhar. Aquilo era tão estranho. Interagir com Gil era tão estranho. Talvez fosse o costume por ter crescido rodeado por mentirosos e interesseiros, mas, falar com alguém que carregava a sinceridade nos olhos daquela forma, o deixava ao mesmo tempo desconcertado e deslumbrado. Nem mesmo em Auradon as pessoas eram tão sinceras. Era quase aconchegante, apesar de estranho.

Como aquele garoto sobreviveu tanto tempo na Ilha?

E como continuaria lá e agora, sem sequer uma mínima esperança de sair?

— Então... Tchau. – Gil suspirou, abaixando a cabeça e lhe dando as costas.

— É, tchau...

Agora, sentado no pátio, Jay imaginava se eles já teriam chegado na Ilha, imaginou a decepção de seus amigos quando soubessem que não voltariam para buscar mais crianças. Big Murph, Harrison e Jace... Era capaz de até Ginny Gothel ficar triste!

— Você ta aí! – Jay olhou assustado para a garota de moletom rosa a sua frente. — Tava te procurando. Por que todo tá mundo tão agitado por aqui?

— Oi, Lonnie. – ele sorriu, nervoso. — Você voltou!

Ela revirou os olhos. — Não, ainda to viajando.

— Engraçadinha.

— Só vim pra buscar umas coisas que esqueci. – ela deu de ombros.

— Como ta sendo ser a mais nova esgrimista da liga profissional da Academia Imperial? – Jay arqueou a sobrancelha.

Ele não podia evitar se sentir feliz por Lonnie. Terminar com ela tinha sido mais triste do que terminar com Jordan e decididamente tinha sido mais triste do que terminar com a Audrey, mas ainda assim... Não foi exatamente triste. Ele ficou feliz por ela, estava decididamente orgulhoso e não achou verdadeiramente ruim Lonnie querer terminar com ele por ter conseguido ingressar na liga.

— Ah, o básico! Muito treino e depois mais treino. Você conhece meu pai, treinar com ele só não é mais pesado do que treinar com minha mãe. – ela bocejou enquanto falava e se sentou em frente a ele. — Mas, e aí? O que tem de novo aqui?

Jay deu de ombros, mas o olhar sério de Lonnie o fez suspirar e começar a contar.

Quando acabou de narrar todos os acontecimentos que ela perdeu, a garota o olhava de maneira estranha.

— Você se apaixona muito rápido mesmo, Jay. – falou por fim.

— Como é?

Lonnie apenas deu de ombros enquanto se levantava, com um olhar do tipo “você ouviu o que eu disse, não preciso repetir.” — Vou ver se a Audrey acordou, até qualquer hora.

— Até... – Jay murmurou, hesitante.

“Você se apaixona muito rápido.”

***

Jay estava no telhado do castelo de Evie, tentando escrever uma carta para Gil.

De manhã, ele tinha ido ao porto dos duendes, que levavam barcas de comida, roupa e lixo para a Ilha, e deixou algumas vasilhas com frutas frescas para entregar. Era ridículo, mas, como o porto ficava perto das docas por onde os piratas costumavam andar, eles eram sempre os primeiros a pegar os suprimentos, então... Talvez houvesse uma chance, uma pequena chance de que Gil recebesse as frutas.

Era o mínimo que Jay podia fazer. Especialmente considerando que não conseguia terminar de escrever uma única carta para o garoto. Tudo parecia tão errado no que escrevia e tudo parecia tão errado ao seu redor também.

As luzes do castelo ainda estavam acesas; Carlos, Doug, Evie e Jane estavam acertando os últimos detalhes da festa de noivado com Mal e Ben.

Jay suspirou erguendo os olhos para o céu escuro.

Tentou imaginar o que estaria havendo na Ilha. Talvez os piratas estivessem limpando o navio, ou lavando pratos na lanchonete da Úrsula, talvez estivessem procurando alguma coisa para comemorar porque sempre foram muito festeiros...

— Oi.

Seu caderno caiu lá embaixo, em um dos arbustos de flores, com o susto que ele levou quando Mal surgiu atrás dele e veio se sentar ao seu lado.

— É... Oi.

— Tá tudo bem?

Jay hesitou, passando os olhos com cuidado pelo rosto da garota, tentando entender o porquê da questão súbita. — Quem contou? O Carlos ou Dude?

Algumas noites atrás, Carlos se sentou com Jay e, questionando o ânimo baixo que o garoto anda tendo, acabou perguntando se o garoto estava gostando da Uma, a ideia por si só era tão ridícula, que ele acabou contando a verdade. Dude estava ouvindo enquanto Carlos tentava consolar o amigo de sua típica forma desajeitada e nervosa, então Jay apostava que o cachorrinho tinha dado com a língua nos dentes e latido mais do que devia.

— Os dois. - Mal riu, se deitando no telhado, as mãos atrás da cabeça.

O moreno bufou, também se deitando. — Tal dono, tal cão.

Outra vez, ela deu risada, antes de devagar, virar o rosto pro amigo. — Eu sinto muito mesmo, Jay.

— Eu sei. – ele suspirou. — Antes eu tava com raiva, mas agora não. Eu te conheço desde sempre, quando se sente pressionada você faz umas loucuras e não para pra pensar. Invadir a Fortaleza Proibida, tentar roubar a Varinha Mágica, fugir pra Ilha, fechar a Ilha... Você faz isso tudo porque na hora parece fazer sentido, mas nunca para pra pensar de verdade no que ta fazendo.

— É. – Mal concordou franzindo os lábios. — Eu tenho que parar de fazer esse tipo de coisa.

— Tem mesmo. – ele comentou, sem esconder uma pontinha de irritação que ainda restava em seu peito.

— Então... Você começou a gostar do Gil?

Jay respirou fundo enquanto pensava seriamente em talvez dar um empurrãozinho nela, não forte o bastante pra cair do telhado, apenas escorregar um pouquinho... Mas, resistiu ao impulso bravamente.

— Foi só um dia.

— Às vezes é só o que precisa. A Bela Adormecida e o Príncipe só se viram uma vez antes do beijo de amor verdadeiro.

— Isso é verdade. – Jay suspirou, incapaz de discordar.

— Mas, sei lá... – ele hesitou antes de continuar. — Eu já me apaixonei antes, mas... Tem algo de diferente agora. – ele se sentia ridículo enquanto falava, mas, algo nele lhe dizia que a melhor pessoa com que falar era Mal.

— Imagino. – ela murmurou, mexendo no cabelo púrpura, Jay achava curioso que ele estivesse ficando mais azulado quanto mais ela tempo ela passava com a Brasa de Hades, como se estivesse adotando cada vez mais a identidade de filha de Hades e deixando para trás a identidade de filha de Malévola.

— Imagina?

Ela revirou os olhos, o encarando. — Deixa eu adivinhar... É incrível finalmente sentir que tem alguém que é realmente, totalmente sincero com você, alguém pra quem você não deve nada, que não mente e nem ameaça.

— É. Como você...

— Porque é isso que me fez apaixonar pelo Ben, o que fez a Evie se encantar pelo Doug e foi como o Carlos ficou tão bobo com a Jane. A gente cresceu na Ilha, Jay. Essas coisas... Atraem a gente fácil.

Jay suspirou longamente. — É diferente. Nele é diferente. Eu já gostei de muita gente aqui de Auradon, tipo muita, muita gente! Muita gente mesmo! E eu quero dizer muita...

— Eu já entendi, seu projeto de príncipe Naveen. – Mal deu risada, lhe dando um soquinho no ombro. — Acho que no Gil é diferente porque é encantador que alguém que cresceu na mesma imundície que a gente seja tão... Tão ele.

— É, encantador é a palavra. – concordou, voltando o olhar pro céu. — Mas, não importa. Barreira fechada, lembra? Se eu for ver ele de novo, vai ser só na próxima vida.

Mal franziu os lábios voltando à atenção para as constelações. — Sabe, tem uma coisa que meu pai falou que não para de ecoar na minha cabeça.

— O que?

— Que quando alguém em Auradon tenta governar o mundo, é só um errinho bobo e perdoável. Mas, quando a gente tenta... Bem, Ilha dos Perdidos...

— Dos Largados...

— E dos Restos! – Mal concluiu, dando um sorriso fraco.

Era assim que as crianças perdidas se referiam a Ilha. Era quase uma piada interna entre eles quando moravam lá.

— Não é muito justo. – ela murmurou por fim.

— E o que você vai fazer sobre isso?

No escuro, Mal alcançou a mão de Jay e encostou a cabeça no ombro dele. — Ainda não tenho certeza. O que acha que eu devia fazer?

— Estamos em Auradon, Mal. Você devia fazer o que seu coração mandar e... Ignorar o que os outros vão pensar.

— Mesmo a Bela e a Fera?

— Principalmente eles.

Mal deu risada antes de voltar os olhos para o amigo. — Valeu.

— De nada. – Jay deu um meio sorriso olhando para ela.


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Notas finais do capítulo

Por enquanto é isso, espero que tenham gostado ♥ por favor comentem
O segundo capítulo será postado domingo a tarde.



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