Sete-Estrelo escrita por sabrinavilanova, Nathymaki


Capítulo 6
Capítulo Seis - Welcome To The Jungle




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O Plus Ultra havia atracado e todos naquele navio estavam ávidos pelo que viria a seguir, exceto, talvez, os últimos marujos chamados. A ansiedade ressoava em seus corações como o rufo dos tambores que anunciavam que algo importante estava para acontecer. E, de fato, aconteceria. A missão era simples 一 ou nem tanto. Alguns deles foram escolhidos para executar uma atividade importante junto ao capitão e seu fiel comparsa, Hawks. Para uma parte da tripulação, eles não eram nada além de bons amigos, mas para aqueles supersticiosos, o rapaz que sempre estava na gávea, tinha uma dívida eterna com o poderoso Midoriya. E, como acontecia com todas as dívidas que assolavam os homens e suas vidas, suas almas estariam ligadas para sempre. 

Só que o clima pesado não se devia apenas pela antecipação da aventura que estava por vir, não apenas pelo gosto da proximidade da batalha estar invadindo seus lábios, e sim, principalmente, pelo fato de o Capitão Midoriya parecer bastante irritado. Algo tão estranho que fazia com que toda a rotina mudasse, inclusive os gritos de Bakugou, que já não mais existiam ou as risadas altas por sobre o piso do convés. Os pequenos detalhes que se dobravam e desdobravam conforme Midoriya seguia, pisando as botas de forma tão dura no chão que o som ecoava por todo o local, e o silêncio dos marinheiros se fazia presente. Ele tinha um olhar feroz de tal forma que qualquer ser humano vivo com bom-senso não ousaria enfrentá-lo jamais. 

Shouto estalou a língua no céu da boca antes de escutar passos rápidos vindos das cabines mais baixas da embarcação. E, em um piscar de olhos, sentiu o vento correr por seu rosto à medida que um vulto passava por sua frente. A sensação de que ninguém jamais poderia enfrentar o Capitão foi quebrada enquanto eles assistiam a imediata bloquear seu caminho e se postar a sua frente com as mãos fechadas em punhos caindo nas laterais do corpo.

一 Como assim minhas ordens são ficar no navio? 一 esbravejou, pouco se importando com todos os olhares que nela se encontravam travados. 一 Eu devia ir para lá! Você sabe bem que posso ser mais útil do que qualquer um desses pé-rapados.

一 Tudo já foi decido, imediata. 一 O Capitão apertou os dentes, a mão subindo para o cabo da espada e tateando a figura nela esculpida. 一 Você tem suas ordens.

一 Mas…

一 Permaneça no navio e afunde quaisquer bastardos que tentarem nos afundar primeiro. 一 O olhar se tornou mais duro, o queixo se projetando para frente, a postura falando claramente quem dava as ordens por ali. Entre os dois, um olhar de mútuo entendimento se passou, um aviso implícito que os demais que espiavam o confronto não haviam captado.

Ainda fervilhando de irritação, Ochako virou-se sem dizer mais uma palavra, afastando com apenas um olhar aqueles que se encontravam em seu caminho.

一 Não se preocupe, ma puce, eu te trago uma lembrancinha. 一 O loiro sorriu vitorioso, recostado na amurada onde estava entretido em jogar a faca no ar e a pegar de volta. Tudo sem perder um dedo sequer. 

一 Estaremos de volta antes que perceba. 一 Kirishima acrescentou, tocando seu ombro e beijando-lhe a bochecha enquanto ela voltava para o leme. 一 Eles precisam de você aqui para manter o navio inteiro. 

一 Só não conte com a volta dos novatos, isso eu não posso garantir. 一 Katsuki pegou a faca e a apontou para os dois. 一 Para onde eles vão não há muita chance de voltar.

Shouto sentiu Kaminari puxar a manga de seu sobretudo e recebeu um olhar pesaroso ao se voltar para ele. Os dois sabiam agora que haviam sido escolhidos e que isso significava que o Capitão provavelmente concordara com o plano de Hawks. Fato que não era nada bom para eles se desejavam continuar vivos.

一 Sujeitinho malfadado esse Hawks. 一 Denki murmurou enquanto eles preparavam as armas e abasteciam os cantis com água e algumas frutas secas. 一 Nunca achei ele grande coisa.

Shouto estava prestes a responder que ele devia ter mais cuidado com o que dizia, ainda mais quando estavam a escuta de todos, quando uma voz veio de cima, roubando-lhe a chance e fazendo Kaminari endireitar a postura como se houvesse acabado de ser atingido por um raio.

一 Disse alguma coisa? 一 Era Hawks que se encontrava pendurado de cabeça para baixo em uma das cordas que desciam dos vaus, sorrindo como se os três estivessem no meio de uma agradável conversa.

一 Não, Senhor. 一 Ele engoliu em seco, levando a mão às costas e apertando com força o cabo da faca. 一 Apenas estava comentando o quão honroso é ser escolhido para uma missão de tal importância mesmo sendo um mero novato.

一 Entendo. 一 Os olhos se estreitaram e a mãos se enrolaram mais firmes na corda, o corpo se flexionando em um arco gracioso enquanto ele girava e batia com as botas no chão, encarando-os do ângulo correto agora. 一 Vão gostar de saber que não conseguimos pensar em marujos melhores para essa missão do que vocês 一 disse, arrastando as palavras. Dispensáveis, foi o que Shouto entendeu. Hawks prosseguiu, largando a corda e passando os braços por sobre seus ombros, trazendo-os para mais perto como se fossem velhos e bons amigos. 一 Espero que não nos decepcionem, não vão gostar do que acontece com aqueles que falham. 一 E piscou, dando uma última batidinha em seus ombros antes de meter as mãos nos bolsos e sair assobiando com um ar despreocupado.

一 Bom, foi melhor do que eu esperava 一 Shouto se pronunciou, conferindo sua faca na bota e tocando o cordão por sobre a camisa. 一 Devia ficar feliz por apenas ainda ter o seu pescoço inteiro. Eu teria preferido assim.

一 Mas, Vossa Alteza Real… 一 Ele levou a mão ao peito em um gesto puramente dramático, como se houvesse sido atingido. 一 Já me disseram que a realeza pode ser cruel, mas eis aqui a minha frente a prova viva de tais atos. Assim posso até começar a pensar que não gosta da minha companhia. 

Tsc 一 destoou Shouto, interrompido pelo grito de Bakugou vindo da prancha de desembarque.

一 Até quando as madames vão ficar de fofoca? Vamos logo, seus medrosos, temos uma ilha para matar.

一 Tecnicamente, docinho, você não pode matar a ilha, ela não é um organismo vivo. 

一 Cala a boca, cabelo de merda 一 ele se exaltou. 一 Se eu digo que posso matar a porra da ilha, eu posso matar a porra da ilha. E vocês, por que ainda estão parados aí? 

Shouto e Denki se entreolharam e seguiram para onde os demais já haviam saído. Uma risada divertida soou, arrepiando os pelos de seus braços. Era o Capitão.

一 Tentem não morrer lá, seria extremamente irritante ter de conseguir novos marujos em um espaço de tempo tão curto. 一 Os olhos verdes brilharam, estranhamente enevoados naquela manhã. As sardas se destacavam na pele bronzeada e os cachos rebeldes estavam achatados pelo chapéu, no entanto, sua presença nunca havia sido tão intensa antes. Era certo que havia algo o incomodando. E se algo incomodava o poderoso Capitão, eles deveriam estar muito, muito ferrados.

Shouto pensou na forma que o vira e em como ele lhe parecia agora e mordeu a língua com a curiosidade latente que ardia em seu íntimo. A mudança das feições de forma tão repentina era, no mínimo, estranha. Ao observá-lo naquele momento, ele percebeu o sentimento crescente, aquela fome pela descoberta de mais um mistério que assolava a vida daquele pirata. Olhando-o ali, perguntava-se onde haviam ido toda a suavidade das expressões, onde estavam aqueles cachos tão grandes que batiam em suas costas? Mas agora não era uma boa hora. Na verdade, talvez nunca seria. Talvez ele devesse apenas esquecer de tudo que havia visto e ignorá-lo pelo resto de seus dias. Essa seria a decisão mais sensata, a escolha certa a se fazer. Infelizmente, Shouto nunca fazia a escolha certa. Sentiu seus olhos o sondarem, como se soubesse exatamente o que estava em seus pensamentos, os lábios se apertando nos cantos em descontentamento. Shouto sustentou o olhar, tentando não se deixar intimidar, ou melhor, não demonstrar o quanto estava intimidado. Com uma breve reverência, devolveu as palavras:

一 Faremos o possível, Capitão...

Com um aceno, deixaram para trás a segurança do navio e saltaram rumo ao inexplorado desconhecido.

⚙⚙⚙

Apenas alguns segundos embrenhados nas matas foram o suficiente para Shouto decidir que as odiava. Ao menos, até eles chegarem nas cavernas as quais se alastravam por todo o interior da ilha formando túneis e subidas de ar mortais. Haviam diversas elevações, algumas os deixavam sem espaço para passar em pé. Os túneis ficavam mais dificultosos de acessar a cada instante que passava e Shouto duvidava seriamente que conseguissem achar algo ali que não fosse uma morte certa. 

As botas fizeram um barulho estranho quando tocaram as pedras daquela caverna, a superfície escorregadia fazia com que cambaleasse a cada passo dado. E Shouto teria caído caso Kaminari não estivesse à sua frente, apoiado nas paredes do corredor estreito que os levaria a uma superfície íngreme. Havia uma fileira de estalactites sobre eles, Todoroki observou, prontas para cair em suas cabeças se não tivessem cuidado. 

Ele preparava-se para dar mais um passo em direção a passagem quando sentiu sua roupa ser puxada para trás, levando seu corpo junto. Segurou-se firme em uma das pedras e deixou que um olhar assustado fosse levado para trás, onde Kirishima tinha uma cara séria, ainda segurando sua camisa entre os dedos. 

一 Tenha cuidado 一 ele disse, apontando o dedo para uma pequena curva no chão que estava a sua frente. 一 Aquilo parece natural, mas é uma armadilha. 

E ele assentiu, cravando as unhas na parede rochosa áspera, enquanto tateava o chão cuidadosamente com um dos pés para contornar a falha. Shouto sentiu o pomo-de-adão subir e descer ao escutar Kaminari assobiar a sua frente, perguntava-se como o rapaz conseguia manter o bom humor mesmo em situações como aquela e não pôde deixar de imaginar que ele poderia usar alguma espécie de entorpecente. 

一 Ora, vamos, Alteza 一 ele disse ao notar seu olhar sobre si. 一 Não me olhe assim, um homem pode ser feliz com o que tem. E se vamos morrer, que seja com um sorriso nos lábios, quem sabe assim a Deusa nos ache encantadores demais e nos leve para o descanso final em seus braços. Nada me agradaria mais. 一 E sorriu como se nada pudesse deixá-lo tão satisfeito quando a sensação de morte iminente. 

Shouto se recusou a entrar no assunto e apenas girou os olhos, concentrando toda a sua energia em não despencar quinze metros abaixo e ter a cabeça despedaçada no chão. Esse sim era um perigo real e um modo muito pouco digno de alcançar o final. Afinal, ele ainda era jovem, e nem mesmo havia desfrutado de todos os prazeres que o vasto mundo tinha a oferecer. Ao contrário de Kaminari, não desejava alcançar os braços da Deusa tão cedo. Sem mencionar que muito embora parte do mistério que o consumia houvesse se revelado, os detalhes restantes não deixavam de ser tão, ou até mais, desconcertantes do que o todo. A visão daquela noite insistia em se manter em sua mente, passeando pelas beiradas, apenas à espera de uma oportunidade para então se infiltrar em seus pensamentos e tomá-los por completo.

Não era exatamente uma opção para Shouto não pensar em tudo o que havia acontecido, as informações se embaralhavam na mente e as peças daquele jogo não faziam sentido algum. Levou um pé à frente do outro, sem olhar para baixo para manter o equilíbrio. Concentração. No momento, concentração era tudo. Um passo após o outro, era tudo o que precisava fazer. Uma gota de suor escorria sobre sua testa e os ombros, em demasiada tensão, batiam de leve no paredão rochoso no qual se encostava. Àquela hora, mal podia respirar e ele só relaxou quando os pés encontraram a superfície mais segura. 

一 Só consigo pensar que você é um louco. 一 Suspirou Shouto, cansado demais daquela missão. Ele levou os dedos até os olhos para coçá-los e secou a testa molhada. 

一 Você é o pirata mais mole que já vi 一 zombou. 一 Mas fique tranquilo, daqui para o fim piora. 

Ao lado deles, Kirishima riu discretamente, puxando o cantil para tomar um longo gole. Ao contrário dos outros dois, ele parecia estar adorando tudo aquilo. Seu semblante demonstrava uma vivacidade que jamais haviam notado. Talvez, e só talvez, houvesse ali um resquício de alguma paixão por uma boa aventura, algo que nem mesmo os horrores vistos no mar haviam conseguido abafar.  

一 Vamos logo, vocês dois. O que procuramos não vai caminhar até nós só porque as duas donzelas estão cansadas.

Eles se entreolharam e seguiram o veterano para cada vez mais fundo. Shouto apenas esperava que ele soubesse o caminho de volta, pois com todas aqueles túneis e encostas rochosas, o lugar parecia um verdadeiro labirinto. 

一 E o que exatamente estamos buscando? Ou não estamos próximos o suficiente da morte para saber?

Viu-o arquear as sobrancelhas, sorrindo de canto. O olhar divertido que lhes lançava dava a Shouto um leve pressentimento de que não saberiam daquilo tão cedo. 

一 Vocês saberão 一 o ruivo falou, por fim. 一 Mas não agora. 

A resposta fez Kaminari soltar um muxoxo descontente, ao qual Shouto não deu atenção. Ele apenas segurou o olhar sobre Kirishima, pensando no porquê de tanto mistério sobre o que encontrariam 一 se é que encontrariam. 

一 Duvido que estejamos vivos ao fim disso para sabermos o que é 一 Denki lamentou. 一 Acho que devemos nos contentar com o desconhecimento, meu amigo. 

一 E depois o pessimista chorão sou eu. 

一 Mas é mesmo, ao menos sou realista. Além disso 一 ele sorriu como se houvesse vencido uma grande competição. 一, não fico por aí arrastando correntes pelo Capitão por não me dar atenção.

一 Isso… 一 ele começou boquiaberto com a audácia e o modo desinibido com que ele insistia nesse assunto. 一 Não é verdade 一 murmurou com pouca convicção.

一 Ah, claro, vai me dizer que ali atrás você não estava pensando nele? Fica praticamente escrito na sua cara, companheiro. E qualquer outro com uma alma não tão boa quanto a minha podia se aproveitar dessa informação para zombar de você. 

一 Como se não fosse exatamente isso que você estivesse fazendo nesse momento 一 resmungou.

一 Todo mal vem para um bem. 一 cantou, sabiamente. 一 Talvez seus pensamentos não estivessem tão óbvios assim se houvesse se juntado a equipe do nosso glorioso Capitão. 

一 Quer calar a boca? 一 Os olhos de Shouto se fixaram na nuca de Kirishima, não muito certo de que aquela distância fosse o suficiente para impedi-lo de ouvir o tema da conversa. E, como um dos marujos de confiança do Capitão, ele não tinha dúvidas de que o ruivo logo lhe contaria o ocorrido e seria ainda mais difícil para ele aproximar-se. Não que ele quisesse! Era apenas curiosidade, só isso.

Suspirou e deu uma cotovelada bem calculada em Kaminari, reforçando o pedido. Este apenas se dobrou silenciosamente com as risadas contidas, mas manteve-se calado o restante do caminho, o que foi praticamente um milagre. 

Assistiram Eijirou pescar um papel do bolso e então erguer a mão contra o rosto para bloquear o sol enquanto estudava os arredores. Sua face se franziu e ele murmurou algo para si antes de se voltar contra os dois novatos, a postura mudando do ar relaxado para algo mais rígido, como se eles estivessem prestes a entrar em batalha.

一 Muito bem 一 disse ele, assentindo para eles. 一 O nosso objetivo está bem ali naquela caverna. Prestem bem atenção pois o que viemos buscar pode estar bem protegido, mas sair sem ele não é uma opção. 

一 Você fala como se fosse uma possibilidade antes.

Shouto não deu ouvidos às palavras de Denki e seguiu para o local onde Kirishima estivera há minutos, ajustando sua posição tal qual a dele e cobrindo os olhos para enxergar ao longe. 

一 Caverna? Não estou vendo caverna nenhuma. 

一 Claro que está 一 Denki o seguiu, aparentando estar mau-humorado. 一 Todo bom pirata sabe que por trás de toda cachoeira sempre há uma caverna. Suponho que seja lá que o tal objeto misterioso esteja. 一 Ele lançou um olhar para o ruivo que assentiu e se pôs a descer o caminho restante, fazendo sinal para que eles o seguissem.

一 Não gosto disso 一 resmungou o loiro, franzindo a testa. 一 Esses pontos de água doce são perfeitos para um ninho de jacarés.

一 Jacarés? 一 Shouto tossiu, incrédulo. 一 Você está com medo de jacarés?

一 Isso, vá em frente, ria a vontade. Quando um deles lhe comer um membro vamos ver quem estará rindo no final.

一 Sei, tudo bem. Mas jacarés? O que houve, um deles acenou para você no meio de um encontro? 

一 Não, nada disso. 一 o loiro devolveu com muita dignidade. 一 É uma longa história, mas fique sabendo que não se pode confiar neles. Criaturinhas traiçoeiras é o que são. Quase tão ruins quanto as cobras.

Shouto franziu o cenho, duvidando daquela afirmação insensata. 

一 O que há de errado com as cobras? 

一 Pensei que você fosse o menino letrado por aqui. Não sabe que podem te matar com uma mordida? Além do mais, esse é um segredo que aprendi com alguns bons marinheiros 一 falou em um tom misterioso. 一 Elas são usadas em todo tipo e ritual por aí. 

一 Feitiçaria? 一 Denki anuiu com a cabeça. 

一 Algumas feiticeiras gostam, hm, gostam bastante de cobras. Já ouvi falar de transformações inteiras. Deve ser muito nojento, por sinal. 

Eles atravessaram a estreita passarela, saltando de pedra em pedra e olhando ao redor para as águas cristalinas nas quais seus rostos se refletiam. Todo o barulho que se ouvia provinha da imensa queda d’água deixada para trás. 

一 Isso são apenas mitos e histórias para crianças. 一 Kirishima comentou, provando que estava atento a conversa deles. 一 Sugiro que pare de acreditar nelas, antes que seja abatido por algum bicho de verdade.

Denki deu de ombros, mas, após isso, Shouto não conseguiu se livrar daquela sensação fria em sua nuca que insistia em lhe dizer que eles estavam sendo observados. Os olhos vasculharam os arbustos cheios e verdes espalhados pela margem, podendo jurar que vira um par de olhos brilhantes a lhe encarar de volta. Mas bastou apenas um segundo para que desaparececem, deixando o rapaz a se perguntar se tudo não havia sido um produto de sua imaginação encorajado pelo que acabara de ouvir.

一 Vamos logo, Shouto 一 Eijirou chamou, os dois já tendo completado a travessia. 一 Não vai querer ficar para trás logo agora.

Shouto assentiu, saltando sobre as pedras restantes até alcançá-los. Havia um caminho estreito e bem escondido pelos líquens que flutuavam na superfície, quase como se fosse o seu trabalho esconder a rota. Eles esticaram os braços para se equilibrar e atravessaram uma brecha discreta na queda d’água, praticamente invisível a olhos desatentos.

O interior da caverna era úmido e pegajoso. As paredes de pedra bruta se curvavam em um ângulo esculpido, inclinando-se em direção a uma abertura no chão que parecia ser o único caminho disponível. Shouto espiou pela borda, vendo o que parecia ser um comprido escorregador que parecia descer infinitamente pela escuridão e sentiu uma brisa lhe passar pela face. Ao seu lado, Denki não escondia uma careta sofrida, quase como se já esperasse por aquilo.

一 Muito bem, então, um de cada vez. 一 Como se para dar o exemplo, Kirishima desceu os pés para o buraco e foi abaixando o corpo aos poucos, as mãos firmemente agarradas nas bordas, deixando entrever a força exercida pelos músculos expostos pela camiseta branca de mangas curtas. Seus braços tremeram com o esforço de sustentar o corpo e ele ergueu a cabeça apenas o suficiente para lançar um sorriso divertido. 一 Vejo vocês lá em baixo. 一 E se soltou. 

Não houveram gritos, nem mesmo o ruído que poderia indicar o seu choque contra o chão. Os dois marujos se entreolharam em dúvida, competindo silenciosamente entre olhares sobre qual deles seria o próximo. Kaminari ergueu os braços em um gesto de defesa, como quem dizia que não queria ser ele a morrer primeiro e Shouto revirou os olhos, cruzando os braços e adentrando o espaço estreito. Para quem se dizia corajoso, Denki estava se mostrando um covarde de segunda categoria. 

O rapaz sentiu as pernas tombarem em alguma estrutura nada macia antes de cair no chão, atordoado. A primeira coisa que ouviu foi o som do lento gotejar ao longe e só depois sentiu uma corrente de ar perpassar por seu corpo, o que o levou a voltar a atenção para algo que estava bem a sua frente. 

Shouto engoliu em seco, com o olhar fixo no tom claro de azul, quase brilhante, que tomava todo aquele lugar. A água fluía sem rapidez, guiando-se até diversos canais estreitos demais para qualquer um passar. Ele sentiu o pulmão inflar de ar e as pálpebras se uniram quando sentiu a pacificidade lhe tomar o corpo. O azul característico daquela água parecia refletir perfeitamente o tom do céu. E o rapazote pensou por um momento que poderia estar realmente nele. Ele poderia continuar imaginando aquele cenário se não fosse o suspiro a cortar seus pensamentos tão leves. 

一 É lindo 一 Kaminari murmurou atrás de si. 一 Dá até vontade de beber, principalmente depois de um trajeto tão longo. 

一 Eu não faria isso se fosse você. 一 A voz cortou o silêncio profundo do lugar, reverberando nas paredes e propagando-se pelos corpos dos recém-chegados. Eles a reconheceram imediatamente. Passos acompanharam a fala e logo os três se encontravam encarando o Capitão Midoriya que caminhava até eles com uma tranquilidade invejável. Ele sorriu para os seus marujos e os olhos verdes dançaram com a iluminação proveniente da água, acentuando ainda mais sua cor e os mistérios que ali espiralavam. 一 Por que demoraram tanto?

一 Tivemos um contratempo com as rochas, Capitão. 一 Kirishima caminhou até ele, como se sua chegada não fosse nada além do esperado. 一 Onde estão os outros? 

一 Mandei-os de volta para o navio. Hawks avistou alguns encalços indesejáveis aproximando-se da praia e achei melhor fortificar mais as nossas defesas. 一 A postura permanecia ereta, mas Shouto percebeu que a mão direita apertava o cabo da espada que trazia à cintura com força, reação esta que lhe provou que as coisas não estavam tão bem assim. 一 Eu realmente não beberia dessa água 一 repetiu, ao ver que Kaminari continuava a se inclinar contra a beira e tinha as mãos mergulhadas no líquido. 一 Ela é abençoada.

一 Não parece haver nenhum problema então.

O Capitão riu, os dedos deslizando pela empunhadura da espada, contornando a figura ali esculpida. Deu as costas aos demais e voltou a caminhar em direção ao interior da caverna, estendendo os braços para abarcar suas paredes e a água límpida que os cercava.

一 Esse lugar, todo ele, é um santuário. Um lugar de paz e passagem, onde os mortos podem encontrar seu descanso final. 一 Ele meneou a cabeça, lançando um último olhar para Denki antes de seguir seu caminho. 

一 Pela Deusa, o que isso quer dizer? 

一 Muitos jogam os cadáveres de seus entes queridos aqui 一 Kirishima explicou. E sua gargalhada foi escutada quando, num piscar de olhos, Kaminari depositou a água em seu lugar original, limpando as mãos freneticamente em suas calças. 

一 Você podia ter falado antes! 一 exclamou, espantado. 

一 E qual teria sido a graça? 一 Riu-se.

一 Vamos 一 o Capitão ordenou. 一 Não temos muito mais tempo agora, eles devem estar aqui a qualquer minuto.

Sem esperança de serem informados sobre quem "eles" seriam, os dois novatos o seguiram em silêncio, atravessando câmara após câmara, em um caminho que parecia durar para sempre. Antes que Shouto perdesse a cabeça e começasse a pensar que só podiam estar andando em círculos, chegaram a uma velha porta de madeira entalhada com belas imagens de pessoas girando animadas ao redor de uma fogueira, e outras com um ar solene, a empurrarem corpos para o lago pelo qual haviam passado. Era uma tradição, um costume dos que moravam naquelas redondezas. 

O Capitão levou a mão até as figuras, alisando-as como se sentisse todo o peso daquela representação, como se ele mesmo fizesse parte daquilo. Todoroki abriu a boca para falar algo, porém as palavras se perderam antes mesmo que chegassem a garganta. Viu Midoriya puxá-la com certo cuidado, revelando novas imagens, coisas que se remetiam a algo valioso, algo sagrado. E o sorriso nos lábios do Capitão ao ver aquilo não o agradou em nada. Shouto, por outro lado, não entendia o motivo de tamanho sorriso quando tinham a frente uma porta que se abria para nada além de mais paredes rochosas. 

Midoriya tateou as paredes, até encontrar uma saliência entre as rochas que formava uma espécie de passagem pequena demais para o seu tamanho. Ali, enfiou a mão, buscando por algo que não sabia o que era. Suspirou aliviado, com a mão ainda locada dentro dali. Viu-o lamber os lábios, o olhar brilhante em um regozijo que não poderia descrever. E de lá ele tirou um pequeno saco de tecido, verificando se o que havia dentro era mesmo o que queria. 

一 É hora de ir 一 ele disse ainda com os olhos vidrados no que havia acabado de encontrar. 一 Já temos o que viemos pegar.

一 Só isso? Simples assim?

一 Se quiser mais ação pode voltar por onde veio e lutar com um dos jacarés adormecidos de lá. 一 Os olhos deixaram o recém adquirido bem e pousaram em Shouto com energia. 一 De fato, muito me espanta que não os tenham acordado com todo aquele barulho.

O rapaz se calou com a repreensão e recebeu um cutucão de Denki nas costas.

一 Viu só, eu te disse. Criaturas traiçoeiras. 

Guardando o pequeno saco nos bolsos do casaco junto ao peito, o Capitão os conduziu de volta pelas câmaras, passos duros e o semblante que não conseguia esconder o triunfo por ter alcançado seu objetivo. Naquele momento, nada conseguiria impedi-lo. Nada a não ser uma lenta salva de palmas que os recebeu ao voltarem à sala de águas cristalinas. 

一 Ora, ora, Izuku, foi uma bela demonstração. 一 As palmas prosseguiram e os marinheiros voltaram os olhos para o líder, cujas costas enrijeceram ao ouvir aquele tom. Um que era a causa de muitos dos seus pesadelos e de uma parte do seu coração despedaçado. Todo o fervor da conquista foi extinto do seu rosto, deixando apenas um ódio tão cru e frio que Shouto precisou desviar os olhos. 一 Ou será que eu deveria dizer Capitão?

⚙⚙⚙

Ele acordou num rompante, os olhos arregalados, a boca puxando o ar que lhe fora tirado dos pulmões. Sentiu as pontas gélidas dos dedos tocarem a pele áspera, onde se encontrava a cicatriz, um arrepio percorreu as costas e ele deixou que um gemido dolorido lhe escapasse os lábios inchados. E agradeceu à Deusa o fato de que ninguém havia o escutado. 

O tilintar das chaves fez com que o rapaz arregalasse os olhos. No entanto, nada falou, apenas os fechou mais uma vez, fingindo estar dormindo. As mãos se cerraram em punhos, apertando o colchão esburacado em que estava deitado. Uma das regalias que conseguira ali por ser filho de um Capitão pirata, por estar a um passo de morrer com o pescoço quebrado, erguido por uma corda e servindo de lição para qualquer um que tentasse ser o mesmo que ele: um maldito pirata; a raça mais nojenta que um dia existiu. 

Mas o rapazote não pode evitar a sua própria movimentação quando uma das chaves tocou a tranca. O corpo estremeceu e ele sentiu o coração palpitar no peito, até que o próprio jovem paralisou em meio a toda aquela tensão. Por isso, rezou. Pediu em um murmúrio quase inaudível para que não morresse. Não perdoaria sua Deusa-mãe se ela o deixasse morrer depois de todos os castigos que lhe foram impostos para ter uma vida comum, para ter o prazer de respirar o doce perfume da pessoa que amava. 

A vida era injusta, sabia. 

Por isso, iludiu-se apenas um pouco ao nutrir a esperança de que ela o salvaria. 

E foi isso que ela fez. 

A cela foi aberta vagarosamente, um som torturante para os ouvidos daqueles que tinham a morte como destino. Ele, então, deixou-se levar pelo som dos passos se aproximando. E arregalou os olhos com o que viu, ou melhor, com quem viu. 

一 É hora de partir.


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Notas finais do capítulo

Olá, bonitoooos!!!! Como vão? Que tão achando???

Espero que estejam gostando, pois acabamos de começar! E aí o que cês tão achando?

Nunca confiem em jacarés e fiquem de olho nas cobras, hein???



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