Beast Hunters escrita por HAlm


Capítulo 2
Aromas doces


Notas iniciais do capítulo

Mais um personagem de um amigo vai aparecer nesse! Dessa vez, um pandinha!



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A psicóloga era diferente dos animais como conhecemos.

Lembra que falamos dos sergais no restaurante? Pois é. O nome dessa sergal era Lenna.

Uma sergal alta, elegante e corpulenta com curvas acentuadas, cobertas pelas elegantes roupas sociais que completavam a elegância dada pelo próprio corpo.

Os traços físicos de uma sergal misturados com o de sua mãe, uma onça pintada. Provavelmente de onde originaram os olhos que te puxavam para olhar os detalhes de seu rosto acima das bochechas de onde o focinho começava a se afinar e tomar a forma triangular da espécie.

Seus cabelos eram alaranjados, pêlos longos, encaracolados e com costeletas igualmente ligas, trançadas que acompanhavam o corpo até o peitoral onde terminava com anéis que prendiam os fios.

Os olhos dela encaravam Vael de forma que puxava sua atenção para si e mais nenhum outro lugar do cômodo. Sua mão direita segurava uma caneta e ajudava a atrair a atenção ao seu rosto enquanto a postura ereta e pernas gentilmente cruzadas davam um ar elegante e centralizavam o foco do paciente em um ponto: ela. Todos os seus movimentos, gestos, olhares, postura era para que ela fosse o centro das atenções do guaxinim, e ela sabia bem como fazer isto pela fluidez da terapia.

— Percebi que evoluiu em seu aspecto social. Você fez amigos novos, mas percebi que todos os amigos que você tem possuem um ponto em comum: você os conheceu no furbook. O lugar onde você sabe se expressar melhor é na internet ainda, mas consegue confiança para tentar algo na vida real com estes amigos - afirmava enquanto girava a caneta ao lado do rosto.

— S-sim - gaguejou.

— Isto é algo que ainda precisamos trabalhar, embora tenha se desenvolvido muito desde que nos conhecemos. - Ela se curvou para frente e tocou o lábio inferior com a caneta, prestando atenção em seu celular. - Tive uma ideia.

— Qual? - Os olhos de Vael se arregalaram com curiosidade.

— Irei conversar sobre a proposta por mensagem com você. Vai ser melhor a gente definir algo assim. - Deixou o celular sobre a mesa de canto. - Devemos sair algum dia para algum lugar, nós dois. Podemos nos tratar como amigos ao invés de terapeuta e paciente. Nada de formalidades desnecessárias, mas irmos a algum bar, balada, shopping, praça ou evento. Onde pudermos ir conhecer pessoas. Outra opção seria você se encontrar com amigos e me apresentar a eles. Isso não é o mais ideal, mas é uma opção para eu ver como você interage entre amigos.

— Uhum... É, são boas ideias.

— Mas deixando de lado este plano, vamos falar da sua mensagem? Disse que uma coisa o atormentava. O que era? - Olhou para o paciente com curiosidade.

— Bom... - Se curvou, esfregou as mãos, estalou os dedos e continuou. - Álvares de Azevedo era uma lontra¹... Viveu até os 21 anos pelas doenças que tinha na época e por isso, por vários de seus textos ter uma melancolia de quem nunca iria aproveitar a vida, e pior, ele parecia odiar ao mesmo tempo em que aceitava que nunca iria encontrar alguém. Ele considerava as mulheres como puras e angelicais, seres inalcançáveis e incompreensíveis. Talvez ele fosse como eu quando fosse tentar falar com alguma se tivesse interesse por ela... ou por qualquer pessoa na real. Eu não sei se ele tinha medo de não conseguir nada, afinal para ele a vida era curta então pra quê não curtir com tudo que tivesse direito? A questão é que eu teria bem mais tempo de vida que um escritor e acho que exatamente por isso eu tenho medo de ficar sozinho. De ninguém me amar romanticamente algum dia. Eu sei que para autistas é muito mais difícil esse negócio de relacionamentos e tal, mas... Bom, teve gente que conseguiu né? Eu não sou um tipo de ser esquisito que ninguém amaria, né?

Eles ficaram alguns segundos em silêncio. Lenna pressionou a caneta sobre o lábio inferior e começou a dizer:

— Bom... Você já disse que sempre pensava nos piores lados primeiro. Que tal tentar pensar positivo? Você ainda pode avançar mais em suas habilidades sociais. Sei que o medo da solidão é algo que você tem e gostaria de fazer coisas junto de alguém, mas que tal pensar que você está no caminho disso? Sem uma doença respiratória, como a de Azevedo, você tem muito tempo de vida para testar estratégias de aproximação e de socializar. Geralmente situações tensas podem ser capazes de unir pessoas de forma mais fácil, mas geralmente uma relação e o desenvolvimento que leva à aproximação entre as partes envolvidas é um processo lento... ou depende de quanto você já é próximo da pessoa.

— Entendi... - Vael baixou a cabeça pensativo.

— Já tem alguém em mente?

O guaxinim levantou a cabeça e a observou voltar sua postura ao que estava antes. Uma imagem poderosa, decidida, dominante sobre a situação.

— Ehr... Não, eu não sei... Quando penso em alguém muita gente passa pela minha cabeça.

— Entendo... Você pensa em situações que não tem o controle e fica completamente ansioso quando tenta planejar sobre elas, coisas que você nem sabe se vai acontecer ou não. A melhor possibilidade seria você ter alguém em mente antes de planejar investir, mas pelo que você disse, o problema que tá dando todos esses problemas a mais, como o medo, é a sua ansiedade. E aposto que deve surgir exatamente quando você tenta controlar situações hipotéticas, que não aconteceram ainda.

— S-sim... É como uma... uma paranoia, acho.

— Uma paranoia... sim. Você quer ajuda com mais coisas além de relações sociais mais específicas e como lidar com ansiedade? Posso te passar uma lista de exercícios depois de como você poderia treinar sua mente para se acalmar em algumas situações. Sua cabeça já é acelerada. Isso vai acelerar ela ainda mais.

O relógio digital sobre a mesinha ao lado de Lenna apitou, marcando o fim do atendimento.

— Bom, já deu três da tarde. Tenho que ir agora.

Ambos se levantaram, ela abriu a porta e terminou dizendo:

— Outra coisa. Você é um asperger, claro, mas nada te impede de ter um relacionamento. Não se preocupe tanto com isso, Vael. Você consegue, eu confio em você. É esta uma das coisas que estamos treinando, não é?

Pela primeira vez, Vael sentiu um olhar mais caridoso e bondoso, como se ela tivesse perdido aquele ar de elegância e autoridade que dava mesmo sem querer.

— Se precisar de alguma coisa, só mandar mensagem.

Eles se despediram e Vael seguiu seu caminho para a próxima parada, a casa de sua irmã biológica.

Lenna começou a falar para chamar o próximo paciente quando seu telefone tocou sobre a mesinha. O celular vibrava enquanto a música soava, uma música específica para um contato muito específico que ela deixou lá para atender quando fosse necessário, afinal era só nos momentos em que era necessário que Verloran ligava.

Ela pegou o telefone, olhou para a imagem de perfil, crianças sergais enfileiradas e o foco da imagem nos dois. Lenna e Verloran, velhos amigos.

Arrastou a marca verde do celular e pronunciou com educação e respeito ao amigo:

— Vossa alteza?

— Deixa de exagero, Lenna! - o rei disse em tom brincalhão. - Odeio formalidade exagerada, só precisa me tratar assim em público por motivos políticos mesmo.

— E você nunca tem tempo pra ligar. Qual a urgência?

— Quero que venha amanhã para participar de uma janta especial. Eu iria fazer uma oferta de você ser psicóloga no palácio, mas duvido que você deixaria os seus pacientes de lado então apenas uma janta como amigos de infância.

— É, você me conhece bem. Mas uma janta eu aceito sim.

— Então está combinado, Len?

— Claro que sim, Ver. Tava com saudades de você.

***

Sempre que passava pela Grande Avenida, Vael podia ver a Cidade Real à distância.

Ficava numa calçada pequena entre as duas mãos da avenida olhando para a construção colossal que possuía elementos de diversas culturas, representando os diversos animais que habitavam o reino com a ponta do telhado acima das nuvens.

O próprio palácio era uma cidade onde os maiores comerciantes viviam e vendiam suas coisas como uma espécie de shopping, onde os ministros eleitos moravam em quartos como casas com suas famílias e a família real em sua própria área andares acima. Mais acima ainda, quase no topo, templos com imagens de todos os Guardiões daquele mundo estavam com suas respectivas esculturas cobertas a ouro.

Em todo o canto da cidade, as plantas floreciam e formava um grande e único jardim, principalmente nos telhados onde as flores deixavam seus cheiros se espalharem com os ventos emitindo um aroma doce pelas cidades próximas. Isso acalmava Vael.

Segurou a alça de sua mochila para ter certeza de que estava com ela ainda e seguiu em seu caminho.

Pelo caminho com as ruas começando a se estreitar, começava a notar a diferença dos distritos da cidade. Aquela área mais rústica, com ruas de paralelepípedo preservados era uma região histórica. Cada vez mais perto de um porto pelo cheiro das águas salgadas do mar misturados com os aromas produzidos pelo palácio.

Não era difícil morar nas redondezas do distrito histórico se trabalhasse nele, e era exatamente isto que Karin fazia. Trabalhava na recepção de uma grande pousada, historicamente conhecida como sendo local de descanso de escritores famosos. Vael provavelmente sabia disso por ser fascinado por escritores.

O local de trabalho dela era um caminho perfeito para sua casa e também boa referência para o melhor cabeleireiro que já viu! Era para lá que ele iria!

Tudo parou quando aquele enorme cabelo trançado da forma que sempre ficava quando aquele pandinha trabalhava em seu salão.

Talvez você tenha pensado nos pandas como normalmente são: gordinhos, grandões e fortes.

Bom, não este.

Da mesma altura de Vael, olhos com coloração igual aos do guaxinim, magro e de feições afeminadas.

Ele terminou de cortar o cabelo de um cliente que logo pagou e saiu do lugar e Vael entrou. Os olhos do pandinha brilharam e ambos se abraçaram como se não se vissem há tempos.

— Vael! Eai, qual vai ser a de hoje? - Ele desfez o abraço e virou a cadeira para o novo freguês.

— Eu vou cortar um pouco o cabelo. Tirar essas pontas. - Sentou-se na cadeira giratória e colocou o aplicativo de músicas no celular. - Ying, você pode me emprestar uns fones? Esqueci os meus em casa.

Ele parou um tempinho para procurar os fones e os entregou para o amigo guaxinim.

— Só toma cuidado com ele. Depois conversamos um pouco, como sempre?

— Claro - Colocou os fones antes de Ying ligar os aparelhos.

Levou pouco tempo. Quase não sentiu os aparelhos... Ou será que eles não foram necessários? Vai saber...

No final, Vael foi cutucado, o que significava que acabou e que poderia parar de ouvir suas músicas.

Os dois foram ao sofá comprido que havia ali, completamente vazio.

— Então, Ying? E os clientes? Tá... Movimentado hoje? - debochou.

— Haha - Ying debochou de volta enquanto desfazia as tranças e elásticos de cabelo.

Todo ele ia quase nos pés do panda. Arrumou um pouco e Vael tentou ajudá-lo. O empurrou com cuidado para a cadeira, e agora ele que iria cuidar de um cabelo.

Era comum que fios acabassem emaranhados por acidente, embora Ying não sabia que milagres o amigo fazia para ter um toque tão preciso e gentil que quase não havia dor de um puxão de fio com a escovação dos pêlos.

— Eu só tive sorte de você ser meu último cliente, Vael. O último daqui - Esboçou um sorriso tímido para o espelho.

— Como assim? - Vael retribuiu o olhar. Não entendia se era nervosismo, felicidade, tristeza ou arrependimento. Talvez uma mistura? Aquele olhar podia ser qualquer coisa. Aquelas manchas pretas ao redor dos olhos dos pandas ajudavam a confundir Vael.

— Não deve ser o que está pensando.

— Então me diga.

— Bom... Eu fui temporariamente contratado pelo rei. É uma boa, não é?

Vael jogou os cabelos de Ying para trás da cadeira para ajudar a escová-lo.

— Sim, é uma boa. - Ele pegava em partes do cabelo do amigo aproveitando para sentir sua maciez.  - Uma boa notícia. O cabeleireiro real!

— Sim... - Ele deu uma risadinha tímida. - Eu vou fechar aqui e já ir à Cidade. 

— Que demais! Fico feliz que tenha conseguido algo assim! - Escovou os últimos fios e colocou a escova sobre o balcão. - Já deve estar bom.

— Era esta a novidade... E você? Alguma coisa? - O panda massageou um pouco o cabelo e balançou a cabeça.

— Nada demais - Vael falou cansado enquanto se jogava no sofá. - Acho que as mesmas coisas de sempre.

— Entendo. Então, o mesmo de sempre...? Se tá chateado com alguma coisa de novo, já sei como ajudar. - O panda levantou-se de forma elegante e caminhou lentamente até o amigo com um olhar provocante enquanto lentamente tirava seu avental de trabalho e o deixou de lado. 

— Ying... O que você...

Ying o interrompeu com um pulo. Seu corpo caiu com um abraço no guaxinim.

Vael deu um suspiro alto e assustado quando aconteceu.

— Não preciso ter tanta pressa. - Ying acariciou os cabelos do amigo. - Vamos conversar mais um pouquinho.


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Notas finais do capítulo

Compartilhem com amigos, pls ♥



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