Universo em conflito escrita por Mallagueta Pepper


Capítulo 19
Algo não está se encaixando




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O médico examinou o casal de idosos e viu que estavam muito fracos. Quando terminou, ele os deixou dormindo e foi para a sala conversar com sua cliente.

— E então, doutor? – Agnes quis saber.

— Bem, a princípio é difícil dizer. Parece que eles estão com um pouco de anemia. Vou receitar complexo ferroso e também outras vitaminas. – O módico foi escrevendo na receita. – Tome cuidado com a dieta deles. Pouco sal, pouca gordura, nada de açúcar e só alimentos leves. Creio que isso deve ajudar.

Quando o medico foi embora, ela releu a receita. A comida deles já tinha pouco sal e gordura, coisa mais insossa do mundo que ela foi obrigada a comer desde criança. Agnes rasgou o papel e jogou no lixo, pois sabia que nada daquilo ia recuperar a saúde deles.

A campainha tocou e ela foi atender. Eram Penha e Sofia, usando suas roupas de sempre. Uma vez que seus pais mal saíam do quarto, ela não via necessidade em obrigar as duas a usarem aquelas roupas horríveis.

— Olá, Agnes! Trouxe algumas coisinhas parra você! – Penha estendeu a mão mostrando os pacotes que Sofia carregava. – Eu adorro aquela confeitarria, é tão chique!

Elas foram para a cozinha e Agnes se deleitou com as guloseimas que Penha tinha lhe trazido. Era uma das razões dela gostar tanto daquela moça, que sempre parecia saber o que ela queria. E dentro de um tempo, elas iam ter momentos adoráveis como aquele. Para sempre.

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Ele se sentia o dono do mundo à medida que ia mandando vários alunos para a diretoria. Um aluno foi repreendido porque estava usando fones de ouvido. Outro porque mexia com o celular. Um casal foi pego trocando beijos clandestinos e foram mandados para a diretoria sem dó.

Quanto mais alunos ele mandava para a sala do diretor, mais poderoso ele se sentia. Era muito melhor que puxar a cueca dos manés, e bem menos nojento também.

“Espera só até aqueles quatro me verem de volta!” ele pensou se deliciando em ver o temor e respeito que eles teriam que lhe dar querendo ou não, especialmente a Magali que lhe deu uma surra durante a infância e depois o transformou em seu cão de guarda.

Eles com certeza deviam pensar que ele estava derrotado, por isso estava ansioso para esfregar sua vitória na cada daqueles idiotas. Eles mal perdiam por esperar.

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— O Tonhão? Sério mesmo? Cascão perguntou tão chocado quanto as garotas, especialmente Magali.

— Pensei que ele tinha ido pro colégio militar!

— Eu também, mas agora tá trabalhando pro tal do Malacai, presidente da Vinha. E hoje ele veio pro colégio. Foi Denise quem o viu.

Os quatro conversavam no refeitório, sob o olhar de desagrado das amigas da Mônica que não aceitavam vê-la andando com os rejeitados do colégio.

Cebola tinha outra novidade e mostrou um folheto aos amigos.

— Gente, olha isso aqui!

— Carrão maneiro! – Cascão deu um assovio. – Você vai tentar?

— Vou sim. A competição vai ser no dia quinze agora. Esse carro vale cinqüenta mil.

— Qual é o valor da dívida? – Magali quis saber.

— Não sei, mas não deve ser mais que isso não. Com esse carro, ela vai pagar tudo e é capaz até de sobrar algum! Finalmente vou ficar livre daqueles dois!

Uma concessionária resolveu fazer aquela competição que era um teste de resistência onde os concorrentes tinham que ficar com a mão sobre o carro pelo maior tempo possível. Quem ficasse por último, ganhava o prêmio e Cebola precisava colocar as mãos naquele carro de qualquer jeito. Era seu passaporte para a liberdade.

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Denise olhava o grupo com desagrado e procurava destilar seu veneno contra Magali o máximo possível.

— Se vocês derem corda, num instante ela vai estar montando em todo mundo! – ela falava deixando as meninas com medo.

— Ai, credo, eu não quero nada com ela não! – Cascuda falou com medo e raiva ao mesmo tempo.

— Nem eu, quero ela longe de mim! – Keika completou para alegria da Denise. O poder da maledicência nunca falhava.

Elas estavam tão distraídas fofocando que nem perceberam alguém chegando por trás.

— O que vocês tanto conversam? Terminem logo de comer! Não toleramos desperdício nessa escola.

Todas pularam de susto quando deram de cara com o temido Tonhão da rua de baixo, especialmente Denise. Ela não esperava vê-lo tão cedo.

Como ninguém tinha coragem de confrontá-lo, elas calaram a boca e voltaram a comer em silêncio. Ele as vigiou por um tempo e saiu dali procurando por outra vítima para atormentar. Pelo visto, Magali não era o único problema naquela escola.

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Sarah andou pelo refeitório com a bandeja na mão por um tempo quando uma garota lhe acenou a mão.

— Quer sentar com a gente?

— Quero sim. – respondeu mais animada com a perspectiva de fazer novas amizades. Após as apresentações, as meninas resolveram lhe colocar a par das regras do colégio. Pelo menos as mais importantes.

— Então a gente tem que vir de uniforme todo dia? Que chato! – ela reclamou.

— Todo dia e tem que estar limpo, bem passado e arrumado senão eles implicam. – Cascuda respondeu.

— Mas tá um calorão danado!

— Eles não ligam. Pode estar fazendo cinqüenta graus que a gente tem que vir de uniforme de qualquer jeito. E não solta o cabelo não, ele tem que ficar preso! – Marina também falou. – Já me ameaçaram fazer eu cortar meus certa vez e fiquei morrendo de medo!

— Gente, que horror! E esses inspetores que ficam andando pra lá e pra cá?

— È pra nos vigiar. Agora pouco um deles implicou com a gente. – Dorinha também explicou.

— Ai de quem fazer coisa errada, vai ter que falar com a Srta. Duister da próxima vez que ela vier ao colégio.

Bastou Aninha pronunciar aquele nome para as moças se encolherem de medo. Até os mais encrenqueiros andavam na linha para não ter que passar minutos assustadores com aquela mulher tenebrosa.

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— Isso é tão divertido! – Penha disse batendo palmas.

De um lugar seguro, elas assistiam enquanto várias pessoas brigavam freneticamente.

— Olhe como eles brigam feito idiotas! Nem precisei fazer muita força!

— A coisa tá ficando feia. Não é melhor a gente sair daqui?

Clarro que nón! Você está aqui parra me proteger, esqueceu?

— Sim, mas...

— Silêncio! Agorra olhe só!

Ela se concentrou um pouco e o som de vários tiros foram ouvidos deixando Sofia muito assustada. Briga, confusão, raiva, violência. Penha sempre trazia tudo aquilo e muito mais. Era o seu dom, um maravilhoso poder que ela tinha recebido graças a Agnes, única pessoa que lhe entendia e aceitava com o era.

Penha era só uma garotinha de cinco anos com um gênio difícil que seus pais custavam a domar. Então eles chamaram Agnes para cuidar dela e tudo mudou. Agnes lhe entendia, conversava e era divertido passar o tempo com ela, pentear seus cabelos e aplicar maquiagem. Elas têm sido amigas desde então e a diferença de idade nunca as incomodou. Agnes podia estar beirando os quarenta anos, mas tinha o espírito jovial como uma garota de sua idade.

Um dia, quando Penha completou quinze anos, Agnes lhe contou seus segredos e planos para mudar totalmente a ordem mundial. Claro que ela adorou cada detalhe e pediu para fazer parte dessa mudança, no que foi imediatamente atendida. Um dia ela ia estar no topo junto com sua melhor amiga e ninguém ia detê-las.

— Venha, Sofia. Temos muito caos para espalhar pela cidade e tão pouco tempo.

A moça a seguiu calada como sempre. Ela devia achar aquilo certo? Muitas vezes sua consciência lhe acusava por estar sendo conivente, mas como dizer não para sua única amiga no mundo inteiro?

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Alguns dias se passaram e tudo continuava igual na escola. E com as pesquisas do Cebola também. Ele não tinha tempo para pesquisar nada e suas buscas na internet já tinham se mostrado infrutíferas. Felizmente Paradoxo o procurou novamente e ele falou sobre seu plano de pesquisar a biblioteca do bairro das Pitangueiras.

— Tem certeza de que isso é importante? – Paradoxo quis saber, desconfiado. – Viajar no tempo demanda muita energia e leva dias até eu conseguir me recuperar. Isso tem que ser bem aproveitado.

— É sim e você devia saber disso. Um evento muito importante deixou de acontecer nesse mundo e eu quero saber por que. Pode ser uma pista pra causa desse tal desequilíbrio.

— Ainda não vejo como investigar o paradeiro de um garotinho poderia ser útil para nós.

Cebola explicou seu raciocínio.

— Na Terra original, a Casa de Asclépio era uma organização que queria dominar o mundo porque achava que tava tudo caótico, certo?

— Sim, eu sei disso.

— Beleza. Por causa dos insetos que estavam perseguindo o Feio, eles ficaram doentes, morreram e o orfanato precisou ser fechado.

— Também sei disso.

— Só que aqui os dirigentes não adoeceram, o orfanato não fechou e a Casa de Asclépio tá por aí dominando tudo.

— Certo, então você acha que eles podem estar causando o desequilíbrio?

Cebola fez que sim com a cabeça.

— Quando a gente teve problema com o Capitão Feio lá no hospital, a Magali falou que eles tinham construído a Torre Inversa pra ser tipo um corredor que liga o universo original ao inferior e trazer de volta os seres que viviam na Terra antes da humanidade. Eles devem ter feito o mesmo aqui.

— Universo inferior? Péssima idéia! Nem eu posso transitar nesse universo em segurança!

— Então você entende porque temos que investigar essa casa de Asclépio? O ponto de partida é descobrir o que aconteceu com o Feio aqui.

— Está certo, garoto. Você me convenceu. Você sabe em qual ano e local aconteceu a tal tragédia?

Cebola pegou o caderno com suas anotações.

— Sei. Outro dia a avó do Cascão apareceu pra fazer uma visita, aí eu aproveitei e puxei conversa com ela.

— Se não me engano, ela já trabalhou naquele orfanato, certo?

— Trabalhou sim. Foi difícil, mas consegui descobrir a data do deslizamento. – Cebola teve que usar muita lábia e astúcia para fazer perguntas para a avó do Cascão sem levantar suspeitas. – Ela disse que lembrava bem porque morreu muita gente e algumas crianças foram levadas ao orfanato porque tinham perdido seus pais.

— Mas desse garotinho em questão ela não teve notícias.

— Não tem como ela lembrar porque nem o nome dele eu sei. É por isso que eu preciso ir a biblioteca do bairro das Pitangueiras para fazer uma pesquisa. Lá eles têm um acervo muito bom com jornais e revistas da época e tá tudo digitalizado.

Paradoxo entendeu o que o rapaz queria. Uma vez que Cebola não podia passar o dia inteiro na biblioteca, ele tinha que levar o rapaz e trazê-lo de volta poucos segundos depois, assim ninguém notaria sua falta.

— Está certo, rapaz. Quando iremos?

— Se possível, agora.

Em menos de um segundo, eles chegaram à biblioteca do bairro das Pitangueiras e foram para a seção onde guardavam jornais e revistas dos últimos quarenta anos, exatamente o que ele precisava.

— Hum... deixa eu ver... – ele digitou o local e data da tragédia no computador e vários resultados apareceram. Eram jornais e revistas que tinham sido escaneados. A tragédia tinha sido grande e com muitas mortes, por isso foi amplamente noticiada na época. Ele só precisou olhar cada foto para ver se conseguia identificar o garoto.

Se soubesse o verdadeiro nome do Capitão Feio tudo seria mais fácil, só que ele nunca se lembrou de perguntar ao Cascão o nome do seu tio. Levou pelo menos meia hora lendo reportagens e olhando fotos até ele encontrar o que estava procurando.

— Ah, olha ele aqui! – a foto era preto e branco, mas dava para reconhecer perfeitamente aquele menino que tinha feito um pacto com a centopéia falante em troca de salvar sua vida. – Aqui fala que morreu a família toda e... até ele? Caramba, por essa eu não esperava!

Cebola imaginava que a tragédia não tivesse atingido a família, ou que todos tivessem sobrevivido. Não lhe passou pela cabeça a possibilidade de o garoto ter morrido também. Então aquilo queria dizer que a centopéia não apareceu. Por quê?

Como não tinha problemas de tempo, ele resolveu fazer outras pesquisas e percebeu uma coisa estranha. Em jornais mais antigos, as notícias sobre tragédias naturais eram poucas. Depois começaram a aumentar gradualmente começando naquele ano específico. O que tinha acontecido naquele ano? Ele deduziu que deve ter sido quando começou o desequilíbrio. Bem, o Paradoxo podia voltar no tempo, logo teria condições de descobrir contanto que tivesse o ano e local.

— É... acho que isso vai resolver tudo.

Cebola contou para ele o que tinha descoberto quando voltaram da biblioteca.

— Interessante... então você acha que o desequilíbrio começou nesse ano? E qual teria sido a origem? – O cientista perguntou coçando o queixo.

— A Torre Inversa. Acho que na época ela já existia. Se você voltar no tempo, vai acabar descobrindo. Dá pra fazer isso hoje?

Paradoxo deu um sorriso.

— Felizmente não gastei muita energia te levando e trazendo da biblioteca. Creio que será suficiente para voltar a esse ano. Espere aqui, não demoro.

O cientista desapareceu por alguns segundos. Pelo menos foi o que pareceu para o Cebola. Quando ele voltou, sua fisionomia estava carregada.

— Que foi? Deu ruim?

— Na verdade, eu não consegui retornar àquele ano.

— Como assim não conseguiu?

— Eu não sei dizer, isso nunca me aconteceu antes! Normalmente eu consigo viajar para qualquer data no passado ou futuro, mas eu não consegui retornar para nenhum dia daquele ano. Eu não entendo!

Cebola andou de um lado para outro tentando entender. Se por um lado aquilo complicava as coisas, por outro confirmava sua teoria de que algo grande tinha acontecido naquele ano.

— É como se a realidade naquele ano tivesse sofrido uma grande alteração. Algo tão forte e poderoso que agora eu não consigo viajar no tempo, pelo menos não do jeito que eu costumo fazer.

— Então alguma coisa aconteceu ali mesmo, só que a gente vai ter que descobrir isso no presente. Pindarolas!

Aquilo era um problema porque Cebola não sabia como ia conseguir entrar na Torre Inversa para fazer suas investigações. No mundo real só foi possível porque o Feio tinha feito um buraco enorme no chão. Não havia a menor chance de ele entrar na organização com uma picareta e fazer a mesma coisa. Era preciso bolar um bom plano e esperar a oportunidade. Enquanto isso, ele precisava dar um jeito em Rosália e Rômulo, por isso falou do seu plano ao Paradoxo.

— Se eu ganhar esse carro, eles vão poder pagar a dívida e ir embora daqui. Eu tenho que ganhar de qualquer jeito! Enquanto eles estiverem aqui, não vai dar pra eu fazer quase nada!

Paradoxo sabia que o rapaz estava certo. Se continuasse com aquela rotina extenuante, ele ia acabar ficando doente e isso podia complicar muito seus planos. Por isso ele respondeu.

— Entendo sua situação e já sei o que fazer.

— Vai me ajudar a ganhar o carro? – Cebola perguntou cheio de esperanças.

— Farei com que tudo se encaminhe da melhor forma para você. Não posso dar muitos detalhes porque saber do futuro poderá lhe atrapalhar. Por enquanto, apenas confie em mim.

Apesar de ser meio vago, Cebola resolveu aceitar por enquanto. Paradoxo voltou a falar.

— A propósito, você andou tirando uma nota fiscal do quarto do seu primo, não é mesmo?

— Tirei. É de uma loja chique lá do shopping. Por que?

— Siga meu conselho à risca e não terá como dar errado: depois do concurso, faça com que sua tia veja aquela nota. Mas somente quando ela se prontificar a lavar a roupa dela e do filho.

— Sem chances disso acontecer!

Paradoxo deu um sorrisinho.

— Se tudo sair conforme planejado, ela fará isso com certeza. Apenas aguarde. As coisas vão melhorar para você.

Paradoxo desapareceu dali e Cebola foi se arrumar para ir a escola. Pelo menos daquela vez ele estava cheio de esperanças. Botar aqueles dois para fora de casa ia facilitar muito sua vida. E também teria o bônus de deixar as coisas melhores para o seu duplo. Ele entendeu que seu outro eu saiu daquele mundo porque sua vida estava horrível, por isso teve a idéia de deixar tudo o melhor possível para que seu duplo aceitasse voltar mais facilmente. Se bem que...

“E se ele não quiser voltar de qualquer forma?” pensou cheio de preocupação. “No mundo original ele tem família e tem a Mônica. Ele não vai querer deixar isso pra trás!”

A Mônica alternativa estava voltando a ser ela mesma, forte e independente. Mas não era a original embora estivesse ficando quase parecida. Haveria alguma chance dele gostar dela? O problema maior era que a família do seu duplo tinha morrido e não havia como resolver isso.

“Vai ser complicado, mas vou tentar assim mesmo. Aquele Zé Mané vai voltar pra cá nem que seja na marra! Aquele é o meu lugar, minha família e MINHA Mônica!” ele pensou decidido antes de ir para a escola. Ninguém ia tirar o que era seu por direito.

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— Já está na hora? Mas eu estava me divertindo tanto! – falou com pesar. – Ah, entendo. A caminhada será longa e levarei muito tempo para chegar. Temos que começar agora, certo?

O dia estava amanhecendo. Um novo dia, novas pessoas para serem infectadas, novas pragas para serem espalhadas. O mundo inteiro ia conhecer sua vingança. Ninguém tinha o direito de ser feliz, não depois da dor que tinha sofrido há anos e as pessoas ao seu redor não se importaram. Era hora de acabar com todos.


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