Universo em conflito escrita por Mallagueta Pepper


Capítulo 41
Um coração rancoroso




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O portão abriu e os alunos saíram em debandada, claramente felizes por deixarem aquele quartel general disfarçado de escola. Denise seguia os quatro sorrateiramente, às vezes se escondendo atrás de um carro ou uma árvore seca. Havia um vendedor de picolé na rua e Magali quis parar para comprar um. Os outros também compraram e fizeram um brinde ridículo encostando os picolés uns nos outros.

— Agora tudo vai ficar bem com o pessoal lá do colégio. – Cascão falou após lamber o seu picolé de chocolate.

— Mas agora o pessoal vai ficar de lado com vocês... não precisavam ter feito isso pra mim.

— Precisava sim, Magali. O Cascão e eu aprontamos demais com você. – ela ouviu Cebola falando.

— Vocês foram muito corajosos, sabiam? – Mônica elogiou.

— Foi legal mesmo o que fizeram, sério! Mas sei lá, fico meio bolada porque tiveram que mentir pra limpar minha barra. – Cascão deu de ombros.

— Não foi totalmente mentira, só inventei a parte do seqüestro do Mingau.

— Mas eu roubei porque quis, vocês só apareceram depois...

— E comemos tudo, até roubamos suas balas. – Cebola completou. – Não esquenta que com o tempo o pessoal vai esquecer.

— Eu não esqueço! – eles se viraram rapidamente e deram de cara com Denise segurando um celular. Tudo ficou claro.

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Seu corpo não se mexia e tudo estava escuro. Ele só conseguia ouvir os sons ao seu redor. Pessoas falavam em voz baixa, enfermeiras vinham para cuidar das suas necessidades e havia soro na sua veia. Mas nada disso importava.

Sr. Malacai só conseguia pensar nos objetos que foram roubados do seu cofre. Por que ele não desconfiou antes? Aquele rapaz curioso, sempre fazendo perguntas e pesquisas. Claro, Agnes sempre lhe garantia que não havia perigo nenhum, que ele estava sendo vigiado de perto e não estava fazendo nada de mais. E ele acreditou.

Tudo fazia sentido agora. O rapaz queria acabar com a barreira e certamente Agnes queria isso também. O pobre velho tentou suspirar e mal sentiu seu peito subir e descer. Aquilo que ele tinha tentado evitar a vida inteira estava prestes a acontecer. Sua missão de proteger a Terra falhou. O que mais ele poderia fazer?

O pior foi a traição de Agnes, aquela víbora traiçoeira que sempre conspirou pelas suas costas enquanto se fazia de santa para todos. E ele, um tolo, acabou acreditando nela e nas suas supostas boas intenções. Ledo engano.

Quando viu seu sorriso perverso antes de desmaiar, ele soube. Ela tinha vendido sua alma, feito o pacto e estava prestes a trazer um grande mal para o mundo graças à ajuda daquele rapaz. Ele pensava que estava ajudando a salvar o mundo, mas o estava condenando a algo pior ainda.

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Ao lado da cama do Sr. Malacai, Toni vigiava seu sono. Não que ele quisesse ficar ao lado daquele homem horrível que mandou torturá-lo e a tantos jovens. Ele apenas não tinha nada de interessante para fazer.

Mais cedo, lhe falaram que ninguém precisava trabalhar naquele dia.

— Os membros do conselho dispensaram todo mundo. Parece que eles têm uma reunião importante. – um colega de trabalho falou e ele voltou para seu alojamento para pensar no que fazer.

Ele queria procurar Denise e também ter notícias de Manezinho, mas tinha medo de ser seguido. Já lhe interrogaram várias vezes e ele apenas falou que não viu o que tinha acontecido com seu colega de quarto porque estava ocupado procurando pelo intruso junto com os outros inspetores e seguranças.

A casa de Manezinho estava sendo vigiada, embora eles não tenham procurado a família diretamente. Felizmente ninguém desconfiou do Cebola. A única pessoa além dele que o reconheceu foi Sr. Malacai e ele estava inconsciente.

Sua vontade era ir ao colégio, só que ele tinha medo de atrair atenção indesejada para Denise e ele não queria jeito nenhum queria que fizessem com ela o que lhe fizeram no passado. Ainda assim era difícil viver com aquela saudade apertando no seu peito.

Perto dela, a vida parecia boa e tranqüila. Tudo ficava mais alegre e colorido quando estava com ela. Era difícil encarar a realidade de que trabalhava numa organização que parecia um mausoléu.

Como não tinha mais nada de interessante para fazer e precisava manter o disfarce, ele resolveu fazer uma visita ao presidente para pelo menos fingir que se importava com ele.

Olhando aquele velho de aparência tão frágil, ele teve sentimentos contraditórios. Parte dele queria que aquele homem morresse logo para poder seguir sua vida. Outra parte, mais humanitária, achava errado desejar a morte de outra pessoa. Especialmente de alguém que apesar de tudo, o tirou da delinqüência e o colocou no bom caminho.

Sem saber o que pensar, ele apenas deu um suspiro e desejou poder ver Denise ao menos um pouco. Era a única certeza que ele tinha na vida.  

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— Denise, não faz isso... – Mônica tentou argumentar e Denise deu um passo para trás.

— Todo mundo vai saber que vocês mentiram! Vou publicar na internet e as meninas nunca mais vão falar com vocês!

— Olha aqui, garota, acha que as meninas vão confiar em você depois disso?

— Não tô nem aí! Você vai pagar muito caro por todos os tablefes que me deu!

Magali tentou se aproximar e Denise se afastou mais ainda, mas não pode fugir porque Cascão e Cebola bloquearam seu caminho por trás.

— Você não precisa fazer isso,vamos conversar que é melhor. – Mônica ainda tentava negociar.

— Se quiser me parar então vem pra cima de mim, senão eu publico mesmo!

— Ninguém vai pra cima de você. – Magali falou. – Você escolhe se publica ou não.

— Só que se você fizer isso, as meninas também vão ficar de mal e você vai ficar sozinha de novo. – Mônica emendou.

Ela hesitou. Quem ia confiar numa fofoqueira que além de espalhar os segredos que as pessoas lhe contavam, também gravava e publicava conversas dos outros?

— As meninas vão entender que foi pra uma boa causa! Alguém tem que falar a verdade!

— E quem vai ganhar com isso? – Cebola perguntou. – Acha mesmo que vai beneficiar alguém?

— Vai livrar as meninas dessa fingida aí!

— E você é melhor que ela por acaso? – Cascão estava tremendo de raiva e pronto para ir para cima dela a qualquer momento. – Fica aí se fazendo de santa, mas abusava um monte da proteção que a Magali te dava! Qualé, de santa você nunca teve nada tá legal?

Falar aquilo não foi uma boa idéia. O rosto de Denise ficou vermelho, lágrimas surgiram nos olhos dela e seu corpo tremia.

— Você aprontou muito e mesmo assim as meninas te perdoaram. – Cebola voltou a falar. Por que você não pode fazer o mesmo pra Magali?

Ela ofegava, com as lágrimas escorrendo e sua raiva foi aumentando mais ainda. Não era justo eles apontarem suas falhas, ela era criança e não tinha juízo. As meninas lhe perdoaram porque quiseram, então por que ela tinha que ser forçada a perdoar Magali?

— Denise, me desculpa de verdade por tudo, eu...

— Enfia essas desculpas no...

— Pára com isso, garota! Vê se cresce, tá legal?- Cascão tentou tomar o celular da mão dela, deixando a moça apavorada. Denise se desviou e saiu correndo dali empurrando Magali para um lado.

Os quatro correram atrás dela. Se aquele vídeo fosse publicado, eles iam ter muitos aborrecimentos.

Se conseguisse digitar no celular enquanto corria, Denise teria publicado tudo. Mas como fazer isso com aqueles quatro urubus na sua cola? Ela precisava de um lugar para esconder. Cascão vinha logo atrás e ela sabia que não podia correr mais do que ele.

Para tentar despistá-lo, ela entrou numa rua, saiu em outra e ele ainda continuava atrás. Quando conseguiu despistá-lo por alguns segundos, ela escondeu debaixo de uma grande caminhonete sem importar em sujar a roupa. De onde estava, ela viu os pés do rapaz correndo velozmente e suspirou de alívio, só que sua internet não estava pegando ali.

“Droga, tenho que fazer isso em outro lugar.” Após esperar uns dois ou três minutos, ela imaginou que o caminho estava livre e saiu debaixo do carro.

— Vamos parar com isso agora? – ela pulou de susto ao deparar com Magali a olhando com os braços cruzados.

— Então vem me parar!

— Eu não vou te parar. Você vai parar a si mesma.

— E se eu não parar? Vai me bater, é?

— Não faço mais isso.

— Problema seu então, eu vou publicar tudo e acabar com você!

Mônica e Cebola vieram correndo logo atrás.

— Denise! – Mônica chamou e a moça correu novamente. Como eles não eram tão rápidos quanto Cascão, ela conseguiu despistá-los com mais facilidade e entrou num beco para poder terminar o serviço.

“Haha, é só compartilhar e acabou!”

— E aí, gatinha? Tá fazendo o quê aqui? – ela levantou a cabeça e viu três rapazes mal encarados olhando-a de um jeito muito desagradável.

— Nada não, só tava mexendo no meu celular e... ei, isso é meu! Ai, me solta! – um dos rapazes tomou o celular da sua mão rapidamente e outro segurou seu braço.

— Blé, celular mais fajuto esse!

— Aposto que é xing-ling! – outro falou sacudindo sua barriga proeminente e rindo com os dentes tortos.

— Joga isso fora, a gente rouba coisa muito melhor depois. Que tal um pouco de diversão com a gracinha aqui? Ela sim é coisa boa! – um terceiro falou. Ele era alto, magrelo e com a cara cheia de espinhas.

— Me solta senão eu grito! Socorr... humffff

O que estava segurando seu braço tampou sua boca e com a ajuda dos outros, eles a arrastaram para o fundo do beco, virando uma esquina onde ninguém podia ver o que pretendiam fazer com ela.

— Denise! Pára com isso e vamos conversar! – Magali gritou ao entrar no beco, pois sabia que ela conhecia bem o lugar e podia ter escondido ali. Ninguém. Ela estava indo embora quando viu o celular dela no chão, com o vídeo pronto para ser compartilhado. – Droga!

Ela sabia que Denise jamais perderia o celular daquela forma, então isso só significava uma coisa.

Mais adiante, Denise esperneava e se debatia tanto que foi preciso que dois rapazes a segurasse os braços enquanto um terceiro tentava segurar suas pernas que chutavam sem parar.

— Fica quieta senão vai ser pior!

— Solta ela! – uma voz gritou e eles viram Magali entrando no beco mostrando os punhos. – São surdos, é? Falei pra soltar minha amiga!

— Oba, mais uma pra divertir a gente! Vem cá, boneca!

O terceiro rapaz tentou segurar Magali e levou um soco bem dado no nariz. Ele gritou furioso, com o rosto cheio de sangue e quando partiu para cima dela outra vez, levou um chute forte na barriga.

— Alguém aí também quer um pedaço de mim? Pode vir que tem bastante! – ela bradou assumindo postura de briga.

— Vamos acabar com você, sua vadia! – os outros dois tiveram que soltar Denise e Magali falou rapidamente.

— Denise, corre!

Após hesitar um pouco, ela correu o mais depressa possível.

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— Algum sinal delas? – Cebola perguntou ao Cascão que tinha retornado suando e afobado.

— Não, nada. Porcaria, a Denise já deve ter mandado o vídeo. Agora danou tudo!

— Ela vai me pagar se fizer isso! – Mônica bradou furiosa. – Foi graças a nós que ela conseguiu fazer as pazes com as meninas, quanta falta de consideração!

Eles continuaram correndo e tiveram uma surpresa quando viram Denise indo para sua direção com os olhos inchados de tanto chorar, os cabelos desgrenhados e o uniforme da escola todo desalinhado.

— Gente... a Magali... – ela falou quase sem fôlego e Mônica a sacudiu pelos ombros.

— O que aconteceu com ela? Desembucha!

— Uns três caras, lá no beco...

Cascão saiu dali em disparada e os outros foram atrás.

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Ela era forte, mas estava sozinha e sem sua corrente. Apesar do estrago que tinha feito na cara de um deles, os outros dois estavam prontos para brigar.

— Você fez a gente perder a gatinha, agora tem que compensar!

— Então cai dentro que eu arrebento essa sua cara horrorosa!

O barrigudo avançou e sua pança cheia de gordura acabou amortecendo seu soco. Ele segurou seus braços e levou um grande chute nas canelas que o fiz uivar de dor. Os outros dois correram para segurá-la e lembranças muito desagradáveis vieram a sua cabeça quando esteve presa no barraco daqueles traficantes. Uma mão grossa cobriu sua boca e saiu sangue de um dedo quando ela o mordeu.

— Essa cachorra morde mesmo! – um deles riu enquanto o outro chorava de dor.

— Vou te arrebentar vai ser agora!

O sujeito nem teve tempo de fazer nada porque levou um grande soco nas costelas que o fez cair e se contorcer de dor. O segundo levou um grande chute na barriga que o fez dobrar e mais outro no rosto que o atirou para trás. O terceiro ainda tentou uma reação e teve o braço torcido, levou um soco que o fez perder dois dentes e por fim foi atirado ao chão com mais um soco bem dado.

Quando Magali se deu conta, Cascão estava entre os delinqüentes caídos no chão, com os punhos cerrados e uma expressão furiosa no rosto. Ao ver a moça, sua expressão suavizou e ele lhe deu um abraço forte enchendo seu rosto de beijos.

— Você tá bem, linda? Eles te machucaram? Fizeram alguma coisa? – por mais forte que fosse, a moça chorava depois de toda aquela tensão e adrenalina.

— Eu tô bem, eles não tiveram tempo de fazer nada!

Cebola e Mônica chegaram. Os três agressores ainda tentaram esboçar uma reação e logo desistiram quando viram Mônica amassar uma caçamba de lixo com apenas um soco. Só lhes restou fugir em debandada.

— Vocês estão bem? - Cebola perguntou muito preocupado.

— Tá tudo bem. Eu dei uma bela surra naqueles babacas.

— Gente, o Cascão mandou bem pra caramba, nunca vi ele brigar desse jeito.

— Hummm, é porque ele nunca teve um bom motivo, né? – Mônica falou maliciosa e piscando um olho, deixando os dois com os rostos bem vermelhos.

Após uma breve risada, eles lembraram que Denise estava por perto encostada num muro, toda encolhida, com os braços ao redor do corpo e a cabeça baixa. Magali soltou o Cascão e se aproximou estendendo seu celular.

— Toma, isso é seu. – a outra pegou o aparelho muito hesitante.

— Você não apagou o vídeo...

— Nem tive tempo, achei que você estivesse encrencada e precisei agir. Mas tá aí, você é quem sabe.

Denise olhou para o celular, onde o vídeo aguardava para ser compartilhado, e depois olhou para os quatro que estavam diante dela. Magali podia ter sumido com o aparelho e ido para casa com a consciência tranqüila. Ela não tinha obrigação de lhe ajudar e mesmo assim brigou por causa dela. 

— Por que me ajudou?

— Porque a Magali nunca deixou ninguém vir pra cima da gente e você sabe disso. Ela sempre nos defendeu quando precisamos. – Cascão respondeu.

— Olha Denise, eu sei que você tem razão pra ficar com raiva de mim. Você foi a única amiga que me sobrou quando as meninas viraram as costas e eu te tratei daquele jeito estúpido. Me desculpa, foi mal mesmo.

Ver Magali pedindo desculpas era estranho demais para ela e mesmo assim não deixava de ser gratificante vê-la admitindo seus erros. Não apagava o passado, mas era um bom começo para ir fechando as feridas.

— Você me salvou daqueles caras, então te devo um favor. – ela apagou o vídeo. – Mas não quero ser sua amiga! Pelo menos não quero ser obrigada a isso.

— Ninguém tá te obrigando.

— Acho bom mesmo.

Sem se despedir de ninguém, Denise foi embora dali arrumando os cabelos e enxugando as lágrimas que tinham caído. A turma só ficou olhando ela ir embora e Magali suspirou de tristeza por não ter conseguido recuperar a amizade da única amiga que tinha lhe sobrado na infância.


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