Universo em conflito escrita por Mallagueta Pepper


Capítulo 33
A curiosidade quase matou o gato


Notas iniciais do capítulo

Um conselho: não leiam quando estiverem sozinhos em casa no meio do escuro.



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Ele foi virando as páginas sentindo uma coisa estranha no estômago. Será que ele estava vendo aquilo direito?

— Tá tudo bem aí, véi? Você ficou com uma cara...

— Pega nada não, tô bem.

Para não perder tempo, ele pegou o celular e foi tirando fotos de algumas páginas do álbum para analisar depois e o guardou de volta na caixa.

Enquanto os três trabalhavam, Cebola e Denise examinavam tudo o que podiam na casa, mas sem sucesso. Não havia nada de interessante no quarto de Agnes. O quarto dos pais dela já tinha sido esvaziado. Faltava somente a biblioteca e eles foram para lá assim que terminaram o serviço na sala.

— Afe, quanto livro chato! – Cascão reclamou após folhear mais um volume e colocá-lo na caixa. – Nem tem gravura!

— Esses aqui só falam de legislação, leis... – Magali folheava outro.

— Olhem esse aqui! – Mônica falou. – “A mulher deve sempre se vestir com recato, falar baixo, ser boa mãe e dona de casa...” ai, credo! Esse povo parou mesmo no tempo!

— Ninguém merece tanta caretice! – Denise também reclamou enquanto guardava os livros.

Cebola olhava os livros rapidamente e os guardava. Nada de interessante foi encontrado e o tempo estava correndo. Eles não podiam ficar ali o dia inteiro.

“Porcaria, será que não tem nada que presta aqui?” aquilo era desanimador. Bem, pelo menos ele tinha ganhado um dinheiro extra, mas ainda assim era frustrante não achar pista nenhuma.

— Acho que a gente não vai encontrar nada. – Mônica falou desanimada após fechar mais uma caixa cheia de livros. Como queria esticar um pouco as pernas, ela levantou-se para andar um pouco e um quadro chamou sua atenção. Ele tinha sido tirado da parede e estava encostado em um canto, virado de lado. Eram cinco pessoas vestidas de maneira austera, as mulheres com vestidos de manga comprida e gola até o pescoço. Todos usavam uma bengala. – Que gente esquisita. Esse aqui do meio é o Sr Malacai, não é?

Cebola pegou o quadro para olhar, junto com os outros.

— É ele sim, só que nesse quadro ele tá mais novo e com um chapéu esquisito.

— E esse pessoal aí? – Cascão quis saber.

— Esses dois eram os pais da Agnes, eu acho. Os outros eu não sei.

— A gente vai ter que embalar isso também? - Magali perguntou.

— A Agnes falou que era só pra embalar os livros, não falou nada do quadro. 

Ele ia voltar ao trabalho quando olhou o quadro de novo. Ele estava jogado de qualquer jeito, junto com alguns objetos de aparência antiga e ele deduziu que o quadro não devia ter importância para ela. Mas e se tivesse alguma coisa ali? Algumas vezes, respostas eram encontradas onde ninguém esperava.

— O que você tá fazendo? – Mônica perguntou ao ver Cebola segurando o quadro.

— Vou só dar uma olhada nesse quadro. Deixa eu ver...

Era uma pintura comum, onde os cinco apareciam diante de um fundo azul meio acinzentado no centro que ia se esmaecendo à medida que chegava nas beiradas. No centro do grupo, estava Sr. Malacai olhando-o de forma ameaçadora com longos cabelos pretos e um chapéu comprido. À sua direita, estavam os pais da Agnes. À esquerda tinha um casal que ele não conhecia.

O quadro foi virado para todos os lados e ele não encontrou nada, nem um fundo falso. Talvez fosse só um quadro comum mesmo.

— Droga, pensei mesmo que fosse achar algo aqui. – Denise levantou-se de novo e tirou o quadro da mão dele.

— Deixa eu ver isso direito. É... fundo falso não tem mesmo. Você olhou a moldura?

— Hein? Não...

— Se eu tivesse que esconder algo em um quadro, ia usar a moldura. Peraí... alguém trouxe celular aí?

Mônica ofereceu o dela, que tinha uma câmera muito boa, e Denise usou o zoom para examinar melhor. Os outros quatro ficaram em volta dela com expectativa. Após examinar cuidadosamente a parte da frente e de trás, algo chamou sua atenção.

Denise afastou o celular e colocou de volta.

— Ué, que coisa mais estranha! Olhando pelo celular tem uns riscos aqui, mas quando tiro eles somem!

— O quê? – Cebola olhou a tela do celular e logo matou a charada. – A marca de IOR!

— Marca do quê?

— É um símbolo de ocultamento. – Magali respondeu. – pode ser usado pra esconder as coisas também.

— Não te perguntei nada. – Denise resmungou bem baixo, mas a outra ouviu e só não falou nada porque não queria começar uma briga logo naquele instante.

Cebola pegou o quadro de volta e usou o celular para verificar o local ao redor daquela pequena marca. Era como se tivesse um remendo ali. Com cuidado, ele removeu aquele remendo e para seu espanto, um pedaço da moldura saiu com relativa facilidade mostrando um pedaço de papel um tanto amarelado com o tempo.

— Gente, olha o que eu achei!

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Cascuda já não suportava mais ver sorvete na sua frente. Não importava se era de morango, chocolate, napolitano ou flocos. Ela estava tão enjoada que nem agüentava mais o cheiro da sorveteria. E quando seu namorado aparecia na sua casa com potes de sorvete? Céus, ela tinha uma vontade enorme de jogar tudo aquilo na cabeça dele! Será que ele não podia lhe presentear com outra coisa?

Ela sentia falta dos presentinhos que Cascão lhe dava quando eram crianças. Eram brinquedos, cartões e flores feitos com objetos reciclados. Simples, porém feitos com cuidado e atenção especialmente para ela. Mostravam que ele se importava de verdade.

O rapaz veio todo sorridente trazendo uma casquinha com três sabores, calda e confeitos. Seu estômago embrulhou, mas ela procurou disfarçar e foi tomando o sorvete sem sentir o gosto.

— Você anda aborrecida com alguma coisa? – ele perguntou.

— Nada não, gato. Só umas coisas da escola. Aqui, você não gostaria de comer um misto quente na padoca do seu Quinzão? Ou então a gente podia comer um hambúrguer ou...

— Pra quê? Nós temos todo o sorvete que queremos bem aqui e de graça. Pode tomar sem medo nenhum e se quiser mais, é só falar!

Mais sorvete? Ela mal conseguia dar conta daquele! Foi com muito custo que ela terminou e deu uma desculpa qualquer para ir embora. Denise estava certa, aquele namoro não tinha futuro nenhum.

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Cebola abriu o papel com cuidado para não rasgar. Os outros se colaram nele para poder ler também.

— Só tem número aí! – Cascão ficou confuso.

— Não são apenas números. – Magali reparou. – Tem letra também. 10 E, 30D, 20E... o que é isso?

— Coordenadas?

— Combinação de um cofre! – Mônica respondeu. - Meu pai já teve um cofre certa vez com aquele tipo de fechadura que a gente precisa girar com a combinação certa pra poder abrir.

— Um cofre? Eu já olhei a casa inteira e não vi nenhum! – Cebola olhou a combinação várias vezes e não conseguiu encontrar outra solução para aquela seqüência de números. Não pareciam coordenadas e não havia nenhuma outra letra a não ser E ou D. Só podia ser a combinação de um cofre, mas de qual?

Enquanto examinava os números, ele percebeu que o papel tinha uma marca d’água com o logo da Vinha. Em baixo, quase imperceptível, tinha uma letra “M”.

— Hum... esse cofre deve estar na instituição. Droga, isso complica tudo!

— Como a gente vai procurar um cofre ali, véi?

— Eles vão pegar a gente na hora! – Magali também estava desanimada. Cebola copiou os números em outro pedaço de papel e deixou o quadro como estava antes, colocando-o de volta no lugar. Aquela letra já tinha lhe dado a resposta.

— Esse “M” aí deve ser de Malacai. Aposto que o cofre é dele.

— E por que a combinação tá nesse quadro? – Denise quis saber achando mistério cada vez mais empolgante.

— É capaz dele ter dado a combinação pra esse pessoal do quadro pro caso de algo lhe acontecer. Os pais da Agnes devem ter guardado aqui. O papel tá bem envelhecido, parece que ficou aí durante muito tempo.

As coisas tinham melhorado um pouco. Se o cofre era do Sr. Malacai, só poderia estar na casa dele ou na sede da instituição. O logotipo no papel lhe indicava que a segunda alternativa estava certa. Se estava na instituição, o local mais provável era o escritório dele. Se Cebola conseguisse entrar no escritório e abrir o cofre...

— Beleza, gente, mas temos que terminar isso aqui e dar o fora. – Magali lembrou. – Eu não vou querer estar aqui quando aquela mulher voltar.

Os outros concordaram e voltaram a trabalhar rapidamente. Lá pelas onze horas eles tinham terminado tudo, para alívio do Cebola. Assim todos podiam ir embora sem problemas.

O grupo desceu a escada e estava passando pela sala quando Mônica parou para olhar uma parede que tinha lhe chamado a atenção.

— Que estranho não ter nada ali... - Magali não viu nada de mais.

— Ué, vai ver não quiseram colocar nada.

— Podiam ter colocado um móvel ou talvez um quadro. Não é normal deixar um espaço desses sem uso nenhum. Não é local de passagem nem nada.

— Vai ver tinha coisa aí e eles tiraram. – Cascão deu de ombros.

— Mas aí teria marcas na parede, só que não tem nada, viu?

— Melhor a gente conferir. – Denise sugeriu e começou a examinar a parede dando pancadinhas. Os outros se juntaram a ela e Cebola só ficou olhando.

Aquele cômodo era bem familiar, embora não fizesse sentido algum. Na sua lembrança, o local tinha uma aparência mais velha e desgastada.

“Vamos, pensa Cebola! Você consegue!” não estava sendo nada fácil lembrar porque suas lembranças se misturavam com as do seu duplo. Ele teve que suar um pouco até que as imagens da sua memória foram ficando mais nítidas. Era a imagem de uma gravação feita por celular onde Mônica pulou uma janela junto com Denise e encontrou uma porta de madeira que estava trancada. Sem outra opção, ela pegou um móvel e atirou contra a porta, quebrando-a na mesma hora. Ali perto estava um móvel parecido.

Por mais absurdo que parecesse, tudo indicava que ele estava na mesma casa, só que ali não tinha nenhuma porta que levava ao porão.

“Vai ver essa casa não tem porão, ou eles mudaram a porta de lugar. Ou então... peraí!”

— Mônica, empresta seu celular de novo? Quero ver uma coisa.

Ela fez o que ele pediu e Cebola ligou a câmera do celular. Um grande sorriso de vitória apareceu em seu rosto.

— Pessoal, vem ver isso!

— Véi, o bagulho tá ficando muito louco!

— Isso só pode ser um truque! – Mônica também não acreditava no que estava vendo.

— Como é que eles fizeram isso? Caramba, eu podia jurar que não tinha nada aí!

— Me pinta que eu tô bege!

Todos olhavam a tela do celular e viam uma porta na parede. Mas olhando ao vivo, não tinha nada. Sobre a porta, tinha uma grande marca de Ior cercada por outras menores. Até Cebola ficou impressionado.

Ele sabia que Berenice tinha usado aquela marca para que os filhos de Umbra não encontrassem a chave de ossos. Mais tarde lhe falaram que a marca era também um símbolo de ocultamento e ele pensou que só servia para esconder coisas de espíritos, já que ele pode ver a porta, abrir e pegar a chave. Era a primeira vez que ele via a marca sendo usada para esconder algo dos olhos de humanos.

— Tem certeza de que isso não é um truque? Vai ver é algum app que a Mônica baixou e... – Cascão ainda estava duvidando e Cebola não quis perder mais tempo.

— Bom, só tem um jeito de saber.

Usando a imagem do celular como guia, ele estendeu a mão e tocou na maçaneta da porta. Na mesma hora, Mônica deu um gritinho, o queixo do Cascão despencou, Denise arregalou os olhos e Magali soltou um palavrão quando a porta apareceu bem diante dos olhos deles.

— Tá aí, pessoal. Não é nenhum truque.

Eles continuaram em silêncio sem conseguir esboçar reação. Era difícil processar tudo aquilo, especialmente quando não se estava acostumado com fenômenos sobrenaturais. Magali saiu do transe e chegou perto para dar uma olhada.

— A gente vai descer pra olhar?

— Sei não, parece perigoso. – Cascão não estava muito certo.

— Deixa de ser medroso, cara! Aposto que tem coisa importante escondida lá embaixo!

— Isso é babado fortíssimo, a gente tem que olhar!

— Denise tem razão, a gente devia olhar mesmo. O que acha, Cebola?

— Vamos dar só uma olhada, mas tomando muito cuidado!

O grupo desceu a escada lentamente, dando cada passo com cuidado. Não havia nenhum interruptor a vista, para aflição de todos, e eles tiveram que usar as lanternas dos celulares para iluminar o caminho. Era um lugar escuro, sombrio e com aparência de um calabouço. Havia gaiolas vazias penduradas no teto, assim como correntes com ganchos nas pontas. As paredes pareciam de uma caverna, com estalactites pendendo do teto e havia muita umidade. Só faltavam morcegos para completar.

Ali era muito parecido com a gravação que ele viu no celular da Penha, onde Mônica tinha dado um soco no chão para abrir um buraco. Quanto mais raciocinava, mais ele chegava a conclusão de que aquela era a mesma casa da Agnes no mundo original, só que muitas peças não estavam se encaixando.

— Credo, que lugar mais feio! – Mônica exclamou iluminando as paredes com o seu celular. Cascão tremia todo, embora tentasse disfarçar.

— Pra quê a Srta. Drácula usa essas correntes? Tô até com medo de saber.

— Vai ver é pra pendurar os alunos mais rebeldes. Daquela ali eu não duvido nada!

— Seria bom se ela tivesse pendurado “certos alunos”. Denise alfinetou e Magali pareceu não escutar, pois estava impressionada demais.

Cebola também olhava tudo sentindo arrepios desagradáveis. O lugar era mais feio do que ele se lembrava da gravação da Penha. Num canto mais afastado, algo lhe chamou a atenção. Parecia uma espécie de altar com vários objetos em cima e uma vela bem no meio.

— Pessoal, vem ver isso!

— O que são esses objetos? São muitos! – Mônica tentou contá-los e nem conseguiu. Eram objetos pequenos como lápis, canetas, presilha para cabelos, relógios, vários tipos de jóias, carteiras e outras miudezas. Podia ter mais de cem facilmente. Denise começou a filmar e a tirar algumas fotos. Aquilo podia ser útil no futuro e ela não queria perder a oportunidade.

— Essa mulher é doida, tô falando! – Cascão também estava espantado com tudo aquilo.

— Por que ela guarda essas coisas? – Magali quis saber.

— Nem faço idéia. São objetos aleatórios, não vejo nenhum padrão aqui. – Cebola foi iluminando um por um até chegar no último. Por pouco ele não deixou o celular cair no chão.

No canto do altar, refletindo a luz do celular em sua superfície metálica, Cebola achou um isqueiro muito familiar.

— Que foi cara? Você ficou estranho... – Cascão notou a palidez do amigo.

— Gente... esse isqueiro... é do Rômulo!

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Era onze e vinte da manhã. Agnes sabia que devia ir embora, mas receava que Cebola não tivesse encontrado nada. Ela procurou durante anos e nunca encontrou, sem chances do moleque fazer isso em poucas horas. Por via das dúvidas, ela deu um jeito de atrasar Rosália o máximo possível, pedindo-lhe para fazer limpeza no escritório do Sr. Malacai alegando que os faxineiros da instituição não faziam um serviço decente.

— E o Cebola? Ele tá sozinho na casa e deve estar com fome. – a mulher tentou argumentar, claramente não querendo fazer aquele serviço.

— Não se preocupe. Nós vamos almoçar num restaurante aqui perto e levaremos o almoço para ele.

Rosália pareceu ter gostado da idéia de comer num restaurante, assim não ia precisar cozinhar e nem lavar a louça. Agnes voltou ao trabalho torcendo para que Cebola tivesse encontrado a pista. Sem isso, ele não ia poder fazer o restante do trabalho.

A marca de Ior era muito útli para ocultar as coisas, mas só quem as fez era capaz de enxergá-las. Ela podia ver as que tinha feito na porta do porão de casa, mas não tinha como ver as que Sr. Malacai tinha feito para guardar itens importantes. Apesar de não fazer nenhuma idéia de como Cebola ia conseguir encontrar algo, ela decidiu confiar nas sombras. Era sua única chance.

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— Tem certeza? – Denise perguntou. – deve ter muitos isqueiros iguais a esse...

— Não, esse aí era do Rômulo mesmo.

Várias vezes Cebola teve vontade de jogar aquele isqueiro maldito na privada porque não agüentava mais ver Rômulo acendendo e apagando aquilo como se fosse um obssessivo-compulsivo. Em alguns momentos, o rapaz chegou a pensar que aquele maluco ia botar fogo na casa.

Não era preciso ser gênio para juntar os pontos. Rômulo foi morto pelo estranho mal da múmia e encontrado num terreno baldio no bairro das Pitangueiras. E seu isqueiro estava ali, no porão da Agnes junto com outros objetos. Mônica entendeu logo.

— Se aquele isqueiro era do seu primo e ele foi morto... será que esses objetos também eram das outras vítimas?

Todos ficaram com muito medo, pois viram que Cebola estava mesmo certo ao suspeitar que Agnes estava por detrás daquelas mortes. Nunca ninguém imaginaria que uma pessoa tão tranqüila quanto ela seria capaz de tal coisa. O pior era que eles estavam na casa dela, dentro de um porão esquisito e seus pais não sabiam onde estavam. Cebola estava a salvo, mas eles não.

— Gente, na boa, vamos vazar logo daqui! – Cascão falou e todos aprovaram a idéia. Um barulho forte de porta batendo fez com que todos gritassem. A porta do porão tinha sido fechada.

— Calma, pessoal, a gente pode abrir por dentro.

A luz dos celulares apagaram de uma vez e cinco vozes diferentes gritaram de medo. O lugar estava um breu total, uns esbarravam nos outros e tropeçavam.

— Quem pisou no meu pé?

— Ai, cuidado!

— Calma, segura minha mão Magá!

— Ô cabeção, essa mão é minha!

— Argh!

Uma luz acendeu de repente, vindo de uma vela em cima do altar. Foi simples, mas foi estranho o suficiente para deixar todo mundo com medo.

O grupo se aproximou, porque era a única fonte de luz.

— Quem acendeu essa vela? – Cascão quis saber.

— Eu é que não fui!

— Nem eu!

Pelo visto, aquilo tinha acendido por conta própria, o que não fazia sentido nenhum para eles.

Apesar de ser uma vela, a luz era bem forte e tornava as sombras mais nítidas. Ao invés de ser reconfortante, era totalmente assustador.

— Vamos aproveitar a luz e correr pra porta! – Eles correram até a escada e uma grande escuridão se formou começando pela porta e indo na direção deles.

Era a forma de uma criatura que eles não souberam definir e se movia de um jeito muito ameaçador. Aos poucos aquilo foi aumentando de tamanho e chegando cada vez mais perto.

— O que tá acontecendo? – Magali gritou tremendo de medo. A escuridão avançava aos poucos como se engolisse tudo no seu caminho. Era bem sólido, quase uma massa negra compacta.

— Véi, isso tá sinistro demais!

— Vamos lá pro outro lado! – Cebola chamou e eles correram mais para o fundo do porão. Só que não tinha para onde ir e eles não queriam entrar no meio daquela escuridão.

O cerco estava fechando e tentáculos de sombra foram se formando ao seu redor. Um deles chicoteou perto dos pés do Cascão, que gritou e deu um salto apavorado. Outro passou de raspão na cabeça da Mônica e um terceiro quase agarrou Denise pela cintura.

Aquilo parecia até...

— Peraí... – ele tentou acender de novo a lanterna do celular e após muito custo, uma luz acendeu e ele apontou para um tentáculo que vinha em sua direção.

A coisa de um guincho meio agudo, algo como faca riscando numa pedra e parte da escuridão se afastou.

— Gente, acendam as lanternas!

Todos fizeram o mesmo e com toda aquela luz, a escuridão parou de avançar. Mas eles não podiam ficar assim para sempre.

Mônica olhava para os lados desesperadamente tentando encontrar uma saída e viu um pontinho luminoso do tamanho de um vaga-lume. Era bem pequeno e deixava passar um fiapo de luz.

— Gente, por aqui! – ela correu na direção da pequena luz. Tinha outra escada menor ali e chegando perto, viram que era uma porta horizontal, provavelmente mais uma saída do porão. Só que estava trancada.

— Anda logo, abre isso aí! – Cascão gritou apavorado. Por mais que forçasse, Mônica não conseguiu abrir a porta. Os outros tentavam lhe dar cobertura com as lanternas e duas já estavam começando a falhar.

A escuridão estava cada vez mais perto, engolindo o altar com os objetos e chegando bem perto deles. Uma decisão drástica precisou ser tomada e Mônica se preparou para quebrar a porta com um soco quando ela se abriu de uma vez.

— A porta abriu! Vamos logo! - Todos saltaram para fora o mais rápido que puderam. Cebola foi o último a sair sendo seguido por uma massa negra, compacta e sinistra.

Magali e Mônica fecharam as duas portas do porão rapidamente e passaram o trinco.

Os cinco desabaram no chão ofegando, tremendo e agradecendo aos céus por terem saído vivos daquela loucura.

Quando puderam se recompor, os jovens foram embora tão abalados que não perceberam que alguém os observava por detrás de uma grande árvore seca e retorcida. Assim que eles se foram, um par de asas negras como as de um corvo bateram velozmente, deixando só poucas penas para trás.

Dentro do porão da Agnes, tudo voltou ao normal. A escuridão recuou, deixando somente um lugar escuro, sombrio e ornamentado com os pertences das vitimas que ela tinha feito ao longo dos anos.

—_________________________________________________________

Foi com muito alívio que Cebola chegou em casa. O dia foi cansativo e cheio de sustos, mas depois tudo correu bem. Depois do incidente no porão, seus amigos foram embora e ele continuou o trabalho. As mulheres chegaram, ele almoçou o marmitex que Agnes tinha lhe comprado e eles terminaram com a arrumação. Caixas e mais caixas foram amontoadas na sala para terem seu destino depois. Ele não sabia o que Agnes pretendia fazer com aquelas coisas e não interessava porque já tinha descoberto mais do que queria.

Pobre Rosália... o que ela iria pensar se soubesse que seu filho foi morto pela Agnes? Ele não sabia e não pretendia contar. Foi difícil convencer os amigos a guardarem segredo sobre o que viram no porão, especialmente Denise com sua língua quilométrica.

Mônica queria chamar logo a polícia, acreditando que aqueles objetos seriam suficientes para incriminá-la. Magali falou em esperar que ela voltasse para lhe dar uma surra e Cascão ia ajudá-la.

— Gente, não podemos fazer isso! Pelo menos não agora. Se ela for presa, o pessoal dessa organização vai pegar no nosso pé e aí não vamos descobrir mais nada!

— Mas ela matou tantas pessoas! Isso não pode ficar impune! – Mônica argumentou.  

— Não pode mesmo, no futuro a gente vai denunciar sim, mas só depois de descobrir como resolver essa crise no mundo.

— Não acredito! Uma fofoca dessas e nem posso passar pra frente? Que uó!

Por fim eles concordaram já que havia um bem maior envolvido. Por mais que tenha sido assustador, Cebola até gostou um pouco do que tinha acontecido. Serviu para lhes mostrar onde estavam se metendo. Até então eles não estavam acreditando muito na sua história.

Ainda faltava algum tempo para Rosália servir a janta e Cebola resolveu cochilar um pouco. Não foi possível.

— Acorde, rapaz do cabelo espetado.

— Hein? – ele quase caiu da cama ao ver Paradoxo parado no quarto com um dispositivo estranho amarrado na cintura. – Finalmente você apareceu. O que é esse troço aí?

— Isso? Cortesia de um amigo meu de Galvan. Ele é o ser mais inteligente em 5 galáxias!

Antes que Cebola pudesse sentir inveja, Paradoxo continuou.

— Graças a esse dispositivo eu posso alcançar esse universo ainda que com alguma dificuldade, mas minha atuação sobre o tempo daqui continua limitada. O que você descobriu de novo?

Cebola contou tudo o que tinha acontecido e também sobre o incidente no porão.

— Interessante... eu confesso que não conheço nenhuma substância que se encaixe nessa descrição. – ele não ficou surpreso com a falta de conhecimento do cientista naquela área e resolveu falar sobre outra coisa que o preocupava.

— Eu vou precisar invadir a sede da Vinha, mas sem sua ajuda não tem como. Não dá pra você fazer, tipo, o tempo parar? – o mais velho balançou a cabeça.

— Infelizmente não. Como falei antes, meu controle sobre o tempo foi muito comprometido nesse mundo. Mas verei o que posso fazer para ajudá-lo a entrar e sair daquele edifício em segurança.

Aquilo era melhor que nada e Cebola resolveu falar sobre outra coisa que o estava preocupando.

— Acho que sei do que se trata. Suas memórias estão mudando, não estão?

Ele ficou surpreso.

— Você sabia que isso ia acontecer?

— Eu cogitava essa hipótese, mas tinha esperança de que não fosse acontecer porque você não estava conseguindo se adaptar a esse mundo. Mas parece que isso mudou.

— Me adaptar? Tipo quando a Mônica esteve aqui e precisou se adaptar também?

— Sim. Ao se adaptar a esse universo, ele também se adapta a você mudando suas memórias.

Sua boca foi invadida por um gosto ruim. Seus receios eram verdade.

— Mas a Mônica não perdeu as memórias dela... perdeu?

— Não. O caso dela era diferente. Um duplo estava sendo criado a nível quântico, então as duas memórias puderam coexistir durante um tempo.

— Por que esse universo tá zoando as minhas memórias? Não dá pra deixar as duas ao mesmo tempo? Não tem nenhum duplo meu pra ser criado... tem?

— Não, dessa vez não tem porque existe alguém ocupando seu lugar no mundo original.

Cebola não sabia se ficava com medo ou aliviado.

— Entenda o seguinte: em uma dimensão quântica, várias memórias, eventos e possibilidades podem existir ao mesmo tempo. Mas em um mundo tridimensional, somente uma única memória pode tomar lugar no seu cérebro. Como você está vivendo nesse mundo, a tendência é que suas lembranças do universo original se apaguem dando lugar às lembranças construídas aqui.

Certo, hora de ficar apavorado.

— Isso não pode acontecer, cara! Se eu esquecer tudo, não vou poder solucionar esse mistério!

— Claro que não. Você precisa das suas memórias originais para isso.

— Então como eu faço?

— Relembre. É o que eu posso te aconselhar. Evoque suas memórias originais o máximo que puder para que elas se mantenham gravadas em sua mente. E evite relembrar as memórias do seu duplo.

— É que acaba acontecendo...

— Eu sei, mas resista. Por enquanto você pode oscilar entre as duas memórias, mas pode chegar um momento em que não será capaz de reverter isso. Meu último conselho é não se apegar demais a esse mundo. Quanto mais você gostar daqui, pior.

Cebola engoliu ruidosamente, pois em vários momentos se pegou apreciando aquela realidade, especialmente por causa da independência que estava prestes a adquirir.

— E sobre o tal desequilíbrio? A gente vai investigar a Torre Inversa, mas eu não sei o que vou encontrar.

—Não se preocupe, eu estarei por perto para o caso de algo der errado e você precisar de ajuda.

Rosália chamou anunciando o jantar e Paradoxo teve que ir embora. Cebola foi para a cozinha e comeu sentindo-se angustiado com a idéia de ir desaparecendo aos poucos até se tornar seu duplo. Parecia um jeito estranho de “morrer”.


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