Anne With an escrita por Donna K2O


Capítulo 4
O Resgate de Ka'Kwet - Parte 2


Notas iniciais do capítulo

Gente, como a Anne tem pouco tempo para resgatar a Ka'kwet eu não posso ficar enrolando vocês por vários capítulos. Até por que isso tudo aconteceu em 1 dia, não tem como eu dividir em 5 partes! Mas nos próximos capítulos vamos voltar a falar da galera toda... Só tinha que resolver o "lance" da Ka'kwet antes.



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Na sala da Tia Jô

Anne mal dormiu aquela noite, pra falar a verdade no máximo cochilou por alguns minutos algumas vezes. As 07h00min decidiu se levantar, pois achava ridículo continuar fingindo estar dormindo na sala quando sua cabeça não parava de trabalhar. Havia um “discurso” ensaiado, no qual ficava pensando um tempo todo. Sabia que teria uma manhã muito trabalhosa pela frente... Ou não, tudo dependeria do que ocorreria. Sendo assim, colocou no papel vários argumentos que poderia usar, pensando nas possíveis contra argumentações feitas a elas. Tia Jô havia contado a ela assim que acordara, que a cidade toda estava comentando sobre os panfletos, grupos estavam se reunindo nos salões de beleza, barbearias, padarias e até mesmo nas ruas comentando sobre o assunto. Algumas pessoas não davam importância, o que só gerava mais discussões, pois quanto um grupo de pessoas se formava sendo a favor dos maus tratos, outro grupo que era contra chegava e os enfrentava, para tentar mudar seus pensamentos. Até o presente momento o plano de Anne estava dando certo. A próxima parte do plano seria a mais difícil: “1ª Agrupar a multidão na frente do internato, 2º Chamar a atenção do prefeito da cidade até a multidão e 3º Convencê-lo a fechar o internato e devolver as crianças”.

Não havia nenhuma assinatura no panfleto de quem declarando quem o havia escrito, nem havia a logo do jornal, nem nada que pudesse entregar quem o havia feito. Então, “alguém” havia feito o panfleto, mas quem enfrentaria as autoridades sobre o assunto seria a sociedade. Anne só tinha que tomar seu café, ir para as ruas e colocar um pouco mais de lenha na fogueira, já acessa. Assim, não tomaria a frente do protesto, apenas o acompanharia a multidão e “casualmente”, se prontificaria a falar por eles. Ninguém seria apontado como o “aquele que iniciou a baderna”. O herói da história ficaria no anonimato. Anne não queria créditos por isso, queria apenas sua amiga, nada mais.

Anne ensaiava seus argumentos no jardim, enquanto seus amigos tomavam café. Gilbert, que havia terminado seu café antes, foi até o jardim após ver Anne pela janela. Ficou parado por um tempo vendo-a falando sozinha, andando de um lado para o outro. Ele gostava de ficar vendo ela assim, nesses momentos onde revelava sua verdadeira essência, em que ficava sozinha e era ela mesma, pois não havia ninguém ao redor para fazer o papel de durona, ou frágil, ou isso ou aquilo. Era quem ela era realmente. Podia ver a Anne de 3 anos atrás, naquela Anne do presente em suas caretas e seus gestos, em sua forma de defender suas ideias. Às vezes era difícil vê-la com suas novas roupas de “jovem moça da cidade universitária”. Aproximou-se aos poucos até a jovem vê-lo.

— Oi Gilbert! Estava ensaiando o que dizer hoje.

— Vai se sair bem. – Disse com um sorriso. - Vim te chamar por que os outros já estão terminando o café, para irmos até o internato. – Anne estava nervosa com tudo aquilo. Não tinha em quem se amparar agora que Mattew e Marilla estavam longe. Não sabia o que fazer se desse tudo errado.

Em um instante deixou seu medo lhe dominar, e acabou por dizer:

— Talvez seja melhor abortarmos a missão, e... - Mas Gilbert se aproximou segurando suas mãos. Interrompendo-a.

— Ei! Fica calma! Vai ficar tudo bem, vai dar tudo certo.

— Bom... E se não der? E se eu arranjar problemas com o prefeito da cidade antes mesmo das aulas começarem? E se eu perder a briga e ficar conhecida na cidade como “A garota que desafiou o prefeito”? E se isso chegar até a universidade?

Seus olhos arderam ao pensar no desapontamento dos Cuthbert ao ver que, na primeira semana sozinha em uma cidade já havia arranjado confusão. Gilbert a abraçou gentilmente.

— Estamos todos no nesse barco com você e não vamos deixar você sozinha nele. Todos nós estamos aqui para te apoiar por que acreditamos em você.

Anne respirou profundamente enquanto sentia o abraço de Gilbert. Achava engraçado pensar nos abraços. Eles eram tão simples, e tão eficazes. Não precisavam de palavras, nem ações, nem conselhos, nem reflexões, nem remédios nem nenhum artifício a mais para funcionar. E sempre funcionavam. Eram capazes demonstrar tudo o que se sentia.

— É bom ter você aqui. – Confessou ela saindo do abraço.

— É bom ter você também. – Disse acariciando o rosto de Anne, em seguida beijou-a docemente nos lábios por alguns segundos. Não podiam perder o foco. – Senti falta de suas travessuras Anne Shirley-Cuthbert. – Disse com seu famoso sorriso torno e maroto. Em resposta recebeu um sorriso da moça, iluminado pela esperança de que tudo daria certo no final realmente, assim como sempre dava.

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Em uma sala desconhecida

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— A Senhora credita que já é hora de começarmos a parte 2 do plano? – Indagou Sr. Lerg.

— Me responda você! Acha que podemos conseguir nossa Lyla?

— Baseado nos dados que consegui, posso dizer com segurança que o caso é ganho Sra. Gaélic. Anne Shirley-Cuthbert é nossa.

Sra. Gaélic se pôs em pé animada com a resposta do Sr. Lerg. A mulher tinha a aparência de uma mulher de 50 anos. Seus cabelos eram de um castanho claro, ondulado e vestia um lindo vestido rosa com rendas brancas, cheio de adornos. Sua sala de estar consistia em 4 sofás de veludo vermelho e dourado, com poltronas da mesma coloração. Uma lareira apagada com um quadro enorme sobre ele, de seu falecido marido. Um homem com um sorriso gentil e feições de um cavalheiro, que quando vivo era muito querido por todos que o conheciam. Completamente o contrário de sua esposa, que tinha um rosto sério e o nariz empinado. Havia sido mimada ao máximo que pode, e criada para dar atenção ao dinheiro antes de qualquer coisa.

— Então não há tempo a perder! Prepare suas coisas Daniel, vamos até Green Gables ainda essa semana.

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No internato em Charlottetown

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Uma multidão estava sendo formada na frente do internato, e cada vez crescia mais. Isso por que Anne, Jane, Tillie, Cole, Rubi, Josie e Gilbert após o café da manhã se separaram na cidade, cada um foi para um lado buscar os grupos que estavam sendo formados, pelas pessoas que achavam absurdo os maus-tratos no internato. Assim que encontravam esses grupos, eles os induziam a ir até o internato para protestar, e assim cada vez a multidão lá crescia mais. Com certeza ficar até as 05h00min da manhã acordado no sábado e ter dormido cerca de 02h00min apenas nesse mesmo dia tinham valido a pena. Repassaram o texto do folheto, várias e várias vezes para conseguir as palavras certas que iriam tocar o coração das pessoas.

Primeiramente, usavam sempre a palavra “Crianças” ao invés de “índios”, por que ao usarem a palavra “índios”, sabiam que as pessoas remeteriam essa palavra a imagem típica dos índios adultos, caçadores, e selvagens e ao preconceito que a maioria esmagadora ainda tinha com eles. Ao usarem a palavra “Crianças”, sabiam que tocariam seus corações, pois veriam a imagem dos seus próprios filhos, então usavam ao máximo essa palavra. A palavra “Açoite”, “Tortura” e “Chibata”, também eram usadas frequentemente no panfleto, pois sendo um país onde a menos de 60 anos atrás ainda tinha a escravidão muito forte, sabiam como essas palavras seriam um sal na ferida, já que remeteriam as torturas do internato às torturas dos negros nas senzalas.

Claramente os maus-tratos do internato escritos nos panfletos, não eram tão pesados quanto aos das senzalas, nem de longe, mas é curioso como bom uso das palavras tem esse poder, de tornar algo ruim em algo inconcebível. E Anne sabia disso, e usou ao máximo seu conhecimento sobre o poder que as palavras têm de persuasão neste texto. Certa vez, um autor de um livro tivera usado tão bem suas palavras na descrição de uma mãe querendo matar seu filho para protegê-lo dos outros, que Anne se comoveu! De fato chegou a se emocionar com a cena em que a mãe envenenara o filho “Por amor”! Ficou mal por dias, ficara perplexa ao ver como era possível manipular as pessoas com palavras, mas havia aprendido com isso, e sempre que era necessário usava esses “poderes” em sua vida. Como a vez em que convenceu Marilla, A mãe de Diana e de Cole a deixarem 3 crianças irem sozinhas para a cidade, em um baile de adultos.

Uma coisa era certa, o efeito das palavras era temporário. Após uma noite de sono, esse baque já teria amenizado, e com o passar dos dias as palavras usadas seriam esquecidas, e ficaria apenas a história simples do que estava ocorrendo, e então não conseguiriam o apoio necessário para mudar alguma coisa. O impacto já teria passado e com o tempo as pessoas se acostumariam ao saber o que ocorria entre as paredes do internato, e não fariam nada para mudar, apenas não tocariam no assunto. Era como diz o poema: “Vacas roxas não existem, eu nunca vi alguma, mas se você vir uma, em pouco tempo se acostuma”.

O prefeito chegou após algum tempo, a multidão era enorme. Algumas pessoas nem apoiavam o que estava sendo protestado, apenas estavam ali por curiosidade, mas até mesmo essas pessoas eram importantes, pois o número também contava. As pessoas gritavam para que soltassem as crianças, para que abrissem a porta do internato, diziam o quanto era vergonhosa tão coisa ocorrer, e pediam uma explicação do padre. Este, dizia que tudo era mentira e que tinham inventado coisas mentirosas sobre ele e as freiras, mas as pessoas pediam para ver as crianças e o padre não deixava, dizia ser uma afronta que não confiassem na palavra dele. Quando o prefeito chegou, pediu para que todos se calassem aguardando o parecer dele. E assim fizeram.

— Queremos que deixem essas crianças saírem, e voltarem para suas casas! – Gritou Gilbert, que estava na primeira fileira da multidão junto com seus amigos. O prefeito subiu na pequena varanda que havia na entrada da porta do internato, para projetar sua voz e ser visto por todos.

— As acusações feitas aos cuidados do internato são falsas. Não há qualquer tipo de agressões que não sejam única e exclusivamente para a educação dessas crianças.

— Todos leram as coisas terríveis que fazem com as crianças! – Bradou uma mulher. – Batem sem motivo algum! Quem dá 24 chibatadas em uma criança por que erra o hino nacional!

O fato havia sido contato por Ka’kwet. Uma das crianças chamada Marta havia errado uma frase do hino e a música foi parada. O padre se irritou, pois estavam ensaiando para cantar na abertura de um recital em algumas semanas, para mostrar “O amor pela pátria” que estava sendo ensinado para os pequenos. Outras músicas também estavam sendo ensaiadas. Essa menina em especial, tinha um pouco de dificuldade na fala, pois seu povo tinha o sotaque muito forte. O padre se aproximou e pediu que ela levantasse a saia, ele deu 3 chibatadas nas coxas dela. Quando os castigos eram mais “marcantes” eles preferiam usar partes do corpo que ficavam cobertas pelas roupas, para o caso de uma visita inesperada. Logo em seguida, ele pediu que ela falasse a frase corretamente. Sem nenhuma ajuda dos colegas, nem mesmo dizer no que ela havia errado. Ela errou novamente, e foram mais três chibatadas. Isso se repetiu mais 6 vezes. Até que por fim, o padre se deu por satisfeito, e disse que ela ficaria responsável por toda a louça durante todo o dia e não teria direito a comer até o dia seguinte. Para que de barriga vazia, se lembrasse da letra do hino. Ka’kwet contou que a pobre Marta lavava a louça chorando, pois estava com muita fome e nem os restos de comida dos pratos podia comer, pois as freiras não permitiam. Muitos outros casos como este foram contados.

— Eu com 10 anos já sabia o hino nacional decor. Sem um erro sequer! – Se gabou o prefeito.

— Uma criança que nasceu sendo filho de um prefeito, não é se se surpreender que saiba o hino nacional com 10 anos! – Gritou Anne. – Mas uma criança que há poucos meses nem conhecia a língua em que o hino é cantado, não decora ele assim tão rápido não concorda? Como decorariam se nem falar a língua direito falam? Nós que somos fluentes em nossa língua desde pequenos, ainda falamos uma ou outra palavra errada da letra, pois é de um vocabulário que hoje não é mais usado. E mesmo que fosse o caso, que monstro comete tal agressão a uma criança!

— Essa e as outras histórias são todas mentiras!

— Prove! – Gritou Diana.

— É claro! - Disse o prefeito em tom calmo. Ele fez um movimento para chamar uma das freiras. – Traga uma das crianças para cá, para que vejam como está saudável e bela.

A freira entrou e em alguns minutos voltou com um menino, ele tinha cerca de 6 anos. O prefeito levantou a camisa do menino, as mangas da camisa e as pernas das calças para que todos vissem que ele não tinha qualquer marca em seu corpo.

— Menino, alguma dessas freiras ou o padre lhe agrediu nos últimos dias? – Perguntou o prefeito. O menino se encolheu. – Vamos, pode contar! Estamos aqui para te proteger.

O menino disse em um tom fino e delicado “Não”. Todos na multidão ficaram chocados, sentiram-se idiotas por acreditar no texto de Anne e seus colegas. Diana reconheceu o menino.

— Esse menino chegou aí faz menos 4 dias! – Gritou Diana. Lembrando o dia anterior em que visitou o internato, e uma irmã lhe mostrou o mais novo “selvagem” que haviam recebido. Ainda não tinham tido tempo de trocar seu nome para um bíblico, mas estavam pensando em Samuel ou Davi, por seu tamanho. – A Irmã Clara me disse que nem mudaram o nome dele ainda! Tragam a Marta!

— Tragam a Marta! – Gritou Tillie. Toda a multidão gritou junto. Estavam mais irritados ainda, por que não sabiam se acreditavam no texto ou no prefeito. Este tremeu na base ao perceber que seu plano havia falhado.

Anne percebeu o que devia ser feito. Sem chamar muita atenção, ela chamou Cole em um canto para falar com ele. Um pouco afastado da multidão.

— Temos que mostrar as crianças do internato para a cidade!

— Mas as freiras nunca farão isso!

— Eu tenho um plano! Me segue – Disse a ruiva.

Eles foram até os fundos do internato, de lá era possível ouvir as vozes de todos. Enquanto o povo estivesse apoiando o plano ainda estava em pé, mas teria que ser rápida.

— Qual é sei plano Anne?

— Ka’kwet disse em uma parte da carta que são 5 freiras no internato.

— E daí?

— Daí, que as 5 freiras estão na janela da frente espiando a confusão, você não viu?

— Não!

— Bom eu vi! Elas estão espiando a confusão e o padre está ao lado do prefeito, isso significa que o restante do internato está sem ninguém vigiando! Então, eu entro e tiro a Marta, para mostrar que estamos falando a verdade!

— Como é? – Cole estremeceu. – Como faremos isso?

— Pela chaminé! Na noite anterior vi que tinha essa árvore grande nessa parte de trás no internato. – Apontou para uma árvore cujos galhos tocavam o teto da construção. - Acho que por esse galho dela, dá para subir no telhado!

— Anne você pirou! Não dá para entrar pela chaminé! O galho pode quebrar!

— Bom, com esse vestido eu não consigo mesmo! – Refletiu a moça. Ela olhou ao redor, e viu umas roupas secando no varal, pertencentes aos meninos do internato, e uns lençóis. – Com essas roupas sim! A chaminé tem em torno e 70 cm de comprimento no mínimo, é estreita, mas eu não sou gorda. Cole você pode! É só fazer uma corrente com os lençóis por segurança, para me puxar de volta se ocorrer algum problema. O galho suporta o nosso peso, vai por mim, sou especialista em subir árvores. Depois é só puxar nós duas de volta.

— Não sei não... E se a lareira estiver acesa?

— No verão? Cole eu assumo o risco.

Anne fez seus olhos grandes de pedinchona para Cole, e ele não pode se recusar. O menino subiu na árvore e foi até o galho, o encarou por um instante. Era cerca de 6 metros de até o telhado, e dois andares do chão. Enquanto refletia e tomava coragem viu outro menino subindo a árvore logo atrás dele. Era Anne vestida com as roupas do varal. Cole apenas riu. Anne não ficava tal mal vestida de menino, como já sabemos. Cole atravessou primeiro, mesmo com muito medo e logo atrás dele foi Anne com os lençóis nos ombros, como uma macaquinha. Enquanto isso, Diana sentiu falta da amiga e foi procurá-la.

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No telhado do internato

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Cole preparou os lençóis para Anne descer. Esta respirava fundo e olhava a chaminé a sua frente. Não tinha os 70 cm que imaginava, mas servia ali dentro com certeza.

— Pronta?

— Sim! – Disse enchendo os pulmões de coragem.

Amarrou a ponta do lençol na cintura e desceu. A chaminé era escura, suja e grudenta. Encolheu-se o máximo por medo de entalar, e fechou os olhos durante todo o trajeto, que pareceram horas, quando na verdade não passou de 2 minutos. Orava a Deus em pensamento para que ela não entalasse, pois estava fazendo uma boa causa, não esperando receber nenhum crédito por isso. A Providência (Como dizia Rachel lynde) estava do lado de Anne com certeza, pois conseguiu chegar ao chão. Andou por alguns cômodos até chegar aos quartos. Eram apenas dois, um de meninos e um de meninas, com camas de ferro e colchões tão finos que quase pareciam uma colcha esticada. Não haviam brinquedos, nem enfeites, nem guarda roupas, apenas camas um criado mudo para cada cama com lições sobre elas, e alguns crucifixos sofre as camas.

— Olá. – Disse ela timidamente. Vendo o quanto suas roupas estavam sujas, as meninas com certeza se assustaram, mas não tanto quando viram que Anne era uma menina. Ka’kwet a reconheceu e foi até ela correndo.

— Anne! – A abraçou bem forte. – O que você faz aqui? Como entrou?

— Ka’kwet! Eu estou tão aliviada por te ver... – Controlou suas emoções, voltando para a terra. -Tenho que ser rápida! Onde está Marta?

Ka’kwet indicou a menina de cerca de 13 anos com tanta surpresa no rosto como qualquer outra menina ali.

— Marta eu sou Anne. Preciso da sua ajuda para tirar vocês daqui, você vem comigo? – Ela estendeu a mão para a menina assustada no canto do quarto. Marta olhou para Ka’kwet esperando sua aprovação se era seguro ou não, já que ela era a única que conhecia Anne.

— Pode ir Marta, Anne é de confiança.

As três foram até a chaminé, Anne agilmente amarrou a ponta dos lençóis na cintura de Marta e deu três leves puxões para Cole saber que podia puxar. Marta foi subindo enquanto Ka’kwet a via com uma pontinha de inveja, coisa que Anne percebeu.

— Vamos conseguir tirar você daqui. E se não conseguirmos seus pais irão.

— Eles não estão mais fazendo acampamento. – Disse a pequena índia, de olhos tão meigos e tristes naquele momento.

— Eles foram buscar reforços. Virão com todos os guerreiros para te tirar daqui. – Os olhos de Ka’kwet se iluminaram.

— Mesmo?

— Claro que sim! Você é a coisa mais preciosa para eles. Estou tentando resolver as coisas “diplomaticamente” digamos assim, “para não dizer que não tentamos de tudo”, mas se não der certo, o plano B é por esse internato abaixo só para te terem de volta.

Ka’kwet sorriu. Podia estar com o cabelo e as roupas diferentes, e até mais magra do que era antes, mas seu sorriso ainda era o mesmo. Sincero, imenso e cheio de vida... E com covinhas lindas. Cole jogou o a ponta o lençol de volta, então era a vez de Anne subir. Deu um ultimo abraço na amiga e se foi.

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Na porta do Internato

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— Jamais permitiríamos qualquer tipo de maus-tratos a essas pobres crianças nas quais depositamos nossa confiança para um futuro próspero com nossos amigos índios... – Tentava se retratar o prefeito.

Diana foi até Gilbert.

— Achou ela? – Perguntou o menino.

— Não, nem o Cole.

— Gente! – Gritou Tillie correndo até eles. – Olha o que eu e Rubi achamos!

Ela segurava em suas mãos o vestido de Anne. Ficaram mais confusos do que antes, e em meio a toda a confusão já instaurada, escutam a voz de Cole.

— Aqui está a Marta! – Disse o rapaz.

Todos olharam para ele. E foram à frente para ver a menina. Ela parecia normal, sem nada de muito especial além de estar muito tímida e assustada. As freiras estavam brancas, quase tanto quanto o padre, que gaguejou qualquer coisa que queria falar, enquanto olhava as freiras sem entender o que havia ocorrido. Duas delas corretam para dentro do internato, para ver se mais alguém havia saído, e como havia saído. O prefeito estava estático, mas disfarçava a sua preocupação, como um homem inocente de qualquer culpa. A multidão assim como os jovens de Avonlea, ficaram imóveis, sem saber o que dizer.

— Você é A Marta? – Perguntou o prefeito. A menina se contorceu um pouco devido a timidez, e apenas fez que sim com a cabeça. Todos em volta disseram “Hoooo!”, e começaram a cochichar. – Essas Irmãs ou o padre lhe fizeram algum mal nos últimos dias? – Novamente a menina fez que sim com a cabeça, olhando para o chão. Cole estava logo atrás dela, e segurava seus braços gentilmente, como apoio para que ela não saísse correndo e soubesse que não estava sozinha, ele estava ali para defendê-la. Queria que ela sentisse segurança para falar.

— Não tenha medo! – Ele sussurrou em seu ouvido. - Todos aqui queremos te ajudar.

— Sim, eles fizeram! – Disse a menina levantando o rosto e encarando o prefeito nos olhos, demonstrando segurança e verdade no que falava.

As pessoas em volta, chocadas, desfrutavam daquela cena com a mesma expressão de quem vê uma pessoa abandonando um cachorrinho na rua. Estavam furiosos, mas se aguentando para não falar nada, quase prendendo a respiração para ter acesso a cada detalhe dela.

Alguém se aproximou de Gilbert e apoiou seu cotovelo no ombro dele.

— Ora, Ora... – Disse Anne ainda vestida de menino. Gilbert aguentou o riso ao vê-la completamente suja, vestida daquela forma. – Mas que reviravolta incrível! – Falou ela olhando para Marta assim como todos, apreciando a cena.

— Mas o que...? – Gilbert não terminou a frase, pois foi interrompido.

— Não diga nada Blythe. – Disse ela ainda olhado para frente com um sorrisinho. Eles se entreolharam, e riram, e voltaram-se para frente novamente.

— Pode nos provar? – Disse o prefeito em tom calmo para Marta, com uma pitada de raiva, por estarem desafiando um projeto da prefeitura.

A menina ficou com muita vergonha e medo, e olhou em volta, para toda aquela multidão a sua frente. Não tinha coragem de expor seu corpo, assim, na frente de todos. Foi quando viu Anne mais ao fundo da multidão. A ruiva apenas acenou com a cabeça. Marta lembrou-se de Ka’kwet dizendo que podia confiar em Anne, corou mais do que nunca antes em sua vida, e levantou o vestido até suas coxas, torcendo o tecido em suas mãos. Anne corou pela menina também, imaginava o quando morreria de vergonha se tivesse que fazer isso, mas não via outra maneira, poderia até haver, mas naquele momento não via. Rubi, Tillie, e Diana cobriram a boca com as mãos, Jane arregalou seus olhos e Josie Pay balançava a cabeça em negação a atitude da menina, embora por dentro estivesse com muita pena dela. Poderia chegar a dizer que sentiu compaixão pela menina. Gilbert e Cole em respeito, apenas desviaram os olhos também sentindo a vergonha da pobre menina.

A multidão soltou uma “Hoo!”, como antes, assim que viram as marcas roxas, quase pretas nas coxas da menina. Não era uma ou outra, mas várias. Ela tinha levado uma boa surra, e ao que tudo indicava, aquele episodio das 24 chibatadas não havia sido a única vez, havia se repetido várias, e várias vezes. Além disso, seus joelhos estavam rasgados e infeccionados fruto de outro castigo que sofrera. Suas mãos estavam inchadas, e marcadas. Ela baixou a saia rapidamente e se encolheu novamente. Cole a abraçou carinhosamente pelos ombros. A multidão começou a gritar novamente, todo o tipo de xingamentos ao prefeito. Que tentava sem sucesso acalmar a multidão.

Diana viu a “pessoa” ao lado de Gilbert e não a reconheceu, olhou novamente se inclinando para frente serrando os olhos. Anne a viu, e a cumprimentou com a cabeça, com um chapéu imaginário como um cavalheiro que era. Diana sorriu e ficou ereta rapidamente para que ninguém percebesse quem ela observava. Então foi discretamente até a amiga.

— Anne Shirley-Cuthbert! Você surtou de vez!

— Por favor, me diga que sabe onde esta meu vestido! Deixei-o escondido em um arbusto quando subi no telhado, mas não o achei mais! – Indagou Anne. Diana não pode conter o sorriso muito menos Gilbert.

— O que fazia no telhado? – Perguntou Gilbert entre risos trocados com Diana.

— Depois eu conto tudo, você tem meu vestido? – Sorriu a preocupada ruiva, que ainda tinha a última parte do plano, o ultimato para fazer.

— Aqui. – Disse Diana ainda rindo, entregando o vestido a amiga.

— Vem comigo para me ajudar e se vestir?

— Eu não! – Respondeu ríspida Diana. Anne ficou confusa até a amiga sorrir novamente. – O que dirão se me virem se embrenhando no mato com um menino? – Gilbert riu alto, por sorte não chamou a atenção da multidão, pois estavam histéricos. Anne puxou a mão da amiga e rapidamente sumiram as duas. Tillie, Jane, Josie e Rubi continuavam pondo em prática o que ensaiaram. Ficavam colocando lenha na fogueira, dizendo como tudo aquilo era errado, que eram apenas crianças e empolgando a multidão. O prefeito suava frio com cada um dos comentários. Diana voltou rapidamente lançando um olhar para um risonho Gilbert “É sua namorada!”, disse ela indo até as outras meninas. Anne voltou na mesma posição em que estava antes, ao lado de Gilbert, agora com uma postura de perfeita dama. Diana avisou os outros da “Jogada Fatal” como Anne nomeou, que era a última parte para o plano dar como concluído, se não desse certo, não tinha nada planejado, teria que improvisar ou largar os pontos. Elas olharam para Anne, que acenou em sinal que começassem. Eis a “Jogada Fatal”:

— Senhor prefeito! – Começou Jane, com um tom alto e confiante. - Como o senhor pode se chamar um bom homem se permite algo assim em nossa sociedade? Que tipo de monstro asqueroso e nojento, faz esse tipo de atrocidades com pobres crianças se não for por prazer de infligir dor? Esse tipo de flagelamento não pode ser chamado de “correção de comportamento!”, ainda mais quando os pais dessas crianças nem podem visita-las! Estão mantendo essas crianças em cárcere privado! Isso é crime! Se é feito isso com crianças que nem podem se defender, o que o senhor permitirá ser feito com os adultos? Quanto tempo quem permitiu isso com essa gente, vai levar para permitir isso nas nossas escolas, com as nossas crianças?

A multidão bravejava a cada final de frase, em apoio. Agora era a vez de Gilbert.

— Se os pais que deram vida a essas crianças, que criaram e cuidaram delas, não tem autoridade para buscar seus filhos quando querem, quem a tem? Se estão tirando a autoridade dos pais sobre seus próprios filhos, para dizer o que vão ou não fazer, o que vão ou não comer e o que vão ou não vestir, qual será a próxima coisa que irão fazer? O governo acaso tem mais autoridade sobre as crianças que os próprios pais? Por que esse pensamento não é difícil de se imaginar saindo dos internatos até nossas casas?

— Isso mesmo! – Gritou Rubi. – Foi assim que começaram com os negros, dizendo que eles deveriam aprender os nossos costumes por que não valiam nada, e apenas seguindo nossas leis e culturas valeriam de algo, e os que não seguiam eram escravizados. Se um homem como o senhor concorda com isso por conta de serem “diferentes” de nós, então imagino que tipo de pai é para os seus filhos, e o que ensina para eles, não só acerca dos negros, mas dos indígenas, dos franceses, dos ianques! E todos aqueles que o senhor considera diferentes dos seus!

Esse era forte, Anne sabia que várias pessoas de Charlottetown eram de franceses e ianques, e que sofriam preconceito por conta disso. Mais um pouquinho de sal na ferida, e a fogueira estaria no auge.

— Não só como homem! – Disse Josie Pay. – Mas como prefeito! Pergunto eu, se esse é o tipo de prefeito que queremos para a nossa cidade! Por que se o senhor nos representa, então os que olharem de fora e souberem dessa notícia pensarão que nós também apoiamos isso! Cada uma as atitudes do senhor! Por que afinal, o senhor nos representa, a cada um de nós.

Josi falou a última frase pausadamente, como Anne lhe havia instruído. A multidão pegou fogo e foram para cima do prefeito, fazendo a fala de Tillie e Cole serem esquecidas, e logo serem passadas para a de Anne. A jovem correu até a frente do prefeito e se pôs diante dele impedindo as pessoas de se aproximarem mais.

— Fiquem todos calmos! Tenho certeza que o senhor prefeito não estava ciente dessas atrocidades, e que está tão surpreso quanto nós. Votaram nele por que é um homem bom, honesto e justo, e que jamais permitiria tal coisa! – O homem estava quase descompensado atrás de Anne, apenas concordava com a cabeça, não tendo fôlego para falar nada. – E agora que sabe o que está acontecendo, não permitirá nem mais um dia que isso continue, não é mesmo prefeito? – Ela perguntou virando-se de costas para a multidão, ficando cara a cara com o prefeito. A multidão furiosa começou novamente a se exaltar, murmurando pelo silêncio do prefeito. Anne falou baixinho, apenas para ela e o senhor a sua frente ouvirem. – As eleições são daqui a alguns meses senhor. Dei-lhe de bandeja a oportunidade de garantir sua reeleição, ou de jogá-la no lixo. Garanto-lhe que a cidade não irá se esquecer desse episodio nem seus oponentes, e que as cidades vizinhas ficarão sabendo também.

— Foi você que escreveu aquele texto não? – Disse ele entre dentes.

— Não, mas mentiria se dissesse que não tive nada a ver, posso muito bem lembrar a cidade daqui uns meses, com mais imponência do que hoje. Dou-lhe minha palavra. – O homem serrou os punhos. – Não fique bravo. Como eu disse, estou lhe dando a oportunidade de virar o herói da cidade, garantir seu próximo mandato e estabelecer a paz com um povo que o senhor não vai querer brigar vai? Pense bem, o que quer na capa dos jornais amanhã? Seu fracasso ou sua glória?

Os olhos do homem desviaram do rosto de Anne por um instante, e dirigiram-se para a cidade.

— Com certeza não permitirei que isso continue! – Disse ele. – As pessoas que causaram mal a essa pobre criatura (Marta), serão severamente punidas. – Ele dirigiu-se para o padre e as freiras, que ficaram brancos. – Hoje mesmo, as crianças terão seus diplomas assinados, com o grau de escolaridade que correspondem ao que aprenderam. Ao que sabem. – Então dirigiu-se ao povo. – E amanhã no primeiro trem serão enviadas novamente a suas casas. O internato será transformado em uma escola de meio período, com direito a professores formados. As crianças indígenas e agora também as negras que, com o consentimento dos pais, quiserem estudar nela serão aceitas e ao final do meio período voltarão a suas casas. Essa escola será apenas para essas crianças, para que tenham onde ir estudar e se introduzam na nossa sociedade como era o plano original do internato, antes de tudo isso ocorrer.

— Três vivas para o nosso prefeito! – Gritou Anne. Todos gritaram e aplaudiram enquanto Anne e seus amigos bajulavam o prefeito com frases como “Esse é o nosso prefeito, que resolve as coisas na hora!”, “Viva o prefeito!”, “Esse é o prefeito da nossa cidade!”, “É isso que o povo quer, um prefeito que nos representa!”. Afinal, o que é o poder do ego não? Lá ficou o prefeito, todo pomposo recebendo os elogias fingindo estar constrangido.

No meio do alvoroço Gilbert foi até onde Anne estava, ela gritava feliz como nunca por ter conseguido salvar sua amiga. Marta ao seu lado sorria timidamente com lágrimas nos olhos, enquanto Diana e Tillie a abraçavam. Jane, Rubi e Josie também foram até Anne e a abraçaram. Não podiam acreditar que tinha dado certo. Todos estavam contentes e orgulhosos do trabalho bem feito. A multidão foi se dispersando aos poucos. Gilbert sorria enquanto via aquela cena. Anne o notou e correu para abraçá-lo.

— Conseguimos! Conseguimos Gilbert! Dá para acreditar?

— Você conseguiu! – Ele disse com os olhos brilhando ao ver o sorriso tão grande naquele rostinho sardento que ele tanto amava. Seu coração batia forte, nunca tivera tanta certeza do quando amava aquela garota, do quanto queria passar o resto de sua vida ao lado dela, do quanto era incrível e única! E incomparável a qualquer outra, pois qualquer comparação para ele seria injusta tamanha era a singularidade de Anne Shirley-Cuthbert. – Eu tenho TANTO orgulho de você! – Disse ele segurando a cintura de Anne e a puxando para si, beijando-a como ambos estavam aguardando se beijar durante toda aquela longa semana, como estavam se aguentando para não se beijar desde que Gilbert chegara à cidade. Sentiam o coração vibrar com o beijo, esquecendo-se por um instante onde estavam, mas para que serve os amigos não? As meninas a Cole perceberam O BEIJO acontecendo ali. E se entreolharam com risinhos, até mesmo Rubi.

— Pombinhos! – Chamou Diana. Anne e Gilbert pararam meio sem jeito e olharam para Diana. – Sei que vocês já estão comemorando, mas nós vamos para a Casa da Tia Jô festejar o resultado do plano, se vocês quiserem ir, estão convidados.

— Claro! – Disse Gilbert. – Nós vamos. – Ela segurou o braço dele, e foram juntos festejar na casa de Tia Jô.


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Notas finais do capítulo

Próximo capítulo previsto para dia 09/02/2020. Talvez antes.



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