A Luz de Khiva escrita por Spotplay


Capítulo 4
Capítulo 4 - A Escuridão Interior




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A essa altura, eu já sonhava com confrontos, tiros e mortes, que algumas vezes era a minha. E logo renascida, tinha de fazer tudo de novo, e de novo, até que enfim tudo escurecia, e eu acordava. Tudo isso nessa primeira noite, que era pra ser algum tipo de descanso. Quando achou que já devia, Fantasma me chamou. Talvez por ser uma Guardiã renascida dos mortos, eu não sentia fome.

— Olá! Vamos indo? Temos um longo dia pela frente. Haverão muitos, na verdade.

— Tudo bem. Eu entendo que esse é o motivo de minha volta e provavelmente o motivo pelo qual morri. Já que irá me reviver, posso morrer mais vezes.

— Acordou mais interativa hoje. Isso é bom. Comunicação é tudo que teremos. Nossas vidas irão depender disso em muitos momentos.

Quando disse nossas vidas parei por um momento para pensar o que aconteceria caso ele morresse. Então sim, éramos o ponto fraco, um do outro.

— O que faremos hoje? — tentei ser otimista.

— O Porta-Voz fez um pedido aos Guardiões. Há relatos de que os Decaídos lá no Cosmódromo estão guardando muito bem o Observatório Celeste. Pode ser um de seus líderes ou algo de valor.

— Ok, vamos dar uma olhada.

Lembrei que nossa nave estava transitando em órbita esse tempo todo. E logo depois que decidi, não demoramos muito para descer.

De volta à Estepe, aterrissamos no mesmo local de antes. Era o mais amplo e seguro para tal ação. Não sei como os Decaídos não tomaram esse posto. Talvez por medo? Estratégia?

— Ok. O Observatório Celeste está do outro lado da Estepe. E cercado por Decaídos. Estarei pronto quando você estiver.

— Renasci pronta. — na minha cabeça, isso era uma piada.

Naquele cenário que já era familiar, comecei a correr em direção ao nosso objetivo. Haviam algumas garagens abandonadas pelo caminho. Uma tinha entrada para o subterrâneo e não, eu não estava nem um pouco afim de descer. Além do mais, cedo ou tarde eu teria que ir ali. Um trecho da estrada passava por baixo de outra, que era suspensa por pedras, e atravessando, o horizonte se tornou amplo e já dava para avistar o Observatório. Estávamos do outro lado dos muros que dividiam os terrenos, formando um pequeno abismo, e que ia em direção a uma grande estação. Fomos pela esquerda onde a nossa estrada descia e passada por cima da outra, ao lado do rio.

— Sabe, este lugar deve ter sido incrível antes do Colapso. Milhares de humanos a bordo de naves da colônia, indo construir cidades distantes. E agora, os Decaídos ficam perturbando os seus restos. — disse Fantasma, admirando tudo assim como eu.

— Parece ter sido uma daquelas épocas em que se têm esperança de uma vida melhor.

— Sim. — já no outro lado, subimos a inclinação do terreno — Chegamos ao Cemitério de Naves. Um nome bem adequado ao que vê agora. Lá está ele, subindo a colina, o prédio sem radar.

O cemitério era no mínimo impressionante. Aviões adormecidos por séculos em planícies baldias, abandonados ao lado de veículos incompletos. Alguns não tinham a frente e era possível ver toda a sua extensão até a calda, entrar dentro deles e ver pequenos contêineres, vigiados pelos Decaídos. Olhar aquele lugar com atenção para aquele lugar tornava quase possível imaginar como aconteceu tudo aquilo. O momento da queda, o horror, o fim de toda a esperança.

Chamamos a atenção de alguns rebaixados, que vieram nos dar a sua prática recepção. Após abatê-los, começamos a subir a colina. A entrada que dava para o Observatório era como de qualquer grande edifício, porém deixada ao tempo há muitos anos.

Um Capitão e dois Vândalos guardavam a entrada à direita do prédio. Algo importante nos esperava. Eles eram esguios e habilidosos. O Capitão, mais experiente, atirava e dançava por entre equipamentos abandonados. Sendo assim o persegui com a escopeta.

Terminada a conversa, adentramos o prédio. Como todos os outros, ele estava destruído, saqueado, sujo e mal iluminado. Indo mais adiante por algumas salas, tudo ficava mais incômodo. O que os Decaídos mantinham ali?

— Esta era uma das velhas estações da matriz do Observatório Celeste, uma conexão com as colônias da Lua. O complexo lunar.

Chegamos uma área escura, segundo Fantasma, carregada pela Treva. Havia uma entrada, ou saída, bloqueada.

— Sem saída. Os Decaídos selaram este portão. Consigo abrir.

— Ok. É com você então.

Esperei enquanto ele inspecionava o leitor. Ele ia de uma direção a outra enquanto seu scanner dançava pelo aparelho.

— Os Decaídos não queriam ninguém entrando, ou saindo…?

— Diz isso já abrindo?

— Bom, temos que saber, de qualquer jeito.

— Espero que seja a primeira opção.

Quando o portão foi aberto, uma névoa verde deslizou pelo chão, como se quisesse espaço. Haviam cristais espetados nos cantos, e algo impregnado nas paredes, como parasitas mortos. O ar era pesado, como se me esmagasse. E o cheiro era forte, e não havia com o quê eu pudesse comparar. Defuntos talvez?

Entramos, e começamos a subir as escadas, em meio à uma escuridão total, exceto pela pequena luz do Fantasma. De repente vários sinais vermelhos começaram a rodear nosso radar.

— O que é isso? Tem muita movimentação adiante. Tenho um mau pressentimento.

Eu também.

Terminando as escadas chegamos a uma ampla sala com maquinários. Isso era péssimo, seja lá o que tivesse gritando como almas penadas naquele lugar, poderia vir de qualquer lugar, e eram muitos.

Íamos avançando mesmo assim. Decidi andar pelos cantos, onde pelo menos de um lado eu saberia que seria apenas uma parede. Será que eles atravessavam as paredes? Eu permanecia em silêncio, concentrada ou com medo demais para comentar qualquer coisa. Aquele som de espíritos condenados do inferno aumentava cada vez mais…

— Ali!

Uma forma horrenda veio correndo em nossa direção. Atirei no susto quando ele apareceu a poucos metros em nossa frente, já avançando. Não queria esperar para saber o que aconteceria caso chegasse mais perto. Outros vieram logo atrás, correndo famintos e violentos, gritando, rosnando. Eram como múmias selvagens, rápidas e mortais, com dentes e unhas afiadas, uma pele enrugada e com falhas em certos pontos, onde dava pra ver através. Esqueletos vivo por assim dizer. Um eu até daria conta, mas vários juntos poderia ser muito complicado.

Depois de eliminar uma meia dúzia, Vieram outros porém, diferentes. Esses tinham três luminosos olhos verdes, enquanto os primeiros nem tinham. Não vieram ao meu encontro pois possuíam armas que disparam tiros igualmente verdes. Eles andavam atirando e se escondiam entre os pilares. Pareciam ter mais pele e ossos do que os seus corredores iniciais. Resumindo, eram tão horrendos quanto.

— A Colmeia… — disse Fantasma. Pelo tom, alguma coisa estava muito errada. — Temos prosseguir, pelas escadas.

Continuamos a subir e detectamos mais inimigos.

— Têm uma Feiticeira aqui. Se vir algo levitando no ar, vai ter que matá-la!

Mal acabamos as escadas e outros esqueletos vivos corriam em nossa direção, gritando como loucos! Recuei um pouco para fazer da escada minha barricada, e me empreguei a eliminar todos antes de continuar. Os dos olhos verdes estavam na retaguarda, observando e atirando. Desses matei quase uma dezena.

Após atravessar outro saguão lá estava ela, a tal Feiticeira. Tão horrível quanto os outros e ainda mais mortal, e escandalosa. Ela flutuava de um lado pro outro, e se não fosse tão monstruosa, diria até que usava um vestido e capa. Sua capa tinha um formato como se tivesse dois pequenos chifres encurvados. Ela gritava como os esqueletos, só que mais alto. Atirava bolas de arco e uma névoa venenosa perturbadora.

— Certo, vamos acabar logo com isso. — me escondi e recarreguei todas as armas.

Ela também era esperta. Aparecia para atacar e recuava para se recuperar. Isso e ainda chamar reforços. A certo ponto, eu ignorava os outros e a perseguia, pois a cada vez que ela sumia, vinha mais disposta a duelar. Dois corredores vieram pelos flancos e me deram um golpe avassalador. De repente me senti desnorteada, vendo tudo escuro, e doía tanto! E então, um dos que tinham olhos verdes deu as caras, e atirou em mim.

Dessa vez eu não senti nada, apenas a escuridão e o frio tomando conta de mim. De repente me vi no mesmo lugar onde estava quando renasci. O limbo, o nada. Um lugar sem começo, sem fim, sem luz. Eu estava morta.

— Khiva! Vamos! — Não sei ao certo quanto tempo permaneci naquele estado. Era como se estivesse dormindo, obrigatoriamente e para sempre. E ali estava Fantasma, me revivendo.

— Chega! — Senti toda minha força voltando, e parti pra cima de todos com a escopeta. Foi o suficiente.

Após terminar com a Feiticeira e seus discípulos, finalmente pude parar e respirar, e ter a minha explicação. Na verdade, Fantasma também queria uma.

— A Colmeia não vem a Terra há séculos. Aquela Feiticeira veio da Lua. Achei que tivéssemos contido eles lá. A Treva pode estar bem mais perto do que imaginamos. 

— O que são essas coisas?! Aqueles corredores esqueléticos, os dos olhos verdes e toda essa coisa de Colmeia?

— A Colmeia é um mal antigo e disseminador. A antipatia deles com a Luz transcende o ódio. Para a Colmeia, a eterna luta entre Luz e Treva não é somente uma guerra; é uma cruzada onde toda a Luz deve ser devorada para que a Treva possa recuperar o universo. Os corredores são Escravos. São selvagens, destemidos, e uma praga no campo de batalha. Enxames destas criaturas distorcidas são movidos por uma fúria desenfreada. De todos os horrores nascidos da perversão da Colmeia, eles são os mais baixos.

— Devem ser mesmo.

— Os atiradores são Acólitos. Seria um erro enxergar eles como soldados de infantaria. A Colmeia não é só um exército, e sim uma força sombria em ascensão. Esta força é feita de crença e terror, e seus Acólitos são os instrumentos desse terror, sedentos para cometer as atrocidades que os levarão à ascensão.

Sentei.

— E por fim, as Feiticeiras. Elas são o bisturi com o qual a Colmeia disseca o universo. Um pesadelo de trapos e ossos, ela se esconde em treva e fogo, dissecando e experimentando com tudo que cai em suas garras.

— Vamos embora.

— Sim, precisamos informar os outros.

— Eu preciso de mais poder. Não vou passar por isso de novo. Vou procurar Ikora, ver se ela pode me ajudar com isso.

— Pode, e vai. Já está na hora de expandir seu poder sobre os elementos. Só esteja ciente de que você ainda morrerá, muitas vezes, de formas diferentes.

Afirmei, silenciosa e pensativa por um longo tempo, ao pensar em tantos inimigos que eu teria de enfrentar e o quão poderosa eu teria de ficar para combatê-los.


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